Capítulo 42
Christian Charles:
Meu temor por sua consciência voltar era assustadora. Eu queria e não queria ao mesmo tempo. Sei que ela não podia ficar sem memória, e querer que ela não volte é um puta egoísmo meu.
O que eu sinto por Violeta é mais que estranho e perturbador. Sem contar o cacete de ciúmes que sinto quando vejo algum homem olhando-a de maneira mal-intencionada.
— Está preocupada com o acontecimento ocorrido na farmácia? — olhei-a de relance, trazendo vagamente e lentamente sua preciosa atenção para mim.
— Um pouco. Os pesadelos, isso de hoje. — ela respira fundo. — Os ocorridos do meu passado não devem ser coisas boas. Acho que eu não tinha uma vida normal, entende o que quero dizer? Vamos começar pelo dia que você me encontrou, como diabos eu fui parar naquela floresta?
— Você sente que seu passado era ruim? — balbucio e paro o carro, olhando-a profundamente, que demora não sei quanto tempo para me dar uma resposta.
— À julgar pelos terríveis pesadelos e a memória de hoje, sim. Sinto que não era ruim, mas péssimo. — ela fala baixinho e meu estômago dá um nó por causa disso. Quero voltar no passado, consertar as porras que fiz. Mas, infelizmente, isso não é possível.
— E gostaria de se lembrar da verdade, o que viveu, presenciou, sentiu?
— Quer mesmo a verdade? — assinto.
— Não faço a mínima ideia, Christian Charles. — torço o nariz por ela ter falado meu nome assim e a mesma sorri de lado.
— Meu maior medo é minha memória voltar e eu descobrir coisas ruins, ficar ainda mais sem rumo. Totalmente perdida.
Quero contar a verdade, o quanto fui sujo, desonesto e frio com ela. O que eu fiz, o quanto me arrependo, mas não quero seu ódio, sou um maldito egoísta. Não sei se vou suportar seu rancor e desprezo. Um: "Eu te odeio!" seu. Sei que continuar com essa ilusão só vai contribuir para minha ferida aumentar, mas preciso, e vou, me preparar para lhe contar a verdade, para receber seus milhões de xingamentos e todo o desprezo que mereço.
Paro de pensar no seu futuro ódio por mim e foco no agora. Preciso ter essas boas recordações de nós dois quando tudo acabar.
— Meu anjo, não gaste suas energias com isso. Essa inquietação não te faz bem. Quero ressaltar que eu vou estar aqui em todos os momentos te fazendo sorrir. — faço uma pausa. — Me deixe fazer parte da sua vida quando tudo acabar. Me deixe mostrar que sou o seu Charles. O que você conheceu e beijou. O que está aqui agora. — ela inclina a cabeça e me olha com ternura. Ergue sua mão e segura em meus cabelos.
— Você é a pessoa que mais vou precisar quando tudo isso acabar, Charles. — isso nunca vai acontecer. Meu coração chega a doer por dentro.
A puxo para um abraço e aliso seus cabelos castanhos. Puxo o ar e sinto seu aroma, querendo guardá-lo para nunca mais esquecê-lo.
— Tá. — Violeta se afasta. — Vamos! — joga seu cinto para longe de si e me puxa.
— Vamos, sim.
Ela escolhe, pela segunda vez, uma mesa para nos sentarmos.
Violeta corre os olhos pelo local e diz:
— Legal aqui.
Balanço a cabeça, concordando.
— Não vai ao banheiro desta vez?
— Quero ficar sem pau se eu te deixar sozinha de novo. — só depois de alguns segundos percebo o que falei. Violeta ri sem graça.
— Já me acostumei com seus "porra", "caralho", "cacete", "puta merda", "puta que pariu", "foda" e... e esse daí. Você já falou mais, só que dá vergonha de dizer.
Rio, admirado e impressionado ao mesmo tempo.
— Gata, já te disse que você fica fodidamente sexy falando palavrão?
Uma garçonete aparece e nos lança um sorriso cansado e simpático.
— Bom dia! O que vão querer?
— Um cappuccino e donuts. — respondo.
Ela se vira para Violeta.
— Café com leite e muffins salgados.
Quando ela se afasta de nós, um carro é estacionado em frente à cafeteria e um cara alto desce dele, depois uma mulher. Ela me parece familiar, mas não consigo me lembrar de onde. Ela fala alguma coisa para ele e antes de sair, se despede de alguém que ainda está no carro. O homem dá a volta e abre a porta, segurando a mão de uma... Porra! Aquela é a Anne.
O cara entra e começa a conversar com outro, que suponho ser seu amigo, pelo modo como os dois falam e gesticulam ao mesmo tempo. Anne me vê, diz algo para ele, que assente, e corre em minha direção. Ela pula sem hesitar no meu colo e me abraça, rindo.
— Tiooo!
— Oi, pirralha. — todos estão chocados ao meu redor, principalmente Violeta. — Anne, esta é minha namorada, Violeta.
— Ooi! — ela sai do meu colo e vai até Violeta, a abraça e depois volta.
— Você é muito linda, Anne! — elogia ela, sorrindo.
— Obrigada.
A garçonete trás nossos pedidos.
— Oi, Anne. Tudo bem? — fico me perguntando se trazem ela frequentemente ao café para ela a conhecer. Não só ela, do jeito que os outros olham, tenho a mesma impressão de que sabem quem ela é.
— Tudo. Donuts? Eu amo donuts! Posso pegar um?
— Claro que pode. — digo.
Posso ver a pergunta estampada na testa de Violeta, mas estou pensando em algo para dizer quando o cara aparece ao meu lado.
— Bom dia. — como sempre, só Violeta responde. — Anne, meu amor, de onde você o conhece? — ele me questiona com o olhar.
Cacete. Anne abre a boca para responder, mas não diz nada. Me olha sem reações, como se dissesse: "O que eu digo?" Sinto uma pontada de felicidade por saber que ela não contou nada.
— Sou amigo da tia dela. — ele franze a testa.
— Ela é minha mamãe agora, e este é o meu novo papai. — diz Anne.
— Prazer — ele estica sua mão. — Me chamo Francis.
— Chris. — faço uma pausa. — Novo papai, hein? E o que aconteceu com o antigo?
Ele hesita antes de responder e murmura:
— Ele viajou e não vai mais voltar, se é que entende o que quero dizer. — sorrio.
— Entendo.
Ele repara em Anne comendo o donuts, está com a boca suja e murmurando alguma coisa para Violeta.
Ele grunhe.
— Anne, meu amor, desça do colo dele! — penso em retrucar dizendo que ela pode ficar, mas não tiro sua razão. Se eu fosse o pai dela, também não a deixaria ficar no colo de um estranho que acabei de conhecer.
Ela desce do meu e vai para o de Violeta. Bem esperta.
— Sua namorada? — pergunta.
— Sim.
— O nome dela é Violeta, papai! — ele faz um breve aceno de cabeça.
Nesse momento sua tia, quero dizer, "nova mãe", entra procurando os dois. Ela nos vê e congela no meio do caminho, mas se recupera bem ligeiro e vem até nós.
— Querida, o Chris disse que é seu amigo.
Ela me olha aterrorizada e depois para Anne no colo de Violeta. Respira fundo e tenta dá um sorriso nada forçado.
— É, sim! Ele é um amigo meu. — engole em seco. — Anne gosta muito dele. Céus, Anne! Você se sujou toda. Me desculpe por isso... Ér...
— Violeta.
— O meu é Emma.
— Foi um prazer conhecer vocês dois.— diz Francis. — Meu amor, preciso ir. Volto daqui a meia hora, pode ser? É o tempo de vocês duas... — ele olha para Anne comendo. — De você tomar café. Espera. Você parece pálida, está tudo bem?
— Tudo ótimo! Por que eu não estaria bem? — começa a rir. Francis parece desconfiado de sua reação.
— Até mais, então. — ele dá um beijo em sua bochecha. — Volto daqui a pouco, meu amor. — beija Anne também e sai.
Emma suspira e se vira.
— Vamos, Anne, preciso limpar você.
— Não, mamãe! Eu quero continuar comendo.
— Deixe a garota comer. — retruco e ela recua.
— Por que não come com a gente? — Violeta oferece.
— Não. — falo bruscamente e Violeta me encara. Pigarreio. — Quero ficar um pouco com a Anne, conversar com ela. Tudo bem, né? — Emma parece pensar e suspira fundo.
— Tudo, é claro. — sua voz chega a falhar. — Vou me sentar ali.
Sorrio para ela e posso ver a raiva, o medo e a frustação dançando em seu rosto.
Chamo a garçonete e peço mais donuts.
— E me trás um pedaço de bolo de chocolate! — eu e Violeta rimos. Do outro lado, posso ver Emma quase tendo um ataque do coração. Acho que sei por que é.
— Acho que sua mãe não te deixa comer muito doce no café da manhã. Estou enganado?
Anne olha para ela e sorri.
— Não deixa, mas hoje ela não pode fazer nada. — sussura.
— Tem razão. — Violeta sorri, comendo também. — Até por que não faz mal de vez em quando.
— Não mesmo. — digo acompanhando as duas, que soltam uma gargalhada.
Algumas pessoas passam por nós e falam com sua mãe e ela. Anne diz para cada um "oi" alegre e acena com a mão.
— Seus pais são amigos dessas pessoas? — agradeço mentalmente a curiosidade de Violeta.
— Ele é dono do café.
— Isso explica muita coisa. — digo. — E seus pais estão te tratando bem?
— Muito! Por que?
— Por nada, pirralha.
Quando chega a hora de irmos embora, Violeta abraça Anne e não a solta por longos segundos. Ela agarra em meu pescoço.
— Não queria que vocês fossem. — choraminga em meu ombro e eu e Violeta a levamos para onde sua mãe está.
— Vamos visitar você depois, tá bom?
— seu rosto se ilumina com a ideia.
— Sério?
— Mais que sério! Não estamos convidados, Emma, para ir até a casa de vocês? — ela arregala os olhos e quase se engasga com seu suco.
— Estão.
— Até mais, pirralha.
— Tchau, tio! Tchau, Violeta!
— Tchau, querida. — Violeta solta um beijo no ar para ela. No carro, ela diz:— Anne é um amor. Quero ela pra mim.
Viro a chave e rio.
— Podemos fazer uma Annezinha, se quiser.
Ela gargalha.
— Nem pensar.
Em casa, Violeta sobe para o andar de cima e eu me jogo no sofá, vendo uma ligação perdida de Mário e uma mensagem de texto.
Informações. Me ligue quando puder!
— Então? — pergunto após alguns segundos.
— Com base nos dados que você forneceu para nossa equipe, encontramos eles. A placa do carro, nomes e endereços.
— Maravilha.
— Charles, em que confusão você está metido agora? Quero dizer, no que quer se meter?
— Não importa.
— O que houve entre vocês? — Mário insiste.
— Um deles disse umas merdas à Violeta, tá legal? E ainda me ameaçou. Você sabe como as coisas ficam para quem me ameaça. — ouço sua risada. Filho da puta.
— Você é a pessoa mais encrenqueira que eu já conheci.
Desligo e Violeta vem até onde estou. Eu a puxo para o meu colo, corro minhas mãos por sua cintura e cabelos e beijo a pele macia e quente de seu pescoço. Ela toca meu lábio inferior com a ponta do dedo e cola nossos lábios, parando apenas momentos depois para conseguirmos respirar.
— Às vezes desejo que isso nunca acabe.
— Não vai.
— Você não sabe.
— Temos que tentar. Não acha? — afasto uma mecha de seu cabelo para trás da orelha e acaricio seu braço. — Pode parecer ridículo, mas... Você mexe comigo de uma forma tão... estranha e... intensa. Isso fode com a minha cabeça. — ela ri e beija meu ombro, descendo até meu peito.
— Essa é sua maneira de dizer que gosta de mim?
— É, meu anjo.
— E se o que você sente é só... algo físico? E quando acontecer você mude de ideia em relação à nós dois?
— Eu que deveria estar fazendo essa pergunta. É você quem tem me tentado, gata. O mais provável é que você me use e depois não queira mais nada comigo. — Violeta gargalha.
— Eu nunca faria isso.
— E eu só tenho olhos para você. — sussuro em seu ouvido e a vejo se arrepiar.
— Se tem olhos só para mim, por que mentiu hoje?
Franzo a testa e Violeta baixa o olhar.
— Como assim? O que foi que eu disse?
— Disse que só tinha o Mário como amigo, e hoje mesmo você disse que a Emma era sua amiga.
Sorrio e levanto seu queixo com meu dedo indicador.
— É só a forma de dizer. Ela não é minha amiga de verdade.
— Vocês dois já...?
Gargalho.
— Não! Óbvio que não! — ela ri também.
— Sou uma idiota por ter pensado isso.
— Não. Não é.
— Pelo histórico de seu passado, acho que não sou mesmo.
— Eu não te contei muita coisa do meu passado. — aponto.
— Mas eu já deduzi como você era. Estou errada?
— E como eu era? — a provoco falando baixinho em seu ouvido e correndo minhas mãos por suas costas. Violeta respira fundo antes de dizer uma reposta coerente.
— Um cara que... só pensava em se divertir com as mulheres.
— Mas eu estou neste exato momento me divertindo com uma mulher. Ela é linda, me faz sorrir mesmo quando estou puto de raiva, tem o sorriso mais charmoso e sexy que há vi e... droga. Ela é gostosa pra cacete!
Ela sorri.
— Isso soou tão fofo vindo de você.
Grunho e faço uma cara de quem está bravo.
Ela ri de novo e me beija. E penso no que ela disse instantes atrás: Às vezes desejo que isso nunca acabe. Eu desejo tanto também que esse momento jamais chegue ao fim, que chega a me sufocar por dentro.
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