
Os Pássaros *
Meu peito continuava queimando, a respiração ofegante e o rosto embebido em lágrimas ao passo que corria para o dormitório feminino.
Afundando na cama, puxei um pouco mais de ar para os pulmões. O Oli tinha feito outra vez, tinha me magoado, e doía. Muito.
Ele estava interessado na Emily Dawson? Como ele podia gostar de uma garota como Emily Dawson? Ela é chata, metida e tem a voz mais irritante de todas. Como era possível que o Oli não visse o tipo de pessoa ruim que ela é? Emily Dawson e como uma versão menos - bem menos - carismática da Regina George*. Tão arrogante e esnobe que chegou ao ponto de dizer na cara da Sra. Bishop, a cozinheira, que nem os porcos comeriam sua comida. A pobrezinha ficou tão abalada que voltou chorando para a cozinha. Foi horrível. Mesmo torrando os miolos eu não conseguia entender como o Oli pôde se apaixonar por uma criatura tão fútil e mesquinha.
— O que ele fez dessa vez? — Lilian perguntou, sentada à escrivaninha. Pela quantidade de papel espalhado e o número de revistas adolescentes despedaçadas à sua frente dava para ver que fazia uma colagem.
— Na- Nada. — respondi, escondendo o rosto sob um travesseiro.
— Se está assim é porque ele aprontou outra vez, então para de enrolação e começa a falar.
A última coisa que eu precisava era de mais um sermão, mas Lilian é a minha melhor amiga e eu nunca ousaria mentir para ela.
— Ele me disse que está apaixonado pela Emily Dawson. Dá para acreditar? Emily Dawson.
— Ele te disse isso? — Suas mãos mandaram para longe o travesseiro que eu insistia em apertar contra o rosto e olhei para ela, parada ao meu lado, me encarando como se eu fosse digna de pena e me fazendo sentir ainda pior.
Lilian é uma boa pessoa, uma amiga maravilhosa, mas sensibilidade não é o seu forte. Ela é racional e pragmática, não uma tola sentimental como eu.
— Com todas as letras.
— Como ele pôde? Que idiota! Você quebrou o nariz dele, não quebrou? Diz que sim, por favor! Diz que acertou um jab de esquerda* naquele nariz empinado e deixou o sangue escorrer por aquela pele albina.
— Na verdade não. — disse baixinho, um pouco assustada diante de sua reação - eufórica?
Seus ombros se encolheram e ela despencou na minha frente, fazendo o colchão afundar.
— Eu não sei quem é mais idiota, você ou ele, embora desconfie que seja você. — começou, se apoiando nos cotovelos e erguendo o troco para olhar diretamente para mim.. — O seu cérebro funciona de forma brilhante na maior parte do tempo, mas quando se trata daquele imbecil as engrenagens travam e você passa a agir como a maior idiota de todas. — ela torceu os lábios numa careta e apertou a minha mão, forte demais, antes de continuar: — Agora faça um favor a si mesma e pare de choramingar. Enxugue essas lágrimas, ele não as merece, e se merecesse não faria com que as derramasse.
— Por que você tem que ser tão dura sempre?
— Porque sou sua amiga e, amigas falam a verdade, por mais dolorosa que seja. Não pense que é fácil para mim te falar esse tipo de coisa, porque não é, mas você precisa acordar. Viola, eu queria que fosse diferente, queria poder dizer o contrário, mas aquele garoto não gosta de você, se gostasse não a trataria dessa forma.Dizer na sua cara que gosta de outra é um pouquinho demais, não acha? Eu, no seu lugar, teria quebrado todos os ossos do corpo dele e passado em um moedor.
Ignorei seu comentário perverso, Lilian sempre teve o hábito de ruminar ideias macabras. Sorte do Mundo ela não estar verdadeiramente disposta a colocá-las em prática.
— É que tem algo no jeito que ele me olha, eu não sei dizer ao certo o que é, mas os olhos dele ficam sempre brilhantes e...
— Por favor, essa história de novo não. — interrompeu com uma revirada de olhos teatral. — Sabe o que eu acho? Acho que isso é tudo fruto da sua imaginação, você vê o que quer ver. Quando eu era muito pequena, meu pai me mostrou uma imagem bastante curiosa, uma daquelas figuram malucas que os psiquiatras costumam desembuçar aos pacientes e que você encontra aos milhares no Google. Ele me perguntou o que eu via e, fez a mesma pergunta a Jason e Arnie. Eu respondi que via Joana D'arc empunhando uma espada. Jason, com toda convicção, afirmou que era um cavalo trotando. Arnie foi mais longe, disse que se tratava de um coelho. Cada um viu o que queria ver e, estávamos todos errados. No fim, meu pai sorriu para nós e disse: "Quanta imaginação, é apenas tinta. Eu prentendia escrever ao Bob e a caneta estourou sobre o papel." Rigel Santford é só um borrão que você insiste em transformar em algo mais. — concluiu.
— Você não entende. — sibilei num tom macilento. — Eu não sou uma idiota, sei que pareço uma, mas há um grande abismo entre parecer e ser.
Lilian respirou fundo.
— Viola quando um garoto gosta realmente de uma garota ele dá um jeito de demonstrar isso, por mais tímido ou imbecil que seja ele sempre dá um jeito. Donald é a pessoa mais tímida que já conheci e, ainda assim, deu um jeito de demostrar que sente algo por mim quando pediu ao idiota do Dean que me entregasse uma cartinha hoje pela manhã.
— Donald gosta de você? — Meus olhos se arregalarem e minha boca se abriu.
Mas era o Dean quem estava apaixonado por ela, eu tinha quase certeza disso. Ele a cobria de elogios, curtia todas as suas fotos e deixava milhares de emogis fofinhos, e teve aquela vez em que ele escreveu o trecho de uma música da Taylor Swift em seu mural só para agradá-la, o que acabou não dando muito certo, já que ele teve o azar de escolher justamente a única música da Taylor que a Lilian odeia.
— É o que parece.
— Eu fico feliz que Donald demonstre o que sente por você, isso é maravilhoso, mas nem todos os garotos são iguais.
— Acho que preciso ajoelhar e agradecer a Deus por isso. Imagina se todos fossem iguais àquela lagartixa albina, eu optaria pelo celibato, esteja certa. — disse seriamente.
Sentando na cama, me encolhi contra a cabeceira.
O Oli não se parece em nada com uma lagartixa albina. Sim, ele pode ser branco demais - e, talvez, um pouco magro demais também. Mas é tão bonito quanto um céu de verão, o garoto mais bonito que eu já vi na vida. E eu sei que falando dessa maneira parece que sua aparência é tudo que conta para mim, mas não, o Oli não é só mais um rostinho bonito, ele é especial, de todas as formas que uma pessoa pode ser.
— Ele não é uma lagartixa albina, nem mesmo se parece com uma. -- falei após um tempinho, meio de supetão.
— Ah, se parece sim e, muito. — Lilian tornou entrerisos. — Viola, como sua melhor amiga, vou te dar um conselho precioso. Esqueça aquele garoto antes que acabe se machucando ainda mais.
— Eu não consigo.
— Deve ser porque não está se esforçando o suficiente. Pare de correr atrás dele, foque na sua campanha, nos estudos, em qualquer coisa, mas esqueça aquele idiota presunçoso.
— Eu não estou correndo atrás dele, só...
— Só está dando a ele a chance de ver que foram feitos um para o outro. — interrompeu, franzindo completamente o rosto. — Toda vez que fala isso eu me sinto tentada a esganá-la. Pare de dar chances a Rigel Stantford, ele não merece nada de você a não ser desprezo e uns bons socos no nariz. Se afastar dele é o melhor que pode fazer por si mesma. Aquele imbecil metido a besta não vale o seu sofrimento.
Eu queria rebater, mas, aquela altura, me sentia totalmente cansada, física e emocionalmente esgotada.
...
A lua cheia acariciava minhas pernas com seus fachos de luz prateada; recostei a cabeça no batente e, enquanto contava as estrelas, me peguei refletindo acerca de tudo o que Lilian me dissera - pela milionésima vez desde que pude ficar sozinha. Talvez ela estivesse certa. Talvez o melhor para mim fosse mesmo me afastar do Oli por um tempo. Os orientais acreditam que há um fio invisível amarrado ao tornozelo de cada ser humano, um fio que o liga e conduz à pessoa certa, se o Oli for a pessoa certa para mim, então não importaria o quanto nos distanciemos, no fim encontraremos nosso caminho de volta um para o outro, porque o tal fio invisível nunca se rompe, nunca se deteriora e sempre nos conduz ao verdadeiro amor.
Na manhã seguinte, quando passava pelo corredor, o avistei recostado em uma parede cerado pela trupe costumeira: Arran Marshall, Nicholas Straus e Emily Dawson - que não parava de se insinuar jogando os cabelos para o lado e rindo como uma hiena asmática. Pensei em recuar, abortar a missão, mas em vez disso respirei o mais fundo que pude e me aproximei do grupo.
— Olá! — cumprimentei com um aceno, usando de toda a minha coragem para continuar de cabeça erguida enquanto era descaradamente avaliada pelo bando.
O jeito como me encaravam - como se eu fosse uma aberração fugida de algum circo - fez cada gota de sangue em minhas veias congelar. Eu não conseguia parar de tremer e, para piorar, tinha começado a suar frio.
Oli juntou as sobrancelhas, parecia irritado.
— Oi. — sibilou num tom assustadoramente frio. E foi o único, nenhum dos seus amigos sequer se deu o trabalho de devolver meu cumprimento.
— Eu queria falar com você, tem um minuto?
— Não sei se percebeu, mas já está falando, Beene.
Apertei os lábios, talvez devesse sair correndo, ou quem sabe seguir o conselho da Lilian e acertar um soco em seu nariz. Balancando a cabeça, afastei tais pensamentos, não sou uma covarde, sair correndo estava fora de cogitação. Tampouco, sou uma pessoa violenta, só de pensar em acertar alguém meu estômago revira inteiro.
— É importante. — sussurrei ao me inclinar levemente em sua direção.
Ele me lançou um olhar seco.
— Algo importante e que não pode ser falado na frente dos seus amigos, Stantford? — Nicholas Straus começou. — O que está esperando? Vai nessa, meu amigo! Não quer deixar esta belezinha esperando o dia inteiro, quer? — prosseguiu em tom debochado, desferindo alguns tapinhas no ombro do Oli.
Minhas bochechas queimavam como lenha no Natal.
— É, vai nessa, amigão. — Arran reforçou com uma risada.
Emily Dawson, por sua vez, pareceu não achar a menor graça naquilo e me encarou com a pior cara possível, os olhos verdes faiscantes. Por um instante, cheguei a pensar que ela saltaria sobre mim como uma leoa faminta, arrancando minha pele e vísceras a dentadas.
— Volto num minuto. — Oli esfregou a nunca. E a única vez que o vi tão desconcertado foi quando quase me beijou, no nosso primeiro dia no Madison.
— Tudo bem. — Emily Dawson afirmou com um sorriso mais forçado que o do espantalho que o papai usa para manter as aves longe da plantação.
Ele fechou a cara e começou a andar, fazendo sinal com os olhos para que o acompanhasse.
Será que o meu queixo estava tremendo? Levantei a mão para conferir, se estivesse precisaria dar um jeito de fazê-lo parar. Não é nada legal ter um queixo tremulante.
O Oli parou abruptamente, a uns cinco metros de onde seus amigos se encontravam, e por muito pouco não me choquei contra suas costas.
— O que você quer dessa vez, Beene? — cuspiu, arregaçando a manga da camisa até o cotovelo.
— É que eu-eu...
— Você o quê? Para de gaguejar, eu não tenho o dia todo. — Arrumei os óculos e engoli em seco, sem saber ao certo por onde começar. Eu Ainda podia sentir os olhares de seus amigos queimando às minhas costas. — Vai falar ou não?
— Eu estive pensando...
— E? — interrompeu com a sobrancelha clara arqueanda.
— E acabei chegando à conclusão de que seria bom nos afastarmos, por um tempo pelo menos. Seria bom para mim porque poderei me dedicar integralmente aos estudos e à campanha. E seria bom para você por...
Ele bufou.
— Era isso que tinha para me dizer? Você é inacreditável.
— Então tudo bem para você?
Por favor, diga que não. Por favor, diga que não. Por favor, diga que não.
— É claro. Por que não estaria?— disse. — Isso é tudo ou andou pensamento em mais alguma coisa?
Não respondi, as palavras tinham me abandonado. Senti meu coração diminuir e afundar no peito como uma âncora, me puxando para o fundo junto com ele. Por mais tolo que pareça, eu tinha esperanças de que ele discordasse, de que dissesse que era uma péssima ideia e pedisse para que não me afastasse. Mas não, ele apenas concordara.
— Se isso é tudo, eu vou nessa. — Ele deu um passo à frente, encarando os amigos por cima do meu ombro, não precisei olhar para saber que estavam rindo. — E nunca mais faz isso, tá legal? Não volte a me perturbar quando eu estiver com os meus amigos, Beene, é sério. — pontuou baixinho, antes de sair andando.
Lilian estava certa, ele não gostava de mim. Eu não sou nenhuma especialista em amor, mas sei que quando você gosta de uma pessoa você quer mantê-la perto, e o Oli não me queria por perto. Ele não se importava.
Me sentia fraca e irremediavelmente decepcionada, mas não ia chorar, não derramaria nem mais uma lágrima. Sei que sou uma pessoa cheia de defeitos, mas a covardia não figura entre eles, eu precisava ser forte, e seria.
Depois daquilo foi praticamente impossível prestar atenção ao que os professores diziam, pelo restante do dia tudo o que eu fiz foi me arrastar de aula em aula, evitando ao máximo olhar para o Oli, ou mesmo pensar nele.
Quando a Sra. Petterson nos dispensou, quinze minutos após o alarme soar, corri para o jardim e me sentei em um banco, jogando migalhas de pão aos pássaros. Perscrutava atentamente o pequeno passarinho acinzentado que bicava a ponta do meu sapato quando uma mão pousou no meu ombro. Num sobressalto, ergui os olhos, afinal o jardim não é o lugar preferido dos alunos, ninguém se interessa muito pela revoada que chegara do Norte, ou pelo perfume que os canteiros de violetas espalham no ar.
— Posso? — Jason perguntou e, antes que eu pudesse responder, caiu ao meu lado no banco.
Seus cabelos estavam uma bagunça, os cachos marrons despontavam para todos os lados ao serem açoitados pelo vento.
Assenti com um sorriso e ele enfiou a mão no saquinho de migalhas sobre o meu colo.
— Lilian me contou. — prosseguiu com os olhos fixos no horizonte.
— Contou o quê?
— Você sabe, que o idiota do Stantford está a fim da Emily Dawson.
Ele lançou alguns pedacinhos de pão aos pássaros e, enquanto os observava comê-los, começou a fustigar o enorme buraco em seu jeans. Parece que todas as calças do Jason têm algum rasgo que combina perfeitamente com suas botas de combate e camisetas surradas. Ele era bonito, decidi ao olhá-lo com um pouco mais de atenção, sua pele dourada parecia capturar os raios-de-sol que incidiam sobre nós e seus olhos castanhos eram encantadoramente gentis. Nunca tinha prestado muita atenção aos detalhes que faziam dele uma figura decididamente agradável, como o conheco desde sempre, acho que me acostumei a vê-lo mais como um irmão mais velho, alguém que gostava de me irritar e puxar meus cabelos, mas que eu sabia, sempre estaria lá para mim caso eu precisasse.
— Não tem um terceiro olho na minha testa, tem? — perguntou, arrancando-me do meu mar de pensamentos.
— Terceiro olho?
— Estava me encarando como se eu fosse alguma espécie de criatura mística.
— Desculpe, só estava...
— Tudo bem, pode me encarar o quanto quiser, estou acostumado a ter garotas bonitas me olhando.
Meus olhos se arregalaram e minha boca se abriu.
Bonita? Ele tinha dito que eu era bonita?
Senti as bochechas queimarem. Nunca um garoto disse que eu era bonita, mas ali estava Jason Porter afirmando exatamente isso, e tudo o quem eu conseguia pensar era que aquela devia ser mais uma de suas piadas.
Esperei que ele caísse na gargalhada, mas não aconteceu.
— Ele não merece você, Viola. — disse, após um curto e incômodo momento de silêncio. — E não estou dizendo isso porque sou seu amigo, ou para fazer com que se sinta melhor, mas porque é a verdade. Eu sei que pensa que está apaixonada por ele e que nunca mais vai conseguir gostar de outro cara da mesma forma, mas vai. Como diria meu avô, existem outros peixes no mar, então acione suas nadadeiras e continue a nadar.
Jason riu e, de repente, eu estava rindo com ele.
— Obrigada.
Seus olhos pairaram nos meus num misto de divertimento e confusão.
— Por?
— Ser um bom amigo... E me ajudar a alimentar os pássaros. — esclareci com um sorriso.
Ele deu uma piscadela e pegou mais um punhado de migalhas.
— Disponha. Não sei se você sabe, mas alimentar os pássaros é meu passatempo preferido. — brincou, arremessando os farelos de pão sobre a grama.
*Regina George, personagem do filme Meninas Malvadas, a mais perfeita definição de bitch.
*jab de esquerda é aquilo que eu quero dar na cara de algumas pessoas.
Oi,
O que acharam do capítulo?
Então, muito obrigada por aparecerem no capítulo anterior. Obrigada a todas que votaram e comentaram, é muito importante para mim saber o que estão achando e, amo trocar uma ideia com vocês.
Um beijo para quem respondeu a minha pergunta, não disse se acertaram ou não para manter o mistério, mas estou muito feliz por me responderem.
O que estão achando do Rigel? E do Jason?
Vigel ou Jaola?
Não vou mais desejar um Rigel para vocês, suas mau-agradecidas. Vocês feriram meus sentimentos. :(
Votem e me façam feliz, se não for pedir demais.
Beijo gigante!
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