•Capítulo Um•
Novembro de 2020.
Dias atuais...
Os pássaros cantarolam do lado de fora da minha casa.
Barulhentos, muito barulhentos.
Me levantei e fui até a janela, fechando-a com um estrondo. Esses passarinhos vem tirando a minha paciência, pelo quê? Dois anos malditos? Oh sim, dois anos.
Dois anos sem conseguir dormir direito, dois anos sozinha nessa casa, eventualmente, sendo visitada pela minha irmã. A minha irmã quase morta. Malditamente!
Soco a porta do quarto quando saio do mesmo e desço a escada com pressa, indo para a cozinha. Essa merda nunca iria acabar. Nunca. Vai. Acabar.
— A merda, a merda, a merda! — entoei repetidas vezes enquanto abria as gavetas dos armários.
O nó subiu pela minha garganta enquanto eu procurava ativamente pelo que eu precisava e não achava. Não estava em lugar algum.
— Sua burra! — xinguei-me, nervosa. Não podia ter escondido todas as malditas facas da casa, mesmo que Maggie me obrigasse. — Por favor... — implorei, sentindo a primeira lágrima escorrer pela minha bochecha direita. Odiava ficar assim, abominava. Isso dava a vitoria a ele. Ele não podia vencer, mesmo morto, ele não podia vencer. — ...não...
O meu apelo saiu arrastado, em um fio de voz.
As minhas pernas tremiam, me deixando instável sobre elas. Eu precisava disso, eu preciso disso.
Caí de joelhos, chorando, mas ainda desesperada a busca ativa daquilo que eu precisava.
Fiquei de quatro no chão e colei o rosto no mesmo, olhando sob o armário. Lá estava, exatamente o que eu precisava.
Estiquei o braço e peguei a faca de lâmina comprida. Me sentei, encostando no armário e subi a minha blusa, revelando a pele pálida e cheia de cicatrizes finas e claras ali. Suspirei, pressionando a lâmina acima do meu ovário esquerdo. A puxei, talvez com um pouco de força demais. O sangue brotou quase que imediatamente, a dor já não era nada, nada que eu não tivesse sentido. Ela ainda era muito leve, muito... Branda.
Não é o suficiente.
Pressionei a faca um pouco mais para cima do corte e cortei, fazendo um novo, sentindo a dor atravessar o meu corpo como agulhas grossas, se infiltrando nas minhas veias.
Deixei a faca cair, sentindo o líquido quente escorrendo dos cortes rasos, só então deixei aa lágrimas correrem livres.
— Eu não posso ir até você... — sussurrei, puxando as pernas contra o peito, abraçando-as. — Ele vai me pegar... Maggie...
Funguei, fechando os olhos com força.
Má idéia.
Tapei os ouvidos com força, gemendo de terror quando sua voz nojenta tomou conta da minha mente. O seu toque, tudo.
"Você sabe que vou voltar, meu amor." "Estou perto, nunca deixei você." "É só virar a esquina, estou na esquina." "Amei a nossa primeira vez." "Você gostou, não foi?" "O bruto é melhor, você não acha?" "Putinha virgem, não, não mais virgem. Minha, minha putinha!".
— Nããããão! Não, não, não, não, não, não! — berrei, sentindo as suas mãos em mim, o seu peso sobre o meu corpo.
A bile subiu pela minha garganta e sequer tive tempo de me levantar. Vomitei tudo o que "não" tinha no meu estômago, me sentindo suja, enojada... Violada.
Se Maggie tivesse aqui... Não, Maggie está morta, morta!
TRINN! TRIIINN! O CELULAR TOCOU NO ANDAR DE BAIXO, me levantei da cama, despenteada e saí do quarto, descendo as escadas e indo para a sala.
Olhei o número por um momento antes de atender.
— A-alô?
— Julia? — uma voz masculina falou do outro lado da linha, um arrepio atravessou o meu corpo, me fazendo tremer.
— Sim, quem é? — perguntei acuada, pronta para bater o telefone no gancho.
— Sou Simona Carbone... — o meu coração saltou em meu peito, esperança fluindo dentro de mim em rios.
— Sim, sim. Aconteceu algo... Maggie... O funeral...
— Não vai ter funeral. — me cortou.
— Co-como assim? — perguntei estática, sentindo uma fúria desconhecida subindo pela minha garganta.
— Maggie está em coma, o estado dela ainda é crítico mas...
Em coma. Não 'morta', mas em 'coma'.
— Eu quero vê-la. — interrompi o que quer que fosse que ele estava falando, ansiosa para ver Maggie.
— Agora não...
— Como, 'agora não?' — gritei, irritada com a sua ousadia.
— Maggie não está em estado...
— Foda-se o estado dela, eu quero vê-la! Estarei embarcando em um avião em poucas horas para a Itália!
— Não, você não vai. — parei, quieta ao ouvir o seu tom, não, seu comando. Engoli em seco, apertando o telefone contra o meu ouvido.
Olhei pela janela, para o céu claro do lado de fora.
— Você irá esperar a sua irmã ficar melhor, e então, 'só então', você virá visitá-la.
— Mas...
— Está decidido, Julia. — e desligou.
Olhei para o telefone na minha mão por um momento, não acreditando no que tinha acabado de acontecer.
Alguns dias depois...
Agarrei a alça da bolsa com mais força, sentindo o meu coração batendo rapidamente dentro da minha caixa torácica.
As pessoas passavam e me lançavam eventuais olhares curiosos enquanto eu desviava delas como se temesse sua aproximidade.
Na minha mente, dizia-me sem parar que iria comprar um livro e voltaria para casa, para o meu casulo de proteção, onde não tinha pessoas me olhando e nem se aproximando de mim pedindo informação.
Virei a esquina em uma rua movimentada em Manhattan e suspirei aliviada ao avistar a livraria no fim da mesma.
Apertei o casaco grosso em meu corpo quando passei pela porta, sorrindo timidamente para a balconista atrás do balcão, que sorriu de volta. Ela já estava acostumada comigo, já que vinha aqui quase toda semana.
Fui para os corredores com grandes prateleiras, que iam do chão ao teto, e fui para a sessão de terror. Odiava livros e filmes de terror, mas depois do que aconteceu a dois anos atrás eu não suportava ler um romance, ainda mais o que tinha relações sexuais entre os personagens.
Eu não abominava o sexo, mas também não necessitava do mesmo. Não queria que alguém me tocasse e sentisse nojo, nojo de mim. Uma pessoa suja como eu não merece ser tocada e contaminar os outros. Por isso, a quase um ano, aceitei que era melhor ficar sozinha, ainda mais porque eu odeio a proximidade das pessoas.
Não ódio, medo. Medo de que elas se aproximem demais e me machuquem.
Olhei em toda a sessão de livros de terror, e acabei pegando "Bird Box" de Josh Malerman. Não era tão pesado e me ajudaria a passar as próximas noites acordada.
Fui para o balcão e paguei o livro. Enquanto a moça registrava o mesmo eu batucava os dedos em cima do balcão, ouvindo o burburinho baixo das pessoas dentro da livraria. Olhei sobre o ombro, apenas me certificando de que não tinha nada fora do normal. E não tinha. Suspirei, aliviada, e peguei a sacolinha de papel com o meu novo livro. Saí e parei na calçada. Tudo parecia mais movimentado hoje, e isso me deixava mais preocupada.
Atravessei a rua o mais rápido que pude, passando pelas pessoas na contra-mão. Preferia fazer o trajeto até Sweet coffee, onde ia todas as quintas-feiras relaxar, a pé, não gostava da idéia de pegar um táxi e ficar sozinha com o motorista lá dentro.
A cada mês que se passava, a minha resistência a vida social vinha caindo, estava aliviada por dentro, pois poderia voltar a ser uma mulher normal e ter uma vida algum dia.
Entrei no pequeno café e fui para o balcão fazer o meu pedido. O atendente, um garoto que devia ter a minha idade sorriu educadamente e perguntou o que eu queria. Pedi um Capuccino com creme, escorando na superfície lisa com um cotovelo. Olhei novamente ao meu redor, a cafeteria estava lotada, mas as pessoas sequer pareciam me notar.
Respirei fundo e observei enquanto o homem fazia o meu café. Minha nuca formigou, todo o meu corpo arrepiou. Eu conhecia aquela sensação. Olhei para trás novamente, mas não havia ninguém. De cenho franzido, peguei o copo com o café que o menino me ofereceu e tomei um pouco no canudo. Me virei e passei pelas várias mesas, lotadas, indo até o lado de fora do café, que era separado da parte interna por uma parede de vidro.
Me sentei em uma das dez mesas que tinha ali e abri o meu livro. Li um pouco enquanto tomava o meu Capuccino devagar, tentando ignorar aquela sensação de que tinha alguém me observando. Dei uma olhada dentro do salão e estremeci quando o meu olhar sr chocou com intensos olhos azuis, escuros como o mar da noite. Suspirei, arregalando os olhos quando olhei para o dono desses olhos. Ele era... Lindo.
Franzi o cenho e desviei o olhar, confusa por reagir assim a um homem.
Olhei novamente, agradecendo que o homem estava de lado e fazendo o seu ao atendente. O observei mais atentamente. Ele tinha os cabelos loiros escuros, era dono de uma mandíbula forte e boca bem desenhada, sua barba despontando em seu maxilar, segurava um notebook embaixo do braço, um homem de negócios talvez.
Era alto, 1,87 talvez, ombros largos e parecia bem constituído. Vestia um sobretudo marrom por cima de um terno, seus cabelos penteados em uma onda para o lado.
O homem virou o seu olhar para mim de repente, me pegando desprevenida. Ele tinha um ar cruel, arrogante, intimidante. Parecia perigoso, mas tão... Atraente, e estava me olhando com interesse, e isso estava me assustando.
Voltei a olhar para o livro, tentando retomar a minha leitura, mas isso era quase impossível, podia vê-lo de esguelha, e ele vinha diretamente para a parte externa do café. Agradeci a deus por eu ter escolhido a mesa mais afastada das outras, a que ficava no canto e me dava toda a vista da parte de dentro do café.
Sem aguentar me segurar, olhei para a frente no exato momento que o homem passou pela entrada da parte externa. Ele não olhou para mim, em vez disse, foi até a mesa foi outro lado da parte externa do café e se sentou na mesa mais afastada — mas que dava de frente para mim.
Suspirei, sentindo um formigamento começar nas pontas dos meus dedos dos pés. Jamais havia sentido isso antes, estava me sentindo atraída por aquele homem.
Pisquei algumas vezes, desviando o olhar dele, que parecia distraído, teclando em seu notebook enquanto tomava seu café tranquilamente.
Desisti de tentar ler o livro, isso seria impossível com aquele homem ali. Peguei o meu celular e fui para o facebook, vendo as várias notícias que estavam saindo. Todas envolvendo assassinato e o possível comandante da máfia Italiana em Nova Iorque.
Ninguém sabia quem era o homem que comandava Nova Iorque, apenas aqueles em seus círculos o chamavam de Booth, seu sobrenome, mas havia tantos homens com esse sobrenome aqui que era difícil saber quem era. Maggie sabia, mas ela sempre escondeu isso de mim. Disse apenas que eu estava sob a proteção desse homem aqui em Nova Iorque, e em troca ela prestava seus serviços a máfia Italiana. Por isso ela saiu daqui e foi para a Sicília a dois anos atrás, a mando desse Booth. Desde então, ela começou a trabalhar para Simona, o homem que comandava a Sicília.
Assim que terminei o meu café, me levantei e peguei o meu livro, pronta para sair. Olhei para a mesa onde o homem estava e me surpreendi quando a encontrei vazia. Franzi o cenho, olhando para dentro da cafeteria, mas ele não estava lá.
Saí da área externa e fui pagar pelo café. Assim que o fiz, fui para a porta da cafeteria.
Quando coloquei um pé na calçada, um corpo duro se chocou contra mim.
— Ah! — gritei enquanto caía, mas uma mão grande agarrou o meu braço em um aperto firme e me puxou para os meus pés antes que eu chegasse ao chão.
Cambaleei, sentindo um cheiro irresistível, colônia masculina e creme de barbear.
Só então olhei para cima e encontrei o mesmo homem da cafeteria me fitando, era ainda mais lindo de perto.
Mas aquilo não estava certo, sua mão em mim estava me causando calafrios, mas não era da excitação que eu senti quando estava apenas olhando para ele. O medo estava tomando o lugar dela, me fazendo tremer, fazendo imagens indesejadas voltarem como um enxurrada.
O homem franziu o cenho, parecendo confuso com a minha reação. Não conseguia pensar em nada além de me afastar dele, estava contaminando-o, estava sujando-o.
Puxei o meu braço do seu aperto e saí o mais rápido que pude dali, sentindo lágrimas involuntárias se juntando em meus olhos.
Estava despedaçada, nunca mais seria a mesma garota de dois anos atrás.
Meninas, o wattpad deu um bug e esse capítulo sumiu, provavelmente ele n está revisado.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro