•Capítulo Cinco•
Luke
Desliguei as luzes do farol do carro assim que entrei na rua deserta em que Julia morava. Estacionei a uma boa distância da casa, embaixo de uma árvore, no meio das sombras e peguei meu binóculo. Apenas a luz do quarto dela, que ficava no segundo andar, estava acesa. Olhei pelo binóculo para a sacada do quarto da mesma, as portas de vidro estavam fechadas, mas a cortina não estava puxada, o que me dava uma ótima visão do quarto.
Dei zoom e estreitei os olhos quando não vi qualquer sinal dela. Olhei o relógio no meu pulso, já passavam das dez horas da noite, ou ela estava dormindo, ou estava em algum outro lugar da casa. Deixei o binóculo no banco do passageiro e abri a porta do motorista do carro. Nesse quase um mês que venho observando Julia, me acostumando com a rotina dela, não vejo a casa nessa quietude. Julia costuma andar de cômodo em cômodo, parecendo inquieta, as vezes ela olha pela porta da sacada do quarto dela como se algo tivesse esperando-a do lado de fora, não que não esteja, eu sempre estou aqui.
Saio do carro casualmente. Abotoo o botão do meio do meu sobretudo e ajeito a gola, olhando para todos os lados da rua, todas as casas. Atravesso a mesma e muito calmamente, caminho para dentro do quintal gramado da casa de Julia, tomando cuidado para não ser visto quando passo pelas grandes janelas laterais. Paro na última e, muito discretamente, olho pela vidraça, e lá está ela, sentada no chão, encostada no armário que fica debaixo da pia... Segurando uma faca.
Cerro as minhas mãos em punhos com a cena. Julia usa uma blusa grande de moletom e uma calça de tecido fino e larga, lágrimas escorrem pelo rosto delicado e ela treme com os soluços silenciosos. Ela deixa a cabeça cair para trás, contra o armário, e solta a faca. Suspiro, percebendo só naquele momento que segurava a respiração. Porra!
Franzo o cenho enquanto observo ela se levantar, devagar, pegar a faca, e colocá-la na pia. Ao mesmo tempo, ela faz uma careta de desconforto e puxa a blusa de moletom pela cabeça.
Preciso de um momento, pois não consigo parar de olhar para o tronco magro e os seios pequenos e empinados cobertos por um sutiã simples de renda preto. Só então, depois de me distrair por alguns segundos, percebo os cortes no alto do quadril, do lado direito. São longos e estão inchados, o sangue não é abundante ali, mas pequenas gotas saem dos cortes.
Estreito mais os olhos naquela região, vendo a pele dourada do seu quadril coberta por cicatrizes brancas e desbotadas.
Julia olhou para a janela por um momento, recuei no mesmo instante. De esguelha, vi ela vindo até a mesma janela, então puxou a cortina e ouvi seus passos se afastando.
Olhei para vegetação atrás da casa dela, me perguntando o que diabos tinha acontecido com aquela garota.
Julia
As ruas estavam movimentadas, um pouco mais que o normal, me sentia sufocada, era como se alguém estivesse me perseguindo, me observando. Todas as noites eu olhava pela janela do meu quarto e procurava pela rua, mas não havia ninguém. Mas sentia ali, aquela sensação de que algo não estava certo.
Todas as noites, ao me deitar, eu olhava para o teto do quarto escuro e as palavras de Walter voltavam, cada vez mais perturbadoras. Vinha tendo pesadelos nos últimos dias e, depois de ver alguém me olhando, perto do bosque do outro lado da rua, em meio aos arbustos, eu não consegui sair de casa.
Na minha mente eu dizia que Walter estava morto, que ele não viria atrás de mim, que era tudo coisa da minha cabeça, mas depois daquele dia a realidade me bateu com mais força, a figura, o homem de blusa de moletom preto e o rosto coberto por um capuz. Ele estava me observando, me perseguindo.
Olhei sobre o ombro mais uma vez antes de entrar no Sweet Coffee e fui pedir o meu capuccino e, enquanto esperava o meu pedido, olhei ao redor. O café estava cheio, mas não tinha sinal algum do homem misterioso que se sentara perto de mim dias atrás.
O atendente me entregou o copo térmico e depois de pagar pelo café, fui para a mesa do lado de fora. Estava vazia, e internamente me senti triste, queria ver o homem, saber como reagiria a ele, se ele tentaria conversar comigo de novo.
Com um suspiro frustrado, me sentei e olhei a rua da sacada baixa do café. Algumas pessoas passavam e olhavam para a sacada, outras, sequer pareciam cientes do que acontecia ao redor. Me perguntei se era assim que eu parecia semanas atrás, desligada do mundo, perdida em meus próprios pensamentos, no que vivenciara.
A cadeira ao meu lado foi arrastada e eu pulei com o susto, mas então, um cheiro amadeirado tomou conta dos meus sentidos e, ao olhar para o lado, olhos intensos e azuis como o céu de dia me fitavam de volta.
Pisquei várias vezes, tentando não parecer boba demais, tentando ignorar aquela atração que eu estava sentindo por esse completo desconhecido. Ali, naquele momento, era como se todos os nervos do meu corpo respondessem a proximidade, ao cheiro, ao olhar daquele homem.
Um breve sorriso enfeitou os lábios perfeitos, os olhos claros com um brilho cruel. Tentei não reagir aquilo, mas não deu muito certo. Apertei o copo em minha mão, incapaz de desviar o olhar, passamos os próximos segundos nos encarando, até que ele perguntou: — Qual é o seu?
Eu arregalei os olhos, perplexa com o quão grave sua voz era, e o pior, o que ela fez comigo. Puxei o ar, tentando não me levantar e sair dali, determinada a vencer os meus medos.
— Ju-Julia. — ele continuou me olhando e me senti presa sob o olhar intenso, hipnotizada na verdade.
Como um homem podia ser tão... Sexy? E ao mesmo tempo, ter aquele olhar cruel, assustador?
Como pode, um homem ter olhos tão azuis? Com íris tão pálidas quanto o mar de dia, contornado por aquele preto forte?
— É bom finalmente conhecê-la, Julia. — saí do meu transe ao som grave da sua voz, focando o meu olhar no rosto dele novamente, e ele me olhava com a sombra de um sorriso no rosto, apenas uma sombra.
— Eu... E... — ele levantou uma sombrancelha, parecendo se divertir com o meu desconcerto. — E você, como se chama?
Ele sorriu, finalmente, parecia tão sombrio quanto da outra, semanas antes, quando fugi dele.
— Luke, precisa de formalidades? — perguntou, colocando um cotovelo em cima da mesa.
— Não, não precisa. — sorri, sem sequer perceber que o fazia. Uma faísca acendeu naqueles olhos claros e eu rapidamente fiquei séria novamente. — Eu só queria chamá-lo pelo nome, e não pensar em você como o homem do café.
Ele ergueu as sombrancelhas com um sorriso surpreso, e só então eu percebi o meu erro. Eu tinha acabado de dizer que pensava nele, acabara de dizer.
— Oh, não! Não é isso que você está pensando. — ele levantou uma mão, me cortando, um gesto de ordem. Franzi o cenho, me perguntando se ele fazia aquilo sempre.
— Não precisa se desviar. — ele apoiou o queixo, na mão e me olhou novamente, mais suavemente.
— Me conte sobre você, Julia, fiquei muito intrigado nas últimas semanas. — ele desceu os olhos pelo meu pescoço exposto até os meus seios escondidos pelo grosso casaco, como se conseguisse perfurar o tecido com os olhos.
Estremeci, mas não de medo. Era uma sensação nova saber que um homem me desejava, e que pela primeira vez, não parecia algo doentio. Era apenas normal.
Fiz um pequeno som com a garganta e me sentei ereta na cadeira.
— O que exatamente você quer saber? — Luke sorriu e se recostou na cadeira, parecia mais um felino relaxando ali, com aqueles olhos de safiras.
— Por que você foge das pessoas? — sua pergunta me pegou de surpresa e tive que olhar para qualquer lugar que não fosse ele, afim de esconder o meu desconforto.
— Eu não me sinto bem perto das pessoas. — mordi o lábio, nervosa.
— Interessante. — de esguelha, pude vê-lo me avaliando.
Será que fora mesmo uma boa idéia ficar e conversar com esse homem, o melhor não seria sair dali e ignorá-lo, ou simplesmente não vir mais ao Sweet Coffee?
— Não se preocupe comigo, eu sou inofensivo. — olhei de volta para ele, estreitando os olhos diante do sorriso que tinha em seu rosto.
— Eu não estava preocupada. — falei, e fiquei surpresa pelo aço em minha voz.
— Eu sei. — o seu olhar dizia menininha mentirosa, mas ignorei isso também.
Tomei mais um gole do meu café e voltei a olhar para o salão. Mas fui pega de surpresa quando Luke perguntou:
— Gostaria de levá-la para jantar comigo, conhecê-la melhor.
Olhei para ele, os meus olhos arregalados diante do seu pedido. Querer sair comigo? Eu estava ouvindo direito?
— Eu não... Não. — neguei firmemente, começando a me levantar. — Eu não posso.
Estava passando pela sua cadeira quando ele segurou o meu braço, me fazendo arquejar e parar. O seu aperto não era forte, eu podia sentir os calos em sua mão arranhando a minha pele, e aquilo fez faíscas invisíveis de uma sensação nova percorrer o meu braço. Me arrepiei inteira.
— Apenas um jantar, amanhã à noite. — olhei para baixo e encontrei o seu olhar.
Pareceram horas, e eu ainda o estava olhando, pensando nos prós e os contra, em tudo o que poderia acontecer se eu saísse com ele.
Ele soltou o meu braço e respirei aliviada, então peguei o pequeno pedaço de papel na minha bolsa e a caneta. Anotei o meu número de celular e o fixo da minha casa, apenas por precaução, e entreguei a ele, que pegou o papel e olhou o que estava escrito.
— Eu vou, me ligue ou mande uma mensagem falando o horário. — ele sorriu para mim e antes que eu ficasse ali parada olhando ele sorrir, saí e fui embora, determinada a achar algo para usar na noite seguinte, no meu encontro com Luke.
Abro a porta da frente da casa, atenta ao meu derredor, pois ainda sentia aquela estranha sensação de estar sendo observada. Sentia os calafrios subindo pela minha coluna, me fazendo estremecer enquanto fechava a porta atrás de mim e a trancava. A todo momento, dizendo a mim mesma que Walter estava morto, lembrando a mim mesma que Maggie o tinha matado, arrancado a sua garganta fora. Mas algo bem no fundo da minha mente me dizia que ele estava vivo e bem atrás de mim, me vigiando, monitorando cada passo meu.
Subi o mais rápido que pude para o andar de cima, sem olhar pelas janelas em meu caminho, ignorando a formigação em meu corpo, precisava urgentemente de um banho.
Tirei a minha roupa no caminho para o banheiro, soltando os meus cabelos no processo.
Estava confiante depois da conversa com Luke, depois dos olhares que ele me lançou durante a nossa breve conversa no café. Era curiosidade, mas ao mesmo tempo, desejo. Não aquele desejo doentio que eu estava acostumada a receber de Walter, mesmo Charlie e os outros homens que me relacionara durante a minha curta vida. Esse olhar, esse que Luke tinha no rosto ao me olhar, era feroz, mas ao mesmo tempo tão puro quanto. Ele não tentou se aproximar fisicamente de mim em momento algum, e mesmo naquele momento eu não me importava se ele o fizesse. Não sentia nojo dele quando o via, quando retornava os seus olhares, não tão corajosamente quanto ele, mas o mais ousado que conseguia.
Tomei um banho rápido, não me demorando demais, pretendia descer para o andar de baixo e me certificar de que tudo estava trancado e todas as cortinas fechadas, para só então fazer o jantar e, então, dormir e me preparar para o encontro que teria na noite seguinte.
Depois do banho, fui para o andar de baixo, graças ao bom deus tudo parecia em seu devido lugar, o vento sequer parecia agitar as árvores do lado de fora. Fiz a minha comida de costume das últimas semanas e, sentada a mesa um pouco grande demais na silenciosa cozinha, me senti sozinha, e pela primeira vez em dois anos quis que alguém estivesse ali para conversar comigo, ou mesmo para ficar em silêncio enquanto comíamos. Pela primeira vez em dois anos, queria que essa pessoa fosse alguém completamente diferente, queria que fosse Luke.
Oi minhas amoras! Desculpem a demora, mas agora estou escrevendo pelo notebook e estou amando aqui, vou começar a fazer capítulos maiores. Queria pedir a vocês que dessem uma olhadinha nos capítulos anteriores para ver se não tem nenhum capítulo faltando. Desde já, agradeço!
Beijos e até o próximo capítulo!
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