Cinco dias
•Carolina•
Minhas mãos suadas estavam sobre o volante. Estava tudo sob controle, até às risadas começarem e eu olhar para trás.
Eu não era o motivo da piada e ainda assim eu estava incomodada. Voltei a dirigir, mas algo ao meu lado me chamava mais atenção que a estrada. Meus olhos não desviavam da cena, minhas mãos apertavam o volante com força e de repente um barulho ensurdecedor e uma batida na cabeça fizeram tudo apagar.
Quando acordei havia sangue pra todo lado, fumaça e eu não conseguia me manter em alerta. Eu estava no volante e a culpa foi minha. Era isso que a voz na minha cabeça dizia o tempo todo até eu apagar novamente.
Acordei com um baque. Meu corpo dolorido ao ir de encontro ao chão.
- Merda! - Esbravejei pondo a mão na cabeça. Como se já não bastasse as lembranças, cair do sofá não era nada legal para o início da manhã.
Era a primeira vez em um pouco mais de um ano que eu voltava a sonhar com aquele maldito acidente, depois de seis anos que ele havia acontecido. Antes eram apenas alguns flashes, mas dessa vez foi diferente.
Aquele foi o melhor e pior dia da minha vida em questão de minutos.
Como seria a vida se tivéssemos a chance de refazer acontecimentos indesejados?
Me levantei do chão juntando todas as forças que ainda me restavam pra me levar até o banheiro. Talvez um banho de cabeça me ajude a começar o dia de uma maneira menos dolorosa.
Algumas horas haviam se passado e eu ainda não conseguia tirar aquelas imagens da cabeça. Como se eu já não tivesse problemas o bastante!
Resolvi sair um pouco. Talvez estar fora daquelas quatro paredes me distraisse. Ao abrir a porta sou surpreendida novamente por um mini buquê de rosas. Dessa vez com uma quantidade menor que a anterior.
No início até achei cômico, mas isso estava ficando cada vez mais estranho. Eu não queria, mas estava na hora de ter uma conversa com o Rodrigo, afinal, isso só poderia ser coisa dele. Agarrei as flores e sai de casa.
*
- Senhor Tomas, o Rodrigo está por aqui? - Perguntei quando avistei o senhor mais velho. Pai do Rodrigo.
Eu sabia onde ele morava, mas eu nunca tinha entrado ali. A primeira vista tudo que víamos era a oficina da família.
- Que surpresa maravilhosa, Eva - Ele veio até mim. Forcei um sorriso e o mesmo me abraçou - Faz tempo que você não vem aqui - Ele se dirigiu até o capô de um carro.
- É - Me limitei a balançar a cabeça - E o Rodrigo? - Voltei a perguntar.
- Está em casa, fique a vontade. A casa é sua - Deu um tapinha no meu braço, que quase me jogou do outro lado do cômodo. Forcei um sorriso e me pus a procurar pelo Rodrigo.
Não foi muito difícil de encontrar. Atrás da oficina havia uma única porta, o que me fez pensar que seria a casa dele. Bati na mesma, porém não obtive nenhuma resposta, então entrei.
A casa era bem arrumada, se levar em conta que dois homens moravam nela. Mas uma das coisas que eu acabei observando no Rodrigo, é que ele consegue ser ainda mais insuportável em questão de limpeza, então sua casa ser bem arrumada, acabou não sendo uma grande surpresa, mas ainda sim, uma surpresa.
Achei que a casa estava silenciosa demais pra ter alguém nela. Talvez o Tomas esteja ficando caduco e começando a confundir as coisas. Então ao invés de ir embora, comecei a fazer o que não deveria. Exatamente, bisbilhotar a casa.
Haviam alguns porta retratos na estante da sala. Algumas fotos eram com certeza do Rodrigo ainda criança, era um fofo. Quem diria que se tornaria um grande ignorante quando crescesse. Havia uma foto em particular que chamou mais a minha atenção. Nela havia uma mulher bem jovem, agarrada ao menino. Eles sorriam, tinham o mesmo sorriso. Peguei o porta retrato nas mãos, ainda junto com o pequeno buquê de rosas que eu estava agarrada.
Comecei a observar a mulher. Era estranho, mas eu tinha a sensação de já ter visto ela em algum lugar. E o fato da foto estar em preto e branco não me ajudava muito, mas a sensação do sorriso dela era estranhamente familiar.
- O que está fazendo? - A voz do Rodrigo soou atrás de mim. O que me fez derrubar o porta retrato, junto com as flores.
- Mas que porra! Olha só o que você fez? - Falei me abaixando para catar os cacos de vidro.
- O que eu fiz? Quem mandou você ficar olhando o que não é da sua conta? - Ele se aproximou. Os cabelos molhados. Então ele estava no banho. Por isso não pareceu ter ninguém em casa. - Saí daí, está doida pra se cortar não é?
- Eu sei o que estou fazendo! - Esbravejei olhando pra ele. E acabou acontecendo o não tão inesperado - Merda! - Falei quando os pingos de sangue começaram a sujar o chão.
- O que foi que eu falei? - Me encarou furioso
- Ah, me erra! - Me levantei cobrindo a mão ensanguentada com a mão boa.
Ele pegou o porta retrato ainda com a foto, segurando entre as mãos observando.
- Está tudo bem? - Ele começou a observar a foto por tempo demais.
Por tanto tempo que em minha mão já estava se formando uma poça de sangue. Ele apenas balançou a cabeça em sinal positivo.
- Vem! Deixa eu fazer um curativo nisso aí antes que piore.
- Acha que eu não sei fazer um curativo?
- Você sabe? - Ele me lançou um olhar questionador. Revirei os olhos e me aproximei dele. O mesmo ficou apenas me observando.
- É pra hoje? Não sei se ainda vou ter sangue no corpo se você ficar aí me olhando até amanhã! - Ele balançou a cabeça com um sorrisinho nos lábios e começou a andar, sem nem ao menos me dizer se era pra seguir ou não. Como não esperei por informação, fui atrás dele.
Entramos na cozinha e ele foi até o armário.
- Senta aí - Apontou pra cadeira. Eu não estava em condições de protestar, então fiz o que ele educadamente pediu. - Não foi um corte profundo - Ele pegou minha mão ensanguentada e pós em cima da sua. Sua pele quente me fez soltar um suspiro involuntário.
Ele começou a limpar o ferimento. Fiz uma careta quando ardeu.
- Dá pra tomar cuidado? - Esbravejei
- Só quero ver se você vai me agradecer no final.
- Agradecer? A culpa foi sua! - Ele parou o que estava fazendo e me encarou, então o encarei de volta. Minha mão deu uma leve escurregada. Suor. O que eu não sabia era se o suor era meu, dele ou dos dois.
Ele então voltou a atenção para a caixa de primeiros socorros e começou a por o esparadrapo na minha mão.
Quando o curativo estava pronto ele se sentou a minha frente e me encarou. Imaginei que era o agradecimento que ele estava esperando, então abri a boca para protestar, mas fui calada por sua voz que saiu antes da minha.
- O que veio fazer aqui? - Cruzou os braços - Imagino que não tenha sido curiosidade sobre como eu era quando criança - Arqueou as sobrancelhas.
- Que engraçadinho! Eu vim até aqui por causa... - Comecei a procurar pelas rosas. Devem ter ficado na sala quando me cortei - Enfim, você precisa parar de deixar rosas na minha.... Na porta da Eva - Falei baixinho para que apenas ele escutasse.
- Do que você está falando? - Ele pareceu realmente surpreso
- Não se faça de desentendido - Me levantei - Estou falando das rosas que você tem deixando na minha porta. Uma coisa meio estranha, mas tudo bem. Eu só queria que você entendesse...
- Eu não sei do que você está falando - Ele se levantou ficando de frente pra mim.
- Tá querendo tirar minha paciência?
- Você por acaso já teve alguma? - Riu. O encarei seriamente - Tá. Desculpa. - Parou de rir - Eu realmente não sei do que você tá falando.
- Então supondo. Supondo que você esteja falando a verdade, o que você me diz das flores que estavam com você no dia da chuva? Em que a gente assistiu aquele filme ridículo.
- O quê? Barbie e o Castelo de diamantes não é um filme ridículo! - Cruzou os braços. Ele parecia indignado. Revirei os olhos.
- Você não respondeu a minha pergunta!
- Aquelas flores estavam na porta. - Disse simplesmente se sentando novamente - Como assim você disse que Castelo de dia....
Comecei a pensar enquanto ele resmungava.... Se ele não deixava as rosas na minha porta, quem deixava?
Quando elas resolveram aparecer? E foi então que me veio a mente, foram logo depois da visita do Xavier, dos jogos de aposta.
Ele disse que eu teria um prazo, mas não me disse quanto.
- É uma contagem.... - Murmurei
- O quê? - A voz do Rodrigo soou atrás de mim.
- As rosas... É uma contagem - Me virei pra ele - É o tempo que eu tenho pra devolver o dinheiro.
- Quanto?....
- Eu tenho cinco dias.
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