Olente
Olente
Pricila Elspeth
O reino Macuxi era grande e próspero, governado por um rei bondoso e gentil. Porém, certo dia, o reino foi atacado por uma nação perversa e militarizada. Os Maghus detinham um conhecimento bélico avançado e usavam disso para subjugar outros povos.
Os Maghus atacaram durante a noite, como sempre faziam, e pegando os defensores do reino desprevenidos, avançaram sobre o território, derrubando construções, se apoderando de objetos valiosos e deixando para trás famílias destroçadas e histórias interrompidas.
Quando a tropa chegou ao castelo tiveram de enfrentar a guarda real, que apesar de bem armada, não era párea para as armaduras metálicas anatômicas e as armas de plasma que os guerreiros estrangeiros empunhavam. Os disparos das poderosas armas derrubaram diversas paredes do castelo, e pensando na segurança de sua única filha, e numa possibilidade remota de continuação de seu nome, o rei ordenou a aia que fugisse com sua herdeira. E assim ela o fez.
A aia atravessou o campo de guerra se protegendo dos disparos e fragmentos de pedras que voavam para todos os lados. Um soldado inimigo a viu carregando a menina e tentou derrubá-la, mas os protetores Macuxis impediram o ataque, no entanto, um único disparo ultrapassou a barreira e atingiu a aia, que não de deteve por conta do ferimento.
A velha aia correu carregando a moça e encontrou abrigo na floresta. Conhecida como a floresta dos pesadelos, era evitada por qualquer um em plena sanidade. Mas a situação era urgente e a sobrevivência se sobrepunha ao medo. Quando finalmente parou de correr, a aia notou que a princesa também havia sido ferida. A aia lamentou-se por não ter conseguido manter a integridade física da monarca que havia desmaiado após perder muito sangue.
A aia estava fraca e com o ferimento na região do abdômen, enquanto que a princesa tinha um ferimento por queimadura de plasma na região dos olhos. A velha mulher temia que sua incapacidade de proteger a moça a tivesse condenado a um destino cruel e irreversível. Antes mesmo que a garota despertasse de seu desmaio, a aia foi privada de suas funções vitais, restando ao lado da moça apenas o invólucro carnal de alguém que sempre a amou e a protegeu.
Quando a princesa despertou, ainda fraca, notou a morbidez de sua cuidadora e também a ausência de sua capacidade visual. Mas suas forças não eram suficientes para continuar acordada e mais uma vez desmaiou.
*****
Ela despertou sentindo um calor agradável, ouviu o fogo crepitar e compreendeu que estava num lugar fechado. Levantou-se e escutou passos em sua direção. Encolheu-se com medo de ser machucada, mas a pessoa à sua frente abaixou-se perto dela e delicadamente pegou uma de suas mãos e disse:
— Não precisa ter medo. Estou aqui para ajudar.
— Quem é você? O que fez com a aia?
— Me chamo Ubiratan... Quanto à mulher que estava com você, precisei dar-lhe um funeral digno. Você ficou desacordada muitos dias.
A princesa entristeceu-se e as lágrimas brotaram de seus olhos feridos. Ubiratan sentou-se ao seu lado e a abraçou de forma terna para apoia-la naquele triste momento. A moça sentiu o doce cheiro que exalava do rapaz e sorriu em segredo depois de sentir suas bochechas queimarem como brasa.
— Que lugar é esse? — perguntou a princesa tentando sair daquela situação confusa.
— Minha casa. É uma pequena cabana que construí no meio da floresta, é simples, mas é um bom lar. A propósito, como eu posso te chamar?
— Iacina... Como as borboletas de asas douradas.
— Certo. Bonito nome. Diga-me, o que aconteceu com vocês?
Iacina demorou para responder, teve de organizar mentalmente os fatos para depois externaliza-los.
— Os Maghus atacaram nosso reino, sabe? Destruíram quase tudo, feriram e mataram muita gente. Meu pai pediu para a velha aia fugir comigo, mas eu sou muito atrapalhada e acabei prejudicando nós duas.
— Ei, calma. Não é culpa sua. Os Maghus são criminosos hediondos, não se culpe pelo que aconteceu. Teve sorte de escapar com vida.
— Sim, e agora estou cega. Acho que não vale de muita coisa né?
O rapaz não respondeu. Depois de um tempo em silêncio ele suspirou e disse:
— Os Maghus precisam ser parados. Alguém precisa enfrenta-los, mas tem que ser alguém com um motivo válido para desafiar o líder, entende?
— É realmente uma pena não termos ninguém com esse perfil.
Ubiratan sorriu silenciosamente e depois serviu à garota uma porção de sopa quente e muito saborosa.
Os dias passavam rapidamente, o rapaz ajudava a garota a encontrar meios de se locomover pela floresta sem o auxílio dele. Fez para ela um cajado, o qual ela usava para caminhar e para espantar alguns pequenos animais. Ubiratan ensinava Iacina a sentir o cheiro da selva, ouvir os sons do ambiente e harmonizar-se com o meio. Pareciam lições de velhos filósofos e xamãs, mas aos poucos ela encontrava significado naqueles ensinamentos.
Iacina aprendeu a distinguir o cheiro de Ubiratan sobre todos os outros e sempre sabia quando ele se aproximava e de onde vinha. Às vezes, o percebia enquanto nadava, mas nunca disse nada a respeito.
Certo dia, enquanto almoçavam, Iacina comentou a respeito de seu reino e do quanto sentia falta de seu povo, de seu lar e de sua vida. O rapaz lhe disse que ela poderia voltar se quisesse muito, mas teria de passar por um rígido treinamento.
Ela não tinha nada a perder, então, aceitou prontamente. O rapaz revelou-se um espadachim mágico e prometeu ensinar-lhe tudo o que sabia, para que ela pudesse recuperar seu reino e por um fim à tirania dos Maghus.
O treinamento inicial era rígido e confuso, pois, Iacina precisava aprender a ouvir o que estava ao seu redor, usar o ar e a terra ao seu favor. O rapaz era um bom mestre, mas a garota não era tão boa aluna e sempre que entravam em um combate com cajados, ela acabava caindo, e muitas vezes o agarrava e o lavava ao chão com ela. A intencionalidade de movimentos tão habilidosos não era difícil de ser percebida pelo mestre, mas ele tinha foco e sempre decepcionava a garota.
A princesa treinou na chuva, sob o sol, no frio, na água, em terrenos acidentados e sob as condições mais adversas possíveis. Com o tempo, já não era mais pega de surpresa, já se defendia dos golpes com a mesma velocidade que atacava, consciente e firme todas às vezes. Ubiratan se orgulhava de suas habilidades de instrução e a garota de seu avanço na ancestral e sagrada arte feminina da espada.
Durante uma noite de inverno estavam os dois à beira do fogo escutando os pássaros noturnos, o crepitar do fogo e o uivo do vento por entre as árvores e Iacina perguntou:
— Acredita que tenho alguma chance?
Ubiratan, que estava ao seu lado, apoiou a cabeça em seu ombro e sussurrou:
— Mais que qualquer um já teve.
A princesa sentiu seu sangue aquecer e suas bochechas queimarem. Ela sonhava com seu mestre, imaginava conversas e situações, fantasiava uma vida diferente e agradável ao seu lado. Ela adorava sentir as mãos de Ubiratan sobre sua pele, quando ele a tocava para arrumar sua postura propositalmente desconfigurada, gostava de sua voz, da textura de sua pele, do seu doce cheiro e de seus cabelos sedosos.
Temendo não ser possível usufruir de seus sentimentos ela entristeceu-se, mas Ubiratan a deitou em seu colo e acariciou seus cabelos tão delicadamente que ela adormeceu.
O tempo corria como uma gazela solta na campina e as habilidades da moça estavam em um nível altíssimo. Todas as noites eles sentavam-se à beira do fogo para contar histórias e traçar estratégias de combate. Iacina aprendeu que para vencer uma luta precisa sempre acreditar na vitória, do contrário, não é possível vencer. Ela aprendeu suas lições, mas também aprendeu a ler e ouvir suas emoções, e por isso sabia que o mestre espadachim ficava nervoso ao seu lado, sentia a temperatura de seu corpo aumentar, sentia o suor brotar em suas mãos, e também sua voz ficar mais presa e entrecortada, exatamente como ela. Por muito tempo imaginou se seria possível que ele estivesse se acostumado tanto à sua presença que passara a gostar dela, assim como ela gostou dele desde cedo.
Nem a princesa nem o mestre falavam de sentimentos, apenas de treino, batalhas e histórias antigas. Numa determinada noite enquanto conversavam, a princesa questionou:
— Quando terei uma espada de verdade?
— Só tenho uma espada... Não a usarei mais, então, ela será sua quando completar seu treinamento.
A garota sentia naquelas palavras grande dor regada de verdade e esperança.
Além dos golpes de espada, o mestre ensinava a garota caminhar, encontrar abrigo na floresta, caçar, cozinhar e até dançar. E durante as danças, Iacina apoiava a cabeça nos ombros de Ubiratan, inalava seu doce aroma e alimentava suas fantasias. Toda vez que ela o abraçava, sentia que o coração do rapaz acelerava, e por vezes, desejou ter coragem suficiente para falar sobre o assunto, mas nunca conseguiu reunir forças para isso.
A princesa já não sofria mais pela perda da aia, não sofria mais por imaginar que seu pai havia morrido nas mãos dos Maghus, não sofria mais imaginando seu povo sendo governado pelos malditos invasores, deixou de viver pensamentos e passou a viver o presente, isso a fortaleceu e a preparou para seu destino.
Ela havia aprendido tudo o que precisava para retomar seu lugar e viver feliz, tudo exceto expressar seus sentimentos.
— É possível ver a Lua? — perguntou a moça.
— Sim.
— Como ela está hoje?
— Maravilhosa. Metade iluminada como um sorriso alegre, rodeada de nuvens ralas e estrelas brilhantes.
— É assim que vou me lembrar dela... para sempre.
Ubiratan suspirou, abraçou-a e disse:
— Amanhã é o grande dia, será glorioso e histórico.
— Espero que sim.
A moça aproximou seus lábios dos de seu mestre, mas ele gentilmente afastou-se aumentando a lacuna emocional que supostamente existia entre eles.
*****
Na manhã seguinte Ubiratan entregou a espada à princesa, explicou-lhe que se tratava de uma espada mágica passada de geração para geração em sua família e que se adaptava às habilidades daquela que a empunhasse, além disso, era feita do mesmo aço que as armas dos Maghus. Iacina recebeu a arma desconfiada de sua origem, mas não questionou. Juntos saíram da floresta e rumaram para o palácio.
Quando chegaram ao reino tomado pelos invasores, foram impedidos de prosseguir, no entanto, a moça apresentou-se como a legítima herdeira do trono, e os soldados tinham a ordem de se a localizassem, a levassem para o líder supremo, e assim foi feito.
Estando ambos na frente do líder supremo dos Maghus, ele questionou os intrusos.
— O que querem vindo ao meu reino?
— Venho desafiá-lo pelo meu trono — respondeu a garota de forma direta e rude.
O líder gargalhou até cansar, enxugou as lágrimas do riso e caminhou para perto da dupla, segurou o rosto da moça e olhou seus olhos queimados, sorriu e disse alto:
— Isso vai ser divertido. Muito bem, aceito seu desafio.
— Se eu vencer, quero que deixe o reino e não volte mais.
— E se eu vencer, você será minha esposa.
— De acordo! — respondeu rápido demais a moça, sem que seu mestre pudesse objetar.
O líder ordenou aos seus subordinados que preparassem uma arena para o duelo e também que lhe arrumassem uma espada longa e pesada.
Ao meio-dia tudo estava pronto para a grande luta. Uma arena foi montada no pátio do palácio, muitos cavaleiros e Maghus estavam ao redor para assistir e testemunhar a vitória de um dos duelistas.
Iacina ficou muito nervosa, mas Ubiratan ficou ao seu lado o tempo todo. As trombetas anunciaram e ambos entraram na arena. Um velho sábio foi convocado para mediar a disputa, e então o duelo teve início.
O líder Maghus era habilidoso com a espada. Desferia golpes fortes e rápidos testando as defesas e habilidades da garota. Ela se defendia, mas a espada pesada unida à força do adversário a empurrava para trás a cada golpe aparado. Os pés desprovidos de sutileza do oponente denunciavam sua posição, mas ela precisava mais do que saber sua localização, precisava encontrar um meio de atacar, algo que se mostrava difícil enquanto ele estivesse com aquela longa espada.
O Maghus brandia sua lâmina e gargalhava debochadamente de sua adversária. Todos os que assistiam estavam nervosos, alguns por que desejavam uma virada, outros por que não acreditavam que o líder Maghus fosse matar a mulher ao final do combate, mas não tinham certeza de que isso não aconteceria durante o duelo.
Depois de muitas estocadas e golpes circulares, a defesa de Iacina falhou e ela recebeu um ferimento no ombro direito, ao menos havia sido o lado oposto de sua maior destreza. Iacina segurou firme a espada e concentrando-se unicamente em sua arma, estendeu sua percepção física para a lâmina, e eis que os misteriosos poderes da espada se manifestaram. De repente, todo o ambiente ao seu redor ficou silente e inerte, ela podia sentir cada respiração como deslocamento de ar que irritava sua pele, cada movimento de seu oponente era acompanhado de um estrepitoso som metálico, toda vez que ele brandia a lâmina larga ela cantava como uma ave campestre, tornando a esquiva muito mais fácil que antes.
Iacina abaixou-se quando fora atacada, rolou pelo chão e desferiu um golpe lateral, que acertou em cheio as costelas do oponente. A lâmina que carregava era realmente mágica, pois, ela sentiu-a perfurando a armadura e cravando na carne do líder maléfico.
Com o corpo e o orgulho ferido, o homem passou a desferir golpes como um moinho de vento, girava os braços rápido e fortemente tentando a todo custo derrubar a garota, mas naquele momento ela lutava num nível muito superior ao dele e desviava-se dos golpes com extrema facilidade. Vez ou outra, entre um ataque e outro, ela espetava e feria o oponente, sempre de maneira não letal, mas ele demonstrava muita resistência.
Iacina percebeu a fúria crescendo dentro do homem e sabia que aquilo seria sua ruína, ele, no entanto, não conseguia perceber seu descontrole e continuava atacando. A garota aparou um golpe vertical, deslizou-se por sua lateral e desferiu um poderoso golpe diagonal que abriu toda sua armadura e o deixou com um corte profundo nas costas. Ela não queria derramar sangue daquela maneira, mas não havia outro meio.
O mediador da disputa declarou a princesa como vencedora do combate, pois, o homem não conseguia mais parar de pé. Diante de todos teve de cumprir seu juramento sagrado, ordenou que seus homens se retirassem do reino e assim ele foi embora.
O povo Macuxi festejou o retorno de sua líder por direito e todas as angustias desapareceram naquela tarde gloriosa. A princesa procurou por seu mestre, mas ele não estava mais no castelo, desapareceu misteriosamente assim que a luta terminou. A princesa fora elogiada por ter se tornado uma espadachim mágica e muitos perguntaram sobre sua mentora, mas ela não tinha nada a declarar.
A princesa organizou seu reino, cuidou de seu povo e de sua casa, e depois de alguns dias, pegou um cavalo e partiu em segredo rumando para a floresta. O animal não possuía coragem suficiente para adentrar a mata escura, ela tinha.
Caminhou durante horas até encontrar a cabana do mestre espadachim. Aproximou-se da porta, mas deteve-se antes de bater. Escutou o borbulhar do ensopado e sentiu o cheiro doce que exalava da pele macia dele. Abriu a porta e entrou de uma vez, o rapaz levantou-se de supetão e surpreso com a presença da princesa, correu para abraça-la de imediato.
— O que faz aqui? Deveria estar governando seu reino — disse ele conduzindo-a para sentar-se à mesa sobre a qual havia pão quente e uma cumbuca de sopa.
A princesa rasgou um pedaço do pão, mergulhou no ensopado e degustou com prazer inigualável. Depois segurou as mãos de Ubiratan e disse:
— Não quero ficar lá sem você.
O rapaz recolheu as mãos e passou a respirar pesadamente. Depois de alguns segundos ele pousou as mãos sobre a mesa e disse:
— É seu reino. Eu já cumpri meu papel.
— Quer se casar comigo?
— O que? — O rapaz levantou-se subitamente e caminhou pela casa. — Sabe, isso é... É que... Eu tenho um segredo. Isso nunca daria certo.
— Só porque você não é um homem como os outros? — indagou a princesa pousando o queixo sobre os dedos entrelaçados.
— Como... Como sabe?
— Sempre soube. Não importa como você se identifica, eu me apaixonei por seu cheiro, seu toque, seu coração, sua voz, seu espírito... Me apaixonei por você.
— Mas... Sabe... Eu não... Eu não sei o que dizer.
— Diga-me se é recíproco ou não.
Ubiratan sentou-se novamente e acolheu as mãos da princesa dentro das suas. Respirou profunda e demoradamente, e depois de um longo suspiro disse:
— É recíproco sim. Mas meu nome...
A princesa colocou o indicador sobre seus lábios pedindo que ficasse quieto.
— Você é você. Você é a pessoa que eu amo. Não importa a forma do seu corpo ou o nome que te deram antes de escolher o seu próprio. A única coisa que me importa é que você também me ama.
O casal se abraçou e se beijou pela primeira vez. Depois retornaram ao castelo, casaram-se e viveram felizes por muitos anos.
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Olá pessoa, como vão?
E aí, o que estão achando dos contos?
Lembrem-se de deixarem seus votos e comentários, precisamos de muitos deles para salvarmos os unicórnios dos maus tratos.
Beijos da Pri.
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