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Incepção

Incepção

Pricila Elspeth


Aviso de gatilho: Gordofobia.

A mesa do café estava posta como de costume. Ela sentava sempre de frente para a holotv.

Gisele apanhou um pão doce com cobertura de chocolate e granulados coloridos, e o abocanhou com desejo. Assim que o sabor do açúcar foi capitado por seu paladar, sentiu as papilas gustativas fazerem festa e instantaneamente seu corpo foi inundado por uma satisfação de origem desconhecida. Tudo parecia melhor, o dia ficara mais colorido, mais iluminado, os sons mais nítidos, os aromas mais intensos e até mesmo seu paladar ficou mais apurado e exigente.

Sua mão sobrevoou a bandeja prateada enquanto seus olhos fitavam os deliciosos doces disponíveis e seu cérebro tentava decidir qual deles ela pegaria. Na incapacidade de decidir, fechou os olhos e pegou um aleatoriamente, por sorte foi o de creme com canela, exatamente o sabor que ela precisava sentir antes de tomar o seu shake de morango.

"Acabe com seus problemas de aparência. Preocupações estéticas são coisas do passado. Com a Adenei, você pode ser quem você sempre quis. Venha conhecer nossa milagrosa tecnologia e saia de nossos consultórios transformada."

A mulher do anuncio holográfico sorria de forma simpática exibindo seu semblante lindo e desejado pela maioria da população mundial, visto que, havia sido eleita a mulher mais bonita do mundo por três anos consecutivos, um verdadeiro recorde nos tempos atuais.

Gisele mastigou o último pedaço do pão de creme e o empurrou goela abaixo com a mistura láctea saborizada. Recostou-se na cadeira ovalada e bufou depois de lamber os dedos.

— Merda de padrão de beleza idiota! — disse para si mesma.

— Deseja algo mais senhora? — questionou o servo robótico.

— Não. Pode retirar a mesa.

— Com tod... — O robô interrompeu seus movimentos e as luzes azuis que brilhavam por trás de seus olhos apagaram-se imediatamente.

— Aff! É nisso que dá comprar esses modelos obsoletos — verbalizou a moça levantando-se de seu assento. Passou pelo robô e deu um tapa na cabeça de plástico e vidro. — De volta para a oficina, mas só amanhã.

Quando encontrarei meu príncipe encantado, belo, rico e romântico? Pensava estática na frente do serviçal robótico.

Gisele caminhou até a porta, digitou uma sequência numérica e depois aproximou o olho direito de um scanner. Depois de ter a identidade confirmada, a porta se abriu e ela enveredou-se pelo corredor gélido e mal iluminado.

Enquanto caminhava pensava a respeito da propaganda das empresas Adenei e a realidade em que vivia, que era dominada pela idolatria exagerada à estética. Todo aquele que se enquadrasse nos aspectos definidos como desejáveis, bonitos e saudáveis, tinham mais oportunidades na sociedade, isso falando sobre todos os aspectos. A humanidade vivia conectada à ultranet, e através dela algoritmos cruéis faziam uma seleção puramente matemática das pessoas e validavam suas capacidades, acessos, valores para todo o mundo.

— Bom dia — cumprimentou Alessandra —, Gisele!

A garota interrompeu seus pensamentos subitamente e olhou para trás. Após avistar a vizinha passando pelo feixe de luz amarelada, sorriu e diminuiu a velocidade de caminhada a fim de espera-la.

— Quais são as novidades? — perguntou a vizinha loura, sardenta e baixinha, prendendo os cabelos como um rabo de cavalo.

— Nada de novo. A fábrica demitiu mais duas pessoas ontem e cinco hoje cedo. As contas aumentaram e meu salário mal paga minha alimentação. — Coçou a cabeça e colocou as mãos nos bolsos. — Ah, meu robô pifou de novo.

— Puts! Tá complicado. — A vizinha estava com grandes olheiras e com marcas roxas no pescoço, aparecendo por baixo do lenço enrolado nele.

— A noite foi boa, não? — sugeriu Gisele sorrindo.

— Ah, isso? — A vizinha arrumou o lenço desconcertada e pigarreou duas vezes. — Ah, deu match. Mas ela foi embora depois de acender as luzes.

— Porra meu, sério isso? — Gisele interrompeu a caminhada e encarou a moça incrédula.

— É. Mas tudo bem, faz parte. Já me acostumei com ninguém gostar das minhas sardas excessivas, minha heterocronomia, meu quadril exótico e minha baixa estatura.

— Não deveria ser assim. Nós deveríamos ser livres para sermos nós mesmas, sem intervenções estéticas ou cirúrgicas, ou qualquer outra coisa — praguejava Gisele sacudindo as mãos. Fitando Alessandra, ela apoiou as mãos em seus ombros e disse: — Olha, mais tarde, se quiser passar em casa pra tomar uma cerveja e comer uns doces, será bem-vinda.

— Obrigada! — A moça comprimiu os lábios e meneou com a cabeça, depois caminhou paralelamente à Gisele até alcançarem o elevador no final do corredor.

A trajetória era longa, afinal eram cento e oitenta andares. A música ambiente era uma composição antiga chamada Cavalgada das Valquírias. Gisele balançava a cabeça enquanto curtia o som. A outra moça olhava fixamente para seus próprios pés. A porta se abriu e por ela entrou Alfredo com seu uniforme verde impecável.

— Bom dia meninas!

— Bom dia! — responderam em uníssono.

— Novidades? — perguntou o rapaz.

— Não — respondeu Gisele. — E você?

Ele virou-se de frente para elas, estufou o peito exibindo o crachá com sua foto e seu novo cargo.

— Conferente de baia.

— Isso é muito legal, parabéns! — declarou Gisele e depois passou a olhar o contador para saber quanto ainda faltava para descer.

— Tudo bem, Alê? — perguntou Alfredo passando a mão sobre seus cabelos cobertos de gel fixador.

— Ãh? Ah, sim. Sim, está tudo bem.

— Nem parece que está aqui — comentou o rapaz.

Ela o olhou pela primeira vez desde que entrara no elevador e sorriu timidamente. Depois dirigiu o olhar para Gisele, piscou demoradamente e voltou a fitar os próprios pés.

— Fiquei pensando no que você disse... Vivemos sob uma ditatura estética. Mas... Será que é tão ruim assim, afinal, quem é que não deseja ser melhor do que é?

— Ih, papo de mulher. Podem me deixar fora dessa?

— Ah, vai se lascar seu escroto de merda — praguejou Gisele fitando o rapaz e colocando a mão sobre o ombro da moça. — Olha só... Só quem sabe o que é o melhor para você, é você mesma. Ninguém pode te dizer o que você deve fazer, ou como deve ser.

— Se isso é verdade... Por que nós continuamos trabalhando na mesma empresa há anos, sendo maltratadas, exploradas e ameaçadas sem nunca fazer nada? — Alessandra olhou para ambos os companheiros de trabalho, e percebendo o semblante espantado dos dois, calou-se após um suspiro demorado.

A porta se abriu e eles saíram do elevador. Caminharam pelo saguão lotado de pessoas falando alto, gesticulando, correndo e esbarrando umas nas outras. O mar revolto de corpos não tinha uma direção definida, para passar por ele era preciso entender seu fluxo, nada anormal para trabalhadores que passavam o dia todo num ambiente muito parecido com aquele.

O grupo caminhou junto até a entrada da fábrica, onde eles se separaram e cada um seguiu para seu setor designado.

*****

Gisele em seu posto de trabalho lacrava as caixas que vinham até ela por uma esteira automática. Os movimentos repetitivos condicionavam o cérebro e o corpo, e com o tempo, ela nem mais se dava conta do que fazia, quando menos percebia já havia terminado seu turno.

Porém, naquele dia o turno não foi tão tranquilo quanto de costume. Ela estava lacrando caixas e admirando seu amor platônico passar inspecionando as diferentes etapas de produção de sua empresa. Mateus Amarante era o dono de uma das maiores corporações do planeta, a Enesi.

A garota o conhecia dos comerciais falando sobre a empresa e as entregas personalizadas. E desde a primeira vez que o vira, seu coração bateu mais forte. Fez tudo o que foi possível para entrar em sua empresa como funcionária, aproximar-se do figurão para então tentar conquistá-lo. Mas aquela havia sido a primeira vez que o vira pessoalmente.

Ele passava devagar pelo setor, acompanhado por um time de profissionais de distintas áreas. Mateus parou em frente a esteira onde Gisele trabalhava e observou as caixas deslizarem em direção à moça. Ela por sua vez, percebendo que estava sendo observada pelo seu príncipe encantado, realizou sua tarefa de maneira excepcional para tentar impressioná-lo, no entanto, falhou miseravelmente.

Mateus a viu lacrar as caixas com maestria, numerá-las, etiquetá-las e despachá-las, porém, nada disso o impressionou. Seus olhos fitaram as caixas, as máquinas e o cronometro acima do setor, depois voltou seu olhar para a trupe que o acompanhava.

Gisele sentiu seu coração travar por um segundo, seu corpo tremeu e seus olhos marearam. Naquele momento, ela soube que era invisível para alguém a quem ela tão bem queria. Seus músculos amoleceram e fraquejaram, ela despencou de joelhos no chão, e ali permaneceu até que se deu conta de que todos do setor a deixaram ali, solitária sem qualquer tipo de apoio, para não pararem sua tarefas, e depois começaram deixar o setor por conta de um aviso sonoro, sem se importar em chamá-la ou auxiliá-la a sair.

Ela levantou-se sem entender bem o que acontecia e seguiu o fluxo. As pessoas moveram-se ordenadamente até o grande pátio e aguardaram pacientemente por mais instruções que deveriam surgir à qualquer momento em alguma tela holográfica pairando sobre a multidão.

Eis que de repente no teto abriu-se em duas fendas por onde descem hastes metálicas em formato cilíndrico. Elas param paralelamente uma à outra e instantaneamente surgiu entre elas a tela azulada por onde eram exibidas as orientações, comerciais e palestras motivacionais.

— Houve um acidente no setor de incineração. Todos estão dispensados por hoje. Retornem ao trabalho amanhã no devido horário — disse o diretor da empresa através da tela de luz.

Todos os funcionários saíram vagarosamente da empresa e dirigiram-se para suas casas, conforme lhes foi orientado.

No elevador Gisele e Alfredo permaneciam calados enquanto visualizavam dados da ultranet através de seus implantes corticais. A moça encerrou a conexão depois de perceber que nenhum dado relevante seria liberado nas redes. A equipe de filtragem de conteúdos já havia iniciado seu trabalho.

— Você — balbuciou Gisele —, viu a Alê?

Alfredo apoiou uma mão no espelho ao fundo do elevador, fitou o piso por alguns segundos e então vagarosamente virou-se para encarar a amiga. Após seus olhares se cruzarem, ela percebeu seus olhos avermelhados e mareados, seus lábios moviam-se, mas tudo o que eles emitiam era um mero sussurro que ela pode captar graças à acústica do compartimento.

— Era ela — disse o rapaz.

— Como assim? — Indagou Gisele agarrando os ombros do amigo. — O que quer dizer com isso?

— Era ela Gi, eu vi.

— Viu o quê? — Ela sacudiu o corpo do rapaz na tentativa de tirá-lo daquele estado melancólico. — Fala!

Alfredo desabou ao chão rebentando-se num pranto profundo e amargurado. Juntou os joelhos contra o peito e os envolveu com os braços. Enterrou a face no vão dos braços e chorou em meios aos constantes soluços. Gisele não sabia com exatidão o que havia acontecido, mas sabia que perdera uma vizinha e uma amiga.

— Ela... Ela se jogou no incinerador? — Perguntou a moça já sentada no chão e encostada na porta do elevador.

— Sss... Sim, mas não podemos falar sobre isso — respondeu ele.

— O que exatamente você viu?

— Foi tudo muito rápido — respondeu Alfredo controlando o choro. — Ouvi gritos e corri em direção à eles. Quando cheguei lá, estavam retirando o corpo carbonizado e colocando no cilindro de transporte.

— Como sabe que era ela?

— O lenço de seda vermelho grudou na pele e não queimou totalmente. E tem a baixa estatura...

— Já entendi! — Disse Gisele de forma ríspida.

Alfredo levantou-se devagar, aproximou-se da porta e assim que ela abriu, saiu por ela sem ao menos olhar para trás ou despedir-se da moça, que continuou a trajetória até seu andar.

Ao sair do elevador, caminhou pelo corredor mal iluminado, úmido e cheirando a mofo. Seus passos ecoavam pela vastidão erma enquanto ela aproximava-se de sua porta. Parou em frente a seu apartamento e de soslaio observou a porta da amiga, aquela que não tornaria a vê-la, aquela a quem não pode ajudar com uma ínfima conversa matinal antes do trabalho.

Destravou a porta e entrou em sua morada. Passou pelo robô defeituoso, pegou uma cerveja na geladeira, sentou-se à mesa recostando-se confortavelmente em sua cadeira de luz e fechou os olhos. Depois de ativar o banco de memórias percebeu que Alessandra não constava mais em suas mídias de armazenamento, alguém estava trabalhando rápido.

Gisele tomou um longo trago da bebida fermentada e abocanhou um enorme pão de mel. Mesmo que seu paladar estivesse satisfeito por sentir o delicioso sabor dos doces, seu coração não compartilhava de tal sensação. Em seu íntimo Gisele sentia-se amarga e vazia, pois, sabia que a próxima poderia muito bem ser ela.

Preta, gorda, cabelos crespos e boca-dura, quem vai se interessar por mim?

Trinta e seis doces, e oito cervejas depois, ela não aguentava o peso do próprio corpo, então caminhou para o quarto e lançou-se no colchão de biogel. Seus pensamentos flutuaram sem nexo e sem pretensão, até que por acaso fixam-se num homem. Assim que Mateus Amarante surgiu em seus pensamentos, Gisele passou a torturar-se com os estigmas que pesavam sobre seu semblante, que cortavam sua alma e agrediam sua dignidade e liberdade, porém, algo mais forte, enterrado ainda mais profundamente que a dor, impulsionava as lágrimas para fora de seus olhos.

Ele nunca vai me amar. Nunca vai olhar para mim, sendo eu desse jeito. Seus pensamentos atingiam sua integridade mental e autoestima como farpas de metal chocando-se contra uma parede de vidro frágil. Terminarei igual a Alê. Chorando copiosamente, sem dar trégua para seu raciocínio, ela acabou por adormecer.

*****

As luzes brancas ofuscavam-lhe a visão por conta da intensidade, seus músculos estavam relaxados por conta da anestesia, seus pensamentos e seu raciocínio estavam letárgicos, porém, ainda eram considerados normais.

O homem de jaleco branco e máscara ocultando todo o rosto, aproximou-se da maca e acionou uma pequena haste de metal que revelou uma tela holográfica amarelada.

— Preciso de sua autorização final. — Moveu os dedos sobre a tela fazendo surgir novos dados sobre a paciente. — É de sua total vontade passar pelo processo de Incepção?

— Sim — respondeu Gisele com a voz mole e arrastada.

— Muito bem. A Adenei agradece a preferência e deseja-lhe uma ótima nova vida!

Após os dizeres, o médico afastou-se da maca, guardou o cilindro que projetava a tela holográfica e chamou através de seus dispositivos, seus assistentes. Poucos minutos depois uma enfermeira adentrou a sala carregando um capacete com diversos eletrodos e conectou todos eles no corpo de Gisele, depois encaixou o objeto em seu crânio. Sacou dos bolsos uma haste e ativou a tela amarela. Digitou alguns dados e tornou guardá-la.

Logo em seguida entrou na sala um enfermeiro carregando um corpo sobre uma maca. O corpo apresentava aspectos femininos tidos como perfeitos pela avaliação estética mundial. O homem colocou o corpo ao lado de Gisele, conectou eletrodos e também um capacete, depois observou o olhar calmo da moça e disse:

— Magnifico! Bela escolha, deve ter sido bem caro.

— Felicidade não tem preço — respondeu a moça antes de cair em sono profundo.

*****

Gisele olhava para sua silhueta refletida no espelho do vestiário público e lembrava-se da árdua trajetória que percorreu para enfim estar ali, naquele corpo. Vendeu sua casa, suas joias de família, trabalhou duro por seis meses em subempregos e aceitou situações degradantes com seu antigo invólucro carnal por vários meses. Apostou tudo o que tinha numa única chance.

Suportar tudo o que ela suportou para conseguir um novo corpo não foi fácil, mas Gisele tinha um sonho e não abriria mão dele por nada. Pensava ela que seu destino era o de viver como uma princesa e finalmente havia encontrado seu príncipe. Depois que sua mente fora conduzida para outro aparelho cerebral, ela concluiu que sua revolta, sua oposição ao sistema era superficial, justamente por não se enquadrar nele, mas agora que estava ajustada, sentia-se privilegiada, integrada e feliz, portanto, suas antigas convicções não importavam mais.

Depois de pagar pelo processo de incepção, ainda lhe sobrara créditos suficientes para comprar roupas aparentáveis, nada muito glamoroso, mas teria de bastar.

Seu novo corpo era sexy, pele sedosa, cabelos pretos e lisos de comprimento longo, olhos esverdeados com salpicos dourados, altura mediana, seios fartos, e encaixava-se no aspecto atlético. Ela pagou caro por um corpo digno de competir pelo título de mulher mais bela do mundo e estava feliz com sua decisão. Após as últimas conferidas, saiu do trocador e dirigiu-se para a empresa em que trabalhou durante anos, antes de se demitir. Não acabarei como a Alê, nunca! Pensava ela.

Ao entrar, encaminhou-se ao setor de recursos humanos e solicitou uma reunião com Mateus Amarante, dizendo ter para ele uma proposta irrecusável. Após muita relutância dos funcionários e insistência por parte dela, o dono da empresa fora avisado sobre sua presença e sua proposta.

Fê-la esperar por algumas horas, mas finalmente recebeu-a em sua sala. Assim que Gisele entrou reparou no olhar fixo de Mateus em seus quadris. Ela sentou-se na poltrona a frente do ricaço e cruzou as pernas num movimento lento e sensual, tal como sabia que o atraia. Ela não havia chegado até aquele momento somente com um corpo lindo, mas também com muita informação sobre o que Mateus pensava e gostava, e para isso teve de pesquisar e estudar durante dois longos anos, sendo que algumas vezes até arriscara sua vida em busca de uma informação.

— Boa tarde! Seu nome é? — Indagou o homem bem vestido e perfumado.

— Gisele Costa. Muito boa tarde!

— Disseram-me que traz-me uma proposta de negócios — comentou Mateus tentando ir direto ao assunto.

— Na verdade é uma proposta irrecusável, porém, não é de negócios. Não como imagina que seja.

— Trata-se de que então? — Questionou o homem recostando em sua poltrona de luz sólida.

— Me inscrevi no concurso de princesas. Tenho capacidade para vencer e não só na categoria global, mas na imperial também. Com a influência certa, posso garantir a vitória e levantar o status do meu patrocinador.

— Você quer que eu patrocine você? — Perguntou ele retoricamente. — E diz que com isso vencerá todas as concorrentes dos oito planetas do Império? — Reclinou-se para frente e apoiou as mãos sobre a mesa com os dedos entrelaçados.

— Sim. Tudo o que preciso é que minha imagem chegue até os oito planetas. Não tenho condições financeiras para isso.

— Digamos que você vença... Como isso me beneficia? Ou por outro lado, se você não conseguir?

— Vencerei e com isso seu nome será levado às alturas. O padrão de beleza será o meu e você pode se beneficiar mudando sua empresa de ramo, ou abrindo outra.

— Como tem tanta certeza que pode vencer? — Indagou ele impaciente, mas sem desviar o olhar de suas coxas.

— Se você aceitar me patrocinar, eu contarei.

Mateus observava os lábios sedosos e pintados se moverem lentamente, a língua rosada se pronunciar entre os dentes em momentos específicos, os olhos brilhantes e a pele macia e brilhante da moça. Com isso seus pensamentos eram transformados em impulsos involuntários na região pélvica, e tudo o que conseguia pensar era em ter aquela mulher para si.

— Faremos o seguinte: Eu bancarei sua campanha de divulgação. No entanto, se você não vencer, terá de trabalhar para mim sem salário até quitar a dívida, e mantendo um ritmo eficaz de trabalho, com contrato assinado. Caso vença, casarei com você. Assim eu lucro com sua imagem e você lucra com o dinheiro que eu conseguir. O que me diz?

Gisele mordeu os lábios de maneira sedutora, tal como aprendera nos manuais mais raros e caros. Olhou-o no fundo dos olhos e chacoalhou os cabelos para fingir estar nervosa. Reclinou-se na poltrona de luz sólida e balançou o pé que flutuava.

— Parece justo. Aceito.

O contrato foi assinado e os preparativos começaram. Mateus investiu pesado na campanha de divulgação da Princesa Gisele. A cada dia de contato Mateus se aproximava mais e mais da moça e com isso seus pensamentos ficavam transbordados com sua imagem, logo, ele não pensava em outra coisa a não ser Gisele, seus olhos, sua voz, seu corpo e seu amor. Então, antes mesmo do concurso iniciar-se pediu-a em casamento.

Gisele sempre sonhou com aquele momento, mas a surpresa foi grande demais para ela. De inicio acreditou que se tratava de uma brincadeira ou artimanha, mas depois de muitas investidas, ela percebeu que era sincero e aceitou. O casamento aconteceu pouco tempo depois.

A Lua foi alugada para a festa de casamento. Tudo era feito para parecer realmente um conto de fadas. Gisele não se continha em alegria, satisfações e sentimentos que jamais conhecera.

O casamento elevou a divulgação da candidata e no final daquele mesmo ano ela já era conhecida pelo Império inteiro e também a mais cotada para vestir a faixa de Miss Império. Os dias passaram rápidos demais para serem narrados, até porque, se o fossem, não seriam mais do que algodões doces, risos, sonhos cor de rosa e jardins exóticos. Um verdadeiro casal real feérico.

No final, Gisele venceu o concurso e voltou para a Terra, para viver com seu amado. Tratada como uma verdadeira princesa. Tinha o maior palácio do país, luxos inigualáveis, festas pomposas e era venerada por todas as garotas do império. Mateus adquiriu mais uma empresa no ramo de cosméticos que levava o rosto da esposa como slogan.

A garota sentia-se realizada, feliz e enquadrada. Visitou todas as colônias de férias nos oito planetas do Império e conheceu uma infinidade de lugares maravilhosos, vivia como sempre desejou.

*****

Gisele estava deitada sobre a cadeira flutuante sobre as águas da piscina do castelo, observando os muros do labirinto de rosas vermelhas, com o olhar estático e perdido.

— Gisele — disse Mateus elevando o tom de voz de modo que não era costumeiro —, está me ouvindo?

— Desculpe amor, estava distraída.

— Está assim há um bom tempo. Está acontecendo alguma coisa?

Ela olhou para o céu azul quase sem nuvens, submergiu os pés na água gelada e fitando o esposo respondeu:

— Não sei... Acho que preciso de um sorvete, ou um pedaço de bolo.

— De novo? Já ultrapassou sua cota semanal. Está querendo acabar com sua imagem?

Acabar com minha imagem?

Gisele comprimiu os lábios e sacudiu a cabeça em forma de negação. Recolheu os pés e encostou os joelhos contra o peito abraçando-os apertadamente. Vagarosamente ela pousou o queixo sobre as rótulas e suspirou como sempre.

— Está infeliz, ou depressiva? — Perguntou Mateus levantando os óculos espelhados de cor amarela.

— Talvez seja só falta do que fazer... Tédio... — Ela interrompeu sua fala e observou o semblante de espanto misturado com incredulidade.

— Você poderia ser grata por tudo que tem, pelo menos uma vez? — Ele abriu os braços e fechou a cara. — Sempre reclamando de tudo. Sabe quantas mulheres já foram eleitas a mais bela do Império dez anos consecutivos? Nenhuma antes de você. Sabe quantas mulheres querem ser você? Todas!

— Não querem ser eu, querem ter meu corpo.

— O que está dizendo? Está arrependida de algo?

Tudo.

— Lembra-se de uma funcionária sua que morreu no incinerador há doze anos?

— Não. Por que deveria?

— Porque era uma pessoa maravilhosa. Mas eu entendo que não lembre dela. Também não sabe o motivo de seu suicídio, não é?

— Ah! — exclamou ele como se sua memória houvesse sido ativada. — A suicida que parou a fábrica por um dia inteiro. Imagino que ela estava infeliz, é muito comum entre a plebe.

— Diria que é comum entre os seres humanos... — retrucou Gisele ainda fitando o Sol refletido nas águas da piscina. — Ela estava infeliz por não estar enquadrada no padrão de beleza da época. E eu só estou aqui hoje porque meu medo de terminar como ela me impulsionou.

— Que bom, você evoluiu.

— É isso o que chama de evolução? Acredito que se tivesse lutado mais naquela época, se não sonhasse tanto, poderia ter notado o caminho perigoso que ela trilhava e poderia tê-la salvado.

— Isso você não pode saber.

— Não.

*****

Gisele estava deitada no sofá de biogel abraçada a um pote de sorvete de baunilha com chocolate meio amargo, assistindo a um seriado de comédia exibido na tela holográfica azulada que pairava próximo ao teto de cristal.

Raspou o pote com a colher de ouro e colocou na boca o último vestígio daquele delicioso sorvete. Largou o pote junto com os outros dois e colocou a colher no coletor ao lado do sofá. Espreguiçou-se e ouviu suas articulações estalarem uma após a outra. Sentou-se vagarosamente e passou os dedos entre os cabelos para deixa-los menos embaraçados.

Ouviu o som de ar comprimido sendo liberado e em seguida o deslizar da porta principal. Após isso, a voz do esposo em tom rude ecoou pelo palácio.

— Gisele! Gisele! — Gritava ele de forma histérica. — O que está acontecendo Gisele?

— Estou aqui — gritou ela levantando um braço para ser mais facilmente localizada pelo príncipe da estética imperial.

Mateus contornou o sofá e arregalou os olhos ao vê-la trajando um pijama quatro números maiores do que ele sempre encomendava. Os olhos do homem quase saltaram das órbitas quando viram que as curvas côncavas haviam se tornado convexas.

— O que aconteceu com você? O que significa tudo isso? — Praguejou ele apontando os potes vazios de sorvete e os inúmeros doces em bandejas flutuantes ao redor do sofá.

— Estou aliviando o estresse.

— O que? — Gritou Mateus chutando a bandeja mais próxima. — Está de brincadeira comigo, não é? Sabe quanto eu perdi em contratos cancelados só nesse mês?

— Você perdeu? Quem cancelou fui eu.

— Mas as empresas são minhas. Você está querendo acabar comigo? O que eu te fiz de mal?

— Está fazendo agora.

— Gisele — disse ele ajoelhando-se frente a ela —, por favor, me diga o que está acontecendo!

Ela levantou-se segurando as mãos dele gentilmente como fazia, ajudou-o a ficar de pé e o envolveu num apertado amplexo fraternal. O queixo da moça apoiou-se carinhosamente sobre o ombro do esposo e num sussurro ela disse:

— Só quero ser feliz, foi tudo o que eu sempre quis.

Ele afastou-a de si de maneira gentil, apenas para olhar em seus olhos mareados e indecisos. Ele segurou-lhe as mãos e questionou:

— Eu não faço você feliz?

— Ninguém deveria viver em função de outrem. Você não pode me fazer feliz, nem eu a ti. Cada um deve ser feliz e assim conviver com sua felicidade. Acontece que não me sinto feliz há muito tempo.

— Eu sei do que precisa... — Ele disse erguendo o rosto dela com a ponta do dedo indicador. — Vou levá-la para passar umas férias no melhor spa do Império. Eles vão devolver suas curvas e vão aliviar seu estresse. Voltará nova em folha.

— Não quero isso.

— E o que mais você poderia querer?

— Quero o divórcio.

O magnata trilionário não conseguia conter seu maxilar. Após alguns segundos de descrença ele percebeu que as palavras da esposa e também seu olhar eram sinceros. Ele virou-se de costas para ela e caminhou alguns metros, parou e tornou olhá-la e disse:

— Se fizer isso, estará acabada. Sua pele perfeita, seu rosto maravilhoso, seus olhos hipnotizantes e esses lábios sensuais de nada mais valerão. Talvez até se arrependa, mas daí não poderá voltar a seu status mais. Se atingir esse nível de decadência, abrindo mão do sobrenome e do papel que empenha na sociedade, será apenas parte do restante da população, logo estará entre a plebe néscia.

— O que você chama de decadência eu chamo de evolução.

— Se fizer isso, nem um emprego descente vai conseguir.

O semblante dela era implacável, seu rosto estava frio e rígido como se ela própria fosse feita do mesmo mármore em que pisava.

*****

O bar estava cheio, mal iluminado, com flashes coloridos e rodopiantes, fumaça química com aroma adocicado espalhando-se pelo ar misturando-se com o cheiro de bebidas, urina e nicotina. O som alto ecoava por todo o Beco dos ratos, mesmo do lado de fora havia uma multidão incalculável para ver a banda mais curtida dos últimos tempos.

O teto do local era mal remendado, o que permitia que grandes quantidades de goteiras se originassem por toda sua extensão. Os equipamentos estalaram e emitiram fagulhas elétricas em contato com a água, mas a banda não interrompeu sua apresentação.

As três mulheres demonstravam energia descomunal para um ser humano com a idade delas. A baterista negra, com cabelos black power e bigode descolorido num tom dourado, tocava como se fosse um polvo sendo eletrocutado. A guitarrista saltava com sua perna cibernética emitindo ruídos mecânicos e exibindo o brilho azulado do metal barato, enquanto que a baixista e vocalista gritava a plenos pulmões exibindo seu corpo rechonchudo dentro de um colan de couro negro apertadíssimo e repleto de rebites prateados.

Após a apresentação as integrantes da banda guardaram os equipamentos e misturam-se à multidão. Cada uma procurando atividades ou pessoas de seu interesse.

Gisele sentou-se ao balcão e pediu uma dose dupla de milk-shake de chocolate com um balde de frango frito para acompanhar. Uma garota morena de olhos cinzentos e careca, trajando roupas jeans com rebites e grafias anarquistas sentou-se ao seu lado saudando-a cordialmente.

— Mandou muito bem! — A garota olhou para Gisele com uma admiração inacreditável. — Gosto muito de você. Não gostava. Mas agora eu gosto.

— Não gostava? Por quê? — Indagou Gisele levando uma coxa de frango à boca.

— Sabe, você era a rainha da beleza. E aí de repente aparece na cena punk, aqui com os reles mortais. Achei que estava lançando uma moda ou algo parecido.

Gisele sorriu e ofereceu frango à garota. Ela aceitou prontamente. A cantora observou a moça por alguns instantes e depois de empurrar a carne goela abaixo com um grande gole de bebida láctea, disse:

— Pouca gente se atenta a esse detalhe. E particularmente gosto disso, que esqueçam quem eu fingia ser.

— Sério? Mas você comprou seu corpo, lutou por aquela vida. Não era o que queria?

Gisele colocou o copo de shake sobre o balcão, debruçou-se sobre ele e disse:

— Às vezes... Valorizamos tanto a vida que nos impõem, que esquecemos de viver a que temos. Eu sempre desejei ser uma princesa, rica, bela e rodeada por luxo. Cá estou eu. Sou a princesa que sempre fui, que sempre desejei ser, autentica, gorda e com uma puta voz rouca... A princesa dos bares de becos. Que come, bebe, trepa sem se importar com padrões e valores hipócritas. Me considero bela, pois, não preciso agradar ninguém além de mim mesma. Sinto-me feliz comendo esse monte de porcaria, e o que eu como molda meu corpo, logo eu estou construindo minha aparência. E você quer luxo maior que a liberdade?

— Disse tudo! — A menina levantou-se e inclinou a cabeça em direção ao palco, informando que a próxima banda iniciaria sua apresentação. — Vamos dançar?

— Só se for agora!

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Olá pessoal, vocês estão bem?

E aí, me digam o acharam dos contos até aqui.

Este é o último conto do Tomo 1. Espero que estejam gostando.

Deixem votos e comentários para salvarem os unicórnios dos maus tratos.

Beijos da Pri. ^^

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