A bruxa da floresta
A bruxa da floresta
Pricila Elspeth
Cristina e Lívia adentram a floresta logo pela manhã, caminhavam com cautela e carregavam uma espada de madeira cada uma. O destino já era conhecido, a velha cabana no meio da mata, no entanto, como era domingo, não podiam demorar, pois, logo a missa começaria.
Assumiram seus postos de vigília e observaram o casebre velho e embolorado, mal iluminado pelo sol que dardejava pelas copas das árvores, expelir grandes quantidades de fumaça branca. Logo, uma janela se abriu, em seguida a porta, um gato preto fora colocado para fora e depois mais um.
As meninas arregalaram os olhos e decidiram se aproximar. Esgueiraram-se por trás de alguns arbustos e depois contornaram a velha casa se aproximando pela parte menos iluminada da floresta.
Elas notaram que a porta estava aberta, mas não viam movimentação alguma dentro da casa. Lívia esticou-se para averiguar, mas não obteve sucesso. Cristina deu alguns passos para frente até que sentiu uma mão pousar sobre seus ombros. Ela virou rapidamente e viu à sua frente a maligna bruxa da floresta. Seus gritos histéricos assustaram a amiga que correu em disparada de volta para casa. Ela recuou enquanto a bruxa balançava as mãos e movia os dedos para conjurar seu feitiço. Cristina tropeçou e caiu, torcendo o tornozelo.
O medo a fazia gritar absurdamente, mas a bruxa não se importava, ao contrário, avançava em sua direção sem diminuir o passo. O pavor era tamanho, que a criança desmaiou.
Quando acordou, estava deitada numa quentinha e aconchegante poltrona, enrolada a um velho cobertor costurado à mão. Ela moveu-o para o lado e tentou levantar-se, mas recuou diante da dor. Notou que seu pé estava enrolado com faixas de pano empapadas em algum tipo de óleo. Logo a bruxa surgiu de detrás de uma porta escura trazendo uma chaleira fumegando e uma tigela de barro. A menina encolheu-se na poltrona, mas a mulher a quem temia, não pareceu se importar. Colocou água quente na tigela e mergulhou o pé da garota n'água. Depois colocou folhas e sal na água e sentou-se em frente à criança.
Olhando-a de perto, Cristina começou a ter dúvida se aquela mulher era mesmo uma bruxa. Sua pele era suja, mas não era feia, seus cabelos engrenhados e com cheiro de fumaça, mas seu rosto e seus atos não representavam maldade. Cristina notou que a dor estava desaparecendo, enquanto a mulher apenas a observava.
— Obrigada! Achei que fosse me amaldiçoar.
A mulher não respondeu. Olhava para os olhos da criança de forma curiosa e inocente. A mulher moveu as mãos e os dedos, a menina encolheu-se com medo do feitiço que seria lançado contra ela. Mas nada aconteceu. A mulher apenas a observava com ternura. Levantou-se e entrou pela porta escura. Quando retornou, trouxe pão duro, queijo artesanal e uma taça de leite. A menina comeu desconfiada e depois agradeceu. Mas a mulher não respondeu. Cristina moveu o pé n'água e percebeu que não doía mais, levantou-se e calçou suas botas. Achou melhor ir embora enquanto a bruxa apenas a observava, e assim desapareceu floresta adentro.
*****
Os dias se passaram e num dia de feira, Cristina estava com Lívia averiguando as melhores frutas para comprarem quando avistaram a velha bruxa enrolada em seu xale cinzento sendo enxotada por um vendedor.
A mulher balançava as mãos lançando maldições em todos que estavam na rua. As pessoas gritavam, corriam e até jogavam coisas nela, até que por fim, a bruxa foi embora e a paz retornou à feira, de maneira moderada.
— Não acha estranho?
— Ela vir à cidade em plena luz do dia? Claro! Ainda bem que não nos viu.
— Sabe, não sei se concordo que ela seja uma bruxa má.
— E por acaso existem bruxas boas, Cristina?
— Não sei. Isso eu não sei.
Naquela mesma tarde Cristina encheu uma cesta de frutas e foi para a floresta, desta vez, sozinha. Aproximou-se do casebre e bateu à porta educadamente. Depois de muitas tentativas em vão, decidiu entrar de mansinho. A bruxa estava lá, alimentando seus gatos com leite e pão. Ela aproximou-se e os gatos se irritaram com sua presença. Logo a mulher encarou-a e emitiu um curioso olhar para aquela criança.
Moveu as mãos e a menina largou a cesta de frutas enquanto tapava o rosto com as mãos. Quando deu por si, a mulher estava recolhendo as frutas caídas. Cristina não entendia seus poderes, será que só funcionava se a pessoa estive olhando-a, era o que pensava.
— Eu vi as pessoas te maltratando na feira. E você cuidou do meu pé... Então...
A mulher sentou-se e apontou a chaleira. A menina levantou-se devagar, pegou-a e sentiu que estava leve e gelada. A mulher fez alguns gestos com as mãos e apontou para o fogão de lenha aceso. A menina compreendeu que ela queria que fizesse chá. Colocou a chaleira no fogo e encheu-a com água. A mulher sorriu, fez novos gestos e apontou um grande armário. A menina abriu-o e viu vários potes com ervas, frutas e raízes secas. Pegou um com morangos e mostrou à bruxa. Ela sorriu e acenou afirmativamente com a cabeça.
Cristina colocou os morangos secos em copos de madeira e aguardou pela fervura d'água. Percebeu que a mulher fazia vários gestos, então perguntou:
— Você não sabe falar?
A mulher olhou-a durante um tempo e fez muitos gestos com as mãos, mas eram rápidos demais para que a menina pudesse assimilar. Depois do chá, a mulher deu à menina uma pulseira feita com pedrinhas brilhantes. Ela agradeceu e partiu de volta para casa.
*****
Muitas luas haviam se passado e Cristina havia se tornado amiga da mulher que vivia na floresta. Aprendeu seu meio de comunicação e descobriu parte de sua história. Ela morava na floresta com uma mulher que a ensinou falar com as mãos, mas a mulher falava com as pessoas sem usar as mãos, até que um dia ela morreu. A menina ficou só, e sempre que ia à cidade, era maltratada, com o tempo, passou a ir lá cada vez menos, todos a temiam e a odiavam por falar com as mãos.
Cristina então entendeu de onde havia surgido a história daquela mulher ser uma bruxa, tudo era apenas um grande mal entendido. A menina havia crescido bastante e havia aprendido confeccionar muitas coisas. Mas naquele dia, pediu que a mulher deixasse-a pentear seus cabelos. Antes, ajudou-a a tomar banho e por fim penteou e enfeitou seus cabelos. Como forma de gratidão por sempre acolhe-la, se tornar amiga e sempre lhe ensinar ofícios, a menina deu-lhe um colar que ela mesma havia confeccionado.
Quando ia colocar o colar na mulher, reparou que havia uma marca em forma de lua em seu pescoço. Perguntou então à mulher o nome dela, mas ela havia ficado tanto tempo sozinha, que nem ao menos se lembrava de que teve um nome. Cristina pensou, e passou a chama-la de Mônica.
Cristina perguntou à Mônica se ela sabia algo sobre a família real. Mas a mulher não sabia nada, todo seu conhecimento era voltado para a natureza e os animais. A menina muito curiosa ficou com aquela dúvida na cabeça por muitos dias.
Durante os dias, ela visitava os velhos da cidade conversava sobre a família real. Sobre os herdeiros e sobre as leis. Acabou descobrindo que os enfermos monarcas estavam mesmo com um pé na cova, e que o herdeiro do trono seria o tirano irmão do rei. Isso porque anos atrás, dizem os fofoqueiros, que a rainha deu a luz a uma criança imperfeita e então, a entregou a aia e pediu que a carregasse para longe. Depois disso, a criança, legítima herdeira, nunca mais foi vista e a rainha jamais tivera outro filho. Cristina queria saber como reconhecer a criança real, mas as respostas eram variadas, alguns diziam que: a criança tinha aparência monstruosa, outros falavam que a criança nascera sem ossos, tinha aqueles que diziam que a criança nascera amaldiçoada e outras histórias mais, no entanto, todos concordavam que, todo membro da família real, tinha em seu corpo a marca da lua.
A menina aguardou pelo próximo encontro com a amiga da floresta e contou o que estava acontecendo no castelo. Os monarcas estavam doentes e morreriam em breve, o irmão tirano do rei assumiria o trono... A menos que Mônica o reivindicasse.
A mulher saltou da cadeira espantada, gesticulando, informando que não poderia fazer isso, seria uma afronta que ela pagaria com a própria vida. Cristina explicou sobre a marca da lua, e contou a história da filha imperfeita do rei. Mônica ficou pensativa durante muito tempo. Mas, mesmo ao final do dia, não fora convencida a tal ação.
Cristina entristeceu-se, pois, gostava de Mônica e vê-la como rainha seria muito bom, além disso, o irmão carrasco do rei, iria impor leis absurdas de serem cumpridas e castigariam a todos constantemente por desobedece-las. Já havia feito algo parecido quando era o responsável por coletar os impostos.
*****
Cristina contou tudo o que havia descoberto para Lívia, mas a amiga não conseguia acreditar que a bruxa fosse boa. Com o passar do tempo, o monarca tirano assumiu o trono e espalhou soldados por todos os lados. Os guardas reais torturavam as pessoas e abusavam de seu poder.
As noites eram agitadas e violentas, os dias longos e cansativos. A menina não conseguia ficar quieta e acabou xingando o novo rei enquanto ele desfilava pela vila. O rei a aprisionou e como soube da existência da herdeira real, espalhou pelo reino guardas ordenados a caçar e matar a mulher.
Lívia sabendo da situação, correu até a floresta no meio da noite e invadiu a casa da bruxa. Para sua surpresa, Mônica a acolheu e a conduziu para uma cadeia. Lívia falava e falava, mas a mulher não entendia. Mônica levantou-se, pegou um pergaminho e um carvão e entregou à moça. Cristina havia ensinado algumas palavras à ela. Lívia desenhou e escreveu, contou o que estava acontecendo. Que o novo rei os maltratava, que havia aprisionado Cristina e que estavam procurando-a para matar.
Mônica estava indefesa, não sabia o que fazer, mas Lívia a culpava pelo aprisionamento de Cristina, e isso a pressionava a tomar uma decisão. Sem ter muito tempo para pensar, a mulher cobriu-se com seu xale velho e partiu para o castelo.
Quando chegaram à beira do portão, foram interceptadas pelos guardas, mas Lívia gritou que estava com a bruxa da floresta e que ela os amaldiçoaria com seus feitiços. Mônica movia as mãos em direção aos guardas e eles com medo corriam assustados e desesperados. Assim ela abriu caminho até a sala do trono.
Quando o rei viu a garota e a maltrapilha, exigiu saber o que significava aquilo. Lívia então, olhou ao redor, para os conselheiros do rei que observavam a tudo com cautela e disse:
— Contemplem sua legitima rainha!
Os homens sem entender nada começaram um falatório interminável. O rei tirano como era, ordenou que todos se calassem e chamou os guardas. A mulher o ameaçou com os gestos de feitiço, mas o monarca era descrente e provou aos guardas que ela não tinha poderes. O rei ordenou que a colocassem num calabouço amarrada com correntes de ferro.
A mulher se debatia e se contorcia tentando se livrar dos guardas. Assim que livrou uma das mãos, ergueu os cabelos da nuca e mostrou a marca real ao guarda. O guerreiro de armadura imediatamente ajoelhou-se para a mulher e disse ao conselho:
— Ela traz a marca real, e tem idade certa para ser a filha do antigo rei.
O conselho discutiu na presença do rei furioso e histérico e decidiu que ele havia usurpado o poder e como tal, não possuía poder legítimo. Revogaram seu título na frente dos cavaleiros e entregaram à jovem mulher.
Com seus gestos traduzidos de maneira muito fraca por Lívia, ela ordenou que soltassem Cristina. E quando isso foi feito, a moça explicou tudo ao conselho e no dia seguinte, uma festa foi organizada no castelo, para receberem sua nova e legítima rainha.
Mônica convidou Cristina e Lívia para morarem no castelo com suas famílias. A comunicação com gestos passou a fazer parte da cultura do reino, e anos mais tarde, até os que nasciam com voz, aprendiam a falar com as mãos, e assim, o reino prosperou durante muitos e muitos anos.
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Olá pessoas, tudo bem?
Esse é o segundo conto e eu estou ansiosa para saber a opinião de vocês.
Lembrem-se, cada comentário e voto salva um unicórnio dos maus tratos.
Beijos da Pri.
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