Vícios do Caos - Ato 1
O carmesim da dúvida, como vinho vertido,
mancha risos velados e olhares perdidos.
Vício do Caos
Ato 1
Showed Me
Lucca estendeu o celular para mim, seus dedos roçando os meus por um instante antes de soltá-lo. O toque breve carrega uma naturalidade que me faz hesitar.
— Aqui está. - a voz dele era tranquila, mas havia uma sombra de cautela ali. — Eu guardei para garantir que ninguém mexesse.
Segurei o celular, minha mente oscilando entre alívio e irritação.
— Por que não me avisou antes? - pergunto, tentando manter o tom neutro, mas uma nota de frustração escapa.
Ele cruzou os braços, seus olhos me observando com paciência.
— Não achei que fosse prioridade. - ele deu de ombros. — Você estava cansada, e imaginei que talvez quisesse um tempo sem distrações antes de lidar com mensagens e chamadas.
Revirei a tela do celular, verificando as notificações. Nenhuma ligação perdida. Nenhuma mensagem alarmante. Ainda assim, o fato de ter estado sem ele incomodava.
— Eu não gosto que decidam por mim, Lucca. - minha voz saiu calma, mas firme. Ele inclinou ligeiramente a cabeça, a expressão em seu rosto mudando para... genuinamente arrependido.
— Não foi minha intenção. - a voz dele abaixou, e as palavras quase sumiram no espaço ao nosso redor. — Se te incomodou, eu peço desculpas.
Por algum motivo, a sinceridade em seu tom me desarmou. Suspirei, forçando meu corpo a relaxar.
— Tudo bem... - murmurei, ainda segurando o celular com força. — Mas, por favor, não faça isso de novo.
— Combinado. - ele esboçou um sorriso de canto, como se quisesse aliviar a tensão. Seu olhar permaneceu fixo em mim, e havia algo tão intenso em sua expressão que meus instintos quase me mandaram desviar os olhos.
O silêncio se prolongou, apenas o som distante de vozes no corredor quebrando a quietude. Lucca endireitou-se e passou a mão pelos cabelos, o movimento casual demais para o clima que ele mesmo criara.
— Agora que você está com seu celular... - ele inclinou a cabeça, o sorriso ainda dançando nos lábios. — Pode me dizer por que parece tão desconfiada o tempo todo?
A pergunta me pega desprevenida, mas eu apenas dou de ombros, apertando o celular entre os dedos.
— Velhos hábitos. - ele soltou um riso curto, baixo, como se compreendesse algo mesmo sem que eu tenha dito.
— Justo. - ele ficou em silêncio por um instante, os olhos analisando cada traço do meu rosto antes de continuar. — Mas quero que saiba de uma coisa, Lana... você está segura aqui.
Antes que eu pudesse formular uma resposta, ele já estava se afastando, caminhando em direção à porta.
— Preciso resolver a questão com os paparazzi. - ele lançou um olhar por cima do ombro, a voz ganhando um tom mais leve. — Se precisar de algo, sabe onde me encontrar. - e com isso, ele desaparece no corredor
fico por um momento parada no mesmo lugar, o celular seguro na palma da mão. A forma como ele falou "sobre eu estar segura ali" me deixa inquieta. Decido não pensar muito nisso e sigo em direção à cozinha. A Nonna está lá, e sua presença é o tipo está com uma vó amorosa.
Ao me aproximar, o som de panelas se chocando e o aroma de algo cozinhando me envolvem. A voz animada da Nonna ecoa pela cozinha, mesclando italiano e inglês enquanto ela distribui ordens com um tom que é firme.
— Ah, Lana! Finalmente! - ela exclama assim que me vê, um sorriso caloroso iluminando seu rosto. — Não vá me dizer que aquele mandão te segurou por aí.
— Não exatamente... - respondo, tentando sorrir. — Mas achei que aqui seria o melhor lugar para estar agora.
Ela enxuga as mãos no avental florido e me aponta uma cadeira perto da mesa central, onde há frutas, verduras e ingredientes espalhados.
— Sente-se, menina. deixe-me te conhecer melhor
Obedeço e me sento, observando enquanto ela se move pela cozinha com a destreza de quem conhece cada detalhe daquele espaço.
O cheiro de alho dourando invade o ar enquanto uma panela de ferro borbulha no fogo baixo.
— O que está fazendo? - pergunto, curiosa.
— Uma sopa. - ela lança um olhar por cima do ombro, com um sorriso divertido. — Esse menino que só come macarrão precisa de algo mais saudável.
Dou uma risada baixa.
— É igual ao pai. Teimoso como uma mula. - ela suspira, mexendo a panela com uma colher de madeira. — Mas, no fundo, tem um bom coração. Só não conte que eu disse isso. - ela então se vira para mim, com um olhar curioso e genuíno, enquanto descasca algumas cenouras.
— E você, menina? O que faz da vida?
Pego um pedaço de pão da cesta na mesa, hesitando antes de responder.
— Já fiz de tudo um pouquinho, na verdade. - dou um sorriso leve, olhando para o pão em minhas mãos. — Mas agora... agora estou tentando me encontrar no mundo.
Nonna para por um instante, observando-me com olhos cheios de compreensão.
— Ah, a busca por si mesma... - ela dá um pequeno sorriso, voltando a descascar as cenouras. — É uma jornada que todos fazemos, sabia? E, às vezes, é nos lugares mais improváveis que encontramos o que estamos procurando.
Não sei ao certo se ela fala de propósito ou se é apenas uma observação casual. Fico em silêncio, assistindo enquanto ela continua a cozinhar, e sinto, mesmo que por um momento, que estou onde deveria estar.
Nonna coloca as cenouras descascadas de lado, enxuga as mãos no avental e, do nada, lança um olhar astuto para mim, como se tivesse acabado de lembrar de algo importante.
— Ah, o menino Lucca me disse que você é uma artista.
Minha respiração quase trava.
— Ele disse isso? - pergunto, tentando não parecer tão surpresa.
— Disse sim. - ela faz um gesto casual com a mão enquanto começa colocar a cenouras para cozinhar. — Não entrou em muitos detalhes, claro. Aquele rapaz não gosta de falar muito sobre os outros. Mas mencionou que você é muito talentosa.
— Não sei se diria que sou talentosa... - tento desviar o olhar, mas o jeito como ela me observa me deixa desconcertada.
— Modéstia demais pode ser perigosa, menina. - ela dá uma risada baixa. — Então, o que você faz? Pinta, desenha...?
— Um pouco de tudo, na verdade. - dou um sorriso hesitante. — Pintura, escultura, ilustração... Na faculdade, eu costumava passar noites inteiras no ateliê.
Nonna para por um momento, como se estivesse considerando minhas palavras.
— Noites inteiras, é? - ela ergue uma sobrancelha, divertida. — Parece que você realmente tem paixão pelo que faz.
— Eu tinha, pelo menos. - o sorriso no meu rosto desaparece um pouco. — Faz um tempo que não consigo criar nada.
Ela coloca a faca de lado, me encarando com uma expressão séria, mas cheia de ternura.
— Às vezes, a vida faz isso com a gente. Tira um pouco do brilho das coisas que amamos. - ela volta a mexer na panela, o cheiro da sopa preenchendo o ar. — Mas o brilho volta, quando encontramos a motivação certa. - fico em silêncio por um momento, sentindo o peso das palavras dela. Não sei exatamente o que responder, então apenas observo enquanto ela continua a trabalhar com tanta naturalidade, como se cozinhar fosse sua própria forma de arte.
— O menino Lucca gosta de suas obras, sabia? - Nonna comenta casualmente, sem nem me olhar. — Ele não fala disso com muita gente, mas sei que tem quadros seus.
— Ele realmente gosta de guardar segredos, não é? - tento fazer uma piada, mas minha voz sai mais suave do que pretendia.
Nonna apenas ri.
— É o jeito dele. - minha mente vagueia por um instante, pensando nas palavras dela. Algo especial... Não sei se consigo acreditar nisso agora, mas talvez, apenas talvez, ela esteja certa.
A porta da cozinha se abre, e Yara entra com a postura impecável. Seu olhar varre o ambiente por um instante, como se estivesse inspecionando cada detalhe. Nonna, sem perder um segundo, ergue a cabeça e lança um sorriso acolhedor.
— Ah, Yara, querida! - ela exclama, já começando a cortar mais um pedaço de pão. — Venha comer algo. Não deve ser fácil ficar correndo atrás do Lucca o tempo todo.
Yara balança a cabeça, recusando educadamente.
— Obrigada, Nonna, mas estou bem. Tenho muito trabalho agora. -sua voz é profissional, mas há um leve toque de respeito que só alguém como Nonna consegue arrancar.
— Sempre correndo, essa menina. - Nonna resmunga com bom humor, colocando o pão na mesa mesmo assim. — Vai acabar magra demais, não come direito.
— Prometo que como mais tarde, Nonna. - Yara dá um sorriso rápido antes de voltar sua atenção para mim. — Lana, o Dr. Vizzini pediu que você me acompanhasse.
Eu franzo a testa, surpresa.
— Acompanhar você? Para onde?
— Ele gostaria de discutir algo com você. Está no escritório principal. - a resposta dela é direta, mas sem revelar muito.
Nonna cruza os braços, parecendo levemente irritada.
— Menina, ao menos deixe a pobre moça me entreter mais um pouquinho, antes de arrastá-la pra lá e pra cá.
— É uma questão de prioridade, Nonna. - Yara mantém o tom calmo. — Prometo devolvê-la o mais rápido possível.
Nonna bufa, mas lança um olhar afetuoso para mim.
— Vá, querida. Não adianta argumentar. Só não esqueça de voltar para me contar se ele está causando problemas.
— Não esqueço. - dou um sorriso para ela antes de me levantar.
Yara faz um leve gesto para que eu a siga, e eu obedeço, saindo da cozinha sob o olhar atento de Nonna. Ao cruzarmos o corredor, não consigo evitar a pergunta que está martelando na minha cabeça.
— O que está acontecendo? - Yara responde enquanto caminha com passos rápidos e calculados.
— Parece que ele quer que você esteja a par de algumas decisões. - eu estreito os olhos. Lucca quer que eu esteja a par de decisões? Isso não faz sentido.
— Isso é estranho. - murmuro mais para mim mesma do que para Yara.
Ela não responde, mas o pequeno sorriso de canto que surge em seus lábios não passa despercebido. Sigo-a, com a mente já correndo a mil. Acho que deveria ter ficado apenas na água na outra noite.
Enquanto caminhamos pelos corredores elegantes da mansão, decido quebrar o silêncio.
— O que está acontecendo? - pergunto, tentando soar casual, mas a ansiedade na minha voz é evidente. Yara lança um olhar rápido por cima do ombro, e por um breve instante, parece hesitar antes de responder.
— Os paparazzi tiraram algumas fotos ontem à noite. De você e do Lucca.
Eu paro no meio do corredor, meu coração quase saltando do peito.
— O quê? - minha voz sai mais alta do que eu pretendia.
Yara para também, girando lentamente para me encarar.
— Calma. Não é tão ruim quanto parece. - o tom de voz dela é quase reconfortante, mas não ajuda muito. — Eles capturaram você quando estava... vulnerável, digamos assim. Saindo do carro com o Lucca.
Sinto meu rosto esquentar. Vulnerável é um jeito educado de dizer bêbada.
— Você está falando sério? - pergunto, apertando as mãos contra a lateral do meu corpo para disfarçar o nervosismo. — Eles têm fotos disso?
— Sim. - ela confirma, sem rodeios. — Já estão circulando em alguns sites menores. Mas antes que você entre em pânico, o estamos está cuidando de tudo. Ele achou melhor você saber antes de ver por conta própria.
— Ótimo. - eu passo a mão pelo rosto, tentando processar a situação. — Isso é exatamente o que eu precisava.
— Olha, não é a primeira vez que lidamos com coisas assim. - Yara tenta aliviar o peso da situação, mas é difícil. Eu suspiro e dou um passo à frente, indicando que estou pronta para continuar.
— Só espero que isso não piore.
— Confie no Lucca. - Yara dá um pequeno sorriso antes de continuar pelo corredor. — Ele pode ser um pouco... excêntrico às vezes, mas é bom nesse tipo de coisa. - engulo seco, seguindo-a em silêncio. Paparazzi. Fotos. Lucca. Nada disso estava nos meus planos, mas parece que o destino tem um senso de humor cruel.
Quando Yara abre a porta do escritório de Lucca, sou recebida pelo aroma suave de couro e madeira polida. O ambiente é elegante, com estantes repletas de livros que parecem pouco tocados e uma escrivaninha imponente no centro. Ele está lá, sentado atrás da mesa, com um tablet na mão, os olhos fixos na tela. Ao me notar, ele ergue o olhar e um sorriso de canto aparece em seus lábios, mas não é exatamente reconfortante.
— Entre, Lana. - ele faz um gesto para que eu me aproxime.
Caminho até o centro da sala. Yara permanece perto da porta, braços cruzados, como se estivesse pronta para intervir a qualquer momento.
— Então... - começo, tentando quebrar o gelo. — Parece que virei notícia.
— Você tem talento para isso, aparentemente. - Lucca coloca o tablet sobre a mesa e se recosta na cadeira, estudando-me com o olhar afiado. — Não se preocupe, já estamos lidando com a situação.
— O que exatamente "lidar com a situação" significa? - pergunto, cruzando os braços.
Ele aponta para o tablet.
— Alguns sites de fofoca já publicaram as fotos. Nada muito comprometedor, mas o suficiente para alimentar especulações. - ele faz uma pausa, inclinando-se ligeiramente para a frente. — Pedi à minha equipe de relações públicas para entrar em contato com esses veículos e solicitar que retirem as imagens.
Eu respiro fundo, tentando absorver o que ele disse.
— E se eles não retirarem?
— Então tomamos medidas legais. - ele dá de ombros como se fosse algo trivial. — Mas isso só acontece se eles forem burros o suficiente para ignorar o meu pedido educado.
Sento-me na cadeira em frente à mesa, sentindo-me exausta de repente.
— Tudo isso porque eu tomei alguns drinques e você foi gentil o suficiente para me ajudar?
— Bem, a gentileza tem suas consequências, aparentemente. - ele sorri, mas há algo de genuíno em sua expressão. — Não é culpa sua, Lana. Os paparazzi fazem o que fazem.
Fico em silêncio por um momento, observando a calma com que ele lida com tudo isso.
— Obrigada... por cuidar disso.
— Não precisa agradecer. - ele inclina a cabeça ligeiramente. — Mas eu preciso que você colabore.
Franzo o cenho.
— Como assim?
— Quero que fique aqui por enquanto. - ele fala como se fosse uma ordem, mas tenta suavizar o tom. — Pelo menos até as coisas se acalmarem. Não quero que os paparazzi a sigam ou a perturbem na cidade.
— Lucca, isso não é necessário. Eu posso...
— Pode, mas não vai. - ele me interrompe, cruzando os braços sobre a mesa. — Confie em mim, é melhor assim. E eu já pedi que tragam suas coisas mesmo.
Olho para ele, percebendo que não adianta discutir.
— Certo. - finalmente concordo, embora ainda me sinta desconfortável.
— Ótimo. - ele se levanta, caminhando até a janela. — Agora, se precisar de algo, me avise. Vou garantir que sua estadia aqui seja... tranquila.
— Acho que já está longe de ser tranquila, Lucca. - murmuro, mas ele apenas ri suavemente, como se estivesse acostumado a tempestades como essa. Lucca observa-me por um momento, como se ponderasse sobre o que dizer, antes de se aproximar de sua escrivaninha e pegar um notebook de aspecto moderno. Ele o coloca sobre a mesa, ao meu lado, com um sorriso discreto.
— Se precisar de algo para se distrair, pode usar isso. - ele inclina a cabeça em direção ao notebook. — Não precisa ficar ociosa aqui. Sabe, tenho uma grande biblioteca de e-books e artigos. Pode até tentar escrever alguma coisa, quem sabe, se quiser pintar, é só pedir pelos materiais. - eu pego o notebook com hesitação, mas ele não parece querer insistir mais nesse ponto.
— Obrigada, eu... não estava esperando por isso. - digo, mais para mim mesma do que para ele.
Lucca sorri, um sorriso suave, como se estivesse satisfeito com a situação.
— Não é nada. - ele faz um movimento vago com a mão. — Se não gostar de ler, temos outras opções. Um bom jogo, talvez, ou um filme.
Há algo genuíno em sua voz que me faz relaxar um pouco. Ele parece tentar criar um ambiente confortável, dentro do possível.
— Vou ver o que eu faço com isso. - respondo, tentando parecer mais tranquila do que realmente me sinto.
— Perfeito. - ele se afasta um pouco. — Qualquer coisa, só chamar. - pego o notebook e começo a explorar as opções, sentindo-me estranhamente aliviada por ter algo para fazer.
Enquanto abro o notebook e lembro do celular que ainda está comigo e me volto para Lucca.
— Eu só preciso da senha do Wi-Fi para o meu celular. - digo, tentando soar casual. Lucca, sem tirar os olhos da janela, sorri de forma sutil.
— Já coloquei a senha para você. Está tudo certo. - meu olhar imediatamente se volta para ele, surpresa. Uma sensação de inquietação me invade.
— Como assim? - pergunto, tentando manter a calma, mas sem conseguir esconder a preocupação na voz. — Como você entrou no meu celular? - ele me olha com um sorriso tranquilo.
— Não se preocupe, eu só... usei a senha que você havia me falado. - aquelas palavras me atingem com uma rapidez desconcertante. Sinto a respiração prender na garganta por um instante, a sensação de estar vulnerável tomando conta de mim.
— Eu... - começo a dizer, hesitando. — Você não deveria ter feito isso, Lucca. Isso é pessoal.
Ele me observa por um momento, a expressão ainda serena, quase imune à minha surpresa.
— Foi só para garantir que você tivesse o que precisasse, Lana. Mas prometo, não mexi em nada. - eu fico em silêncio, processando o que ele acabou de me dizer. Há uma mistura de raiva e desconforto crescendo dentro de mim, mas não consigo decidir como reagir.
Lucca me observa atentamente, como se estivesse ponderando cada palavra. Então, sem perder o ritmo, ele faz a pergunta que me deixa completamente sem palavras.
— Quem é Matthew? - ele pergunta, um toque de curiosidade em sua voz, mas também algo mais, como se estivesse ciente de que essa pergunta talvez não fosse fácil de responder.
Eu congelo por um segundo. O nome, "Matthew", está escrito na senha de desbloqueio do meu celular, isso me faz sentir uma mistura de raiva e desconforto. Como ele se atreveu a entrar no meu celular e, além disso, questionar sobre algo tão íntimo? Meu corpo se tensa, e minhas palavras demoram a sair, eu levanto uma sobrancelha, como se a resposta fosse óbvia, mas mantenham a expressão tranquila.
— A senha era "maldito Matthew". Eu só queria saber quem ele é, já que... - ele pausa, dando um leve sorriso, — Parece que ele é importante o suficiente para que você o tenha mantido tão presente na sua vida, até mesmo em uma senha. - sinto uma pontada de desconforto, meu estômago se contorcendo. Não sei o que sinto mais, se raiva ou vergonha. Matthew foi uma parte do meu passado, algo que estou querendo esquecer, e agora Lucca trouxe isso à tona sem pedir permissão.
— Ele... não importa. - eu finalmente falo, tentando manter o tom firme. — É uma coisa do meu passado, algo que preferiria não reviver.
Lucca parece captar o tom e, embora sua expressão continue tranquila, há um toque de entendimento em seus olhos.
— Desculpe por te incomodar com isso. Não era minha intenção invadir sua privacidade. - ele se recosta na cadeira, desviando os olhos por um momento. — Mas saiba que você está em segurança aqui, Lana. Nada vai te acontecer.
Ainda assim, a sensação de violação não desaparece. Mesmo com a tentativa dele de suavizar o momento, as palavras sobre Matthew e a forma como ele descobriu da senha, me fazem querer sair de lá e voltar para o meu espaço seguro, onde nada é invadido sem o meu consentimento.
Yara me guia pelos corredores silenciosos, e cada passo que dou noto como o chão é extremamente limpo, como se fosse limpa a cada meia hora. O cheiro de incenso paira no ar, misturando-se com com o cheiro do campo que vem de fora.
Quando ela abre a porta do quarto, moto que o saltos ainda estão no mesmo lugar, acho que é hora de experimentá-los.
— Sua mala já foi trazida do hotel Cascata. Está ali. - Yara indica com um gesto calculado, sem emoção, enquanto mantém a mesma postura impecável. — O banheiro fica ao fundo, à direita, como deve ter notado. Há toalhas limpas, sabonetes e óleos disponíveis. Tome um banho quente. Vai ajudar.
Eu apenas assinto.
— Se precisar de algo para comer ou beber, basta apertar o botão ao lado da cama, e o serviço virá até você. - ela faz uma pausa, como se esperasse algum tipo de reação da minha parte, mas tudo o que faço é permanecer parada. — Estarei aqui se precisar de mim.
— Obrigada, Yara. - ela sorri fechando a porta atrás de mim
Suspiro enquanto me aproximo da mala e a abro devagar. Meus pertences estão intactos, organizados de uma forma tão impecável que chega a ser desconfortável, me faz imaginar mãos estranhas mexendo neles. Não sei se fico desconfortável com isso.
Deixo a mala de lado e vou até o banheiro. A banheira é grande o suficiente para me engolir inteira. Abro a torneira da banheira deixando a água quente escorrer, enquanto encaro meu reflexo no espelho. Os olhos que me olham de volta parecem os de uma estranha. O que estou fazendo aqui? Por que parece que, a cada passo, perco um pedaço de mim mesma? Por que ainda estou na casa de cara de dei alguns beijos na época da faculdade?
Tiro os sapatos, com movimentos lentos e mecânicos, a água sobe, e eu começo a me preparar para o banho. Talvez, só talvez, a água quente consiga lavar pelo menos um pouco desse cansaço mental acumulado que eu carrego.
O calor da água envolve meu corpo assim que entro na banheira, como um abraço acolhedor, suavemente se espalhando por minha pele cansada. A água está morna, quase quente demais, mas é exatamente o que eu preciso. O vapor sobe lentamente, preenchendo o ar ao meu redor com uma neblina suave que mistura o cheiro de sabonete fresco e óleos essenciais, criando uma fragrância delicada e relaxante. Fecho os olhos por um momento, permitindo que os aromas me envolvam, tentando afugentar o peso esmagador que sinto nos ombros e nas mãos, como se uma carga invisível me acompanhasse a cada passo.
O som da água, ao se mover e ao bater suavemente contra a porcelana da banheira, é quase hipnótico. A água parece cantar baixinho, um murmúrio calmo que ecoa por todo o banheiro, quebrando o silêncio e criando uma sensação de paz temporária. O único som que rivaliza com o murmúrio da água é o meu próprio respirar, profundo e pesado, como se estivesse tentando sugar toda a tranquilidade ao meu redor. Cada inspiração parece puxar a tensão para fora do meu corpo, mas, ao exalar, ela retorna de alguma forma, como se estivesse presa em algum lugar, sem conseguir se dissipar completamente.
Fecho ainda mais os olhos, querendo me perder naquele instante, me afastar da mente que continua agitada, mesmo quando o corpo parece buscar descanso. Sinto os músculos de minhas costas, do pescoço e dos ombros relaxando, embora minha mente permaneça inquieta. O calor da água, como um bálsamo, alivia um pouco do peso que carrego, mas sei que ele não pode apagar as incertezas que se agitam em minha cabeça. Tudo o que posso fazer é me render ao momento e tentar, por um instante, me desligar, mesmo que seja impossível deixar tudo para trás de uma vez.
Os minutos passam, mas o cansaço mental não se vai. Encaro a água, a cor da banheira que parece absorver minhas, minhas angústias. Sinto que, por mais que eu tente, não conseguirei escapar daquelas perguntas que ainda martelam na minha cabeça.
Com um suspiro profundo, me levanto lentamente da banheira, sentindo a água escorrendo por minha pele, como se quisesse levar consigo um pouco do peso que carreguei durante todo o dia. O vapor quente ainda paira no ar, criando uma névoa suave ao redor de meu corpo enquanto me envolvo na toalha macia. A sensação do tecido contra minha pele molhada é quase reconfortante, mas logo percebo que o calor da água não pode, de fato, afastar o vazio que se instalou dentro de mim.
Me aproximo do espelho, hesitando por um momento, sabendo que o que vejo ali provavelmente será o mesmo reflexo de sempre, mas mesmo assim, não posso deixar de procurar algo diferente. Algo que me faça acreditar que, de alguma forma, estou mais perto de entender o que estou fazendo com a minha vida. Mas o reflexo que me encara é o mesmo. Meus olhos, ainda inexpressivos, fixam-se em mim com aquele olhar vazio, perdido, como se eu fosse uma estranha para mim mesma. Não há uma única mudança visível, nem um sinal de que algo em minha vida tenha mudado para melhor.
Respiro fundo e desvio os olhos do espelho, incapaz de continuar encarando aquela versão de mim mesma que não consigo mais reconhecer. Eu poderia me olhar por horas, mas não encontraria nada que me trouxesse alguma resposta. E, por mais que eu desejasse, ainda não sei como sair desse ciclo, como fugir dessa sensação constante de estar à deriva. Tudo o que sei é que preciso continuar, por mais que, no fundo, eu não tenha ideia de para onde estou indo.
Mas, por agora, tento me convencer de que talvez eu precise apenas de um pouco mais de tempo para mim mesma. Talvez seja só isso, uma pausa que meu corpo e minha mente imploram, algo que me permita respirar sem pressa, sem o peso de respostas que ainda não tenho. Eu me pego tentando racionalizar, como se isso fosse de algum modo aliviar o turbilhão interno. Como se, ao aceitar o espaço, o silêncio e o tempo, as respostas inevitavelmente surgissem.
Fecho os olhos por um momento, permitindo que meus pensamentos se acalmem, tentando deixar para trás todas as preocupações que me assombram. Talvez, afinal, eu esteja apenas esgotada, e o simples ato de desacelerar possa ser o que eu mais preciso agora.
Penso em Lucca. Ele é um bom e velho amigo, que apresar de tudo, tem essa capacidade inata de trazer uma sensação de familiaridade e segurança. E, por mais que eu saiba que minha mente continua turvada, ainda me permito um sorriso fugaz ao lembrar de nossos momentos juntos.
Caminho de volta para o quarto, o ambiente silencioso e acolhedor me envolve novamente. Fecho a porta atrás de mim e deixo a toalha cair lentamente no chão, sentindo a frescura do ambiente. A mala permanece aberta, e meus dedos percorrem o conteúdo, ávidos por algo que me faça sentir um pouco mais leve.
No fundo da mala, entre roupas cuidadosamente dobradas, meus olhos se fixam em um vestido de verão que comprei por puro impulso. O tecido é leve, quase etéreo, e desliza suavemente pelos meus dedos. É um vestido branco, com um toque de creme, tão delicado que mal parece real. O tecido, de algodão e linho misturados, é fresco ao toque, perfeito para os dias quentes.
Ele tem um corte simples, mas elegante, com alças finas e uma leveza que acompanha meus movimentos. A parte inferior flui até meus joelhos, com pequenas pregas que fazem com que ele se mova com uma graça sutil. O tom claro do vestido reflete a suavidade da luz, e, ao vestí-lo, sinto uma sensação quase etérea, como se estivesse me despindo das últimas camadas de cansaço.
Com o vestido no corpo, deixo-me alguns momentos para me admirar no espelho. A visão ainda parece estranha, mas ao menos, o reflexo agora traz algo mais próximo de quem eu sou.
À minha frente, está o frasco de vidro arredondado com um degrade no final dele nos tons verdes. Um perfume que, talvez, seja o favorito no momento.
Pego o frasco com uma mão e, sem pensar muito, borrifo o perfume no pescoço e nos pulsos. A fragrância é refrescante e levemente cítrica no início, com toques de bergamota e limão siciliano, seguidos por um fundo suave e quente de jasmim e sândalo. Sinto uma sensação de familiaridade, quase como se ele ainda fosse uma extensão de quem eu sou. As notas amadeiradas de cedro e almíscar se misturam de maneira sutil, trazendo um aconchego discreto à fragrância.
À medida que o perfume se fixa na pele, as notas mais profundas começam a surgir. O néroli traz uma sensação da flor delicada, misturada com o jasmim que adiciona uma suavidade rica, e o gengibre introduz uma leve picância que me faz sentir viva, desperta. É o meu perfume, o único traço de mim mesma que consigo reconhecer, e talvez isso seja o suficiente por agora.
Com a mala finalmente no chão, deixo-me cair sobre a cama, o colchão macio me recebendo como um abraço que, por um momento, me faz esquecer de tudo. O silêncio do quarto se estende. Porém, minha mente logo volta a me incomodar, e, sem saber o que fazer, decido pegar o notebook.
Abro o laptop e, com o olhar cansado, começo a procurar algo para me distrair. Clico automaticamente nas redes sociais e logo me deparo com uma postagem que chama minha atenção. O título, como sempre, é chamativo: "Morena misteriosa e Lucca Vizzini: quem é a nova musa do empresário?" a imagem ao lado é uma foto nossa, tirada por paparazzi, em que Lucca me olha com aquele sorriso genuinamente alegre. O clichê do título me incomoda, como se a minha vida fosse apenas uma manchete a ser explorada.
Fecho o notebook por um momento e me deixo descansar, tentando afastar a ansiedade. Não posso negar que a imagem me incomodou, mas logo tento focar em algo que me distraia, algo que me faça sentir controle sobre a situação. Decido buscar por jogos, a tela se ilumina com imagens e sites de aposta, e em meio a tudo isso uma memória me invade.
Eu estava em Las Vegas, em uma noite quente e cheia de luzes cintilantes. O cassino era um lugar imenso e vibrante, mas na minha memória, tudo o que consigo lembrar era da mesa de blackjack onde o destino me apresentou ao diabo.
Era uma mesa pequena, só havia eu e um homem que parecia ser um tanto impassível, com os olhos fixos no jogo, eu consegui uma sequência de vitórias consecutivas. As fichas empilhadas diante de mim eram tantas que o dealer parecia estar ficando nervoso.
Ele não era um simples jogador, era dono do lugar, embora isso fosse algo que eu só descobriria depois. Eu sabia jogar o blackjack. Na verdade, estava jogando muito bem naquela noite. Cada carta parecia estar ao meu favor, e, quando eu fazia uma aposta alta, a sorte se inclinava para mim.
O homem estava sentado do outro lado da mesa, observando o jogo com uma calma desconcertante. O silêncio entre nós parecia ser a única coisa que preenchia o ar, até que, finalmente, ele quebrou a quietude.
— Você joga bem. - disse ele, com uma voz baixa e terrível agradável aos meus ouvidos. Ele não era um homem comum, isso estava claro. Por um momento, pensei que ele fosse apenas mais um jogador rico. Mas então ele se inclinou levemente, e o silêncio entre nós pareceu se estender ainda mais. Ele sorriu, e a tensão na mesa aumentou, mas sua voz, quando saiu, foi um sussurro.
— Eu sei o que você fez. - ele fez uma pausa. — Seus pais nunca te ensinaram que é feio roubar?
O meu coração disparou, eu sabia que tinha manipulado o jogo discretamente, trocando cartas de maneira sutil. Mas como ele sabia? O frio na espinha foi imediato, ele estava perto o suficiente para que ninguém mais pudesse ouvir, e seus olhos estavam fixos nos meus com uma intensidade que me fez duvidar de tudo ao meu redor.
— Prazer, Matthew Vane Blackwood. - meu sangue gela ele é o dono disso, o nome da fachada invade minha mente com um só golpe, Vane's Velvet Caaino e Resort. Olho para ele, que apenas sorri e nada mais, antes de se afastar e desaparecer entre as luzes brilhantes do cassino.
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