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CAPÍTULO 4

- Eu não vou pra Seúra - respondeu Zahra ao homem de cabelos brancos bem escovados num penteado exagerado e excessivamente armado do outro lado da tela. - Minha aposentadoria começa amanhã e não tem Conselho que me faça viajar mais doze dias para verificar sinal de sei lá o quê.

- Capitã, isto não é um pedido - retrucou seriamente. - A senhora é a oficial mais próxima do chamado.

- Mas não tem nada naquele lugar. Como sabem que não é um reflexo de um chamado antigo? Vocês perderam o quê? Três naves naquele planeta?

- Quatro, mas...

- E eu serei a quinta? - colocou as mãos na cabeça e recuperou a calma. - Conselheiro Enu, envie uma sentinela pro local. Se houver qualquer sinal de verdade nesse chamado, eu vou.

O homem velho permaneceu em silêncio. Seus olhos denunciaram.

- Vocês já mandaram, né?

- Sim. O sinal parece vir de Luctéria, numa região inacessível para um robô. - O velho se ajeitou na cadeira. - Entenda, Zahra... O programa espacial sofreu cortes expressivos depois das missões que falharam. Os alistamentos caíram. Recuperar um sobrevivente seria uma espécie de renovação para a tropa.

- Merda - bateu com força a mão direita na mesa. - Manda a bosta do sinal pra eu rastrear - apertou o botão do visor com força e desligou sem se despedir.

Não estava acreditando no que estava acontecendo. Conduziria uma última missão para resgatar um improvável sobrevivente em um dos lugares mais inóspitos do sistema solar.

- Senhora - chamou Paki pelo comunicador -, já passamos pelo Cinturão de Kind e nos aproximamos de Luctéria.

Zahra pegou seu frasco embaixo do travesseiro e engoliu vários comprimidos antes de responder:

- Seu idiota! Pedi que me chamasse assim que saíssemos de Kind - respondeu enquanto levantava, ainda tonta, da cama. - Aquela travessia é perigosa.

- Desculpa, mas a senhora parecia cansada.

- Imbecil! - gritou com o alto-falante. - Você tem sorte de eu estar me aposentando.

O gosto da Nerez estava horrível. Estas porcarias congeladas são péssimas. Caminhou pelos corredores estreitos da nave enquanto mordia mais um pedaço da fruta preferida de Adeel. Acabou virando a sua também. Chegou à Ponte de Comando no tempo certo de observar pelo visor o gigante vermelho se aproximando, logo em frente ao seu planeta amarelo, mais ao fundo.

Luctéria, o único satélite de Seúra, era chamado de Lua de Sangue por sua cor avermelhada, devida ao óxido de ferro e ao níquel de sua composição, e também por causa das quatro missões que se perderam nos últimos cinquenta anos. A Força Aérea siônica não soube explicar como um corpo celeste tão conhecido e pequeno tornou-se tão perigoso de um dia para o outro. De lá para cá, diversas outras empreitadas foram feitas sem complicações, porém não trouxeram nenhum sinal das naves que se perderam ou de seus tripulantes.

A lua era redonda, como todas as outras, mas uma espécie de rachadura em seu centro a fazia parecer dividida em dois pedaços. Uma peculiaridade que servia para alimentar as superstições de quem acreditava que o lugar era amaldiçoado.

- Vamos ver este sinal - ordenou a Capitã ao seu imediato. - Rastreie e rode.

Silêncio antecedeu a transmissão e, por fim, ouviu-se uma série de bipes ritmados.

- É código GERB, senhora - afirmou Paki.

- Eu sei, seu idiota - respondeu sem emoção. - O que diz?

- Pedido padrão de socorro. Uma repetição, na verdade - conferiu no computador à sua frente. - Tem também um padrão desconhecido. Cinco toques aleatórios que não correspondem a nenhuma codificação conhecida.

- Coloque pra rodar.

Os cinco bipes bem ritmados e repetidos fizeram o coração de Zahra bater forte. Não pode ser. Ela conhecia aquilo. Qualquer um que tivesse estudado com a senhorita Naim reconheceria. Era o ritmo em que ela batia palmas para os alunos ficarem quietos. A Capitã tinha mais certeza a cada vez que a sequência se repetia. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Todos na Ponte olhavam para ela. Ninguém jamais havia visto aquela mulher ter alguma emoção que não fosse raiva.

- Capitã... - Paki colocou a mão nas costas de Zahra - A senhora está bem?

A mulher não conseguia conter as lágrimas. Chorava de soluçar.

- Ele está vivo.

- Quem está vivo? - perguntou o imediato.

- Rastreie o sinal - ignorou a pergunta. - Vamos buscá-lo imediatamente. - Começou a apertar os botões do painel enquanto todos ainda estavam olhando para o seu pranto. - Rápidoooooooo! - gritou, e todos começaram a correr com suas funções. Tinham um sobrevivente para resgatar.

A jovem loira foi quem deu a má notícia. O sinal estava partindo da fissura magna, um imenso cânion que partia Luctéria em duas partes quase iguais. Nenhuma sonda havia voltado dali. Era o único lugar inexplorado daquele satélite.

- Devemos voltar - afirmou o imediato. - A assinatura de radiação é incompatível com vida. Quem quer que tenha mandado o sinal já está morto.

A Capitã continuou parada e pensativa enquanto Enir-7 permanecia imóvel, flutuando sobre a imensa fissura; aquele rasgo profundo em um tecido vermelho. Os bipes ainda martelavam em sua cabeça. Ela e Adeel usavam as palmas da senhorita Naim como código, mesmo após terem se formado cidadãos. Passaram anos ouvindo aquele som. Ela reconheceria em qualquer lugar. Como ele havia parado ali?

- Senhora - insistiu o imediato -, precisamos voltar. Por favor.

- Saia daqui - falou baixo.

- Senhora... Temos que...

- Saia daqui! - gritou com os dentes trincados e olhos arregalados. - Sai-am-to-dos-da-qui! - a Ponte de Comando esvaziou-se quase que imediatamente.

Zahra colocou os fones de navegação e começou a apertar os botões do painel. A luz de segurança indicava que todos os tripulantes estavam devidamente assentados. Sempre preferiu pilotar com a Ponte vazia. A nave começou um mergulho suicida na escuridão da fissura magna. A velocidade era baixa e os refletores não ajudavam muito, pois a largura do cânion era grande. O sinal no painel ficava cada vez mais forte; estava chegando perto.

De repente, a velocidade da nave começou a aumentar gradualmente. No começo, Zahra freava pelo manche, mas, ao aproximar-se do centro, a aceleração ficou incontrolável. Uma força incrível puxava a nave para o coração da lua. O corpo da Capitã colou na cadeira. Era impossível mover os braços. Estava prestes a apagar, quando uma luz azul tomou conta do visor. O corpo se desgrudou da cadeira e ela conseguiu mover as mãos. A visão estava turva, como se houvesse uma nuvem de poeira na nave. A luz continuava forte, mas com esforço já era possível ver o painel. O sinal havia aumentado dez mil vezes. Fez esforço para continuar alerta. Sentiu os braços fracos e os olhos ficaram mais pesados ainda. A luz, então, diminuiu. O processo todo tinha durado uns dois minutos.

Zahra encontrou forças para levantar e aproximou-se do visor da Ponte de Comando. Viu uma luz próxima. O sol? Não. Está muito amarelo. Foi a última coisa de que se lembrou antes de apagar.

- Ela acordou! - gritou uma voz rouca assim que Zahra abriu os olhos.

Percebeu, então, a oficial médica da nave sentada ao seu lado. Não lembrava o nome dela. Era branca, com cabelos trançados azuis e olhos cor de mel.

- A senhora dormiu bastante - sorriu sem graça. - Todos nós dormimos.

- Quanto tempo eu apaguei? - perguntou, colocando a mão na testa. Estava morrendo de dor de cabeça.

- Sete horas.

- Que porcaria! - tentou se levantar, mas acabou caindo novamente deitada na cama.

- Precisa descansar. Você foi quem recebeu a maior carga de radiação - afirmou a médica.

- Pakiiiiiiii! - gritou para o teto.

- Sim, senhora - surgiu a voz do imediato, surpreendentemente próxima.

- Ajude-me aqui. Encontramos a origem do sinal?

- Sim, e a senhora não vai acreditar. Tenho que te mostrar.

Na Ponte de Comando, a Capitã passou da cadeira de rodas para o assento principal. Ligou o localizador, que deu uma mensagem de erro.

- É inútil, Capitã - afirmou Paki. - O mapa estelar não funciona, mas a navegação está intacta. Já conferimos várias vezes.

O visor da ponte mostrava uma fonte de luz distante, mas consideravelmente grande.

- Dê-me logo o relatório! - exigiu do imediato.

- Claro. Passamos pelo centro de Luctéria e todos apagamos. A doutora Adamma acha que foi por causa da radiação. Acredito que atravessamos alguma espécie de ponte quântica e nos deslocamos para um outro lugar do universo que ainda não conhecemos. Difícil saber. O navegador não reconheceu os corpos celestes próximos. O computador achou a origem do sinal em um planeta gigante e potencialmente habitável próximo de onde estamos.

Os olhos de Zahra brilharam.

- Então vamos - ajeitou-se para pegar os fones. - Resgatamos o sobrevivente e voltamos pela porta que nos trouxe.

- Creio que seja difícil prever os eventos deste sistema, Capitã.

- Como assim? - jogou o fone sobre a bancada. - Você disse que a navegação está funcionando.

- Sim, mas o planeta em questão, apesar de estar numa zona viva de seu sol, está também numa região muito próxima ao horizonte de eventos de um imenso buraco negro. A física funciona precariamente nessas condições. Precisamos fazer mais cálculos antes de abordar. Os instrumentos ficarão confusos e podemos ser destruídos antes mesmo de pousar.

- Eu nunca uso os instrumentos, Paki - a Capitã sorriu. - Vamos logo.

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