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CAPÍTULO 20

 — Uma estátua? — Adeel olhava surpreso para Paki. — Você só pode estar brincando.

— Te dou a minha palavra, Major — respondeu o imediato. — Tem uma estátua do senhor na praça central de Ohm — fez uma pausa, pensativo. — Pelo menos tinha da última vez que fui lá.

— Isso é loucura — balançou a cabeça, tentando disfarçar um sorriso. — Por que fariam uma estátua em minha homenagem?

— O senhor foi o mais jovem cidadão do País 3 a tornar-se Major. Com a comoção gerada pela sua morte na grande invasão, a Câmara do Povo votou por lhe fazer essa homenagem. Eu achei bacana. Sion não tem muitos heróis. Se bem que o senhor parece mais baixo pessoalmente.

— Você acha que tem uma estátua minha no País 4 também? — perguntou Jad ,sorrindo.

— Lamento, mas acho que não. Talvez um quadro no prédio do Conselho. Talvez agora nem isso, né?

Jad, Paki e Adeel passaram horas conversando na sala de convivência da nave sobre as mudanças ocorridas em Sion desde que se ausentaram. Zahra havia retornado ao manche da Enir-7, e agora eles sobrevoavam o Deserto de Soro, em direção à Floresta Rubra, no coração do País 3. Já era noite e a tripulação estava reduzida, visto que quase metade das pessoas decidiu permanecer em Zat.

Perderam muito tempo tentando retirar combustível das bombas sem energia da base aérea. Chegaram a encontrar naves mais modernas e abastecidas no hangar principal, mas todas estavam com os circuitos derretidos, e isso levaria dias para consertar. A torre de controle estava em ruínas, provavelmente explodida pelos invasores. Por fim, resolveram continuar no cruzador velho que os havia servido até então. Estocaram combustível e encheram os tanques antes de partir. Voar dentro de uma atmosfera exigia muito mais dos motores do que no vácuo, e cada gota de hidrogênio seria útil.

A previsão de chegada dada por Zahra era de trinta minutos, mas já havia passado uma hora desde que saíram.

— O motor está superaquecendo — justificou quando Jad foi lhe perguntar o que estava acontecendo. — Tenho que ir mais devagar se quisermos chegar em Ohm.

— Quer descansar? Eu tenho certeza de que ainda sei pilotar uma nave — sorriu, esperançoso.

Zahra realmente estava cansada, mas ainda não confiava naquele homem a ponto de deixar a Enir-7 em suas mãos.

— Prefiro pilotar. E se o senhor puder me fazer o favor de não atrapalhar, eu agradeceria.

— Tudo bem — suspirou e ameaçou sair da Ponte, mas sentiu que deveria voltar. — Só uma coisa... Eu não sei porque você não gosta de mim, mas gostaria muito que me desse uma chance de provar que sou uma boa pessoa. Já deveria estar morto a essa hora, mas quero muito ajudar a recuperar esse novo mundo que me foi dado. Nós estamos do mesmo lado e você me trata como se fosse um inimigo. Peço que confie em mim, assim como Adamma confiou.

— Você nem a conhecia — retrucou seriamente.

— Não, mas ela foi a primeira pessoa a sorrir para mim desde que eu voltei. Foi a primeira a perguntar como eu me sentia por ter perdido a minha família, por não ter visto os meus filhos crescer — algumas lágrimas escorreram pelo seu rosto. — Eu perdi setenta anos em dois meses, todos os que eu conhecia e amava devem estar mortos ou velhos, então não venha dizer que não posso lamentar a perda de um amigo de poucos dias — o homem saiu de sua vista.

Era difícil admitir, mas Zahra sabia que estava exagerando em relação a Jad. Mas era mais forte que ela. Sua simples presença a fazia lembrar de toda a vida que perdeu e, quando se dava conta, já havia sido rude com ele. Uma parte de sua cabeça mandava ficar mais calma e tratá-lo melhor, porém a outra parte surtava. A mesma coisa acontecia quando via Adeel. Ela queria abraçá-lo e beijá-lo com toda a intensidade. Tinha certeza de que ele queria o mesmo, mas sua mente não deixava. Um sentimento de culpa pairava no seu subconsciente toda vez que pensava nos dois juntos: ele novo e jovem e ela já velha e decrépita. Essa diferença de vinte anos seria mais visível ainda daqui a mais vinte anos. Ele com cinquenta, tendo levado uma vida saudável e regrada, e ela com setenta, acabada e com o cérebro frito pelas drogas. Ele merecia coisa melhor. Ela não merecia alguém como ele.

Perdeu-se em sua mente, enquanto o visor mostrava apenas as dunas esbranquiçadas do Deserto de Soro. O céu mostrava Zandrar em seu brilho cheio. Naquela altura, próxima à linha zero que cortava o planeta em hemisfério norte e sul, a faixa anelar era mais fina que em Zat, mas continuava linda.

***

Já em sua cabine, Adeel também olhava para o céu sobre o deserto. Aquilo o fazia lembrar de quando se mudou pra Zat, aos dez anos. Pensava em milhões de coisas e em nada ao mesmo tempo. Muitas questões não resolvidas: como ficaria a situação com Zahra? O que mais havia perdido? Onde estão todos os siones? Como está o seu povo no País 3? Como estão os seus pais? Uma estátua? Queria compartilhar toda essa aflição com alguém, mas sua grande companheira e melhor amiga estava vinte anos mais velha e decidiu ignorá-lo totalmente desde que voltara. Seu novo amigo, Jad, passava por uma situação talvez pior, e seria egoísmo encher a cabeça dele com mais lamúrias. E, para piorar, a médica da nave, que também fazia aconselhamento psicológico, morreu por causa de um cinto de segurança defeituoso. Isso não pode piorar.

— Atenção, tripulação — a voz de Zahra ecoou no alto-falante —, contato visual com a Floresta Rubra. Preparem-se para desembarque.

Precisava ver isso. Adeel desequilibrou-se ao tentar passar da cama para a cadeira de rodas e acabou levando um tombo e batendo a boca no chão da cabine. Ao levantar-se com os braços, viu uma pequena marca de sangue, que coloriu o vinil branco. Eu não posso pensar esse tipo de coisa, pensou enquanto ria de si mesmo. 





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