Vinte e Nove
"Eu nasci das estrelas. Nasci para elas. Para as estrelas voltei. Não me culpe. Não me culpe." Ela sussurra.
"Quem é você?" Quero perguntar. Mas não há palavras aqui. Não há sentido em mim. Sou toda um mundo de estrelas. Sou tudo ao meu redor, inclusive os meus, aqueles a quem pertenço, que estão aqui.
"Sou Zoí. Não me culpe."
"Eu a culpo." Devolvo. "Eu a culparei sempre."
Posso ouvir um lamento. Não em mim, mas fora, na imensidao. Zoí lamenta? Zoí se importa?
"Deixe-me mostrar." Ela diz. "Olhe para o continente."
Meus olhos se voltam para a campina onde estive com Ragok. Não sei quanto tempo faz. Segundos? Milênios? Nunca aconteceu?
As três jovens ainda caminham.
A quarta jovem, visivelmente mais nova e de longos cabelos azuis ainda colhe flores. É a mais feliz de todas elas.
As quatro olham em minha direção. Tres delas carregam uma corrente no pescoço. Possuem uma joia de cor diferente.
A mais velha tem a joia roxa. Seus cabelos são amarelos e seus olhos são brancos. Sua pele laranja como o mais lindo pôr do sol.
A outra jovem tem os olhos azuis, a joia que carrega é da mesma cor. Seus longos cabelos negros reluzem. Sua pele é como a grama verde da campina.
A terceira jovem me é tão familiar que chega a ser incomodo olhar para ela. Seus olhos cor de rosa são grandes e reluzentes. Sua pele marrom e sedutora, convidativa. Seu corpo é tão belo e sensual que me desconcerta. Sua boca é lindíssima. Única. Seus cabelos brancos só aumentam sua sensualidade. E a unica que nao possui joia. Em sua corrente ha uma pequena ampulheta de areia branca.
A quarta jovem, a mais nova de todas, é a que estende as flores para mim. Seus longos cabelos azuis são lindíssimos. Sua pele pálida tem os mesmos pontos reluzentes de Zoí. Ela também é feita de estrelas. E seu sorriso... Só não é mais bonito que seus olhos. Sua joia é alaranjada, como os cabelos da primeira moca, como o por do sol.
Ela tem infinitos olhos brancos cheios de vida.
"Nigde." Zoí sussurra. "Gentil e feliz. A mais feliz das filhas. A quem dei minha inocência."
A felicidade dela é realmente visível, mas a terceira jovem não está feliz. Não sorri, apesar da beleza com que foi agraciada.
"Gwylio. A quem dei meus olhos. Minha onisciência."
A segunda jovem, de olhos azuis cristalinos e longos cachos negros parece um tanto desligada, mas serena.
"Paduá. A quem dei minha serenidade. A quem dei minha calma e sabedoria."
A primeira jovem é maternal. Ampara Paduá pelo braço, vigia constantemente Nigde e repreende Gwylio com o olhar. Sei quem ela é.
A Mãe aliatra. De quem herdei o nome.
"Aliatra. Recebeu minha força, minha coragem, meus instintos e a glória da Casa Divina. Recebeu a dádiva de dar vida aos sublimes. Recebeu também a maior parte da responsabilidade."
"Por que?" Consigo perguntar.
"Era a mais capaz. Não me culpe."
As jovens se abraçam. Nigde faz cócegas nas irmãs. Gwylio é a única a não rir.
" Não precebi. Dei a ela minha onisciência. Não pude ver a maldade crescer dentro dela. Confiei em sua palavra. Mas Gwylio condenou Nigde. Não me culpe."
"Eu a culpo."
"Eu as amei. E só amei. Não me culpe."
O mundo de estrelas se move dentro de mim. As jovens me mostram suas vidas. Seu passado, presente e futuro.
Então entendo.
Mas não perdoou.
Continuo culpando.
Parece que fiquei presa no mundo de estrelas, mas um tremor de terra me faz abrir os olhos. Posso ver fumaça ao longe.
Posso ver como se estivesse presente, as chamas envolverem a Floresta. Posso ver os cabelos alaranjados esvoaçantes enquanto ela caminha sobre o fogo sem queimar sua pele rosada.
Bouvae não veio só.
Nigde vem pelo céu, como a rainha que ainda pensa ser.
Elas estão longe, mas posso ver.
- Chegaram. - digo a qualquer um.
Levanto e sigo em direção a ela. A Bouvae. Nigde não é importante agora.
Ainda não sinto nada, mas é como se pudesse ver cada detalhe da Floresta ao meu redor. Como se todos os sons estivessem em meus ouvidos. Vejo Bouvae Olitha queimando o verde que abriga a vida sublime. Ela está tentando destruir o meu lar, novamente.
"EU A CULPO."
Não tenho mais a quem culpar. Então culpo a Zoí. Que se escondeu nas estrelas por causa de remorso, de impotência e inutilidade.
Ela se limitou a observar o sofrimento das filhas. Eu a culpo.
Bouvae me vê, Nigde também. As duas direcionam seus ódios contra mim.
Mas elas não são o bastante.
Não agora que sinto meu corpo transbordando Anśa.
Por que agora compreendo.
- Paduá, cuja serenidade transcende qualquer pensamento ruim. Dê a mim o teu poder. Dê a Bouvae a devida retribuição. - sussurro e ergo as mãos.
A chuva que cai é torrencial. Derruba árvores e casas. Inunda territórios, desloca colinas.
Posso ver meu mundo ruir.
Posso ver o que conheço ser destruído infinitamente.
Posso ver Bouvae de joelhos.
Posso ver Nigde vindo em minha direção.
Ela abre os braços. Forço um sorriso.
- Está mais forte do que a última vez em que nos vimos. - Nigde sussurra.
Ergo a mão e faço com que raízes saiam da terra e envolvam os braços de Bouvae. Ela até tenta fugir, mas não vai muito longe.
Faço cessar a chuva. Do alto, em pleno voo, observo os estragos que causei ao meu mundo.
As casas de Kairon estao destelhadas, muitas paredes ruiram. Colinas se desfizeram em lama.
So ha lama para todos lados. Nao enxergo os sublimes, nenhum deles sequer.
Não encontro minha família. Onde estão?
Daikin, Viemi e Ragok estão vivos?
O que eu fiz?
- Que monstruoso! - Nigde sussurra.
Ela está cada vez mais próxima.
- Destruiu tudo só para parar a mãezinha, é? Sei como é isso. - ela continua.
Meu mundo. O que eu fiz com meu mundo? Por que eu destruí tudo?
Onde está Daikin?
- Ah, não fique assim! Você tem um poder incrível! - Nigde insiste. - Já pensou no que podíamos fazer juntas?
Não quero ouvir essas coisas. Não sou como ela. Eu não quero destruir tudo. Não quero.
- Você é especial, Aliatra. Como eu, você recebeu o poder de deusa.
O mundo de estrelas me invade novamente, mas dessa vez resisto. Qualquer que seja a conexão que tenho com Zoí, não me interessa.
- Eu posso te ensinar tanta coisa, Aliatra. Posso te dar tanto. - ela oferece.
Olho em seus olhos. Ela é uma prisioneira de si mesma. Nem mesmo sabe como se libertar, mas sei que posso fazer isso por ela.
Concentro a corrente de ansa que agora se agoganta dentro de mim em minhas maos.
Do meu cotovelo a ponta dos meus dedos surge uma chama negra com a aparencia de Zoi, pontilhada de estrelas. O que quer que Zoi tenha despertado em mim, e poderoso demais para nao ser usado.
- Seja livre. - sussurro, enquanto cravo minhas unhas no peito do monstro de cabelo azul.
O choro me domina enquanto sinto sua dor, seu rancor, sua amargura. Vejo coisas sobre sua vida que jamais gostaria de ter visto.
Ela chora e sorri ao mesmo tempo, olhando para mim.
- Ragok nunca teve culpa, mas era a única forma de me vingar. - ela sussurra.
Não consigo parar de chorar enquanto vejo todo o sofrimento dela. Da Rainha Sem domínio. Da filha mais alegre. Do anjo de cabelo azul que ela foi um dia. Da lembranca de uma mae entritecida pelo destino da filha.
- Faça parar. - ela implora. - Faça parar de sangrar.
Solto minhas unhas de seu peito e caio do voo, batendo os joelhos no chão lamacento. Nigde cai ao meu lado em seguida. Parece morta. Mas não está. Ela olha para mim.
Observo enquanto ela volta a ser menina. Aquela jovem menina que vi no mundo de estrelas. Uma jovem alegre e cheia de vida. Seus olhos cheios de vida.
Acho que fiz alguma merda.
1329 palavras.
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