Capítulo 6
— Um café preto, por favor.
Fernando observou o atendente preparar seu pedido com uma tranquilidade quase agoniante. Acostumado ao ritmo acelerado da capital, onde as coisas corriam depressa e nunca parecia haver tempo para nada, Pôr do Sol estava se revelando um teste para sua paciência.
— Dia difícil? — o atendente perguntou, quando veio entregar-lhe o café no balcão, percebendo sua inquietação.
— Nem imagina.
— Sinto muito. Espero que melhore — o jovem homem disse com gentileza.
Fernando poderia reclamar da lentidão da cidade, mas não da hospitalidade de seus habitantes.
— Obrigado — agradeceu, bebericando o café.
— Nunca o tinha visto antes... — O rapaz o analisava com indiscrição. — Você não é daqui, é?
— Não sou. — Será que tinha "turista" escrito em sua testa? Ou a cidade era realmente pequena como pensava? — E você certamente não é o primeiro a me perguntar isto.
O homem sorriu, divertido, e explicou:
— Aqui todo mundo se conhece. Pôr do Sol é uma pequena e sufocante família que, como qualquer outra, se ama e se odeia.
— O que quer dizer?
— Em momentos de crise, conseguimos ser bastante unidos e ajudamos uns aos outros. Há alguns anos, quando uma pandemia assolou a cidade e parou tanto as atividades educacionais como as trabalhistas, vários comerciantes ficaram à beira de um colapso financeiro. Chegamos a nos reunir para criar ações coletivas em prol destas pessoas. Arrecadamos donativos e ajuda de todo tipo. Fizeram até uma reportagem que passou no jornal.
Fernando assentiu de leve com a cabeça.
— Eu me lembro de tê-la assistido. Mas...? — encorajou-o a continuar.
— Mas, em tempos de paz, todo mundo volta a se morder. Ainda que façam pose diplomática e não admitam o óbvio nem mortas, as pessoas daqui adoram um bom mexerico, se é que me entende. — Apanhando um pano, o jovem atendente começou a esfregar o balcão. — Todo bairro tem seu alcoviteiro. Você ficaria surpreso com a velocidade que a fofoca se espalha.
A combinação da informação com os olhos empolgados do rapaz levou Fernando a concluir:
— Você já sabia que eu não era daqui. Também sabe que estou hospedado no hotel em frente, não sabe?
O réu admitiu a culpa com um alegre sorriso.
— Opa! Você me pegou. É verdade, Brígida me contou.
Brígida era a tagarela recepcionista e proprietária do hotel em que Fernando se hospedou.
Somente, então, ao olhar em sua volta, Fernando notou os pares de olhos curiosos fixos em sua figura curvada sobre o balcão. Tão logo foram flagrados, fingiram olhar para outros lugares e retomaram suas conversas como se nada tivesse acontecido.
— Que ótimo. Parece que sou o assunto do momento — queixou-se em tom de sátira.
O atendente abanou a mão como quem diz para deixar para lá.
— O constrangimento é só no início. Depois você se acostuma com o falatório.
— Não estou constrangido. E não tenho que me acostumar com nada — ele revidou, estupefato com o atrevimento do rapaz, que nem pareceu se importar com o jeito insensível com que se expressara.
— Ei, não leve para o lado pessoal. Não temos controle sobre isso. É mais forte que a gente...
Bem nessa hora, os olhos do abelhudo atendente pousaram na porta por onde acabava de entrar uma conhecida.
— Diana, querida!
— Como vai, Tom?
— Bem. Tem uma pessoa aqui que penso estar precisando de seus conselhos experientes.
— Meus conselhos? Sobre o quê?
— Sobre como lidar com as desenfreadas línguas de Pôr do Sol.
Perto do balcão, ela acompanhou o olhar de Tomás e deparou com a última pessoa que gostaria de encontrar na face da Terra: seu estimado cliente, o ilustre Fernando Guerra.
As expressões de desagrado que os dois trocaram, assim que seus olhares se cruzaram, não passaram despercebidas ao rapaz, cujo interesse pelo estranhamento do casal só aumentou de tamanho.
— Estou certa de que o senhor Fernando não precisa dos conselhos de ninguém, muito menos dos meus — afirmou enquanto encarava o cardápio. — Hoje vou querer o especial do dia, Tom. Para a viagem — acrescentou, após olhar para o homem a seu lado, a dois bancos de distância.
— Pode deixar! — exclamou o jovem Tom, anotando o pedido e virando-se para entregar a comanda ao cozinheiro.
A falação na cafeteria, misturada ao barulho de pratos e talheres, era o que não permitia um pesado silêncio cair sobre ela e Fernando.
— Quer dizer então que as pessoas também falam de você? — ele perguntou, assustando-a com a iniciativa de conversa.
— As pessoas falam de todo mundo... — respondeu modestamente. Cometeu o erro de olhar nos olhos negros que, de tão intensos, deixou-a com o coração aos pulos.
Com os braços no balcão, ele aparentava segurança. Em vez da camisa de manga longa do dia anterior, ele usava uma polo cinza com as bordas da gola e o tecido interno da fileira de botões na cor branca. As calças jeans ajustavam-se às coxas malhadas, ressaltando o corpo robusto.
A cada vez que ele movimentava o braço para pegar a xícara de café e levá-la aos lábios, Diana via os músculos de seu braço flexionarem. Havia elegância em seus movimentos, o que criava um vívido contraste com sua aparência viril.
O estômago de Diana se retorceu como não fazia em muito tempo. Qual o motivo de tanto alvoroço? Era apenas mais um homem, disse a si mesma. Um homem de olhar forte e dominador, como se estivesse à espreita de um mero deslize para tornar seu o objeto de sua atenção.
Ela estremeceu.
— Está com frio?
— Por que está falando comigo assim? Para onde foi a hostilidade de ontem?
— Estou tentando manter um nível aceitável de cordialidade entre nós. Afinal, você é a minha mecânica.
— Não sou sua mecânica. Sou a mecânica que pretende consertar seu carro. O carro que é seu, a mecânica não.
A resposta ouriçada só pareceu diverti-lo.
— Escute, não é porque não nos gostamos que precisamos ficar em pé de guerra. Penso que podemos ao menos cultivar uma relação estritamente profissional para que isto dê certo.
— Concordo plenamente — disse, embora com uma ponta de desconfiança.
— Eu lhe devo um pedido de desculpas também.
Mirou-o com o canto do olho, por baixo da aba do boné, imaginando se teria escutado direito.
— Meu comportamento de ontem foi lamentável. Reconheço que foi exagerado. Você, por outro lado, conseguiu resolver tudo com admirável parcimônia.
Estaria ele bajulando-a para que consertasse seu carro mais rápido? Homem era mesmo uma raça traiçoeira...
— Pedido feito, pedido entregue! — anunciou Tom, reaparecendo com o café da manhã embalado de Diana.
Desviando o olhar, ela deixou o dinheiro no balcão, já se prontificando a sair, quando, sem pensar nas consequências, caiu em um velho hábito: tocou o braço do forasteiro ao se dirigir para ele.
— Posso ser jovem, mas não sou estúpida. Sei o que está tentando fazer. Pode desistir, não vai funcionar comigo.
Quase ao mesmo tempo, os olhares de ambos baixaram enquanto observavam o ponto de encontro entre suas peles: os dedos de Diana sobre o antebraço torneado, produzindo um contraste hipnótico entre a pele branca e a negra.
Ela retirou os dedos subitamente, consciente da intimidade criada por seu gesto e, para seu desespero, sentia o rosto enrubescer por completo.
— Desculpe — murmurou rapidamente. Então, colocando distância e adotando ar profissional, informou: — Verificarei seu carro hoje de manhã. Se quiser, passe na oficina depois do horário de almoço para conversarmos sobre o defeito.
Fernando contemplou-a sair da cafeteria com tanta pressa que parecia estar fugindo da polícia. A agilidade demonstrada foi notada pela freguesia espalhada em volta das mesas, gerando um burburinho especulativo.
Quando Fernando mostrou-se insatisfeito por virar assunto da cidade, o funcionário Tom sugeriu que Diana lhe desse seus conselhos experientes. Geralmente experiência vinha com repetidas exposições até chegar à descoberta de como lidar, da melhor maneira, com o problema em questão.
Mesmo com a saída de Diana, pôde escutar risos e comentários incluindo seu nome no meio. Ficou intrigado. Como acontecia quando estava diante de um fenômeno desconhecido, seu instinto foi conhecer melhor o terreno em que estava pisando, bem como a fera que estava enfrentando.
— Então — disse, virando-se para o fuxiqueiro atendente —, o que eu deveria saber sobre Diana Ferreira?
Os olhos do jovem brilharam antes de abrir a boca para contar o que Fernando considerou uma das histórias mais peculiares e assombrosas que já ouvira na vida. Ao final da entusiástica narração sobre a "noiva abandonada" de Pôr do Sol, todo o bloqueio que tinha com aquela mulher fez sentido.
Na verdade, com qualquer mulher. Não havia uma com quem não tivesse se encontrado nas últimas semanas sem ter se envolvido demais. Sua primeira esposa fora voluntariosa, exigente e gananciosa. Mostrara-lhe o quão frívolo e sujo podia ser o chamado "sexo frágil".
Bonita, educada e sofisticada, Maia o encantara à primeira vista. Estivera tão apaixonado pela modelo que não percebeu que ela estava mais interessada em seu dinheiro do que em sua pessoa. Como um covarde temendo perdê-la, fez-se de cego, ignorando sua natureza fútil e deixando-a fazer o que quisesse.
À medida que o casamento se arrastava, o guarda-roupa de Maia ficava abarrotado de roupas extravagantes e joias caríssimas. Apesar de ressentido com o amor dela por seus bens materiais, Fernando esforçava-se para não se importar. Sua paciência foi se esvaindo, até uma descoberta tornar o arranjo insustentável: Maia estava tendo um caso com um de seus rivais nos negócios.
O conhecimento da infidelidade da mulher mobilizou Fernando a dar um basta. Pedira o divórcio, um processo litigioso que se concretizara há menos de um mês. Naturalmente Maia saiu de cena em sua vida, não sem antes garantir uma gorda fatia do dinheiro dele.
Graças à sua experiência, não pensava muito bem sobre as mulheres. Cético e desconfiado, duvidava que sua visão fosse mudar. Diana Ferreira podia ser o oposto de Maia em termos de extravagância, mas tinham algo em comum: a displicência em seus relacionamentos. Ser abandonada por três noivos possuía um significado que dispensava maiores interpretações.
Terminava de tomar o café enquanto Tom ia de lá para cá atendendo pedidos, puxando conversa com clientes. Por fim, levantou-se e entregou o dinheiro para o jovem, notando que este lhe sorria, ao passar o troco, mais eufórico do que nunca.
— Tem outra coisa que precisa saber sobre Pôr do Sol.
— O que seria?
— Muitos aqui têm como passatempo preferido fazer apostas.
Fernando ouviu a informação com indiferença.
— Ah, certo. Obrigado pelo café. Até mais ver.
— Espere! Não quer saber da última?
Por educação, fez um gesto de incentivo ao atendente, que alegremente contou-lhe:
— Os rumores são que Diana aparecerá com um quarto noivo muito em breve. E estão apostando que ele será... você.
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