vinte e sete.
Trezentos e quatro dias atrás.
Foi quando fui atingida pela perspectiva do último ano do ensino médio. Havia um plano extenso sobre terminá-lo com honras como monitora de ciências, ser aprovada para a universidade que meus pais queriam e sonhar com um futuro diferente do que eles imaginaram para mim.
Meu sorriso congela no meu rosto e eu pouso as mãos sobre as pernas de um jeito nervoso. Meus tornozelos estão cruzados e confiro mais uma vez se não há nenhuma ruga no meu jaleco branco enquanto me endireito na cadeira no meio do laboratório do colégio St. Vincentti.
Escorrego os olhos sorrateiramente para o lado, fisgando Henry Hastings inflando o peito e falhando em sua tentativa de parecer relaxado. Ele é o único que está sentado ao meu lado. Nós dois recebemos a honraria máxima de pesquisadores do colégio e vamos liderar a foto do grupo de ciências e pesquisa.
O fotógrafo alinha alguns estudantes atrás de nós e verifica mais uma vez a lente de sua câmera. Há um vácuo na cadeira ao lado de Henry ocupada por Clayson, nosso esqueleto de resina. Aquela cadeira era de Mischa Cooper.
Por sua incrível habilidade grotesca de produzir metanfetamina nos laboratórios do colégio, Mischa perdeu a bolsa para a faculdade de Denver. Ela conseguiu manter suas notas e concluir o último ano letivo, graças à consideração que o colégio tem por sua mãe, a inspetora Barbara.
E por mais inquietante e surpreendente que possa parecer, a ausência de Mischa me deixa triste. Apesar de seus erros, Mischa se dedicou aos estudos e à pesquisa tanto quanto eu e Henry. E eu sei que ela queria estar na nossa foto anual e não nas páginas policiais do Colorado.
Prendo a respiração no exato momento em que ouço o clique da câmera. Alguns outros flashs surgem e o fotógrafo finalmente nos dispensa. A professora Winter e o professor Donovan, coordenadores dos projetos de ciências exatas de Seven Heavens, se juntam ao nosso grupo para nos cumprimentarmos.
― Liv. ― A professora Winter diz. ― Estamos muito surpresos com seu pré-projeto de pesquisa para a entrevista de Stanford. Agora que descobrimos a causa da poluição, os produtores de algodão serão denunciados por crime ambiental. Desejamos boa sorte a você. Tenho certeza de que você vai conseguir essa última vaga de verão. Você foi uma aluna brilhante.
Odeio admitir, mas eu quase começo a dar pulinhos de euforia e orgulho. Meu coração ainda está girando acelerado quando me viro e me choco com Henry.
― Então, você está indo para Stanford depois do baile de formatura?
― Basicamente. ― Eu respondo. Não há muita cordialidade entre nós. É como se nossa relação estivesse desgastada como um elástico velho. ― Quando você vai para Cambridge?
― Hoje.
― Oh. E não vai ao baile de formatura?
― Não. Taylor ganhou uma espécie de transferência recomendada. Os meus pais já fecharam a Yesterday e decidimos ir juntos. Ficar de olho nela, dessa vez. Não achar que as coisas vão ficar bem se não tocarmos nas feridas.
― Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo. ― Sussurro.
― Perdão?
― Ah, nada. ― Eu decido não dizer à Henry que me lembrei de uma fala de Romeu e Julieta porque acho que isso vai magoá-lo devido à cena que Taylor fez no ginásio. ― Eu espero que tudo se resolva, Henry. Nos encontramos em algum congresso por aí?
― Com certeza.
Nós ficamos quietos por um tempo. Os olhos escuros de Henry percorrem a passividade no meu rosto. Eu decido que é melhor nos despedirmos logo e então dou um abraço rápido nele e me viro.
― Liv! ― Cherie empurra a porta do laboratório como uma onda de exasperação. ― Você precisa nos ajudar. Temos um problema com o baile!
Eu não me considero a melhor pessoa para resolver problemas do baile de formatura. Eu já havia providenciado todo o nitrogênio que Georgia exigira para formar as falsas nuvens na pista. Estou justificando minha corrida desenfreada atrás de Cherie por toda a escola por consideração a como elas me ajudaram em todos os momentos que precisei.
― Cherie! ― Ofego. ― Ainda estou de jaleco! Podemos passar no meu armário?
― Não! Georgia está na torre. Precisamos ir até lá agora.
Os meus olhos reviram. As escadas do St. Vincentti estão lotadas. Alunos em clima de férias conversam animados sobre os últimos testes que fizeram. Estou sentindo meus alvéolos explodirem quando alcançamos o terceiro andar.
Percorremos o corredor de tijolos alaranjados até a última torre do colégio. Geralmente a usamos como depósito. Estou imaginando se Georgia teve algum problema com a decoração quando Cherie para e aponta para o peitoril da enorme sacada ao nosso lado.
― Você devia dar uma olhada lá embaixo. ― Ela insiste de um jeito aflito.
O vento varre minha franja enquanto me aproximo. Meu rosto cria traços de confusão quando toco o parapeito na altura da minha cintura. Deslizo os dedos pela minha trança enquanto confiro a pista de atletismo lá embaixo. Reconheço os uniformes dos Ice Cage e sorrio para Cherie.
― Você me trouxe aqui para que eu tivesse um ângulo privilegiado de Seth treinando fora do gelo?
Eu me afasto novamente, pronta para dizer que Cherie é muito boba quando um zumbido corta o ar. Me encolho com a sensação desconfortável do apito do amplificador de voz usado pela inspetora Barbara Cooper. Mas não é ela quem está falando.
― Surja formoso sol! ― A voz de Seth escala até o último andar do colégio. ― E mate a lua cheia de inveja, que se mostra pálida e doente de tristeza, por ter visto que és mais formosa do que ela.
― Não pode ser. ― Minhas bochechas queimam. ― Ele está recitando Romeu e Julieta? Meu Deus, não! Vou matá-lo! Quando conseguir chegar até lá, obviamente.
A minha única e verdadeira intensão ao retornar até a sacada é implorar para que Seth seja menos maluco. Mas ele sorri tão forte que o calor do meu rosto se espalha, me derretendo sem reação.
― Um momento! ― Ele olha ao redor e aponta na minha direção. ― Eis a minha dama.
Acho que as pessoas estão rindo, mas só porque ele está rindo junto. Balanço a cabeça e imploro em silêncio que ele pare com aquilo.
― Oh, é meu amor! Se ela soubesse disso!
― Eu sei! ― Grito. ― Por que está fazendo isso?
Não acho que minha voz chegue tão bem lá embaixo quanto a de Seth voando por um megafone. Ele balança os ombros, em todo caso e deixa o megafone no chão. Carson revira os olhos e o empurra na direção da treliça da parede. Cubro os lábios de pavor porque sei o que ele está prestes a fazer.
Seth vai subir três andares por entre a estrutura de madeira que sustenta as trepadeiras floridas nas paredes de pedra do colégio.
Deus, não deixe Seth cair.
Um silêncio nervoso me cerca até o time começar a incentivá-lo. Estou com as mãos cobrindo o rosto e mal consigo respirar enquanto Seth se agarra entre madeira e relva. Cada segundo que passa ele fica mais longe do chão e mais perto de me alcançar na sacada.
Quero dizer algo a ele, mas só consigo encarar os seus olhos determinados. Eu não esperava que ele fosse conseguir tão rápido. Ele para ao lado da sacada e vejo seus braços tremendo.
― Jesus Cristo. ― Sussurro, tocando seu rosto de leve. ― Que ideia absurda é essa?
O sorriso de Seth apaga todo o cansaço de seu rosto e compensa a minha angústia. Ele ofega por alguns segundos e então olha para cima, rindo como um demônio.
― Pulamos esse ato, certo? Fizemos a cena final outro dia. Achei que seria interessante se encenássemos a da sacada.
― Seth?
― Quer ir ao baile comigo?
― O que?
Meus ombros balançam com a euforia que as nossas risadas me atingem. Seth pigarreia, olhando preocupado da treliça para o meu rosto.
― Sua face intente faz inveja às estrelas como o dia faz com a luz das candeias. E seus olhos ― ele faz uma pausa, concentrado em cada parte dentro das cores do meu olho ― tamanha luz no céu espalha que os pássaros despertos até cantam. Em teus olhos há maior perigo do que em vinte punhais de teus parentes. Olha-me com doçura, e é quanto basta para deixar-me à prova do ódio deles.
― Desculpa. Eu só decorei uma fala. E era do Romeu. ― Seth sorri ainda mais. ― Mas eu aceito ir ao baile com você só desça daí por favor!
Seth agarra a coluna de pedra da sacada. Seus movimentos hesitantes fazem com que eu o puxe pela camiseta escorregadia do time de hóquei. Seu impulso parece inofensivo diante da força da escalada. Mesmo assim eu consigo arrastá-lo para cima e Seth cai sobre mim.
― Graças a Deus. ― Eu o abraço. ― Nunca mais arrisque a sua vida desse jeito!
― Você arriscou a sua por mim. ― Ele sussurra.
Quero brigar com Seth, mas só consigo sentir o quanto ele me ama. Seu rosto paira por cima do meu, sua pele avermelhada por causa do esforço e seus olhos tão pequenos, empurrados pelo sorriso me fazem sorrir de volta.
― Eu vou beijar você até a inspetora conseguir subir toda a escadaria do St. Vincentti.
― Isso dá a você uns dois minutos. ― Estimo.
― É o suficiente, por enquanto.
Ele pondera antes de fechar os olhos. Seus lábios desprendem os meus seguido se um suspiro. O hálito de Seth é quente e sua nuca está úmida contra o meu toque. Estendo a língua para a dele, escorregando devagar entre seus dentes. A boca de Seth fricciona a minha, despertando os meus sentidos. O meu corpo responde ao se empurrar ainda mais contra o dele e eu forço seus músculos contra mim.
― Seth Rowan!
Nós ouvimos a voz estridente da inspetora Barbara Cooper subindo as escadas e nos afastamos. O tipo de cumplicidade entre o nosso olhar é maior do que qualquer coisa que já senti.
O nosso ato de Romeu e Julieta foi finalizado. Nós contamos uma nova história. Desordenada, mas tão emocionante quanto a original. Vencemos a guerra entre as nossas famílias e escrevemos um capítulo final com esperança.
Esperança de que agora, finalmente, podemos começar a contar a nossa própria história. Livres do peso de ser uma Wilder ou um Rowan. Nos agarrando em ser Estella e Pip, Romeu e Julieta. E todos os personagens irremediavelmente românticos que quisermos ser.
Especialmente Olivia e Seth.
Os corredores do St. Vincentti estão com os olhos voltados na minha direção. Escovo meu cabelo atrás da minha orelha e dou alguns passos desconfortáveis na direção do armário de Carson Rowan.
Eu tenho a sensação de que todas as pessoas estão falando sobre a loucura de Seth. E ignorar isso é difícil quando a sensação que tenho é que estou embriagada. Eu luto contra o calor que queima minhas bochechas e me concentro na minha missão.
Dou alguns passos desajeitados até congelar diante de Carson. Ele retira o rosto de dentro do armário assim que nota a minha presença. Suas sobrancelhas empurram alguns vincos para sua testa quando ele finalmente olha para mim.
― E aí, Liv? ― Ele diz. ― Está procurando por Seth?
― Não. Ele foi resolver alguma coisa sobre Oxford. ― Aperto os lábios. ― Estava procurando você, Carson.
Não há nenhuma surpresa no rosto de Carson. Na verdade, não há nada ali a não ser desânimo. Ele pisca algumas vezes e volta a jogar os livros dentro do armário. Carson não me pergunta o que eu quero. Ele não me manda ir embora. Só segue no automático.
― Eu vi você com o time. ― Insisto. ― Vim saber se você está feliz com isso.
― Sinto que a verdade prevaleceu.
Bato três dedos contra os lábios, dividindo o peso do corpo entre um pé e outro. Quando finalmente não há mais nenhum livro para Carson se livrar, ele se vira na minha direção, se apoiando na porta do armário. Eu tenho a nítida sensação que ele vai tentar se livrar de mim também, então digo:
― Você vai ao nosso baile de formatura?
― Você não vai embora, vai? ― Ele estreita os olhos. Quando balanço a cabeça negativamente, Carson os revira. ― Como vou aprender a lidar com essa sua mania insistente se você entrar para a minha família algum dia?
― Carson, estou preocupada com você. Quero conversar com você e saber como está. Por que não tomamos um sorvete?
― Não posso. Tenho treino em uma hora. E não estou consumindo açúcar agora que voltei para o time. ― Os ombros dele sobem e desce. ― Ok. Se você quiser um café, aqui mesmo no colégio, tudo bem.
― Ok. ― Eu respiro um pouco mais aliviada. ― É bom ver a jaqueta de volta ao seu armário, a propósito.
https://youtu.be/dWXH6RfeQ0U
(scared – jaremy zucker)
― Obrigado. ― Carson fecha a porta. ― E sobre o baile eu não tenho tanta certeza sobre ir. Eu estava pensando em levar Taylor.
Ele sorri de lado como se estivesse rindo de si mesmo. Caminhamos pelo centro do corredor em direção à cantina. O silêncio comprime minha garganta até Carson sorrir outra vez e balançar a cabeça.
― Loucura, não?
― Bom, você gostava dela, não é? ― Seguro as alças da minha mochila. ― Não parecia uma ideia louca antes.
― Taylor me manipulava. Ela me fazia contar sobre minha vida, pinçava coisas importantes para mim e reproduzia do jeito dela. A moto que eu sempre quis ter e o meu pai nunca permitiu por eu ser inconsequente. Uma droga de aventura noturna secreta. Até o cabelo ela pintou para se parecer mais com a minha lembrança de Lilly. Não gostei de Lilly porque ela tinha o cabelo amarelo. Mas não consegui perceber que Taylor usava isso para me enfraquecer.
Meu peito despenca. Nós pegamos nosso café em silêncio e contornamos as mesas quase vazias. A maioria dos estudantes já voltou para casa, então temos muito espaço para aquela conversa. Carson cai na mesa mais próxima a porta, dando a sensação de que pode fugir a qualquer momento.
― Eu sinto muito, Carson. Sei como é se sentir enganado sentimentalmente por um Hastings.
― A pior parte é ser confrontado pela própria fraqueza, sabe? ― Ele encara o copo de isopor entre as mãos. ― Você saber que ainda tem rachaduras muito visíveis. Taylor entrou nelas como lava. Queimando e arrasando com tudo. Cheguei a brigar com o meu pai. Estava disposto a acreditar em tudo que ela dissesse ou fizesse.
― Por isso Gillian Rosenstock tirou você do caminho aquele dia.
― Ela me disse. ― Carson sorri de si mesmo mais uma vez. ― Eu fui tapeado até por aquela desconhecida.
― O que quer dizer com isso?
― Todo o interesse dela sobre mim. O maldito flerte. Ela estava me distraindo. Tipo ― ele finalmente ergue os olhos ― eu sou um fraco, Liv. Nunca superei Lilly. Fico transando por aí com medo de me apaixonar. E basta um pouco de atenção de uma garota bonita e eu caio. Exceto você, claro. Não porque não é bonita. Mas porque é como se fosse uma irmã para mim.
― Eu entendi. ― Dou um meio sorriso a ele. ― Você devia ir ao baile. Seth e eu ficaríamos muito felizes.
― Eu sei. Vou pensar. O meu velho, ele está meio mal com tudo que aconteceu. Do tipo que não usa mais ternos. Não vejo meu pai sem terno com facilidade e agora o vejo de samba-canção e meia, pedindo comida pelo telefone e conversando com o seu tio Nolan, o nosso novo hóspede.
― Eu não sabia que o tio Nolan estava na sua casa.
― Ele foi parar lá ontem. ― Carson toma um gole do café. ― Parece que ele e aquela velhinha, senhora Dixie, tiveram um amor de terceira idade.
― O que? ― Sorrio um pouco mais, fazendo Carson rir. ― Como foi isso?
― Ah, sei lá. Eles ficaram brincando de enfermeira e paciente. Mas ele achou desrespeitoso permanecer morando com ela sem estarem casados. Seth pediu e o meu pai o abrigou lá em casa. As zonas rurais de Seven Heavens em breve ficarão perigosas por causa daquele negócio do algodão.
Encaro o meu café com um sorriso. A senhora Jolene Dixie e o tio Nolan Wilder. O amor é mesmo muito engraçado. Estou tão feliz por eles que quase me esqueço de que Carson está sofrendo.
― Você quer que eu peça a minha mãe para falar com James? Ela é muito boa com superação.
― Para. Você sabe que eles vão transar.
― Carson!
― Estou mentindo?
― Não está. ― Aponto o dedo para ele. ― Você está certo. É melhor não interferir.
― Deixe que ele passe o dia de cueca falando com um cachorro e comendo porcaria. Ele está se sentindo muito culpado pelo que aconteceu com Taylor e... Bem, ele é culpado, em parte. Uma parte bem grande. Às vezes as pessoas precisam desse tempo, sabe. Para refletir. Ficar com a cabeça vazia e pensar no que é importante no momento.
Concordo em silêncio. Não vou julgar James Rowan e seus erros. Acho que ele já vem pagando por muitos deles. Seus filhos estão sempre sendo atingidos e isso deve fazê-lo sofrer.
― Eu tenho que ir. ― Carson confere o celular. ― Treino.
― Você vai ao Zeros hoje? Comemoração de formatura e despedida estudantil do bar. O time sempre vai. Muitos não formandos estarão lá.
― Talvez. ― Ele mexe os ombros. ― Obrigado pelo café, Liv. Nos vemos por aí.
Carson estica a mão e revira minha franja. Rolo os olhos para ele e ganho um sorriso enquanto ele se afasta. Gostaria que Carson estivesse bem. Que ele voltasse a ser o velho Carson insuportável de antes, com um pouco mais de responsabilidade.
Mas não posso devolver um pouco de alegria a ele. Carson precisa reencontrá-la sozinho. Mesmo no meio de toda essa bagunça.
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