treze.
É agradável as cócegas aveludadas que sinto na ponta do nariz assim que acordo. Estou embaixo de um cobertor de flanela macio e quente. Abro os olhos para a manhã potencialmente cinza do lado de fora do Jipe e sorrio.
O vapor de nossas respirações formou uma cortina contra os vidros do carro. Deslizo o meu indicador na janela de forma desconexa e acidentalmente formo o desenho de um S. De Seth.
Esfrego o dorso da mão no vidro antes que me sinta idiota e viro o rosto por cima do ombro. Seth está dormindo no banco do motorista. Seu antebraço forma um arco sobre os olhos. Há um livro aberto descansando sobre o seu peito. Estreitando os olhos, consigo enxergar o nome do autor: Charles Dickens.
Eu constato que Seth está completamente gelado assim que me viro em sua direção e toco seu pescoço de leve. Ele desligou o carro no meio da madrugada, provavelmente para poupar a bateria. E me deu o único cobertor que havia no jipe quando achou que eu já estava dormindo.
Não consigo imaginar algo diferente de amor pelo modo como ele me cobriu, acariciou a lateral do meu rosto e cheirou os meus cabelos antes de se encolher no próprio canto.
Estico o braço um pouco mais até alcançar seu rosto. A pele fria contra os meus dedos quentes parece estremecer. Seth respira profundamente com a trilha de calor que deixo com o meu toque, mas não desperta. Estou sorrindo como uma idiota enquanto o acaricio.
É o que baixa minha guarda e me impede de notar quando ele subitamente acorda. A mão de Seth voa contra o meu pulso e ele se senta, me puxando em um reflexo. Grito de susto, puxando a mão de volta e me encolhendo contra a porta.
― Que diabos, Olivia. ― Ele sussurra, esfregando os cabelos e se abaixando para recolher o livro que despencou aos seus pés. ― Você me assustou.
Não faço nada além de piscar rapidamente algumas vezes como se me sentisse culpada. Seth desvia os olhos dos meus e analisa a situação do lado de fora. Não chove com tanta intensidade, mas quando ele religa o carro e tenta sair, a lama ainda nos segura.
Com um suspiro frustrado, ele alcança o próprio celular no painel. Um vislumbre de sorriso ganha o seu rosto enquanto ele digita rapidamente. Um segundo depois ele está falando com James e as notícias sobre tio Nolan chegam em tons de alívio e calmaria.
― Ele está bem. Foi encontrado por uma equipe de resgate e levado para Seven Heavens. ― Seth olha para mim. ― Aparentemente ele quebrou a perna ao cair em uma vala enquanto tentava chegar à fazenda vizinha. Mas Bill o ajudou.
― Coitado do tio Nolan. ― Lamento.
― E quanto a nós, pai? Ficaremos aqui? Não temos muita escolha a não ser esperar a equipe. ― Pausa. ― Sim, eu sei que isso pode demorar. Mas estamos presos. Estamos bem. Está tudo bem aí? E Carson? ― Uma longa pausa dramática. ― Certo. Mande um alô para ele.
E então desliga.
― As equipes estão ocupadas distribuindo cuidados médicos e alimentos pela região atingida pelo tornado. Temos que esperar que a terra seque. Ou, na melhor das hipóteses, que eles venham nos buscar. E Carson está dormindo e fora de confusões, por enquanto.
Estamos atolados no meio do nada e a cortina de água diante de nós cai em cascatas pacíficas, porém um pouco mais espessas agora. Não há muito para ver além da névoa que nos rodeia, o túnel de bordos acima de nós e a lama pegajosa prendendo o jipe.
Seth sintoniza a rádio fantasma e liga o aquecedor novamente. Estou dobrando o cobertor dele quando sua mão puxa o porta-luvas e o vasculha em busca de algo. Há muitas coisas úteis lá dentro: um canivete, uma caixa de fósforos, um kit de curativos, chicletes e, ah, camisinhas.
Tento afastar o rubor nas minhas bochechas quando ele finalmente encontra o que estava procurando: um pacote de biscoitos de damasco com chocolate. Ele me oferece primeiro e não sou louca de recusar. Estou faminta.
― Pelo menos a rádio fantasma está funcionando.
Sua voz quebra os ruídos dos nossos dentes contra os biscoitos.
― Com novas músicas.
― E Taylor Hastings está recebendo pedidos agora.
Acrescento por cima da frase dele:
― Graças ao sinal de internet do seu pai.
Reviro os olhos, sem conseguir conter um sorriso por estarmos falando atropeladamente ao mesmo tempo. Encosto o rosto na palma da mão e apoio o cotovelo na porta. A música da rádio fantasma toma conta do ambiente e nós decidimos parar de conversar ao mesmo tempo porque é esquisito. Pelo menos não estamos mais brigando e jogando coisas na cara um do outro. Foi um momento ridículo e infantil.
Decido mudar de assunto para matar o tempo. Pisco algumas vezes para o perfil irredutível de Seth Rowan. Ele está fitando o nada, apoiando a boca sobre a mão em punho e me encara depois de perceber que estou totalmente focada nele.
― Como era quando Lilly estava viva?
― Estranho.
Ele reflete por um momento, considerando que conversar sobre outras pessoas parece um terreno mais seguro para nós.
― Ela parecia estar prestes a ter um colapso quase sempre. Triste, mas Carson mantinha sua esperança nela. Lilly era cantora. Eles se conheceram no metrô de Londres. Foi amor à primeira vista, no caso do meu irmão. Ela era dois anos mais velha e a vida dela era uma bagunça. Acho que Lilly se apaixonou por Carson depois que ele a salvou de um maníaco e a levou para casa sem pedir a ela nada em troca.
Eu espero em silêncio que ele procure algo no próprio celular. Quando Seth me entrega, uma garota bonita em um canal do Youtube, canta um cover de Gorgeous, de Taylor Swift.
https://youtu.be/vhl-gcLarjc
― Deus. ― Sussurro. ― Ela era tão bonita e tão triste.
― Soa como a história deles.
― Olhos azuis oceânicos, olhando nos meus. Sinto como se pudesse afundar e me afogar e morrer. ― Meus olhos estão ardendo com a chegada de algumas lágrimas. ― Eu sinto muito. Por Lilly e Carson.
Seth me conta alguns detalhes da história de Felicity Avra, a ex-namorada de Carson. Ela teve uma vida difícil. Foi rejeitada pela família e pelo mundo. Entrou em colapso e arrastou os Rowan através dos vestígios de sua própria dor.
― A vida e a morte de Felicity Avra destruíram o meu irmão. ― Seth suspira. ― Ela morreu em setembro. No natal do ano passado eles completariam dois anos de namoro. O tempo em que eles ficaram juntos significou uma vida. E trouxe com ela o final do jeito mais trágico possível. Carson se desligou do mundo, da família e de quem ele era. A última vez que o vi sendo Carson, em Londres, foi quando ele buscou algumas coisas de Lilly, colocou em uma caixa, chorou e a guardou em seu armário. Depois disso, Carson desapareceu para as drogas. Ele passava as noites fora. Me batia quando eu tentava fazê-lo parar. Roubava coisas em casa quando meu pai se recusava a dar dinheiro a ele. Não ia mais à escola. Não jogava hóquei. Não comia. Ele era só um corpo cheio de tóxico.
Eu posso imaginar o estado de Carson quando fecho os meus olhos. Uma dor excruciante fecha a minha garganta. Eu sempre o considerei o mais agressivo do nosso grupo e quando ele retornou para Seven Heavens, achei que sua imbecilidade só tinha potencializado com a idade. Mas depois de conhecê-lo um pouco mais, enxerguei a dor que fazia dele o garoto arredio que é hoje.
A chuva continua deslizando pelos vidros do carro. Aperto os lábios e dou uma olhada rápida em Seth. Ele se inclina e procura algo no celular em minhas mãos. Seus dedos param quando encontra a foto de uma carta. Sei que é a carta que ele mencionou que Lilly deixou antes de morrer porque vejo sua assinatura. É a citação favorita dela de O Pequeno Príncipe.
Eu não esperava começar a chorar. Devolvo o celular de Seth a ele e fecho os olhos. Ele acaricia meus cabelos antes que eu despenque em sua direção e o abrace. É impulsivo, mas sinto que é a coisa certa a fazer. Seth me segura com tanta força que tenho a impressão de que isso sufoca o meu choro. Eu me acalmo com sua respiração no meu ouvido e seus dedos entre meus cabelos.
Quando nos afastamos, seco o meu rosto e fungo algumas vezes. Ele espera pacientemente até que eu olhe para ele novamente em busca de como a história termina.
― O meu pai decidiu voltar para os Estados Unidos. Não porque ele achava que Carson não conseguiria drogas aqui. Mas porque, por experiência própria, ele sabia que continuar no lugar em que a morte te visitou recentemente faz a dor parecer pior. Ele passou por cima dos próprios traumas, da própria fuga e de seu coração cheio de mágoa e tristeza por causa da minha mãe. E nos trouxe de volta para salvar Carson. Arrancamos Carson da sarjeta e o internamos em uma clínica de reabilitação. A única coisa que ele tinha ao alcance era a carta de Lilly. Ele a leu por semanas até se desintoxicar e ser liberado. No final, ele entendeu o recado que ela quis passar. As metáforas de tudo o que ela escreveu e de todos os momentos que viveram juntos. Lilly era a raposa. Ela nunca seria a rosa. Mas havia muito amor envolvido no fato de Carson tê-la cativado. Lilly o amava tanto que deixou para ele, implícito nessas palavras, um jeito para Carson continuar e construir uma vida melhor do que ela tinha e do que estavam levando estando juntos.
― Ela deixou as dicas a ele de como encontrar a rosa.
Seth balança a cabeça, puxando os cabelos sem saber o que dizer. Seus ombros se mexem e seus olhos sobem para os meus.
― Não acho que ele esteja procurando, em todo caso. Tenho medo de que ele tenha uma recaída. Ele teve algumas e não foram legais. Você se lembra do baile de primavera, certo? Tenho certeza de que ele não está usando nada. Só que a linha da decepção é tênue. Ela anda lado a lado com a solidão e o desespero.
― Carson não está sozinho. Vou ajudá-lo a encontrar quem o drogou. Porque gosto dele como se fôssemos irmãos, agora. Sabe, a rosa... Não precisa ser alguém, em específico. Você é o metido a poeta aqui, mas podemos descontextualizar a metáfora. E fazê-lo enxergar que o essencial é invisível aos olhos.
― Do que você está falando, especificamente, Olivia?
Passo o cabelo para trás da orelha, pensando por um tempo. Quando olho para Seth, pisco algumas vezes e dou um meio sorriso. Seus olhos castanhos são tão profundos quanto à tempestade nos engolindo do lado de fora do carro. É assustador, mas instigante.
― Estou falando de amor, Seth. A verdade do mundo.
Seth sorri meio de lado, seus olhos vasculhando os meus. Não precisamos dizer nada porque ele entende o que eu quero dizer. Todos nós estamos em busca da verdade do mundo, afinal.
Desvio os olhos antes que as coisas fiquem desconfortáveis novamente e aumento o rádio. Taylor está a todo vapor com músicas antigas do meio oeste. Imagino que ela esteja tentando fazer a cidade se sentir melhor apesar da chuva.
Ouço o toque impaciente dos dedos de Seth em seu celular. Deduzo que ele esteja procurando um resgate e decido não dizer a ele que não vai adiantar nada porque acho que todos temos um jeito de canalizar a ansiedade. E talvez aquele seja o dele.
― Essa foi Dolly Panton em homenagem à Senhora Dixie. ― A voz de Taylor interrompe o final da música. ― A chuva está cada vez mais forte em Seven Heavens. Fiquem comigo na sua 93.3 FM. A caixa de mensagens está aberta para receber seus recados. A próxima música é uma dedicação especial. Um pedido de desculpas acaba de chegar de Seth Rowan. Se você está ouvindo isso agora, Liv Wilder. Vai entender a lógica da canção.
https://youtu.be/jCRaVwGQhNk
(The Scientist - Coldplay - Legendado)
Meu lábio escorrega de espanto quando ouço o meu nome. Seth não estava pedindo socorro.
Ele está me pedindo desculpas.
Eu me endireito no banco assim que Coldplay começa a cantar The Scientist.
Eu vou encontrar você, dizer que sinto muito. Você não sabe o quão amável você é.
Eu tive que te encontrar, dizer que preciso de você e te dizer que você é única.
É instintivo quando levo a mão até a garganta com medo de que meu coração salte. Ele está batendo tão rápido que tenho dificuldades de ouvir a música. Mas ela entra com tudo dentro de mim, cada parte da letra me derretendo e me direcionando para Seth Rowan, sentado em silêncio ao meu lado.
Me conte seus segredos, me faça suas perguntas. Vamos voltar ao início. Correndo em círculos. É sempre uma decepção duas mentes em uma ciência ilógica.
Eu tento permanecer com a minha postura resoluta, mas meus olhos insistem em me trair e dou uma olhada em Seth no momento que ele decide dar uma olhada em mim.
É demais para mim o pedido para voltarmos ao começo. A menção à ciência, a questão do progresso, o fato de que isso não fala mais alto que o coração dele... O pedido para dizer a ele que eu o amo. Mordo o lábio inferior, desviando os olhos para as minhas mãos em uma luta contra elas mesmo sobre minhas pernas.
Seth dá um jeito de se aproximar. O cheiro dele invade meu espaço pessoal de forma incrível. É crítico, mas está carregado do adocicado da confusão de terra molhada que as tempestades trouxeram. Ergo o queixo na direção de seu rosto apreensivo. Seus olhos são do castanho mais intenso. Como uma floresta perdida na tempestade.
― Eu sinto muito por ter dito coisas horríveis a você. ― Ele confessa. ― Nunca foi verdade. A única verdade é que eu te amo. A minha verdade do mundo é você.
Me inclino em direção a ele, encaixando minha mão em sua nuca. Seth se curva para frente e me beija. Nossos lábios se pressionam. A boca dele é quente e doce contra a minha. Volto para trás alguns centímetros e entreabro os lábios.
É meio patético, mas bato no peito dele, inflando de raiva ao me lembrar tudo o que ele disse quando saí do ambulatório.
― Au, certo. Eu mereci isso. ― Os olhos de Seth se fecham e se abrem sob cortinas de lágrimas. ― Ninguém disse que ia ser fácil...
Ele cantarola baixinho, os nós dos dedos tocando o meu queixo de um jeito receoso e então eu derreto. Meus lábios tremem em um sorriso involuntário que Seth transforma em um longo sorriso arrependido no próprio rosto.
― Eu estava supondo... ― Sussurro. Os meus olhos se fecham imediatamente com o toque da ponta do nariz dele no meu. ― Com número e cálculos, desfazendo os enigmas. Questões de ciência, de ciência e progresso, não falam tão alto quanto o meu coração. Então diga que me ama...
― Eu te amo.
O hálito quente de Seth deita sobre o meu sorriso. Esqueço o resto do mundo e todas as palavras dolorosas. Eu escolho voltar ao início, jogando meus braços ao redor do pescoço dele. Ele vem para mim novamente, sua mão percorrendo minha cintura no ritmo da suave pressão do beijo contra meus lábios. A língua de Seth desliza de forma lenta e alucinante dentro de mim. Quando ele me puxa e nossos peitos se chocam, eu sinto como se minhas entranhas derretessem.
Nada mais parece fazer sentido quando seguro os cabelos macios dele. Eu amo tanto os meus dedos ali quanto amo o modo como ele me abraça pelo quadril e me puxa para ele. Uma das minhas pernas desliza pelo lado ao me sentar sobre Seth. Eu preciso de um pouco de fôlego, mas mal consigo respirar com a sua boca traçando uma trilha pelo meu pescoço ao puxar meu cabelo para trás e inclinar minha cabeça.
Eu retomo o controle, mergulhando em busca da boca de Seth mais uma vez. Suas mãos devastam sob meu moletom, queimando minha pele como um incêndio ao arrancá-lo. Ergo os braços para retirá-lo e o beijo novamente, puxando os botões de sua camisa com uma habilidade que, até então, eu desconhecia.
A urgência me embriaga de um jeito bom. Cada nervo do meu corpo clama pelo toque de Seth. Ele me inclina para trás e toco a buzina sem querer enquanto empurro a camisa dele para longe de seus braços. Seth conduz a boca por entre meus seios enquanto agarro os botões de sua calça e ele desprende o meu sutiã.
O corpo dele chama pelo meu de um jeito insano. Eu respondo imediatamente, tonta de prazer. A rádio fantasma falha, misturando o chiado da frequência vazia com a voracidade dos beijos de Seth pelo meu corpo, o ronronar dos meus gemidos e a agressividade da água caindo do lado de fora.
Decido, naquele momento, que o resto do mundo não tem importância. Decido que Seth tem razão em querer fugir em alguns momentos. Aquele é um desses momentos perfeitos para desaparecer com ele e esquecer todo o resto. Apenas eu e ele, simples assim, nos entregando ao amor.
Obrigada pelos 15k!
Recados importantes: estou devendo dois capítulos do livro +18. A continuação daquele que postei na época de RMS e agora esse. Decidi fazer isso, no entanto, quando RMS atingir 100k. Acho que é simbólico e me dá tempo para trabalhar nisso.
Sobre a história de Lilly Avra e Carson Rowan que vimos um pouco nesse capítulo. Ela está narrada de forma completa no livro GORGEOUS postado aqui no wattpad. Vocês podem conferir a profundidade do relacionamento que arrasou Carson, mas não leiam se isso os deixará desconfortável, porque o final de Lilly é bastante triste.
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