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03. Moço de Neve.

[NOTAS]: 80K DE LEITURA EM DOIS CAPÍTULOS, VCS QUEREM ME MATAR DO CORAÇÃO EH ISTO? EU VO FALECEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR!!!

SALVE COROI, voltei com uma att pra vocês e, como presente pelo carinho IMENSO que a fanfic tá recebendo, são VINTE FUCKING MIL PALAVRAS (21,4k, sendo mais específica)!!! De coração, não sei nem como agradecer o suporte de vocês, eu definitivamente não sei se teria continuado caso não tivesse todo esse amor me cercando. OBRIGADA SEMPRE SEMPRE SEMPRE!!!

Vou deixar pra falar outras coisas nas notas finais, então BOA LEITURA!!!

#MorangoCanhoto 🍓

***

"Parta-me em dois, moço de neve; quebra-me à tua maneira, então remonte os cacos perdidos como se nunca no mundo houvessem ruído."


Samanda, 2020.

Festival de Verão, 21h50.

Cúmplice da franqueza e aliado do êxtase, o testemunho lunar foi meu único álibi naquela noite feliz de verão. Era como um sonho, dos que se guardam com ternura antes de enfrentar o real; um instante de intensa alegria, momentaneamente eterna — numa contradição bonita e proposital — que havia de ser consumida ao falecer das estrelas. Ali, eu era eterno sob o toque da juventude infinita, mesmo diluído dentre a plateia alvoroçada. Os corpos suados — maltratados pelo calor que posteriormente se faria notável — esbarravam-se com a mesma euforia inerente à melodia mágica, fomentadora da sensação comum a todos, clichê da data em questão e, ainda assim, tão real quanto o ciclo natural das estações.

Pertencimento.

A significação de alegria jamais me tocara em partes tão íntimas. Nem os empurrões de fãs do EVIL ou a panturrilha dolorida pelo gesto involuntário de ficar na ponta dos pés puderam deter os arrepios, continuamente presentes na trilha entre a base da coluna até minha nuca. A felicidade, a excitação, bem como os sorrisos e demais manifestações de deleite eram apenas reações espontâneas à música de gênero pouco conhecido pelos meus ouvidos arianators; embora eu não fosse nada familiarizado com o indie rock, algo sobre o EVIL transpunha preconceitos musicais — atracados a nós como carrapatos —, sem restringir uma excelente experiência de show unicamente ao público afeiçoado à temática da banda. Novo ou velho, deslocado ou não, fã ou apenas de passagem, todos naquela plateia provaram do mesmo gosto açucarado da juventude, fosse ela vigente ou remota.

Senti como se a sorte houvesse tomado sua decisão em me acompanhar naquela noite, talvez para compensar a exaustão psicológica que me seguia há algum tempo. Foi bom; fantasioso, até. Enquanto o sol adormecia no horizonte — poucas horas antes — eu tinha sido presenteado com o privilégio de assistir parte do ensaio do EVIL, com direito ao pleno e majestoso vislumbre daquele que confinava todos os cosmos na íris de mel.

JK.

Vinte um de junho, solstício de verão e aniversário de Jeon Jungkook; comemorações distintas que, essencialmente, nasciam do mesmo âmago. Cansada de resguardar o seio das paixões, a estação do fogo eclodiu no nascimento daquele que reverberava o vermelho do calor, do caos; assim, portanto, partiu-se em dois, concedendo seu espírito ao único genuinamente merecedor de igual magnificência: o moço da pele de neve, olhos de ouro e cheirinho de morango.

De acordo com Taehyung — que havia sido veementemente repreendido por omitir aquele aniversário —, Jungkook completava vinte e duas primaveras naquele dia, totalizando quatro anos à minha frente. Seus únicos aspectos característicos de maioridade eram, com toda certeza, as tatuagens; os demais traços, no entanto, facilmente me fariam acreditar em sua recém chegada aos dezoito. JK não parecia, nem de longe, ter mais de vinte anos, mesmo que seus olhos pesados e postura firme acabassem por, eventualmente, denotar trejeitos de maturidade. Era uma dualidade encantadora, e eu percebi, então, por horas assistindo à distância, que tudo sobre ele revelava uma série curiosa de contraposições, emaranhadas num vórtice cujas forças motrizes alternavam liderança.

Essas forças me engoliram ali, naquele show, naquela noite, naquele verão aprazível e memorável. Fui embrulhado no seu vórtice caótico e tão, tão doce que me fez esquecer o antes, o depois, então mergulhar no presente para cultuá-lo conforme seu nome: um presente, de fato.

A sucessão das músicas durou pouco em comparação à sensação deixada no peito. Não me lembrava da última vez em que pulei tanto, minhas têmporas suadas eram prova viva dos saltos animados em virtude das batucadas fervorosas de Yoongi, que parecia devorado pela bateria inúmeras vezes maior que seu corpo magro. Não muito distante de me deixar igualmente estimulado, os graves produzidos pelo baixo lilás de Namjoon se alastravam com força naquelas imensas caixas de som, resultando em tremores gostosos no peito, como se nossos corações fossem seus principais receptores. Hoseok, por si só, brilhava na sua guitarra branca de sons tão contagiantes quanto ele mesmo, sempre sorrindo e se mexendo alegremente.

Todos em cima daquele palco simbolizavam fielmente o que significava, decerto, possuir talento; JK, contudo, extorquia adoração em patamares intáteis, fora do horizonte humano. Suas iniciais reluziam no corpo do instrumento rubro como um lembrete contínuo de quem ele era e tudo o que representava. As mechas vermelhas se viam num balanço apaixonante à medida que o corpo alto se remexia, dançante; desse modo, assim sendo, o amarro nos seus cabelos se desfazia para dar margem à liberdade dos fios negros, agora misturados às partes tingidas.

Ele era... simplesmente encantador, cada um dos seus detalhes, cada nuance perigosa daquela voz angelical. De beleza lírica e exuberância incomparável, Jungkook revelava-se um exímio artista e, simultaneamente, cerne da representação de astros voláteis que roubam e despedaçam corações enamorados para — quando tudo virar pó — imortalizarem-se em memórias adolescentes.

Estávamos nos últimos pronunciamentos do show quando o relógio no pulso de Taehyung marcou exatas nove horas e cinquenta minutos. O céu aberto impedia que o ar pesasse, mas meu oxigênio sempre sumia quando JK tocava o microfone, o rosto ligeiramente suado refletido pelas luzes suspensas. Aquela seria, provavelmente, sua última fala antes de abandonar o palco, sumindo para os bastidores em companhia dos demais integrantes.

— Já está permitido dizer que esse festival foi incrível? — Um sorriso resplandecente desenhou seu rosto. Segurava o microfone com uma das mãos, usando a livre para jogar a franja escarlate para trás.

A plateia vibrou numa resposta afirmativa, ocasionando no aumento do sorriso bonito.

— Sorte a nossa, então. — Agora sua língua passeava pelos lábios róseos. Eu só consegui pensar, hipnotizado, que a sorte era a minha, na verdade, por estar tão próximo do palco e poder vê-lo de tão perto. — Não costumo comemorar aniversários, mas esse está listado como favorito. Agradeço a presença de todos e espero honestamente que possam sair dessa arena com a sensação de que vale a pena continuar aqui, vivo. É por isso que fazemos música.

Involuntariamente, eu sorri; e sorri porque me sentia exatamente daquela forma, como se valesse a pena continuar vivo.

— O aniversário é meu, mas o presente vai ser parcela das minhas economias indo para o ralo — anunciou e imediatamente riu com a reação surpresa do público. — Fiz um "parceria" com as três primeiras barracas de comida na praça de alimentação, elas estão sinalizadas com um adesivo da banda. O jantar de vocês é por minha conta, basta pegar as pulseiras com os funcionários próximos ao corredor de saída e apresentá-las nas barracas indicadas. — Interrompido pelos gritos animados e palmas ensurdecedoras, JK sorriu, esperando pacientemente pelo silêncio. — Tudo bem, não precisam me agradecer, torrei minha grana conscientemente. Sou o culpado aqui. — Ergueu as mãos em rendição, brincalhão. — Comam muito, certo? Tenham em mente: "JK vai ficar sem tomar milkshake esse mês, preciso fazer a abstinência dele valer a pena e encher o bucho". Novamente, obrigado pela presença, o EVIL agradece o entusiasmo. — Finalizou, brilhando naquela simpatia deslumbrante e dentinhos adoráveis de coelho.

Os aplausos estalaram tão intensamente que meus ouvidos doeram, mas não economizei energia ao ovacionar o EVIL como mereciam. O presente gentil de JK causou verdadeira comoção, ainda naqueles que — como eu — não eram efetivamente fãs. Uma semana antes, ele havia feito por mim exatamente o que fazia ali, naquele show, por todas aquelas pessoas: gentileza, crua e autêntica, desvinculada de ideias falhas sobre merecimento.

— Seu príncipe ganhou pontos comigo — Taehyung sussurrou ao meu ouvido. Eu quase não pude ouvi-lo, estava ocupado acompanhando cegamente o corpo de JK, que aos poucos sumia para a parte traseira do palco, acenando em despedida. — Qualquer um que me pague comida tem um lugar especial no meu coração.

Quando a figura de Jungkook desapareceu, meu peito murchou, os olhos apagando instantaneamente ao passo que me virava para Taehyung.

— Ele é... — Um suspiro bobo me escapou. — Não sei... Só sei que me sinto bem.

— Compreensível, soulsoul. — E bateu nas minhas costas em consolo, rindo baixo. — Todo mundo já se apaixonou por Jeon Jungkook alguma vez, é um estágio comum na vida das pessoas. Alguns não superam, outros fingem que sim. Acho que sou o único imune.

Enquanto a maioria das pessoas tomava seu caminho para a praça de alimentação, permaneci estático, encarando Taehyung com um sentimento intruso no peito. Não existia qualquer dúvida quanto à veracidade do que ele dizia, talvez por isso me sentisse daquela forma. Ser apenas mais um dentre todos aqueles que um dia quiseram tocar o infinito era, no mínimo, aborrecedor, embora nada surpreendente.

— Não estou apaixonado por ele. Eu só acho que, bem... — Como todas minhas colocações, aquela não possuía absolutamente nenhuma firmeza. — Ele é gentil e foi um cavalheiro comigo. Só isso. E eu namoro, também.

— Quer mesmo entrar nesse assunto? — A sobrancelha erguida me confrontou, junto dos olhos sérios. — Kyuhyun nem é a droga de uma namorado decente, Jimin.

— Tae, por favor... — Como numa súplica calada, olhei para ele e implorei que soubesse onde eu definitivamente não queria chegar com aquele assunto. — Ainda amo o Kyu.

Eu não amava. Não mais.

— Isso não é amor, mas acho que você já sabe disso. — Taehyung não precisou de tempo para pensar, apenas respondeu e suspirou, desviando o olhar de modo a denunciar que não pretendia continuar naquele tópico. — Enfim, não vamos estragar o festival com essa discussão de novo, ok? Temos comida gratuita para pegar.

Aqueles pequenos conflitos sempre me destruíam. Mesmo que oferecesse todo o suporte e carinho necessários, Taehyung não conseguia evitar — às vezes — me olhar com aqueles olhos pesados, ainda que sem intenção. Era involuntário, eu sabia; não exigia que estivesse sempre paciente para me aguentar, tampouco quando era tão difícil entender minha situação sem de fato vivê-la. No fim, seria apenas eu por mim, faminto, segurando-me às migalhas enquanto fingia fartura.

Ali, Taehyung e eu nos separamos, embora sua insistência quase tivesse me vencido na proposta de acompanhá-lo até as barracas de comida. Os quatro sorvetes continuavam fermentando na minha barriga, meu estômago dificilmente suportaria uma refeição depois daquelas casquinhas generosas. Considerando o gasto de energia durante o show, seria comum estar com fome, todavia, meu organismo rejeitou-a quando o tópico proibido se fez audível, posto que lembrar da existência de Kyuhyun — e de sua infeliz relevância na minha vida — conseguia inibir meu apetite em quaisquer situações.

O assunto me deixou desconfortável e ansioso, carente de um pouco de solidão; em função disso, garanti para Taehyung que o ligaria depois, insisti que fosse aproveitar sua comida gratuita e me encontrasse em frente à entrada do festival quando possível. Sabendo que eu estava em um daqueles momentos, não questionou minhas razões, concordou algum tempo depois e finalmente partiu, deixando um beijinho doce na minha testa.

Segui meu rumo sozinho e sem nenhuma rota conclusiva em mente. A ideia era usar aquele tempo para organizar meus sentimentos e arrumar mecanismos de autocontrole que pudessem me auxiliar. Realizei os passos necessários para tranquilizar as turbulências emocionais: exercitei minha respiração, enumerei três memórias felizes e, por último, resmunguei alguns palavrões para "vomitar" as energias negativas. Não tinha grande efetividade, mas minha antiga terapeuta dizia que qualquer tentativa era válida. Pelo menos servia de alguma coisa, ainda que pouco.

Meus passos arrastados na grama acabaram por me tirar a concentração. Fiquei bons minutos apenas daquele modo, a cabeça em branco e uma espécie de caminhada automática, do tipo que nos leva inconscientemente a lugares aleatórios. As vozes da multidão — outrora presentes naquele espaço — praticamente desapareceram com o passar do tempo, o único som restante se originava muito distante dali, provavelmente em algum lugar perto do comércio. Estava relativamente escuro, não fossem os gigantescos postes de luz fincados nas extremidades da arena quase vazia, além da própria luminosidade lunar. Era bom, quieto e sereno, lembrava um pouco a noite do Jude's, frente ao mar e às formas distorcidas do satélite natural dançando na água.

Toquei o palco que antes sustentava o EVIL e seus instrumentos caros. Algum impulso anônimo me levara até lá, soando lunático ao arrastar a ponta dos dedos na grade e na lateral da plataforma, quase como se quisesse extrair todas as boas sensações que vivi mais cedo naquele mesmo dia. Andei, andei e andei, absorto, até que meu dedos se descolassem do material sólido e achassem o fim do palco. Abrupto, o clique na minha cabeça estalou quando finalmente percebi meu próprio transe; a proximidade de um timbre grave perfurou minha bolha, deixando-me em alerta e assustado na mesma proporção, dada as circunstâncias que se seguiram.

— Qual é a sua? Vai continuar com essa cena ou podemos finalmente falar do que interessa? — Alguns metros à frente, a voz rouca e familiar ganhou sua imagem ao passo que Min Yoongi projetava-se diante de outro alguém. — Fala alguma coisa, Jungkook! Que porra!

Ele.

O outro alguém era Jeon Jungkook.

Instintiva e instantaneamente, eu recuei. O coração bateu forte, pego de surpresa pelas condições à medida que minha mão corria até o tórax, apertando o tecido macio da camiseta como reação ao imprevisto. Era evidente que eu não deveria estar ali, ouvindo aquela conversa; meus músculos, em contrapartida, não pareciam interessados em partir, paralisados pela curiosidade fatal que facilmente assumiu total governo das minhas ações. Com as mãos ligeiramente trêmulas e os olhos vacilantes, escorei o tronco para trás do palco, usando de alguma coragem e muita intrusão para encarar a pequena discussão que surgia ali, bem à minha frente.

— Eu não tenho absolutamente nada para te dizer. — Dessa vez, foi Jungkook a se pronunciar, calma e despreocupadamente. Ele estava encostado à parte traseira da plataforma, praticamente encurralado por ambos os braços de Yoongi, presos às laterais do seu corpo.

Sua postura parecia estranhamente relaxada, contrapondo-se à conduta visivelmente irritada de Yoongi, que o dilacerava com os olhos. O que era aquilo? Uma briga? Algum problema com o show? Não me dizia respeito, mas parecia intrigante demais para que minha decência se fizesse maior que a vontade de entender.

— Até quando, hm? Até quando você pretende continuar agindo dessa forma? — Yoongi riu, desgostoso, balançando a cabeça negativamente. Ele era assustador, tinha uma aura carregada e intimidante, muito mais do que qualquer um que conheci. — É seu aniversário, a droga de data que comemoramos da mesma forma todos os malditos anos em que estivemos juntos.

Juntos.

Eles estiveram... juntos.

— Tem razão. — Por pouco não pude ouvir o timbre de JK, a informação desmontou meus neurônios e arrebentou parcela das expectativas que guardei com tanto zelo, como um tolo. — Fizemos isso durante os anos em que estivemos juntos, mas não estamos mais. Você não é nenhum pré-adolescente para agir dessa forma.

A partir das frases, dos tons e da visível tensão entre eles, não foi difícil concluir: Min Yoongi e Jeon Jungkook eram ex-namorados.

A notícia despertou — no canto mais fundo de alguns sentimentos que há alguns dias residiam ali — um sufoco estranho. Eu deveria correr, dar de ombros e reconhecer minha intromissão, mas a sede por saber mais, apenas um pouco mais, materializava-se como cola nos meus pés, presos ao chão. Os dedos postos sobre o peito doíam de apertar a camiseta, incapazes de conter as reações involuntárias à descoberta.

Viabilizada por ecos ininterruptos, a voz de Taehyung me ocorreu repentinamente, sua fala consistente sobre Jungkook ser inacessível praticamente ensurdecendo meus sentidos. JK era um desconhecido; um desconhecido deslumbrante, amável e apaixonante que furtara meu coração vulnerável em uma noite qualquer de verão. Ainda assim, um desconhecido. Eu não sabia nada sobre ele ou sobre sua vida, sonhos, medos e angústias; ter contato com uma informação tão íntima a respeito de uma figura tão sublime e idealizada me deixou, certamente, em pane.

Porque eu sabia, bem lá dentro, que a paixão dos olhos caramelo tinha, uma vez em muito tempo, pertencido a um outro alguém. Mais do que saber sobre um — talvez único — dos seus amores, o sufoco se dava por entender que aquele diálogo era privado demais para ser manchado pela minha intrusão.

Aquela não era minha história, não era sobre mim ou sobre um romance utópico com um Príncipe Vermelho. Era sobre eles, sobre um amor quebrado que ainda sangrava.

Eu precisava sair dali.

— Diz pra mim, Jungkook. — Mas o tom de Yoongi, tão intrinsecamente ferido e feroz, puxou-me de volta. A diferença de altura entre eles fazia com que estivesse com seus olhos na altura da boca de Jungkook, tão próximo que poderia... beijá-lo. — Diz aqui, agora, bem na minha cara... Diga que não me ama mais, que não há mais nenhum resquício do que sentiu por mim, e então eu vou embora. — Sua voz externava tristeza e rancor, uma bagunça maluca entre muitos sentimentos negativos. Eu poderia sentir a dor rasgar sua garganta. — Só... diz, Jungkook.

Não eram precisas expressões verbais para que a angústia em JK se tornasse aparente. Suas feições serenas falharam em calar o escândalo da íris clara, faiscando em rajadas verdes que soavam prontas para destruir tudo ao redor. Seus olhos ardiam com o fogo de uma dor contida, derramada sobre um passado intocado pela maré do esquecimento e dolorosamente renascido na voz amargurada de Yoongi.

E doeu. Doeu, pois eu sabia — apenas de olhá-lo — sua resposta.

— O fato de ainda sentir algo por você não significa que eu vá voltar atrás, tampouco esquecer o que aconteceu. — Sua voz não vacilou, nem por uma fração de segundo. Olhou-o de cima, despedaçando-o bloco por bloco no esmeralda sorrateiro que agora se destacava dentre o mel dos seus orbes. Ao passo que senti meu coração errar, Jungkook tocou o peito do baterista, empurrando-o apenas forte o suficiente para que se afastasse, sem qualquer vestígio de hesitação. — Amor não é sobre perdão eterno, nós dois sabemos disso. Eu estou bem e não preciso de migalhas, muito menos das suas, se é isso que você quer saber.

Simples, curto, afiado. Seu tom era grave, como os ruídos do céu no prelúdio de uma tempestade.

— Jungkook...

— Não fode, Yoongi. — Touché. Aquele foi seu grand finale, seu último parecer antes do semblante fechado praticamente destroçar qualquer possibilidade de resposta. — Por favor, não volte a falar disso. Eu realmente não quero brigar.

Desculpas e respostas foram dispensadas; JK não abriu espaço algum para perpetuação de contra-ataque, sua encarada final foi o nocaute necessário para que Yoongi admitisse silenciosamente sua derrota, afastando-se devagar à medida que mordia os lábios em descontentamento. Se seu rosto não estivesse coberto pela franja azulada, eu juraria que ele estava prestes a chorar. Não foi possível desvendar sua expressão, seus passos furiosos pisotearam a grama e, mais rápido do que pude prever, vieram à minha direção.

Foi quando lembrei que estava bisbilhotando a conversa deles.

Encolhi-me quase que automaticamente quando seu corpo passou pelo meu, despreparado para uma suposta surra ou, quem sabe, um sermão. Nada. Min Yoongi não fez absolutamente nada. Minha única punição fora o fuzilamento ao quão fui submetido quando seus olhos me acharam, mas ele pouco se importou; encarou-me com desdém, dos pés à cabeça, então partiu, muito mais preocupado com os próprios sentimentos do que com um jovem apavorado que aparentemente não tinha nada melhor para fazer do que ficar espiando sua discussão.

Meu temor, no entanto, não estava inteiramente depositado na reação do baterista; a verdadeira preocupação se solidificou no figura logo atrás dele. Sob efeito de sua presença, como usual, senti-me pequeno, ridículo, quase patético; o bolo na garganta crescia pela certeza do constrangimento, já corroendo cada célula no meu sangue quando o aroma de morango alojou-se no meu nariz, indicando que ele estava perto e que havia me notado.

Quis me esconder, tamanha foi a vergonha por ter, literalmente, invadido sua privacidade. Eu sabia que não queria ouvir o que ele supostamente gostaria de me dizer, sabia que não suportaria seus olhos pesados sem começar a chorar e pedir perdão exasperadamente pela imprudência de bisbilhotar. Quando seus coturnos pretos e polidos apareceram no meu campo de vista, tudo que fiz foi andar para trás — de costas, sem noção nenhuma de espaço —, acanhado e sem jeito, sempre olhando para o chão e mordiscando os lábios repetidas vezes.

Não fui rápido o bastante, porém. Estava tão perdido em mim mesmo e na bagunça que meus sentimentos se tornaram que mal percebi quando tropecei em um objeto não identificado e cambaleei para trás, prestes a desfalecer na grama gelada. O fantasma da noite no Jude's, contudo, reviveu assim que o mesmo episódio se repetiu, de modo curioso e intrigante.

O toque quente do domingo passado ainda tinha a mesma sutileza, o mesmo tato gentil. JK me segurava sem grandes empecilhos, o braço tatuado preso às minhas costas enquanto o outro puxava meu pulso, aplicando força o suficiente para me conferir algum equilíbrio. A mesma cena ressurgia entre nós, como um reprise bobo de filmes românticos, e eu me via, como da outra vez, derretendo nos seus braços da mesma maneira que amolecia sob influência dos seus olhos claros.

— Problemas com equilíbrio, Cinderela? — Todo meu corpo reagiu de forma ridiculamente instantânea, pulsando em nervosismo. Meu coração batia tão forte que doía, eu sequer conseguia encará-lo sem desviar para a caveira enorme na sua camiseta. Sua voz, diferente do aguardado, soava mansa, desprovida de raiva. — Você sempre cai por aí ou é só quando estou por perto?

Embora não estivesse bêbado, meu cérebro travou como se estivesse. Jungkook era pior que um entorpecente, nenhuma das minhas faculdades mentais funcionava devidamente perto dele, nem mesmo quando suas feições revelavam ausência de irritação.

— Eu... Bem, é que... — Várias frases em mente, nenhuma completa. O constrangimento esquentou meu rosto e tudo ficou ainda pior. — Ah, meu Deus... Me desculpa, eu não queria, digo.... Não queria espiar sua conversa, eu estava passando por aqui, f-foi pura coincidência, eu juro!

Jungkook olhou para mim, atento ao que eu dizia. Enquanto eu me embaraçava na frente dele, um sorriso charmoso repuxou seus lábios bonitos, evidenciando a pintinha logo abaixo da sua boca.

Eu só me lembro de ter demorado bons segundos ali — naquela manchinha de chocolate eternizada na sua pele — e pensar: "Ah, Deus, por quê?".

— Você deveria ver sua cara — ele disse, sem nem se preocupar em rir baixinho enquanto se afastava. A íris ligeiramente amarelada se comprimiu quando ele sorriu, dessa vez abertamente, exibindo os dentinhos protuberantes e roubando um pouco mais do que ainda restava do meu coração. — Parece até que exagerou na pimenta e acabou ficando todo vermelho. Adorável.

— Você... — Tentei digerir o elogio ao mesmo tempo em que me esforçava para expulsar a vergonha. Ajeitei-me em pé, abraçando meus próprios braços conforme levantava os olhos até ele, receoso. — Não está bravo comigo? Eu sei que fiz besteira, é só que... Juro! Estava de passagem e acabei escutando. Não foi por mal, eu não...

— Tudo bem, Polly. Acredito em você. — Antes que eu continuasse me atrapalhando em desculpas e mais desculpas, JK sorriu na minha direção, aproveitando esse meio tempo para prender o próprio cabelo em um rabo desleixado, usando um elástico amarrado ao seu pulso lotado de pulseiras metálicas. — Não é como se você tivesse escutado uma conversa sobre missões ultra secretas do FBI. Foi só uma briga tosca.

Mordi o lábio, internamente aliviado pelo fato de não ter sido repreendido pela intromissão. Hoseok estava certo, Jungkook era, de fato, um anjo.

— Mas... — murmurou, chegando perto e dando um pequeno peteleco na minha testa. Seu rosto ainda tinha rasos vestígios de tensão pela discussão. — Por favor, que isso fique entre nós, certo?

Hipnotizado nos seus olhos, maneei a cabeça positivamente, como um garotinho enfeitiçado.

— Certo.

— Não vai nas barracas comer? Pensei que faria minha abstinência de milkshake valer a pena — comentou despretensiosamente, sacando o celular do bolso para, provavelmente, checar o horário. Guardou o aparelho e voltou a me olhar. — É tudo por minha conta, pode comer à vontade.

— Eu não estou com muita fome... — confessei, brincando com meus próprios dedos ao lembrar de todos aqueles sorvetes, em seguida, da falta de apetite por causa de Kyuhyun.

— Ah, que pena. — Ambas suas sobrancelhas se ergueram. Jungkook riu, produzindo um estalo audível com a língua, depois coçou a nuca e mordeu o lábio, correndo com os olhos pelo meu rosto. — Na verdade, essa foi uma tentativa discreta de te chamar para dar uma volta, mas acabei de ser rejeitado indiretamente. Ouch.

Tudo congelou.

— Dar uma... volta? — Eu nem podia acreditar no que saía da minha boca. Não parecia palpável. — Tipo... Eu e você? Agora?

— É. — Ele soava entretido com a minha confusão. Colocou uma das mãos no bolso da calça e usou a livre para alojar uma das mechas soltas atrás da orelha, revelando as inúmeras joias prateadas ornamento a região. — Se você me conceder a oportunidade, no caso.

— Claro! Quer dizer... — Óbvio demais, Park Jimin. — Eu adoraria.

— Ótimo — disse, dando uma única piscada na minha direção. — Estar em companhia da realeza será uma honra.

Um sorriso espontâneo roubou meus lábios. O poder de tornar algo ruim em uma situação tão boa era só dele, do moço da pele de neve.

— Você também é um príncipe... — Ri, sentindo-me diversas vezes mais solto ao perceber que, no fim, Jungkook não era alguém que estava ali para condenar. Ele era bom demais para se reduzir a isso.

— Eu? Pensei que agora eu fosse o "hyung". — Brincou, começando a caminhar e me induzindo a fazer o mesmo. Permaneceu com as mãos no bolso, a cabeça inclinada para trás de modo que pudesse sentir a brisa que agora dançava entre nós.

— Mas você é, realmente, um hyung — justifiquei, sorrindo e me sentindo todo bobo pelo simples fato de estarmos conversando harmoniosamente. Quão tolo e facilmente manipulável eu era?

— Não temos tantos anos de diferença. Você tem dezoito, não tem? — Ergueu uma sobrancelha, esperando uma resposta afirmativa. Balancei a cabeça, assentindo. — Certo, são quatro anos... É uma quantia razoável, acho que o "hyung" é admissível, embora faça eu me sentir velho.

— Você não é velho, hyung. — Chamá-lo de hyung era meu novo vício.

— Correto. É você que ainda é um bebê. — E sorriu de novo, tirando a mão esquerda do bolso para bocejar contra as costas dela, sem me dar tempo de reagir ao fato de que estava me chamando de "bebê". — Não imaginei que viria.

— O quê? — Franzi o cenho, confuso. — Você se refere ao show do EVIL?

— Sim — respondeu, simplista, começando a explicar: — Da última vez que nos vimos, você usava uma camiseta da Ariana Grande e, claramente, não conhecia nenhuma das nossas músicas. Não foi difícil deduzir que não era do nosso público. — Bingo. Nós, decerto, não participávamos da mesma comunidade, bastava nos observar. — Costumo gravar os rostos de fãs, já que nossa banda tem fama localizada e regional. O fato de nunca ter te visto em lugares nos quais usualmente tocamos é bastante autoexplicativo.

— Me descobriu... — Ri baixinho, espremendo o rosto entre as minhas mãos com a constatação de que eu era quase como um peixinho fora d'água, desatualizado das tendências. — Gosto mais de pop, nunca tinha me arriscado no indie, nem no rock. Mas o EVIL é fantástico! Quer dizer, eu até baixei as músicas no celular, tudo mais...

Era estranho admitir aquilo em voz alta? Dizer, em alto e bom tom, que eu havia baixado suas canções para dançar no chuveiro e cantarolar usando uma escova de dente como microfone? Compartilhar meus gostos com alguém além de Chaeyoung e Taehyung ainda parecia tão... irreal.

— Mesmo? — Ergueu uma das sobrancelhas, soltando um riso fraco e nasal antes de sorrir. — Já tem uma preferida ou é cedo demais para te perguntar isso?

É claro que eu tinha. Não que fosse fácil escolher uma dentre todas as obras primas, mas ter passado uma semana inteira escutando as músicas disponíveis havia me levado a criar intimidade com o som e, consequentemente, pender para uma das faixas.

Heavy — respondi, torcendo para ter pronunciado corretamente. Minhas bochechas ardiam, mas no fundo, eu me sentia feliz em saber que ele se interessava pela minha preferência. — Aquela sobre o mundo estar pesado, sobre carregarmos os pesos nas nossas costas e...

— Pensarmos que tudo gira ao nosso redor — Jungkook completou e só então percebi que ele me encarava, intensa e fixamente, como se quisesse me desvendar. — É minha preferida também.

O calor no peito me arrepiou dos dedos do pé até o último fio de cabelo. Era um sentimento doce, muito doce. Tinha gosto de amor, juventude e poesia.

— É você quem compõe? — Resolvi perguntar, olhando-o de canto com as mãos em frente ao corpo.

— A esmagadora maioria, sim. Compomos em conjunto, mas temos nossos projetos separados e acabamos incorporando na banda. Heavy é minha, mas Red Fields, por exemplo, é do Hoseok — explicou calmamente, os fios vermelhos voando à frente dos seus olhos.

Agora passávamos pelo corredor de saída, enfeitado por luzes penduradas, todas coloridas, traçando um caminho luminoso e típico de festivais. Nunca na vida me ocorreu pensar na dor como algo bonito; minhas bochechas doloridas, porém, inocentaram-na pelos ternos sorrisos.

Isso me fez feliz.

Percebi a mim mesmo como deveras mais leve a cada segundo que passava, transformado pela sutileza da sua energia. A sensação era de poder me abrir e falar sobre o que me interessava sem medo de repressão. Soava novo, convidativo e estranhamente real.

— Gostei de todas, mas Heavy alcançou uma parte profunda em mim. Músicas assim são muito raras, então... ela se tornou minha preferida — admiti, tentando não pensar se soava bobo, guiado pelo conforto que nossa conversa me atribuía.

— Não sei encontrar um limite entre positivo e negativo sobre a sua escolha. — Com o rosto virado para as estrelas, fechou os olhos, respirando demoradamente. — É uma música bonita, mas ser sua favorita parece um pouco perigoso. A letra é bastante melancólica, no fim.

— Mas também é sua favorita, não é? — Relembrei, com o cenho franzido e um tanto perdido

Ele riu, discreto, virando para me dizer com um timbre morno e honesto:

— É exatamente por isso que acho perigoso.

Não falei uma única palavra; não havia nada a ser dito. Seus meios significados deixavam rastros de uma suposta solução, mas nada que me dispusesse respostas. Eram somente peças avulsas de um quebra-cabeça borrado, pistas ambíguas com destino impreciso. Curiosamente, não me incomodava, por isso nos acomodamos naquele silêncio agradável, caminhando tranquilamente sob lanterninhas penduradas.

No trajeto até as barracas, trocamos poucas palavras. JK não se mostrava muito falante, fazia constatações esporádicas e, vez ou outra, perguntava sobre a minha experiência no show. Eu gostava da forma como conseguíamos manter o equilíbrio ideal no decorrer do diálogo, sempre falando o bastante, sem escassez ou exageros. Sua companhia apresentava-se branda, embora indiscutivelmente marcante; Jungkook era — na mesma intensidade — elegante e devastador, como uma tempestade.

Estar com ele soava como tirar um tempo do mundo, correr das frustrações para me esconder no seu encalço; ele sempre carregava aquela expressão fascinante de quem detém os próprios rumos, de quem se agrega e se basta, com a simplicidade de uma autossuficiência que não esvaece, mas persiste. Era atraente, porque Jungkook pertencia a si mesmo, e seu pertencimento deslumbrava. Naquele instante, desejei ser como ele, mas no ato de aspirar, desvirtuei: quis ser dele, meramente dele, sem caprichos ou demais pretensões.

Simples assim. Pura e estritamente.

Alguns minutos caminhando nos fizeram chegar à parte agitada do festival, com música, vozes, comida e muvuca. Pessoas mais jovens constantemente o cumprimentavam, recebidas com sorrisos e muitos agradecimentos. Acabamos nem pegando fila, JK — mais cedo naquele dia — havia reservado uma tigela de lámen e bastou trocar algumas palavra com um rapaz na barraca para que seu pedido fosse entregue.

— Tem certeza de que não quer comer? — perguntou, segurando a tigela nas duas mãos enquanto assoprava a comida.

Dei risada da careta que fez ao tocar a língua no macarrão quente, mas logo respondi:

— Tenho. Estou cheio, por hoje.

— Se quiser algo que não tem nas nossas barracas, fique à vontade para pedir. Eu pago. — Um príncipe, de fato.

— Não estou com fome, hyung, mas obrigado. — Sorri, sem jeito, sentindo o coração saltar.

JK murmurou algo em concordância, olhando ao redor como se buscasse alguma coisa. Continuou soprando o conteúdo na tigela, estreitando as sobrancelhas.

— Está lotado — constatou, por fim. Prendeu o lábio nos dentes ao passo que adquiria uma expressão pensativa. — Acho que vamos comer na grama.

Segui seus olhos e tive a confirmação de que não havia espaço livre para uma refeição adequada. Todas as mesas se encontravam ocupadas, bem como os bancos dispostos ao redor da praça. Na busca de algum norte, olhei para Jungkook, que ainda parecia pensar.

— Certo — concluiu, colocando os hashis (ainda embrulhados) no bolso, segurando a tigela em uma única mão. — Já sei para onde podemos ir.

No segundo seguinte, seus dedos desenharam-se ao redor do meu pulso naquele calor característico. Por impulso, olhei para nossas peles unidas e me permiti, apenas naqueles céleres segundos, sentir que nada importava, que éramos começo, meio e fim. Dentro da fugacidade que levou para me puxar até a colina mais próxima, fomos a totalidade; só nós dois, a lua e uma tigela simpática de lámen.

Longe da multidão e situados no alto relevo de uma colina, as estrelas nos pareceram mais próximas. Abaixo, no horizonte escuro da noite, o meio urbano brilhava distante, quase adormecido, separado da arena do festival por generosos quilômetros verdes.

JK foi o primeiro a sentar no gramado, podando nosso contato assim que chegamos no vértice da parábola. Copiando-o, sentei-me logo na sequência, ainda em silêncio.

— Isso é bom. — Repentinamente, a voz grave soou ao meu lado. Encarei-o por instinto, sendo inevitavelmente atingido por ondas de calafrios quando os olhos bonitos me laçaram.

— Isso...? — Não completei a frase, as palavras morreram quando JK trouxe a primeira leva de comida à boca.

— Hm — resmungou, terminando de engolir. — Não o lámen. Quer dizer, ele também está bom, mas me refiro a você.

— Eu? — Toquei meu tórax, surpreso. — O-O que tem eu?

— Sua postura. — Apontou os hashis para mim, sorrindo. O vento suave bagunçou suas mechas frontais, deixando-o ainda mais encantador. — Está mais relaxada do que quando me viu no ensaio. Você parecia apavorado, pensei que quisesse se esconder quando mencionei que a capa da guitarra era minha.

Oh... Aquilo...

— Ah, bem... — Eu estava encurralado. Não havia formas adequadas de explicar logicamente o porquê do meu espanto, tampouco a razão para tê-lo recebido como recebi. — Eu sou, hã... um pouco tímido, sabe? A-Acho que foi por isso.

— Faz sentido. — Vitória. Consegui me esgueirar sem mentir e, ao mesmo tempo, sem contar toda a verdade. Jungkook ainda me encarava, eventualmente comendo seu lámen fumegante. — Tive uma prévia distorcida da sua personalidade quando estava bêbado, talvez por isso não tenha notado a "timidez". Você não parecia nada tímido naquela noite. — Ergueu uma sobrancelha, sedutoramente desafiador. Meu coração parou imediatamente, o ar travando na garganta. É interessante, na verdade, ver quão diferente você age em ambos seus estados.

Abri a boca três ou quatro vezes, mas nada saiu. Fechei os olhos apenas por tempo suficiente para que as lembranças das minhas investidas vergonhosas voltassem à mente, queimando meu rosto e me fazendo olhar para o chão.

— Eu fui muito descarado, me desculpa... — pedi em uma voz quase inaudível, sentindo as pernas inquietas pela ansiedade. — Não costumo fazer essas coisas, é que...

— Então foi só comigo? — Bingo. O típico sorriso cafajeste pintou os lábios profanos, alguns fios do seu cabelo soltando-se do amarro à medida em que a brisa os atingia. — Bom saber.

Fatality.

Aquela era minha sentença. Au Revoir, Jimin.

— Eu, hã, não! Quer dizer, sim... Na verdade...

— Fofo. — Sua risada coloriu todo o espaço entre nós enquanto ele piscava na minha direção. — Não precisa se explicar. Estou brincando, Cindy.

Cindy?

Aquilo era...?

— Abreviação de Cinderela, antes que pergunte. — JK foi mais rápido do que meu raciocínio debilitado pela vergonha. — É mais bonito e fácil de falar.

Acostumar-me à sua oscilação entre facetas não era opção; era urgência. Ora estava envolto por tranquilidade e gentileza, ameno; no milésimo imediatamente posterior — mais ágil do que meus olhos e coração podiam acompanhar —, transformava-se naquele fenômeno sorrateiramente destrutivo, que tão bem manuseava minhas sensações e se divertia discretamente com meu desaire.

O que eu deveria fazer com os cacos em que ele me deixava?

Ficamos em silêncio por um tempo, Jungkook dedicou os minutos seguintes para terminar de comer enquanto eu tentava me livrar do nervosismo olhando para o céu. A abundância de estrelas nas noites em Samanda sempre me tirava o fôlego; os pontos cintilantes na vastidão negrume deixavam a cidade com uma atmosfera etérea e nostálgica, presa às décadas em que os homens não acinzentavam o mundo. Tudo ali ainda soava muito imaculado, à margem das destruições.

Era uma bela cidade, talvez por isso não me sentisse parte dela.

— É bonito, não é? — Minha reflexão desfarelou no som da sua voz macia, atraindo minha atenção. Com a tigela vazia, posta sobre a grama, Jungkook olhava para o céu, esticando o braço esquerdo na direção dos pontos luminosos. — Me disseram que apontar para estrelas causa verrugas nos dedos. Passei minha infância inteira com medo.

Olhei para ele e não consegui evitar sorrir, achando graça no seu relato.

— Você não parece mais temer, hyung — comentei, voltando a atenção para o céu estrelado, sem nunca parar de sorrir.

— Por incrível que pareça, ainda confiro as pontinhas dos dedos sempre que aponto para ter certeza de que não há nenhuma. — E ele riu, bonito e leve, fingindo pegar um estrela. — Vinte e dois anos nas costas e eu ainda me sinto uma criança quando olho para o céu.

Estiquei ambos os braços, fazendo como ele e fingindo capturá-las.

— Acho que eu me sinto igual — respondi, a boca vergonhosamente aberta enquanto eu olhava para cima. Trouxe as mãos para perto, abrindo-as no meu colo e, previsivelmente, não achando nenhuma estrela. — Mas era melhor quando eu ainda conseguia imaginar que tinha pegado.

— Isso é trágico. — Puxou o braço de volta, pousando-o no próprio colo. — Trágico e real.

Instintivamente, olhei para suas tatuagens. Eram muitas, todas no braço esquerdo e coloridas com vermelho. As que mais me chamaram atenção, sem dúvidas, foram as rosas serpenteadas em uma adaga; tinham uma pigmentação escura, como sangue venoso, com traços extremamente sutis e bem trabalhados.

— Suas tatuagens... — Apontei timidamente, mordendo o lábio. — São muito bonitas. Devem ter doído.

JK virou o rosto até mim, encarando o próprio braço na sequência.

— Ah, isso? — Ergueu a sobrancelha, quase como se tivesse se esquecido de que tinha aqueles desenhos ali. — A dor é mínima, ao menos nessa área. Está pensando em fazer uma?

— Eu? Ah, não, me disseram que não combino com essas coisas... — Kyuhyun dissera que eu não combinava.

Jungkook franziu o cenho, tocando o próprio lábio em pura surpresa.

— Uau, que pecado. — Arregalou levemente os olhos, soltando ar pelo nariz em uma risada fraca. — Dizer algo desse tipo para alguém como você deveria ser crime.

Meu coração falhou.

— Alguém como eu...? — Abri parcialmente a boca, os olhos brilhando numa ansiedade tangível.

— É — respondeu, simples, com a naturalidade e confiança de quem diz "bom dia". A íris de mel me encontrou, então ele flexionou os joelhos, apoiando o braço ali e o rosto na mão, olhando-me fixamente. Jungkook sorriu, caótico, sublime e provocante, lambendo os lábios como se soubesse exatamente o que causava. — Alguém como você, que quase me faz esquecer que tem namorado.

Lá se despedia meu único neurônio de resistência ao seu glamour.

— Mas... — JK prosseguiu, deitando o rosto no próprio joelho dobrado. — A vida tem dessas, não é? Garotos bonitos com namorados idiotas. Por fim, riu baixinho, fechando os olhos. Azar o meu.

Naquele instante, vi a mim mesmo dividido entre dois sentimentos conflitantes que esgoelavam estridentemente na minha cabeça. A parte dominante estava imersa em JK, nos seus dizeres ambíguos e discretamente sedutores que, de modo muito sutil, atiçavam meus desejos proibidos e expectativas arriscadas. Em contrapartida, a voz de Kyuhyun perambulava ao fundo, reforçando o caráter desonesto do que eu sentia, o quão errado e egoísta eram aqueles sentimentos crescentes por alguém que eu havia acabado de conhecer.

Meu namoro ainda existia, eu permanecia ligado a um relacionamento corrosivo e mesmo assim desejei estar com JK, como se Kyuhyun sequer houvesse cruzado meu caminho. Era errado, eu sabia que sim, mas me nublar em quimeras soava muito mais atraente do que encarar a realidade. Aquele, por fim, era o pecado mais soberbo da minha essência humana: o medo e a covardia.

Quando finalmente me vi apto a dizer alguma coisa, fui impedido pelo som repentino do que parecia ser seu toque de celular. Surpreso, Jungkook pegou o aparelho no próprio bolso, encarando a tela antes de finalmente atender.

— Fala — disse para a pessoa do outro lado da linha, endireitando a coluna enquanto eu me encolhia ao lado, engolindo minhas próprias palavras. — Já? Estou perto das barracas. Meu carro está estacionado bem longe, talvez eu demore um pouco, mas sei o caminho. Certo, até.

JK não precisou dizer nada; eu sabia que ele precisava ir. Já era tarde, sua guitarra não o acompanhava e aquilo foi o suficiente para que eu soubesse que ele tinha coisas a fazer antes de abandonar a arena.

— Namjoon precisa de ajuda com alguns equipamentos, eles já estão indo — disse-me assim que colocou o celular no bolso, fazendo menção de se levantar. — Acho que já deu minha hora, Polly.

Em um suspiro pesado e com o coração palpitando dolorosamente, concordei com a cabeça, levantando junto dele para me despedir devidamente. Diferente das outras vezes, no entanto, o sentimento não era de todo ruim, havia aquele sabor suave de realização pelo simples fato de termos aproveitado um tempo juntos, mesmo quando jurei — no domingo anterior — nunca mais ter oportunidade de admirá-lo novamente. Eu estava feliz, embora não quisesse vê-lo partir. A mera oportunidade de estar ao seu lado me enchia de satisfação, uma fatura densa de alegria por simplesmente me perder na sua graça e — ainda que só por uma noite — saborear sua doçura celeste de verão.

— Obrigado pela companhia, hyung. — Não consegui fazer nada além de sorrir na sua direção, honestamente agradecido por podermos estar ali, vivendo na mesma linha temporal. — E... perdão pela intromissão mais cedo.

— Foi uma honra. — Sorriu em resposta, curvando-se como um cavalheiro da mesma forma que fizera na noite em que nos conhecemos. Quando levantou o corpo, tombou a cabeça para o lado e ergueu a sobrancelha esquerda. — Aliás... tenho um pedido, Vossa Alteza.

Prendi a respiração.

— O quê?

— O EVIL sempre faz shows pela cidade. — Aproximou o corpo alto, segurando a tigela em uma das mãos. — Tenho certeza de que Taehyung vai te deixar saber quando nos apresentarmos de novo.

— Isso...

— É um convite. — Strike. Já próximo o suficiente para que meu autocontrole estivesse em xeque, JK tocou a ponta do meu nariz com seus dedos pálidos, apertando-a gentilmente antes de se afastar.

— Então...?

— Estou dizendo que quero te ver de novo, mas... — Pressionou o indicador no próprio lábio, inclinando-se até que sua respiração tocasse minha orelha à medida em que ria traiçoeiramente. — Não conte isso ao seu namorado, hm? Ele pode ficar com ciúmes.

Afastando-se lentamente e me deixando à mercê dos seus encantos, estático como pedra, Jungkook sorriu. Naquele instante, as estrelas sentiram inveja, e as galáxias desejaram ser tão bonitas quanto ele. Os astros se ajoelharam e, desse modo, por um segundo — apenas um segundo — o mundo todo foi sobre JK; apenas ele, mais ninguém.

— Até mais, Cindy. — Virou as costas, acenando com a mão adornada por diversos anéis. — Pense melhor sobre a tatuagem. Ficaria uma graça.

E tão cedo como surgiu, simplesmente se foi, sob mesma despedida rasa e dizeres dúbios. Arrastava, também, o que sobrara do meu coração, sem prazos de devolução ou indícios de que um dia me pertenceu.

Vi-me em pedaços.

Vendo-o desaparecer colina abaixo, uma música familiar, com teor de infância, começou a soar das caixas na praça de alimentação. O som era distante, mas seu início marcante não me escapara quando vi JK esmaecer completamente por entre a multidão, como o rastro de uma paixão perdida. No timing perfeito, "So This Is Love", de Cinderela, dançou por entre o espaço que nos separava e eu só pude sentir como se o mundo estivesse me abraçando, compadecido do meu pesar. O título da princesa em questão nunca me pareceu tão justo; naquela canção, sob a mesma lua, eu e Cinderela nos encontramos na mesma descoberta maravilhosa de um sentimento estimado.

Era uma coincidência agradável, embora melancólica. Os versos me lembravam Jungkook, e Jungkook me lembrava amor. Amor me lembrava o nome de Kyuhyun na minha lista de contatos, e Kyuhyun me lembrava prisão. A cadeia de correlações começava doce, mas terminava na amargura do real. No fim da noite, não existiam feitiços ou fadas madrinhas; havia eu, meu namoro falido e o fantasma do toque de JK, perdurando na ponta do meu nariz.

Nesse sentido, eu estava longe, muito longe de ser Cinderela.

***

— Jimin! Onde você estava? — Aquela foi a primeira coisa que ouvi Taehyung dizer no intervalo de uma hora em que estivemos afastados. — Pensei que tivesse ido embora!

A cabeleira cinza refletia na luz dos postes enquanto ele corria até mim, ofegante, soando estranhamente assustado com alguma coisa. Havíamos feito uma ligação alguns minutos antes, eu tinha dito que estava pronto para ir embora e combinamos de nos encontrar ali, na calçada frente ao estacionamento do festival.

— Embora? Por quê? Falei que estava vindo. — Franzi o cenho, confuso, tocando-o no ombro assim que chegou até mim. — Estava um pouco longe da saída, por isso demorei.

Taehyung suspirou, aliviado, apoiando-se nos próprios joelhos antes de me olhar, a íris escura brilhando de preocupação.

— Promete que não vai surtar se eu disser? Você provavelmente não checou seu celular. — Sua fala foi o bastante para meu corpo inteiro tensionar.

— Diz — pedi, fechando os olhos e mordendo o lábio por, no fundo, saber o que ele diria.

— Kyuhyun me mandou umas cinquenta mensagens. Ele perguntou onde você está e disse que não consegue falar contigo. Eu pensei que... — Parou, respirando fundo. — Pensei que você tivesse atendido e que estivessem indo embora juntos.

Merda.

— Jimin, calma! — Antes que eu pegasse meu celular, abatido pela sobrecarga absurda de ansiedade que me atingiu, Taehyung segurou meus pulsos, assustado, olhando-me no fundo dos olhos com a experiência de quem já havia presenciado aquilo mais vezes do que era possível contar. — Eu disse pra ele que seu celular estava sem sinal, que você poderia ligá-lo assim que possível. Não atenda e não responda, ele vai saber que eu menti e vai querer te buscar, você sabe.

Eu sabia, por isso estava tremendo.

Kyuhyun e eu não nos falávamos direito desde a noite do Jude's, ele ainda parecia irritado com a briga e tinha dito que precisava dar um "tempo" de mim e da minha inconsequência aguda. Mencionei — nas nossas poucas conversas — que iria ao festival com Taehyung, mas ele estava rancoroso demais para se importar; disse que sairia com os amigos e que eu poderia ser o "irresponsável de sempre" bem longe dos seus sentidos.

Subitamente, porém, ele parecia se importar; sua mudança repentina em relação a mim, aliás, não era nenhuma surpresa. Seus atos costumavam seguir aquela linha: dias de indiferença e, de repente, preocupação exacerbada referente ao que eu andava fazendo longe da sua supervisão; ele bombardeava minhas mensagens e ligava insistentemente como se nunca tivesse me ignorado durante todos os outros dias. Nas chamadas, diria que estava com saudades e me faria cair, novamente, no seu discurso mentiroso de amor, voltando a me "tratar bem" por algum tempo, até que tudo se repetisse outra vez e me desmontasse como usual.

— Ele não vai encher o saco se você continuar fingindo que está sem sinal. Ah, e... — Taehyung continuou segurando meus pulsos, deslizando até minhas mãos em carícias gentis. — Nós ainda não vamos voltar para casa. Eu tenho outros planos.

Apertei os lábios inquietamente, tentando não pensar que, naquele mesmo instante, o aplicativo de mensagens estaria apitando incessantemente se meu celular não estivesse no silencioso. Kyuhyun lotaria nosso chat até receber uma resposta.

— Você não precisa me acompanhar se não quiser, mas acho que vai curtir a ideia — Taehyung disse antes que eu começasse a hesitar. — Lembra do Hoseok?

Concordei com a cabeça.

— Esbarrei nele quando fui comer. Nós conversamos por um tempo e o bonito acabou deixando escapar que vai rolar uma festa na mansão dele, em frente à praia! — contou animadamente, olhando para os lados como se quisesse confirmar que ninguém (além de nós dois) estava escutando. — Ele disse pra não espalhar, porque uma galera que o EVIL não curte estava pensando em colar e tudo mais. Aparentemente, é comemoração do aniversário do JK e algumas pessoas da Uni vão aparecer também.

Aniversário do JK.

Foi, literalmente, tudo que meus ouvidos filtraram.

— Espera, mas... ele nos convidou? Quer dizer, me convidou? — Referi-me a Hoseok, uma vez que não éramos próximos. — Não sei, Tae... Você sabe como eu me sinto com isso e...

— Calma, soulsoul! Você acha que eu te levaria a um lugar para o qual não foi chamado? — insistiu, firme. — Conversei com Hoseok e ele concordou. Sei que não gosta de festas, mas, aparentemente, seu príncipe encantado estará por lá. Pensei que isso seria o bastante para te deixar interessado.

Saber da presença de JK, obviamente, era o bastante para me deixar interessado, entretanto, festas — de modo geral — tangenciavam um tópico delicado: bebida. Minha tendência ao exagero não se limitava unicamente às saídas com Kyuhyun — ainda que fosse mais acentuadas na presença dele —, tendo como base minhas habilidades comunicativas praticamente nulas e a incapacidade de me enturmar sem que meu sangue estivesse recheado de álcool. Eu não tinha amigos, tampouco mecanismos para fazê-los, o que sempre me levaria a grudar em Taehyung como uma criança perdida e destruir qualquer chance de uma boa experiência.

— Você sabe como sou, não quero ser um fardo — respondi, centrado em não transparecer angústia. — Eu queria muito ir, mas... — Sabia que minha ansiedade estragaria tudo. — Acho que acabaria deslocado.

Taehyung descansou os ombros, apertando os lábios enquanto me olhava. Eu sabia o quanto ele se esforçava para me fazer aproveitar, a quantidade de dedicação que depositava em me levar para seus passeios só para me tirar um pouco do clima pesado da monotonia. Toda vez que recusava um pedido seu, eu me sentia tremendamente ingrato, mesmo que, lá dentro, a sensação fosse de estar lhe fazendo um favor.

— Jimin, você está pensando naquelas coisas de novo, não está? — Mas Taehyung me conhecia bem, bem demais para simplesmente fingir que não sabia o que acontecia na minha cabeça naquele instante. Suas mãos ainda seguravam as minhas quando ele sorriu, gentil como costumava ser. — Eu juro pelos meus irmãozinhos que você não vai me atrapalhar. Sabe que faço isso não só por ti, mas por mim. Você é meu melhor amigo, poxa... Gosto de estar contigo, não me importo de ter que ficar o tempo todo ao seu lado. Se você quer ir, se realmente sente que deve, não deixe de lado por conta de alguma paranoia que, daqui algumas horas, fará você se arrepender de ter recusado.

Bingo. Somando mais uma às suas inúmeras vitórias preexistentes, Taehyung acabava de me arrancar mais um "sim". Gratidão foi o único sentimento que me preencheu quando exibi os dentes em um sorriso grandioso e eternamente devoto por tê-lo ao meu lado para dizer tudo que eu precisava ouvir. Embora minha vida fosse repleta de arrependimentos, nossa amizade era ponto cego do meu campo de derrota; suas palavras me fizeram repensar a decisão e, considerando o conforto que agora sentia por estarmos juntos, fiquei mais atraído pela ideia de ir à festa.

Eu não tinha muito a perder, tinha?

Aceitei o convite sem muito reclamar; Taehyung me agradeceu com afagos, beijinhos na testa e a declaração de que seria ele a pagar o Uber daquela vez. Não havia sido necessário checar o endereço que Hoseok supostamente enviara por mensagem, a casa estava situada na área nobre e ficava frente à praia, disposta à admiração em razão dos muros altos e chamativos. Segundo Taehyung, tratava-se de uma construção conhecida, tendo em vista a fortuna da família Jung e seus negócios admiráveis no âmbito alimentício. Em Samanda, as festas de Hoseok eram conhecidas por todo lado e sua figura por si só emitia o símbolo de popularidade.

Mais uma vez, eu era o peixe fora d'água que sequer o conhecia antes de vê-lo no Jude's.

No caminho relativamente longo até a mansão, Taehyung e eu pudemos conversar melhor sobre muitas coisas, incluindo sua relação com o EVIL. O contato com eles havia começado alguns meses antes, quando passaram a se tornar massivamente requisitados nos bares e casas de shows. Demorou para que pudesse sequer conversar com alguns dos membros; a agenda era apertada e não havia espaço para novos eventos, dada a fama recém emergida da banda. A chance de Taehyung apenas eclodiu, portanto, quando o Berlim — casa de show na zona sul de Samanda — cancelou uma das apresentações do EVIL por problemas técnicos, provocando uma lacuna na programação mensal e, consequentemente, dando abertura para encaixe de outro local.

Seu primeiro contato foi Yoongi, com que trocara algumas mensagens para acertar os detalhes do show. Quando as partes burocráticas se viram devidamente resolvidas, teve suas primeiras reuniões com o restante dos membros, além de acesso aos ensaios para certificar-se de que tudo estaria em ordem. Esses encontros, assim sendo, estreitaram seus laços com eles, uma vez que todos se mostravam incrivelmente receptivos — com exceção de Yoongi, reservado e pouco amistoso —, resultando em uma relação profissional e simultaneamente amigável. Hoseok era o mais falante e o mais galanteador; flertava com Taehyung a todo instante e estava certo de que ganharia um beijo, mesmo recebendo botas constantes do meu amigo que, naquele momento, admitia seu interesse secreto no guitarrista.

— Ele é gato pra caralho, acha que não sei disso? — Revirou os olhos, rindo. — Mas garotos como Hoseok pulam de pessoa em pessoa como se trocassem de roupa. Não que me incomode, é claro, mas não quero ser apenas mais um. Sei que, no primeiro beijo, eu já estaria marcando nosso casamento e, pra ele, eu seria o quinto da noite.

Dei risada da sua explicação, achando graça em como ele falava sobre seus apegos de forma tão natural.

— Não sei, ele parecia bastante determinado em te ganhar, Tae. — Dei de ombros, sorrindo. — Aliás, ele não parava de te olhar durante o ensaio. Tenho certeza de que estava tentando te impressionar.

— Nem vem, danado. Acha que não vi o aniversariante, vulgo Senhor-Mechas-Sedosas, te devorando com os olhos lá de cima? Faltou te engolir naquela boca gostosa enquanto cantava que nem a porra de um anjo caído. — No fim da sua frase, eu já estava tendo um ataque de riso, que mais se assemelhava a uma crise de nervoso do que qualquer outra coisa.

Jeon Jungkook? Olhando para mim? Apenas nos sonhos mais levianos.

— Não sonha, doidão. — Mostrei a língua e logo me ajeitei no banco do Uber, sem nunca parar de rir. — Nem aqui, nem em Nárnia.

— Ah, tá. Você é tonto ou se faz? — Ergueu uma sobrancelha e, de brincadeira, beliscou minha perna.

— Au! Isso dói!

— Não tanto quanto dói saber que você ainda não pegou o número do JK.

— Pra quê? Eu não tenho nenhuma razão pra pedir. — Suspirei, acanhado. — Nós só nos falamos algumas vezes e ele já sabe que tenho namorado...

— E o que tem? Isso não te impede de conhecê-lo melhor — respondeu, simplista.

— Não sei, ele me deixa... nervoso. — O rosto bonito esboçou-se na minha mente e eu instantaneamente me encolhi, ansioso. — Não consigo pedir algo assim sem estar completamente bêbado.

— Bem, se tudo der errado, eu convenço Hoseok de passar o número dele — concluiu, já recebendo um beliscão em troca. — Au!

— Dói, né? — Ergui a sobrancelha e ri, decidindo comigo mesmo que aquele não era um bom momento para falar sobre Jungkook ou sobre a possibilidade distante de conseguir seu número. — O que importa é que você vai ver seu futuro namorado.

— Quem me dera... — Soltou um bufo irritado conforme cruzava os braços. — Ele deve estar ocupado demais colocando aquela língua bonita na boca de alguém.

— E você parece incomodado demais para quem deu uma bota nele mais cedo. — Ousei, fazendo bico.

— Vai esfregar na minha cara, soulsoul? É esse tipo de amigo no qual você se tornou? — Dramaticamente, fingiu sofrer enquanto se jogava no meu colo, chorando de mentirinha.

As risadas foram tantas que nem sequer percebemos quando o carro estacionou. Mesmo dentro do veículo e com todas as janelas fechadas, a vibração pelo excesso de volume na mansão ao lado era certamente vigorosa. Pelo vidro, pude ver a estrutura exageradamente grandiosa, de luxo extrapolado e imponência proposital se erguendo como um palácio frente às pedras que tracejavam o caminho até o portão, vigiado por dois jovens altos com roupas de grife. Dentro dos enormes muros de concreto, algumas palmeiras sobressaíam junto às luzes rotatórias que se embaralhavam em uma bagunça azul, verde e roxa. A festa estava agitada, foi a constatação que tive ao, acompanhado de Taehyung, sair do Uber e caminhar até a entrada gigante.

Taehyung não precisou de nada além de um simples cumprimento para entrar na festa, os rapazes no portão o conheciam e imediatamente deixaram que entrasse, arrastando-me mansão adentro. Sem questionar sua popularidade ou sequer as amizades cujas existências — até então — me eram desconhecidas, agarrei sua mão à medida em que passávamos por aquele jardim imenso e ridiculamente cinematográfico, como aqueles em que Alice correu na busca pelo coelho branco. Distribuídas em grupos pela grama, muitas pessoas seguravam alguma bebida, conversando ou dançando por entre as luzes que iluminavam a vastidão daquele quintal — ou jardim, eu já não saberia como chamar.

— Eu não sabia que ele era tão rico assim — comentei alto o suficiente para que Taehyung me ouvisse, dado o som estrondoso.

Olhando para trás enquanto continuava abrindo passagem entre as pessoas, ele sorriu.

— Hoseok é podre de rico. Ouvi dizer que os pais dele quase não ficam em casa, por isso as festas constantes — respondeu, guiando-nos ao interior da casa, rodeada por paredes brancas com grandes janelas de vidro. — Ele disse que estaria na sala, vamos procurá-lo e depois tomar alguma coisa.

Pouco depois, estávamos no que parecia ser o primeiro andar daquele palácio, uma sala moderna e gigante com três sofás enormes em semicírculo. Na mesa de centro, algumas pessoas jogavam baralho, sentadas no chão enquanto uma outra parcela se divida pelos espaços do recinto, dançando, conversando, falando ao celular ou bebendo.

Festas pareciam um universo muito à parte da minha adolescência, mesmo que houvesse frequentado boa parte delas durante meu ensino médio. Nunca tive muitas razões para comparecer, sempre acabava sentado, bebendo suco ou mexendo no celular, mas insistia em estar presente para, quem sabe, suprir a solidão que me acompanhou meio ao processo de escolarização. Ainda que não tivesse amigos, estudei com as mesmas pessoas durante toda a vida, o que me deixava minimamente confortável em aparecer nos bailes e comemorações, mesmo que apenas para ficar sozinho; partindo disso, nunca tive uma vivência digna em festas, frequentei-as como refúgio para algo que sempre me achava e, no fim, não obtive nada além de horas perdidas e uma timidez excessiva para lugares que envolvessem pessoas estranhas.

Estar em um evento na casa de alguém que conhecia há algumas horas soaria insano em outras condições, mas a companhia de Taehyung e a possibilidade de ver Jungkook foram fatores chefes na tarefa de tornar a ida suportável.

— Tae! Grande amor de toda minha vida sofrida! — O som era alto, mas o timbre inconfundível de Hoseok facilmente nos achou quando seu sorriso iluminou o caminho até nós. — Sabia que viria, docinho de coco.

Hoseok vestia uma roupa diferente da que usava no show, levando-me a questionar como tinha cuidado de voltar para casa tão rápido, organizar a festa e ainda trocar de vestimenta.

— De novo essa ladainha de homem romântico? Me poupa, Hobinho. — Taehyung deu risada, beijando-o na bochecha para cumprimentá-lo. — Trouxe o Jimin, ele é meio tímido, então seja receptivo com meu bebê, hein?

— Que bom que veio, Jimin! Assim você curte a festa e ainda convence seu amigo de trocar umas bitocas comigo. — Hoseok piscou na minha direção e logo se inclinou para me dar um beijo na bochecha. — Estão com fome? Com sede?

— Com sede, sim. Vinho pra mim e água pro Jimin. — Taehyung pontuou antes que eu falasse.

— Por que água? — Juntei as sobrancelhas, confuso.

— Porque eu sei que você se empolga mais do que deveria com um pouquinho de álcool — advertiu e logo voltou a olhar para Hoseok. — E aí, lindão, vai nos trazer algo ou você tem garçons?

— Muito engraçado, bebê, mas eu mesmo cuido da festa. Os rapazes da limpeza só visitam a casa de quinta-feira. — Sorriu, apontando com a cabeça para outra direção e sugerindo que o seguíssemos. — Fico a maior parte do tempo sozinho, então não tem muita sujeira e me viro bem. Os funcionários só vêm para fazer manutenção da piscina e dos aposentos dos meus pais.

— Uau, ele tem piscina. — Taehyung debochou, brincalhão, segurando minha mão enquanto andávamos para outro cômodo. — O nosso aniversariante já chegou?

— Jungkook? Não sei. Ele sempre aparece atrasado pra literalmente qualquer rolê. — Gargalhou e eu logo mordi o lábio, desgostoso pela ansiedade proeminente de vê-lo outra vez. — Deve ser porque ele detesta aglomeração, ou porque está sempre tranquilo demais para dar uma foda às festas. Ele já perdeu uns três aniversários porque esqueceu a data e acabou dormindo.

— Então... não é certeza que ele vem? — Taehyung pareceu saber no que eu pensava e verbalizou meu questionamento. Chegamos na cozinha assim que ele finalizou a pergunta.

— Por quê? Quer ficar com ele e não comigo? — Hoseok questionou, claramente em tom de brincadeira. Abriu a geladeira luxuosa e, de lá, tirou uma garrafa d'água. — Não tenho certeza se ele vem, fiz a festa como comemoração do festival e, de quebra, do aniversário dele, mas Jungkook não liga muito pra essa data e não sei bem se ele vai fazer questão de vir. Ele é... imprevisível? Acho que essa é a palavra. Nunca sabemos quando ele vai aparecer ou não.

Foi como balde de água fria, mas tentei não demonstrar o desânimo pela notícia. Eu também estava ali por Taehyung, pela nossa amizade, e ainda que Jungkook fosse uma das motivações pelas quais me inseri em um ambiente como aquele, não era justo marcar presença única e exclusivamente por conta dele. A possibilidade de que não viesse me fazia perder grande porção da vontade de estar ali, mas eu não desistiria de permanecer porque sabia o quanto Taehyung merecia se divertir. Eu não estragaria tudo sendo egoísta e infantil, ficaria até que ele decidisse partir.

Em alguns minutos, Hoseok entregou nossas respectivas bebidas e fez questão de nos acompanhar até a sala de jogos, onde um bocado de gente jogava sinuca, PlayStation e outras inúmeras coisas. Era um lugar relativamente escuro e fechado, com música própria e pessoas dançando em uma pista mediana no canto esquerdo da sala. Sentamos em um dos sofás com estofado roxo e permanecemos ali, conversando, com Taehyung bebericando em uma taça de vinho, Hoseok bebendo suco e eu dedilhando a embalagem de uma garrafa d'água.

Não foi ruim; quer dizer, eu estava entre duas pessoas notoriamente extrovertidas, não testemunhava silêncios constrangedores e tampouco carecia de assuntos. Hoseok, embora mal me conhecesse, agia como se nos falássemos há décadas e isso facilitou profundamente a minha vida; pude me comunicar sem aquele frio chato no pé da barriga, agraciado pela sua simpatia e pela compreensão acerca da minha timidez. Taehyung e ele nunca me deixavam de fora, sempre me incluíam na conversa quando percebiam meu silêncio, perguntando coisas bobas ou contando piadas bestas apenas para me introduzir no diálogo.

Aquilo me fez bem, um bem danado, de sorrir, gargalhar e tudo mais. Era gostosa a sensação de me sentir especial, ou simplesmente notado, não apenas uma estatueta inconveniente que vivia à sombra de Taehyung. Coisas pequeninas como essas eram pelas quais ainda valia a pena sair, no fim. Para pessoas como eu — sempre escondidas nas próprias lamúrias — diálogos curtos e simples atos de inclusão faziam toda a diferença.

O sentimento não durou tanto, porém. O grau de facilidade com que um cérebro ansioso distorce bons momento é elevado, mesmo sob o uso de ansiolíticos. Meu tratamento era recente, sem auxílio de terapia, e ainda havia ele... Kyuhyun. A distração das conversas não era intensa o bastante para me impedir de pensar nele ou na magnitude da raiva que eu enfrentaria por não o responder. Como uma vidraça bonita que se quebra na hostilidade de um ataque, desmantelou-se a alegria instaurada pelos rasos instantes de conversação, apesar de nenhum espanto na sua degradação precoce.

Corriam os ponteiros no relógio personalizado preso à parede, Taehyung e Hoseok pareciam cada vez mais próximos e o rock de garagem — tocando ao fundo — soava abafado e remoto. O sentimento de intrusão me apertava mais e mais a cada convite de dança vocalizado por Hoseok, que insistia em levar meu amigo até a pista. De algum jeito, eu sabia que as recusas de Taehyung se originavam em mim, na percepção de fragilidade que tinha sobre minha personalidade e no medo de me deixar sozinho. Senti-me como a ervilha no colchão da princesa, como grão de arroz na sola de um sapato. Olhei para a cabeleira cinzenta da figura ao meu lado e supliquei para que aceitasse o convite e que não se prendesse a mim ou àquela obrigação tosca de ficarmos grudados.

Taehyung só cedeu após receber intermináveis confirmações de que eu ficaria bem e de que, talvez, fosse tomar um ar no jardim bonito para me distrair. Hoseok vibrou de alergia, agradecendo minha ajuda conforme o puxava até a pequena aglomeração no espaço à esquerda, onde as pessoas dançavam com fervor. Eu apenas permaneci ali, apático, distante da festa ou de tudo que acontecia ao redor, vagando pelas minhas dependências mentais e orando para que os pensamentos negativos sumissem antes que tudo piorasse.

Se as divindades decerto me ouviam, eu provavelmente nunca saberia; minha única certeza era que, recebidas ou não, nenhuma das minhas preces foi realizada.

Eu poderia ser, talvez, a criatura mais egoísta a pisar na Terra, mas às vezes pensava em como havia chegado até ali, naqueles caminhos tão sinuosos da minha vida. "A felicidade me serve bem?", perguntava corriqueiramente. Os critérios sempre foram claros, então por que ainda era tão difícil chegar em um desfecho? Havia somente um ensurdecedor questionamento pairando acima de mim, sem etiqueta, norte ou resolução.

Era como o cinza por ele mesmo, essencialmente letárgico.

Não passei mais que dez minutos naquela sala, respirar se tornou mais difícil do que eu gostaria. Com o pulmão penando em sua tarefa primitiva e meu rosto inteiro doendo como o inferno, abri caminho entre os corpos e debilmente me encaminhei até a saída com os olhos ardendo. Eu queria chorar. A vibração do aparelho no meu bolso me assombrava, a atmosfera parecia mais e mais densa à medida em que os segundos passavam e tudo que eu conseguia pensar era: "Deus, por que sequer pensei em sair de casa?".

No instante em que pisei fora do recinto, meu cérebro gritou uma única coisa: álcool. Dando a mim mesmo um pretexto ridículo de que seriam apenas uns goles para aliviar a tensão, vasculhei o resto da casa em busca das bebidas. Fui à cozinha, à sala, aos lugares que sequer sabia o que eram e, por fim, achei uma mesa repleta de copinhos azuis no último cômodo antes do quintal traseiro. Parecia uma sala de jantar adaptada e, ali, o som era mais alto do que nos outros lugares.

Todos falavam alto.

E minha cabeça latejava, pulsando várias e várias vezes até que fosse insuportável sequer cogitar elaborar um pensamento. Eu estava perto de ter uma crise. As mãos suadas, olhos doloridos, costas geladas e coração acelerado indicavam uma recaída. O celular continuava vibrando e todos ao redor pareciam tão, tão escandalosos; as vozes eram tão altas, o ar me devorava gradativamente à medida que as bebidas ficavam mais próximas de tocar minha mão.

Quando as pontas dos meu dedos entraram em contato com os copos azuis recheados de álcool, meus olhos voaram até a figura recostada à parede ao lado. Era Min Yoongi, com uma perna dobrada, semblante hostil e cigarro entre os dedos. Recuei nervosamente quando percebi que me olhava, tendo certeza de que seria queimado vivo sob mira dos orbes escuros. Sua energia era mais pesada do que as massas de ar inerentes ao verão, toda sua postura emanava um alerta de perigo iminente, tal qual um campo minado. Yoongi soltou a fumaça pelos lábios e varreu todos os centímetros do meu corpo como se soubesse de cada um dos meus pecados, voltando a colar os lábios bonitos no que, agora, de perto, não parecia bem um cigarro.

Era um baseado.

Mas não tive tempo de averiguar, a recordação do ocorrido mais cedo me assustou o bastante para que meus atos se perdessem na inquietude; peguei um dos copos e virei o corpo bruscamente, apavorado pela possibilidade de ser confrontado pelo ex-namorado de Jungkook e, principalmente, pelas lembranças que me ocorreram de seus corpos colados atrás do palco, discutindo sobre um amor quebrado. Ansioso e já suficientemente aturdido por todas as múltiplas sensações que me ruíam, andei sem saber para onde estava indo e sem ao menos pensar que, naquela movimentação abrupta, poderia acabar por, previsivelmente, esbarrar em alguém.

Foi o que, em suma, aconteceu.

A balbúrdia em mim era tão violenta que transbordou para além dos meus pensamentos, corporificando-se — por intermédio das minhas atitudes inquietas e imprudentes — no esbarrão em Kim Namjoon, baixista do EVIL. Pequena parte do conteúdo no meu copo voou até sua camiseta branca, respingando no seu peito.

— Opa! Calminha aí, senhor apressado. — Espantosamente, ele não gritou. Ou talvez fosse eu quem estivesse acostumado demais com aquele tipo agressivo de tratamento.

Minhas mãos estavam visivelmente trêmulas quando levantei os olhos até seu rosto marcado por traços fortes e atraentes. Namjoon me encarava, curioso, parecendo aguardar por alguma reação ou um pedido de desculpas.

— Jimin, não é? — questionou, erguendo uma sobrancelha enquanto analisava meu rosto. Hesitante e com oxigênio mal chegando aos meus pulmões, concordei timidamente. — Tá tudo bem? Você tá tremendo.

Não estava tudo bem. Minha conduta, meus olhos, minhas mãos: tudo em mim gritava que não estava absolutamente nada bem. Meus lábios, contudo, não deixaram uma palavra sequer sair.

— Jimin, ei... — Namjoon estreitou os olhos e colocou uma das mãos no meu ombro. Ele parecia perdido, confuso e preocupado. — Não sei o que rolou, mas Taehyung disse em um dos ensaios que você é tímido e percebi que está sozinho no meio de uma festa. Aconteceu alguma coisa?

Ele não sabia o real motivo, mas ver que se importava com meu bem estar trouxe um pequeno alívio ao meu coração. Seu toque era cuidadoso e Namjoon soava verdadeiramente empenhado em me ajudar.

— E-Eu... deixei Taehyung e Hoseok dançarem e vim aqui pegar bebida... — gaguejei vergonhosamente. — Desculpa, não quis derrubar em você, eu só...

— Tudo bem, cara, foi só um pouquinho. Fica tranquilo. — Deu alguns tapinhas amigáveis no meu pescoço, tentando me tranquilizar. — Seu rosto tá pálido, não acha melhor tomar um ar? Eu posso te acompanhar.

— N-Não! Quer dizer, eu não... não quero incomodar e...

— Não vai. — Interrompeu, honesto. — Eu já estava indo lá fora, estou com alguns amigos perto da piscina e vim aqui só pra pegar uma bebida, na verdade. — Ele sorriu naquela simpatia reconfortante, apertando gentilmente meu ombro. — Bem, nos fazer companhia soa melhor que segurar vela pro Taehyung, certo?

Permaneci com os olhos nele, esperando que, a qualquer momento, dissesse que estava brincando. Não aconteceu. Namjoon parecia sério quanto à proposta e aguardava pacientemente uma resposta. 

Com toda certeza, ficar ao lado de alguém que pelo menos sabia meu nome soava muito melhor do que perambular desacompanhado pela festa, mas ele não estaria sozinho e um grupo maior de pessoas demandaria mais da minha energia. Eu sempre ficava tenso em situações como aquela, embora tivesse decidido comigo mesmo que aceitar o convite para acompanhá-lo seria mil vezes melhor que vagar sem rumo e com uma bebida na mão.

— Certo — respondi, apertando os lábios em um sorriso fraco. — Obrigado por se preocupar, hyung...

— Não precisa me chamar de hyung, Joonie está ótimo! — Abriu um sorriso enorme ao passar o braço por cima dos meus ombros, totalmente descontraído, guiando-nos para Deus sabe onde. — Eu sou professor, sabe? E me torra a paciência quando me chamam formalmente. Faz com que me senta velho.

— Professor? — Arregalei os olhos, por um instante esquecendo meus demônios para me surpreender com a informação. — Uau... Você não parece tão velho, hyung. D-Digo, Joonie. — Fui rápido em reformular.

Ele riu, dando de ombros.

— Mas quem disse que sou velho? — Encarou-me, desafiador, logo se desmanchando em risadas. — Bem, eu já tenho diploma e um trabalho, mas não significa que estou com o pé na cova. Vinte e quatro anos é apenas o começo da vida.

Concordei com a cabeça, mais tranquilo na sua companhia do que estaria se estivesse sozinho. Meus batimentos continuavam violentos, mas a dose de alívio pela ajuda de Namjoon diminuiu os arrepios pré-crise. Suspirei longamente, fechando os olhos para focar em coisas positivas, repetindo o processo de etapas que ouvia nas sessões de terapia.

Ficaria tudo bem, não é? 

O mundo é perigoso, nadamos por águas sujas e sucumbimos à maremoto, postos à prova de tudo ou nada. Às vezes, viver soava como uma repetição empoeirada de guerras perdidas que, insistentemente, levantavam-me apenas para que pudessem me destruir de novo. Eu estava sempre à beira do precipício, fadado às quedas e à fatalidade do acúmulo de rachaduras.

Cheguei a pensar, quem sabe, se um dia acabaria ruindo de vez, para todo um lastimoso sempre.

Mas na mesma intensidade, porém, que são arriscadas essas trilhas turvas, há formosura sem igual no anseio pelo desconhecido. E ali, no instante em que o vi, o mundo nem sequer parecia tão bárbaro, pois os últimos suspiros da guerra deram aval para meros segundos de paz, sem temporais, águas sujas, quedas mortais ou repetições sombrias. Fomos só eu, feridas curadas e os metros que separavam nós dois, confinados no calar repentino das vozes altas de todos aqueles desconhecidos.

Próximo à piscina, com uma lata de cerveja em mãos e semblante inegavelmente entediado, repousava o moço de neve e da boca profana, resplandecendo na multidão como destaque de uma coleção atemporal de poesias apaixonadas.

Naquele momento, senti que trocaria tudo para estar ao seu lado, que me deixaria desfazer no primor do inesperado e que, no fim, se acabasse arruinado, não me importaria nem por um único segundo, porque valia a pena desmontar se fosse para caber no seu encaixe, e valeria a pena destituir-me em cacos se minha sentença fosse perecer na doçura dos seus lábios, eterno em memórias de verão.

Não me lembro de querer tanto alguma coisa como quis derreter em Jeon Jungkook, mas lembro bem de como me olhou através dos corpos dançantes à beira da piscina e de como deixou sua cerveja de lado apenas para sorrir na minha direção.

Quando Namjoon me trouxe perto o bastante do seu grupo de amigos, sequer fui capaz de distinguir algo além da íris amarelada acompanhando cada um dos meus passos à medida que nos aproximávamos, lampejando em uma faísca perigosa quando os lábios avermelhados resolveram dizer:

— Está me perseguindo, gatinho?

E só então, perto o bastante para que minhas pernas virassem gelatina, percebi que JK estava completamente encharcado, como se houvesse enfrentado um dilúvio não muito antes de nos encontrarmos. Esgotei todos meus reservatórios de energia tentando não olhar para o seu abdômen, marcado sobre o tecido molhado. Suas roupas pingavam e os cabelos pendiam para trás, formando um topete bagunçado.

Se ousei, em dado instante, duvidar que ele pudesse exceder o próprio charme, aquela fora minha refutação. 

— Hyung... — Uma fisgada sutil no peito me fez falar, ainda sem ser capaz de tirar os olhos dele. — E-Eu não estou te seguindo! Eu nunca faria isso... É que...

E, de novo, aquele riso rouco, acompanhado de uma piscadela despretensiosa.

— Você se preocupa demais, não acha, Cindy? — E sorriu, ajeitando a postura na cadeira conforme batia no espaço ao lado, sugerindo que eu me sentasse.

Engolindo em seco, com o coração na mão e músculos tensos, acomodei-me ao seu lado, tímido e quase desaprendendo como me mover.

— Jimin-ah estava sozinho na festa. Chamei pra nos acompanhar na bebedeira. — Namjoon resolveu dizer, então percebi que ele ainda estava ali, à parte do meu transe momentâneo.

JK trouxe os olhos até mim, pegando a latinha entre os dedos ornamentados por anéis metálicos. Bebericou a cerveja com os orbes presos em mim, curiosos e analíticos.

— Vai beber? — Apontou com o queixo para o copo azul na minha mão.

— Ah, isso... — A verdade era que eu sequer recordava que havia pegado. Jungkook me deixava assim, anestesiado, alheio à minha própria realidade. — Sim, eu... acho que vou.

— Mesmo? Melhor reconsiderar. — Ergueu a sobrancelha, alternando o olhar entre a bebida e meu rosto. — Se me lembro bem, você não parece conhecer um limite adequado na ingestão. Me corrija se for engano.

Na mosca.

— Pela sua carinha, deduzo que acertei. — Agora ele ria, divertido, lambendo os lábios antes de pegar meu copo educadamente. — Espero que não me odeie, mas estou confiscando essa paradinha aqui. Sem álcool pra você, gracinha.

— Huh, gracinha... — Um dos garotos ao lado de Namjoon, também segurando um cerveja, apontou na nossa direção, sorridente. — Posso saber o nome da sua gracinha, Jeiquei?

Jungkook permaneceu neutro, entediado, fingindo não dar atenção ao apelido recém vocalizado.

— É Jimin. Park Jimin. — Namjoon respondeu por mim. — É amigo do Taehyung, foi ao nosso show hoje.

— Uh... Legal. Prazer! — O garoto da provocação estendeu a mão à minha frente. — Sou o Yeonjun.

— Prazer. — Sorri, tentando não ceder ao nervosismo de estar inserido em um grupo de garotos evidentemente mais velhos.

— Ele é tímido, não força a barra. — Namjoon alertou, dando um tapa no ombro de Yeonjun assim que o rapaz fez menção de dizer alguma coisa. — Não liga pra galera, Jimin. Eles são meio sem noção, mas são gente fina.

— Grande ajuda, Namjoon. Vai assustá-lo mais ainda.— Após um gole generoso na cerveja, JK pousou a lata no chão, dando atenção ao copo azul que ainda segurava. — Isso aqui é forte, dá pra sentir o cheiro daqui. Quatro goles e você estaria caindo por aí, Cindy.

Aquele era o objetivo: cair e esquecer que existia.

— Vou beber por você, então fica me devendo uma, certo? — Jungkook sorriu, doce e gentil, apenas para que, no segundo posterior, pudesse virar o conteúdo garganta abaixo em um único solavanco.

— Hyung! — Meus dedos automaticamente traçaram rota até seu braço, apertando-o por instinto. — Você não tinha acabado de dizer que isso é forte?

— Jungkook é cachaceiro raiz, Jiminnie. — Namjoon pontuou, risonho. — Esse doidão vira corote como se fosse água.

JK encarou-o de canto, apenas por tempo o bastante para que Namjoon risse e apertasse os lábios, levantando as mãos em rendição.

— Que foi? É verdade.

— Obrigado pela informação, Namjoon — respondeu ironicamente, rindo e sem fazer muito caso. Bagunçou os cabelos molhados logo em sequência, enrolando o indicador esquerdo nas mechas vermelhas para ajeitá-las frente ao seu rosto. — Em alguns minutos, meu cabelo vai ficar uma tragédia. O cloro dessa piscina fodeu minha pele e não duvido que vá foder meu cabelo.

— Ninguém mandou ter pele frescurenta, Jungkookzinho! — Yeonjun brincou. — Ser jogado na piscina foi o preço por ter chegado atrasado pra sua própria festa de aniversário.

— Não é justo. E nem faz sentido — JK rebateu, suspirando. — Meu rosto já estava queimado pelo sol, o cloro piorou a ardência.

— Deixa o branquelo reclamar, Yeonjun. Pelo menos ele veio, das últimas vezes acabou dormindo e deixou a gente plantado na festa. — Namjoon gargalhou, negando com a cabeça.

— Certo, já entendi que sou péssimo com aniversários e que vocês não dão uma foda pra dor na minha cara. Estou grato pela comoção. — Fingiu-se chateado com um bico manhoso em lábios, tocando delicadamente as bochechas rosadas pelo sol.

Preocupado e sem muito refletir se estava abusando demais, toquei a ponta arrebitada do seu nariz, também queimado.

— Passe alguns hidratantes faciais e não lave com água quente, hyung. — Usei meus poucos conhecimentos para tentar ajudar, mesmo que eu raramente sofresse com queimaduras por já estar habituado à exposição solar em Samanda. — Você usa protetor? Precisa reaplicar...

Jungkook ergueu a íris de mel, mais próximo do que deveria. Prendi a respiração quando me vi amolecendo sob sua atenção.

— Obrigado, Polly. — Sorriu de canto, agarrando suavemente o dedo que tocava seu nariz. O calor do seu contato persistiu apenas na brevidade que levou para se afastar minimamente. — Costumo usar protetor, mas nunca adianta muito. Deve ser porque esqueço de reaplicar.

— A-Ah, sim... Bom, é melhor criar esse hábito. Quer dizer, pra não ficar queimado. — Balancei a cabeça para me desvincular da vontade súbita de me aproximar.

Jungkook riu, parecendo notar minha inquietude.

— Anotado, Vossa Alteza.

— Ei, pombinhos — Yeonjun chamou, e eu tentei, apenas tentei, não tossir ao ouvir como nos designou. — Querem bolar?

Bolar...?

Cogitei questionar a colocação, mas Jungkook foi mais rápido em elaborar uma resposta enquanto virava o corpo ligeiramente na direção de Yeonjun.

— Você não o conhece, Jun. — Sua voz soou séria. — Não ofereça drogas pra ele.

Oh.

— Ah, mas ele é nosso amigos, não é? E é maior de idade, acredito — Yeonjun prosseguiu.

— É, mas você não sabe se ele já usou ou se simpatiza com a ideia. — JK se voltou para mim. — Já fumou maconha ou tem interesse, Cindy?

Neguei com a cabeça, acanhado.

— Como eu ia dizendo... — E voltou a encarar Yeonjun, como se não estivesse surpreso. — Não ofereça drogas pra ele.

Não era a primeira vez que me tratava com tanto cuidado, mas Jungkook parecia dominar a arte do caos e não fazia a menor questão de moderar seus encantos. Ele sabia o que me causava, as matizes verdes nos globos caramelizados delatavam suas intenções; não havia, no entanto, rastro de arrependimento ou resquício de vergonha. Foi quando eu percebi que, apesar de tudo, JK era sutilmente sacana, não em um perspectiva pejorativa, mas em concepções instigantes que me faziam derreter no seu óbvio anseio por mostrar que conhecia o próprio potencial.

Sua autoconfiança me devorava de um jeito bom. Era gostoso, porque ele sabia que me deixava maluco e, ao mesmo tempo, permanecia na retaguarda, à espreita.

— Então você estava sozinho, hm? — Suspendeu uma das sobrancelhas, desenhando os próprios lábios com a língua. Colocou uma das mechas vermelhas atrás da orelha e me encarou. — O que houve? Brigou com seu namorado?

— Não, eu só... Bem, é difícil explicar. — Soltei o ar pela boca, aliviado por estar na sua presença. — Taehyung me trouxe, mas eu percebi que estava incomodando e deixei Hoseok e ele a sós.

— Insegurança ou eles te disseram pra sair? — questionou, curioso. Não respondi nada, mas ele não precisou que eu me pronunciasse para entender. — Saquei. Você é sempre assim, Alteza?

— Assim? A-Assim como?

— Receoso com o que acham sobre você. — Touchdown.

— Ah, hã... — Não adiantava mentir. — Sou, eu acho...

JK esboçou um sorriso sereno e compreensivo, seus olhos abraçando minha inquietude como se dissessem que estava tudo bem.

No fundo da garganta, senti arder a vontade de chorar.

— Não deveria, sua companhia é muito agradável. — Jungkook era... assim. Simples, direto e gentil. Doce, mas amargamente honesto, se necessário. — Você decide se acredita ou não, mas vou te contar um segredo... — Pendeu com a cabeça para perto de mim, erguendo a mão para esconder os lábios enquanto sussurrava suavemente ao meu ouvido: — Você é a pessoa mais legal dessa festa inteira.

Os "tum-tum" no meu peito esgoelarem.

— Eu? — perguntei baixinho e totalmente incrédulo. — Mentir é feio, hyung...

Jungkook deu risada e se afastou, apertando meu nariz delicadamente.

— Eu não minto, ao menos não para garotos bonitos com presilhas e brincos de morango. — Então sorriu ao cutucar a própria bijuteria, idêntica à minha, voltando a pegar sua lata de cerveja naturalmente, com a serenidade de quem não fazia ideia do quão bonita havia tornado minha noite.

Contrapondo-se ao conjunto intimidante de sua aparência, Jungkook possuía uma personalidade mansa e controlada. Os cabelos tingidos, coturnos, camisetas de bandas e calças rasgadas pouco diziam sobre seu temperamento cauteloso; o estereótipo de garoto-problema lhe cabia bem contemplando à distância, corações partidos faziam parte dos fundamentos vitais à conduta deduzida em um primeiro contato.

JK, contudo, era alguém reservado e de difícil acesso. Não aparentava penar em socializações, mas soava igualmente distante para amizades profundas. Sua tranquilidade, embora admirável, não parecia opaca; havia muito mais ali dentro do que mera tendência à introversão. Ele era complexo e intrigante, como uma charada.

Fiquei olhando para seu rosto suavemente avermelhado, hipnotizado pelos fios molhados que escapavam no topete improvisado, colando-se à testa alheia. As mechas escarlate pareciam filetes de sangue dispersados nas suas bochechas, desalinhados de modo sensual ao passo que modelavam seu rosto. Ele estava lindo, como costumava estar, completamente encharcado e, ainda assim, dando conta de resguardar toda elegância de sempre.

— Eu percebi que não te parabenizei — comentei baixinho, desviando o olhar quando seu rosto virou para o meu. — Feliz aniversário, hyung.

— Raspando, hein? Daqui a pouco daria meia-noite. — Sorriu, encarando a piscina logo à frente. — Obrigado. Eu pensava em não fazer nada demais essa noite, mas cá estou, "comemorando" a data.

A ênfase na palavra "comemorando" me pareceu ambígua, mas resolvi não questionar.

— Você não pretendia vir? — perguntei, suplicando internamente para que não fosse invasivo demais.

— Meu rosto "animado" deixou muito na cara? — Riu, sendo irônico quanto à própria feição. — Acho que dá pra perceber que não sou o tipo de cara que se encaixa nesses lugares.

— Eu também não.

Terminou sua cerveja enquanto me olhava.

— Somos dois, então, gatinho.

— Você... Hã... — Aquela era minha tentativa de tentar disfarçar o abalo. — Acabou vindo, no fim, não é? Por quê?

— Não sei. Impulso. — Deu de ombros, cômodo, então lambeu os lábios e apontou o queixo para mim. — E você?

— Vim acompanhar Taehyung. — E ver você. — Ele queria se divertir.

— Tinha a opção de voltar para casa. — Droga. — Veio só para ficar com ele?

— É que... — Fatality, Jimin. — Eu não sei dirigir ainda e viemos juntos de Uber...

— Entendi. — Jungkook não pareceu engolir a desculpa, mas riu baixinho e segurou a gola da camiseta molhada, descolando-a do tórax. — Você está bem, Cindy?

— Eu? Acho que sim... Por quê?

Ficou em silêncio por um momento, negando com a cabeça.

— Nada. — Um sorriso sugestivo delineou seus lábios. — Força do hábito.

Sem nenhuma resposta conclusiva, abri a boca algumas vezes antes de finalmente me calar. Não sabia o que assimilar da sua pergunta repentina e nem como me articular para um novo assunto; assim sendo, encarei a piscina e entrei no embalo do silêncio de Jungkook, que calmamente observava os arredores com desinteresse aparente.

— JK, não trouxe uma muda de roupas, cara? — Namjoon chamou atenção. — Vai acabar pegando um resfriado.

— Trouxe — respondeu, espreguiçando-se na cadeira. — Hoseok trancou os quartos?

— Como sempre. — O baixista devolveu, rindo. — Se não trancasse, você sabe o que fariam.

Jungkook gargalhou ao passo em que concordava.

— Certo. — Agora se levantava com lentidão, parecendo pouco estimulado em sair dali. — Vou pra lá, então.

Seguindo seus rumos previsíveis, meus batimentos aceleraram. Ficar sozinho na presença de duas pessoas quase desconhecidas não parecia tão agradável quanto tê-lo ali; JK ainda detinha incomparável habilidade de me fazer relaxar, encontrá-lo na festa havia sido o ápice de uma noite que parecia declinar a cada segundo decorrido. Nossos encontros, porém, eram sempre tão efêmeros quanto amores de infância, eu sabia que o momento logo se findaria e essa era, sem dúvidas, a parte mais amarga de estar ao seu lado.

No instante em que fez menção de partir, quase como se pudesse rastrear meu desencanto, os olhos esverdeados vieram na minha direção. Parecendo ponderar alguma decisão, JK interrompeu os passos para girar parcialmente o corpo de modo a me encarar com mais clareza.

— Ei — chamou, arrastando os dentes no lábio inferior à medida em que apontava com a cabeça para a direção oposta. — Quer ir comigo?

E na brasa que há pouco se apagava, o ardor se reergueu com inigualável fervura. Meus olhos brilharam na mesma intensidade do sol no litoral.

— C-Com você? — Apertei as coxas uma na outra, ridiculamente tenso. — Mas você não vai, hã, tipo... trocar de roupa?

— Ui! — Yeonjun, já separado da cerveja e segurando o que parecia ser um cigarro, exclamou para nós dois. — Ele não pode bolar, mas pode ir dar uns pegas contigo, né?

— Melhor 'cê ficar suave, Yeonjun. — Namjoon deu risada e cutucou o amigo com o braço.

Jungkook franziu o cenho, revirando os olhos logo em seguida.

— Não foi isso que eu quis dizer, Jimin. Jun está bêbado, não dê bola. — Fez questão de explicar ao voltar a me encarar. — Você pode me acompanhar e esperar do lado de fora. Se quiser, é claro.

— Ah, sim. — Com o rosto pintado de todas as nuances de vermelho, respondi timidamente. — Seria bom. Quer dizer, eu não conheço muito bem as pessoas aqui...

— Foi o que eu pensei. — Sorriu, rindo nasalado. Esticou a mão à minha frente antes de dar uma piscadela. — Vamos?

Foi a decisão mais rápida que já tomei na vida.

No segundo imediatamente seguinte, estávamos abrindo espaço por entre os corpos suados que se remexiam freneticamente em todos os cantos. O sorriso nos meus lábios se conservou durante todo o percurso; tive tempo de notar a diferença notável dos nossos tons de pele, sua palidez quase rósea em contraste com meu bronzeado típico de moradores locais. Seus dedos eram compridos e firmes, o tato gentil e a palma grande o suficiente para se fechar ao redor do meu pulso. Havia uma singela pintinha na lateral do seu dedinho, quase idêntica àquela que eu tinha no mesmo lugar.

Eram minucias bobas, quase irrelevantes, mas que aqueciam muito meu coração.

A princípio, JK avisou que precisaria ir até o carro para pegar as roupas reservas. Sem pensar duas vezes, segui seus passos até o familiar automóvel preto e lustroso, estacionado no que aparentava ser uma garagem, praticamente duas ou três vezes maior que a sala da minha casa. Era, talvez, um dos únicos lugares vazios da festa.

— Hoseok é bastante rico, não é? — perguntei, encarando os arredores com deslumbre.

— Bastante. — Jungkook reforçou, risonho, esticando o próprio corpo para dentro do carro de maneira que pudesse pegar uma mochila cinza.

— Deve ser incrível — comentei, esperando que ele trancasse o carro para que pudéssemos sair dali. — Tipo, ter dinheiro para fazer o que quiser.

— Não sei, me parece solitário. — Guardando a chave no bolso e encaixando a alça da mochila em um dos ombros, JK veio até mim. — Dinheiro não compensa muitas outras coisas necessárias à felicidade genuína.

Surpreso com sua colocação estranhamente profunda, encarei-o de maneira curiosa. Latente, como de costume; sempre camuflando verdades embaçadas nos olhos de mel.

— Acha que ele é sozinho, então? — Começamos a caminhar para fora da garagem, rapidamente engolidos pelo som alto no instante em que deixamos o local.

— Estar sozinho é diferente de estar solitário. — Jungkook elevou a voz para que eu pudesse ouvi-lo meio à música. Esgueirando-se das pessoas e tentando manter os olhos nos meus, prosseguiu: — Todas essas pessoas o cercam, Hoseok tem muitos colegas e alguns amigos, mas a solidão não diz respeito à quantidade de laços que alguém é capaz de fazer. É muito mais do que apenas popularidade.

— Isso... faz muito sentido. — Franzi o cenho, subitamente atingido por outras reflexões anexadas àquela em questão. — Explica muitas coisas.

Próximo à escada espiral na sala de estar, Jungkook parou no primeiro degrau, bagunçando os fios vermelhos da franja.

— No fim, a maioria das pessoas é um pouco solitária, Cinderela. — Sua voz soou sombria naquele segundo, as luzes fracas e coloridas perdidas na alvura de sua pele, conferindo-lhe uma aura etérea. — Umas mais do que outras, é claro, mas nunca completamente isentas. É uma maldição puramente humana.

Com um sorriso, apenas se virou sem nenhuma outra deixa, subindo as escadas.

Fiquei parado por céleres segundos. Era bastante para absorver, mas resolvi deixar os questionamentos para depois; de nada adiantaria estudar seus conceitos durante uma festa.

Por fim, segui Jungkook até o topo da escadaria, terminada em três corredores largos que se estendiam pela escuridão. Difusos nas paredes, três ou quatro casais derretiam em suas respectivas bolhas. Foi estranho. Jungkook não pareceu se importar, apaticamente caminhou sem lançar um único olhar às demais presenças. No trajeto até a porta mais afastada do corredor à esquerda, o ruído dos seus coturnos contra a madeira cessou. Tirou um pequena chave do bolso traseiro, abrindo passagem para o que acabava de se revelar um quarto.

— Hoseok costuma deixar as suítes trancadas pra evitar que façam sexo nos quartos — explicou, maneando a cabeça para sugerir que eu entrasse. — Ele deixa as chaves escondidas na garagem, e como eu sabia que aprontariam comigo por ter chegado atrasado, peguei uma delas por precaução.

— Eles realmente te jogaram na piscina? — Dar continuidade ao assunto foi a forma que encontrei de ocultar a tensão por estarmos completamente sozinhos.

— Jogaram, mas eu poderia ter fugido. Acabei deixando, porque... — Pausou, rindo e balançando a cabeça. — Digamos que eu já tenha escapado de muitas festas, eles mereciam ter um gostinho de vitória depois de tantas decepções comigo.

A timidez em mim regressou com afinco. Éramos só nós dois, não na colina de um festival lotado, tampouco na entrada do Jude's, mas em um quarto fechado, sem amparo do álcool e da falta de vergonha que me fez sobreviver ao domingo anterior. Meu coração batia pesado, penoso, e mesmo quando eu me via positivamente ansioso pela expectativa do desconhecido, ainda vacilava pelo medo da minha própria ruína.

O que aconteceria se falhasse em ser uma boa companhia? Ou se, por descuido, dissesse qualquer coisa inapropriada? O que eu faria se Jungkook me reprovasse? Ou se os olhos dourados, tão densos e sublimes, cintilassem em um fulgor que não fosse o gentil?

Andávamos sob mesmo céu, mas vivíamos ares distintos. Sua envoltura refletia sobre a faceta singular do mundano: rocks de garagem, noites intensas, peles coloridas e cigarros de menta. Sobre mim, apenas o imenso desprazer de uma vida medíocre. Lado a lado, JK e eu éramos a harmonização falha de cores vivas sobre o cinza cansado. Não existia razão para interesse de sua parte; eu era diferente de tudo aquilo que o cercava e definitivamente não representava uma novidade atrativa.

Preso dentre as quatro paredes do quarto escuro, unicamente iluminado pela luz da lua, encarei as costas largas de Jungkook, os músculos nítidos sob o tecido molhado. Retive o ar e fechei os olhos. Fui praticamente obrigado a passar as mãos suadas contra o tecido da calça, buscando ao menos evitar que acabassem pingando. A atmosfera se comprimia, o coração acelerava e minhas pernas começavam a ceder.

Jungkook me detestaria, tive tanta certeza sobre isso, tanta convicção sobre o desastre iminente que mal pude notar sua aproximação sorrateira. Quando abri os olhos, ele estava ali. O peitoral se erguia à minha frente, centímetros quase desprezíveis separando nossos troncos enquanto os olhares colidiam na iluminação precária.

— Está tudo bem? — Manso, suave como a brisa que balançou as cortinas alguns segundos depois. No fundo, a música abafada quase não obtinha sucesso em penetrar por entre as frestas da porta. — Você está pálido, Jimin.

Eu estava tão habituado com os apelidos que me sentia remexido nas ocasiões em que me chamava pelo nome. Soava bonito e diferente quando dito pela sua boca.

— 'Tô bem — menti. — Deve ser o frio.

— Não está frio. — Certeiro. — E você está suando.

Era o fim, para valer. Senti que viraria pó quando a intensidade da íris clara avançou, vasculhando cada pedaço do meu rosto como se perfurasse minha parte material, indo para além de que era visível.

— Acho que entendi. — Foi tudo o que ele disse no timbre baixo e ameno antes de repuxar o lábio em um sorriso charmoso. — Está nervoso por minha causa, não é?

Bingo.

Recuei involuntariamente.

— N-Não é isso, é que...

— Sabe de uma coisa, Polly? — Inclinou o rosto ligeiramente à esquerda, tocando o  queixo com polegar, analítico. — Eu sou especialmente bom em detectar mentiras, com ênfase em rostinhos vermelhos e olhos fujões.

Jungkook ergueu o braço das tatuagens e, com zelo, tracejou minha testa até tocar uma mecha solta, conduzindo-a para minha orelha. O toque era cálido, eletrizante e exageradamente paralisador, como um veneno. Sua imagem tremeluzia sob ótica dos meus olhos vacilantes, desesperados em fugir da sua mira.

— Se estiver inquieto em permanecer aqui, saiba que pode sair a qualquer instante. Não vou ficar irritado, sequer teria qualquer razão pra isso. — Sem perceber, fechei os olhos para mergulhar na maciez da sua voz. — Eu deveria imaginar que ficaria nervoso em uma situação como essa. Minha intenção era apenas evitar te deixar sozinho em uma festa que não parecia te confortar, peço desculpas se te confundi ou se, de algum jeito, acabei te intimidando.

— Intimidando? — Minhas pálpebras pesadas finalmente se ergueram. JK ainda me encarava, fixa e intensamente, sem nunca desviar. — Você não foi intimidante. Essa minha ansiedade... — Engoli em seco, apertando as mãos. — Não é culpa sua.

— Não sou tão bom me expressando, não duvidaria se você acabasse entendendo tudo isso de forma errada. — Riu suavemente, balançando a cabeça em negação.

— Eu entendi que queria me ajudar. — Soltei, exasperado. — Me desculpa! Acho que fui eu quem te passou a impressão errada e... Bem...

— Está tudo bem, Cindy. — Jungkook me interrompeu antes que minhas desculpas fossem longe demais. Seu sorriso gentil me acolheu e os olhos adoçaram minha energia amarga. — Aliás, fugindo do assunto... — Passou a língua nos lábios, pressionando os dentes ali à medida em que circulava a ponta do meu nariz com o dedo indicador. — Você fica lindo de amarelo, mas acho que já sabe disso, não é? — E riu, dando de ombros, afastando-se calmamente.

Virei manteiga, pura e simplesmente; meus músculos se dissolveram tão rapidamente que sequer restaram quaisquer vestígios de tensão. No peito, os batimentos descompassados caracterizavam a sucessão fugaz do nervosismo ao êxtase. Foi como se nunca tivesse pensado em estragar tudo, como se as paranoias não houvessem congelado meus ossos alguns minutos atrás. Minha mente foi preenchida, inteiramente recheada pela essência de morango; apeguei-me aos seus detalhes como forma de evitar cair no abismo, mas tolamente me atirei no limbo dos seus encantos.

Game Over.

Parado no mesmo lugar em que amoleci, assisti Jungkook vasculhar a própria mochila, alheio à minha condição. Ele era sereno, tranquilo e controlado, esbanjando consistência. Não vacilava, tremia ou gaguejava, estava sempre firme na própria postura, como se nada pudesse abalá-lo.

Era atraente; muito, muito atraente.

— Trocar de roupa não vai resolver o cheiro de cloro impregnado no meu cabelo. Acho melhor tomar um banho. — Apontou para porta na parede perpendicular à da janela, provavelmente se referindo ao banheiro. — Não vou demorar. Se quiser me esperar aqui, fique à vontade.

— Ah, sim. Eu espero. — Sorri, hesitando um pouco antes de sentar na cama king size que havia ali. — Boa sorte com o cabelo!

Com a deixa de uma piscadela fatal, JK sorriu.

— Obrigado, gatinho.

Gatinho.

Ele estava especialmente empenhado em me dizimar naquela noite.

Logo, o moço das mechas vermelhas e da pele de neve sumiu para dentro do outro cômodo. Com Jungkook temporariamente ausente, pude finalmente soltar o ar que prendia sempre que estava ao seu lado, caindo para trás no colchão macio enquanto tentava organizar meus sentimentos. Desde a entrada no festival até aquele presente momento, vinte e um de junho havia sido uma montanha russa violenta de ocorrências e sensações, muito mais do que nos anos anteriores.

Eu jamais poderia estimar a sequência maluca de eventos daquele dia. Para alguém diariamente enfurnado em um quarto pequeno, preso pelas próprias correntes, dias como aquele representavam uma reviravolta feliz e inesperada. Tudo estava indo bem, apesar de tudo. Desconsiderando as crises de ansiedade e minha típica autossabotagem, poderia dizer que, de modo geral, aproveitara bem o dia, assim como o resto da semana, recheado de expectativa.

Quem sabe eu estivesse anestesiado demais para dar atenção às vibrações constantes do celular no meu bolso, contudo, naquele momento, nada disso importava. Eu sabia que teria tempo o bastante para me corroer na manhã seguinte, as mensagens não sairiam dali e Kyuhyun certamente me importunaria quando tivesse a chance. Ali, sob aquela luz, dentro daquelas paredes, com aquele cara, eu era indestrutível — e talvez fosse, no fim, apenas uma confiança momentânea, uma certeza provisória de que acabaria bem, mas era tudo que eu tinha, meu único remédio e minha única migalha de esperança.

Aguardei pacientemente a volta de Jungkook. O barulho do chuveiro soava reconfortante do lado de fora, trazendo uma sonolência gradativa. Continuei deitado de barriga para cima, encarando o teto e brincando com os dedos, ignorando toda e qualquer sonoridade vinda do meu celular.

Em alguns minutos, a porta do banheiro foi aberta, revelando o corpo alto e atlético vestido por uma camiseta branca, calças jeans e um All Star preto. Jungkook parecia a forma humana de uma divindade mitológica, os cabelos molhados e a pele ruborizada facilmente roubariam de Michelangelo toda a graça de suas obras.

— Demorei? — questionou, caminhando até a mochila jogada em um canto qualquer do quarto.

Acompanhei sua figura com os olhos, hipnotizado nos desenhos que as coxas grossas faziam no tecido da calça. No abdômen, descendo pela cintura modelada, a pele úmida tornava a camiseta levemente transparente, evidenciando os músculos locais.

— Jimin?

— Oi! — Saindo do transe, levei a atenção ao seu rosto. — O que disse?

Ele sorriu, divertido, parecendo entender minha confusão.

— Perguntei se demorei.

— Ah.... Não, não demorou. Quer dizer, eu acho que não. — Cocei a cabeça, sem graça.

— Você parecia bem confortável na cama do Hoseok — comentou risonho ao passo em que guardava algumas coisas, endireitando a postura quando terminou. — Pensei que teria que te acordar.

— Eu quase cochilei, confesso — respondi, balançando as pernas quando sentei na ponta da cama. — Esse colchão é ótimo.

— Nem bebeu e já está com sono? — Ergueu uma sobrancelha enquanto sentava ao meu lado. — A cada minuto eu só confirmo mais e mais que você é apenas um bebê.

— Eu não sou! — Gargalhei, empurrando gentilmente seu braço, sem ligar muito para o fato de estarmos agindo com tanta intimidade.

— Você é, sim.

— Não sou.

— Me prova, então.

Fiquei em silêncio, fitando os olhos esverdeados percorrerem o meu corpo.

— Viu? — Chegou perto, soprando meu rosto. — Um bebezinho.

Só consegui rir baixinho, completamente enfeitiçado. O silêncio que seguiu foi confortável, JK pousou uma das mãos atrás do corpo, usando a outra para remexer nos fios molhados, encarando a parede com uma expressão vazia. Eu podia sentir o aroma do shampoo passeando entre nós, além do breve frescor de morango, escondido meio ao cheiro do sabonete.

— Seus anéis... — Acabei lembrando, virando para o lado oposto, onde JK anteriormente havia deixado as bijuterias. — Aqui.

Peguei as joias e rapidamente as devolvi, colocando-as na palma de sua mão.

— Obrigado — murmurou, encaixando um por um. — Não sei por que uso tantos. Sempre acabo perdendo.

— São bonitos. — Admirei as peças metálicas, agora espalhadas pelos dedos pálidos, com nós ligeiramente rosados. — Combinam com a sua mão.

— Você acha? — Estalou a língua, estendendo um dos braços à frente do corpo para analisar os anéis. — Servem para machucar bastante durante uma briga.

Tossi instantaneamente.

Antes que eu pudesse questionar, Jungkook começou a rir, jogando a cabeça para trás durante a gargalhada.

— É brincadeira. Não faço mal a uma formiguinha sequer. — Suspirei aliviado com a resposta, sentindo-me um tanto patético por ter acreditado. — Quer provar?

Na mão direita, ofereceu umas dos anéis grossos, ornamentado com uma joia vermelha que reluzia sob a pouca luz que cortava pela janela.

— Eu... posso? — Alternei o olhar entre ele e peça, receoso.

Após receber um aceno positivo, recebi o anel em mãos e, com certa lentidão desconexa, tentei encaixá-lo nos dedos. Era largo demais para a maioria, mas serviu perfeitamente na última tentativa, quando coloquei no polegar direito

— Uau. — Jungkook tocou minha mão, trazendo-o sutilmente para perto do seus olhos. — Não parece algo que você usaria por livre e espontânea vontade, mas ficou surpreendentemente legal.

Passando alguns segundos apenas aproveitando nosso contato, resolvi me pronunciar:

— Ficam melhores em você — admiti, encarando a joia. — Mas... eu acho que gostei bastante, também.

Era evidente o quanto acessórios como aquele harmonizavam com todo seu conjunto de aparência, por isso soava tão exótico quando alojado em mim, alguém tão física e psiquicamente distinto. Não era um contraste estranho, porém; parecia diferente, é claro, mas não em um sentido ruim. Ali, eu aprendi a gostar de anéis robustos, não exatamente por uma inclinação natural, mas porque Jungkook me incitava a experimentar o novo.

— Vamos? Devem estar nos esperando. — Seu chamado me despertou, só então percebi que ele já se levantava. — Talvez você possa encontrar Taehyung, também. É improvável que estejam juntos até agora.

Lembrar de Taehyung me fez perceber que, provavelmente, ele estava se perguntando onde eu estava. Não deixei qualquer recado que pudesse norteá-lo quanto ao meu paradeiro, afinal, havia dito que tomaria um ar, não que subiria aos quartos.

— Ele deve estar preocupado... — Baguncei os cabelos, descontente com a minha desatenção. — Nem chequei se me enviou mensagens.

Jungkook me encarou, tentando assimilar as informações.

— Mande um sinal de vida, então — orientou, simplista. — Nós já estamos descendo, de qualquer modo.

Ponderei por alguns instantes, acabando por apenas concordar. Ele tinha razão; ainda que estivéssemos prestes a descer, seria adequado enviar uma mensagem para, ao menos, assegurar meu bem estar ao meu amigo.

Jungkook me esperou enquanto eu redigia um breve resumo de onde e com quem estava para Taehyung. No topo da tela, como esperado, ícones do aplicativo de conversas preenchiam a barra de notificação, salientando a impaciência de Kyuhyun e suas tentativas incansáveis de falar comigo.

Suspirei, tentando não dar atenção. Seria uma boa noite, precisava ser; eu não suportaria despencar outra vez, meu cérebro havia atingido seu limite diário de recaídas e provavelmente não duraria à próxima. Convencer a mim mesmo de que Kyu não estava ali para me perturbar era o que fortalecia meu cais, embora não servisse como garantia de libertação.

— Enviei — alertei Jungkook, que permanecia pacientemente encostado ao batente.

— Ótimo. — Desfez os braços cruzados e abriu a porta, dando passagem com sorriso glamouroso. — Você primeiro, Vossa Alteza.

Doce, como as nuvens de açúcar vendidas no festival.

Agradeci a gentileza com sorriso bobo, exacerbadamente alegre por uma simples reverência. Saindo do quarto, encostei-me à parede do corredor ao mesmo tempo que esperava Jungkook trancar apropriadamente a suíte de Hoseok. À medida em que ele efetuava o último giro na chave da porta, no entanto, uma coincidência súbita e inoportuna ceifou — com brevidade berrante — todo rastro de sorriso no meu rosto. Morte súbita, fora a definição mais cabível àquela situação. Arregalei os olhos, enjaulado no medo que agora se atracava ao meu corpo como vírus.

A pouco metros de onde estávamos, Kim Jongdae, melhor amigo de Kyuhyun, segurava um dos copos azuis da festa enquanto varria o corredor com os olhos, desconfiado. Eu não me importaria, não ligaria nem por um único segundo, se não soubesse que ele estava ali justamente para me achar.

Kyuhyun sabia que eu não estava na casa do Taehyung. Ele sabia que eu não estava na minha própria casa ou em qualquer lugar de seu conhecimento.

Minha racionalidade se apagou; quando me dei por consciente após um segundo fugaz de total delírio, estava com as mãos fortemente agarradas aos ombros largos de Jungkook, puxando-o à minha frente com tanto desespero que pude ouvi-lo tropeçar pelo susto.

— O que você...?

Por favor. — Só lembro de ter pedido em um timbre frágil, que por pouco não se destituiu em choro. — F-Fica na minha frente. Por favor.

JK estava próximo, próximo demais, as mãos coladas à parede atrás de mim ao mesmo passo em que o tronco bonito praticamente me engolia. Eu estava encurralado, cercado por ambos os braços fortes, ligeiramente flexionados para evitar que nos fundíssemos. Perigoso, era o que dava nome as dadas circunstâncias. Meus sentidos — antes ébrios pelo medo — agora imergiam na real ameaça à ordem de tudo.

Jeon Jungkook, junto à sua maldita, letal e belíssima boca profana.

Nós quase, quase nos beijamos, não fosse o sustento dos seus músculos, impedindo o desequilíbrio ocasionado pelo puxão. De todos seus elementos copiosos de caráter entorpecente, a tênue fragrância de banho era aquele que estreitava o enleio. Se Jongdae permanecia ali, eu não sabia; fui vítima dos olhos fatídicos, enfeitados pelo verde celeste. E nas nuances caramelo, sem nem pensar em me esgueirar, vi refletidos os pedaços do céu como o manifesto enganoso da santa verdade; porque eu sabia — e todos os cosmos também — que Jeon Jungkook era a expressão mais intrinsecamente maligna do fruto proibido, persona do mal e dos anjos banidos.

E eu o quis, quis tanto que o coração doeu.

— E então? — Senti sua respiração contra a minha pele à medida que minhas mãos apertavam seus ombros. JK suspendeu uma das sobrancelhas, encarando-me de cima. — Pode me explicar o que está acontecendo, Cinderela?

Não importava quanto me esforçasse, minha voz não saía.

— Eu... H-Hã... — Os lábios trêmulos delataram minha tensão.

— Jimin. — Grave, firme e contundente. — Respira fundo e, quando puder, explique.

Fechei os olhos com força, respirando com dificuldade. Os ossos das minhas pernas pareciam prestes a ruir quando, novamente, abri os olhos para arquitetar uma explicação.

— O cara alguns metros atrás de você... — Desviei o foco para ter certeza de que Jongdae continuava ali, olhando-o por cima do ombro esquerdo de Jungkook. — E-Ele é melhor amigo do meu namorado.

— Certo. E...? — Incentivou, lambendo os lábios.

— E... ele está me procurando. Provavelmente recebeu alguma mensagem para verificar se estou aqui e comunicar meu namorado. — Utilizei todo meu fôlego restante para explicar, voltando a atenção para frente. — Droga... Eu menti pra ele. Menti que só iria ao festival. Ele não sabe que estou em uma festa, não sabe que eu...

— Ei. — Silêncio. Toda a poeira se aquietou quando o dedos quentes tocaram minha bochecha. — Você sabe que não precisa dar satisfação de onde está para o seu namorado, não sabe?

— Mas...

— Não existe um "porém", Jimin. — Escorregou com os dedos pela minha bochecha até achar meu queixo. — Ele não tem direito algum de te cobrar esse tipo de explicação ou de mandar que alguém te persiga.

Eu sabia. É claro que eu sabia, mas não havia em mim força ou coragem para reagir.

Jungkook... — Aquela foi, provavelmente, a primeira vez em que o chamei pelo nome. Engolindo em seco enquanto descia inconscientemente com as mãos pelo seu tórax, continuei: — Você pode, por favor, só ficar mais um pouco? S-Só um pouco, até ele ir embora.

Então esperei por qualquer reação negativa, qualquer sinal de desaprovação que agiria sob influência da aversão ao meu comportamento. Esperei que Jungkook bufasse, que me atirasse aos lobos e seguisse seu caminho, mas nada disso aconteceu. Ele não moveu um músculo, não fez uma pergunta sequer, permaneceu onde estava, com ambos os braços apoiados na parede, pouco acima da minha cabeça.

— Tudo bem — disse, calmo. — Eu fico.

— Isso... é sério? — Totalmente desacreditado, fiz questão de perguntar.

— Por que não seria? — Devolveu, sorrindo. — Não é como se fosse ruim ficar assim.

— Oh... — E lá estava, enfim, minhas bochechas da cor das suas mechas. — C-Certo. Hm... — Abaixei os olhos, tentando achar algo para falar, qualquer assunto aleatório para esconder a vergonha. — Seus olhos são... muito bonitos.

Ótimo, eu tinha acabado de piorar minha situação.

— Ficou reparando nos meus olhos, Cindy? — O riso suave indicou que ele sorria, mas eu ainda não possuía coragem o suficiente para encará-lo. — Obrigado, mas eu tenho miopia. Meus olhos não prestam, de qualquer forma.

Comecei a rir, achando cômica a forma como ele conseguia transitar entre uma aura sedutora e, em seguida, completamente descontraída.

— Você usa lentes? — questionei, finalmente erguendo o rosto na sua direção.

— Só nos dias de show, acabaria derrubando os óculos enquanto mexo a cabeça — explicou.

— Seria engraçado. — Ri, pensando na cena. — Você tocando guitarra e seus óculos voando para longe.

Jungkook exibiu toda sua fileira branquinha de dentes quando gargalhou. Coelhinho.

— Isso já aconteceu — confessou, escondendo a cabeça no próprio ombro enquanto ria. — Foi trágico.

E ficamos daquele modo, rindo e conversando, quase como se não estivéssemos a centímetros de colar as bocas e queimar em um beijo alvoroçado. Cheguei a me perguntar, durante poucos segundos, se tudo aquilo era proposital; se as risadas que me arrancou não passavam, no fim, de uma estratégia para sossegar meus ânimos. Eu nunca saberia, na verdade; o que realmente me importava não eram suas reais intenções, mas o fato de que, de um modo ou de outro, meus batimentos acabaram descansados.

Durante o tempo em que Jongdae demorou para desistir de sua busca, Jungkook e eu falamos sobre muitas coisas. A guitarra vermelha em que esbarrei no domingo anterior tinha nome: Jinny, sua preferida. Ele costumava usá-la sempre que podia, ainda que tivesse outras duas para demais ocasiões. Apenas no modo como falava, era possível acessar o valor sentimental dos seus instrumentos, sobretudo o apego palpável que tinha com Jinny, a "filha" derrubada.

— Todas suas guitarras são canhotas? — Decidi tirar a dúvida que ainda persistia.

— Todas — confirmou. — Não sei tocar guitarras destras. Para ser sincero, não sei usar absolutamente nada de destros.

Franzi o cenho, fazendo bico.

— Nada? Mas... como?

— Não sei, acabei criando antipatia com a exclusão de canhotos e mandei adaptar todas as coisas que uso. — Suspirou, parecendo conformado, ainda que ligeiramente decepcionado. — Meu carro é automático, sou uma droga trocando marchas. A merda toda é feita pra destros.

— Eu nunca tinha parado para pensar nisso...

— Claro que não. Você é destro. — Riu, apertando meu nariz carinhosamente. — Vive na bolha privilegiada de um cidadão plenamente apto a utilizar uma tesoura. Deve ser fantástico.

Ouch.

— Isso doeu, hyung. — Brinquei.

— Sabe o que dói, gatinho? — Perfurou a zona de segurança, chegando mais perto. — Não ter uma cadeira apropriada para prestar vestibular. Isso, de fato, dói.

E mesmo que ele estivesse perto o bastante para atiçar minhas neuras, eu ri.

— Tem razão. Reconheço meu privilégio.

Estava tudo bem, porque Jungkook continuava ali, e ele me fazia bem.

Não lembro em que momento Jongdae sumiu, estava ocupado demais desvendando cada pedacinho de Jeon Jungkook como se encaixasse um quebra-cabeça. Decorrido um tempo desconhecido, eu sequer lembrava o porquê me escondia, meu único medo era ter as bochechas arrebentadas de tanto sorrir. Se eu saísse dali com rugas, seriam as rugas mais bonitas do mundo, pois marcariam os vestígios de alegria, traços de uma memória feliz.

Estávamos perto de nos afastar quando, à esquerda, uma figura conhecida projetou-se inesperadamente. Não era Jongdae, mas o raios invisíveis que queimaram sobre os nossos corpos resguardavam igual — ou maior — temor.

Min Yoongi.

JK o percebeu antes de mim, mas não disse nada. De onde estava, senti que podia tocar a tensão que se alastrou quando seus olhos se chocaram. Eu estava ali, entre os braços de Jungkook, à plena visualização de seu ex-namorado. O constrangimento foi inevitável, ainda que nada pudesse ser feito.

Yoongi tinha olhos felinos e selvagens, semelhantes ao de um predador. Ele parecia sempre prestes a dilacerar qualquer um que pisasse em seu caminho, as feições armadas e queixo erguido, feroz como onça. Sua energia me fazia recuar, a mínima possibilidade de aproximação soava mortal.

— Algum problema? — Mas se Min Yoongi era incisivo, Jungkook era dez vezes mais cortante.

E sem dizer uma única palavra, o corpo tatuado seguiu reto pelo correr, praticamente rompendo as moléculas do ar ao passar tão rápido e rude que não era possível acompanhá-lo com os olhos. Tudo que fiz foi apertar os lábios e esperar que ele estivesse longe para respirar com eficiência.

— Me desculpa por isso — pedi, sem saber o que dizer. — Ele deve ter pensado que...

— Yoongi pode pensar que quiser. — A resposta foi rápida, mas meus ouvidos não deixaram escapar a breve entonação magoada. — Não me importa.

Importava. Bastava olhá-lo para saber.

Histórias de amor são assim, ambíguas. Tocam o céu e, às vezes, ardem no inferno. Não há manual ou roteiro certo para nadar nessas águas, vendavais e correntezas são os únicos pontos de convergência à direção comum: destino. Soa patético e juvenil, mas amores carregam o fardo do imprevisível, sangram e se curam, por vezes fenecem ou machucam para sempre, como infindáveis queimaduras. Talvez Shakespeare estivesse certo e não haja, afinal, qualquer tranquilidade no curso do amor verdadeiro. Essa é a parte bonita de amar, a mais medonha e perigosa, também.

Jungkook não disse mais nada, parecia distante nas masmorras da sua mente. Doía não saber o que pensava, não entender seus sentimentos ou os bastidores do seu passado, mas eu havia me reconhecido no lugar de telespectador. Sua história não me dizia respeito, mesmo quando eu morreria para fazer parte. As dores, os medos, as minúcias escondidas sob os olhos de mel seriam o infinito intocado, meu eterno anseio e minha eterna lamúria.

Nos afastamos antes que eu me desse conta, prontos para deixar o corredor e procurar Taehyung pela festa. Em silêncio, andamos até a escadaria em um clima indecifrável, descendo ao andar debaixo e, novamente, sendo recebidos pelo som estrondoso e ruídos habituais de conversação.

Achá-lo seria complicado, a casa era gigante e o excesso de pessoas não facilitava nem um pouco. Eu não tinha certeza se ele permanecia na mesma sala de antes, mas o conhecendo como eu conhecia, sabia ser improvável que permanecesse no mesmo local durante todo aquele tempo.

— Não acha melhor ligar ou enviar uma mensagem para que vocês se encontrem em algum lugar? — Jungkook questionou, apoiando-se ao balcão da cozinha. — Não vamos achar ninguém nessa multidão.

Suspirei, concordando.

— Tem razão... — Apalpei meu bolso, tateando até achar meu celular. — Vou ligar.

Todavia, enquanto rolava a lista de contatos, tive o desprazer de passar os olhos pela janela de mensagem, aberta na região superior da tela. E lá se foi, desfazendo-se como areia, a confiança que me sustentava. A busca pelo nome de Taehyung reduziu-se a segundo plano na mesma facilidade em que meus olhos se encheram de lágrimas pelo desconforto; e assim, então, desmancharam-se todas as certezas de uma noite feliz.

"Eu sei que está em uma festa, desgraçado. Não precisa mais esconder."

"Me atenda. Vai ser pior se fingir que não está vendo."

Kyuhyun havia acabado de, com dois singelos envios, puxar-me de volta à nossa realidade medíocre.

A sensação foi de naufrágio, como um navio emboscado nas ondas brutais de uma tempestade. Lenta e dolorosamente, vi meu coração imergir no desespero no instante em que o celular vibrou, notificando a ligação recém anunciada pelo contato de nome irônico e possessividade imensurável. Ao invés de parar, o mundo rodou; rodou e rodou, de novo e de novo, cada vez mais forte, rápido e atroz. Minhas mãos tremiam, o smartphone mal parando com firmeza nas mãos à medida que minha respiração estancava, travando na garganta.

Eu havia cometido um erro; um grande, terrível e escandaloso erro.

Foi pela culpa arremessada às minhas costas que apertei o botão verde, indo contra os meus próprios princípios e valores fixados anteriormente naquela mesma noite. Não havia possibilidade de deixar para depois, uma bola de neve daquela magnitude não permitia adiar meus problemas ou agir como se não existissem.

Príncipe algum viria ao meu resgate na manhã seguinte. Nenhum sapato de cristal anularia os farrapos inerentes à minha essência de prisioneiro.

Jimin! — A voz familiar vociferou do outro lado da linha. — Que porra você pensa que está fazendo?!

A música era alta, mas não o suficiente para que seus gritos fossem abafados.

— Eu vim em uma festa, amor... — Tentei, tremendo. — Eu...

Já sei que está numa festa, idiota. Não sou tapado. Jongdae te viu com o merdinha do JK.

Droga.

Pensei em perguntar de onde conhecia Jungkook, no entanto, era inviável manter uma conversa saudável naquelas circunstâncias. JK era relativamente famoso, de qualquer modo.

Não quero falar disso agora, a ligação tá uma merda — disse, a voz soando mais calma do que antes, embora nada suave. — Só saiba que vou passar na sua casa amanhã. É bom que não esteja de ressaca, como sempre. Vamos conversar sobre a sua falta de consideração e vergonha na cara.

— Kyu, por favor...

Tchau. Vá para casa, Jimin.

E encerrou a chamada.

Ao lado, Jungkook me assistia cautelosamente, encostado ao balcão com ambos os braços cruzados. Eu me senti tão, tão patético que a primeira lágrima escorreu assim que nossos olhos se encontraram. Nunca na vida havia sido tão severamente envergonhado, a insuficiência enfática pairava acima de mim como o espectro frustrado de um antigo "eu", ingênuo por arriscar a si mesmo em troca de uma lasca do paraíso.

O dono dos olhos de mel dispensou expressões verbais para mostrar consolo; o braço colorido tocou minhas costas e logo seu tronco estava perto ao meu, compartilhando de um calor gostoso. Não era um abraço, não por completo, mas eu podia sentir o leve tocar dos nossos abdomens e o modo como infiltrou os dedos longos por entre os meus cabelos, massageando delicadamente como se temesse me desmontar.

Jimin-ah — murmurou rente ao meu ouvido enquanto eu me desfazia no seu toque. — Você quer me falar alguma coisa?

— Me desculpa, hyung — pedi fraco quando agarrei na sua camiseta, apertando os olhos molhados ao passo em que as lágrimas rolavam. — Me desculpa por ser uma bagunça.

— Eu gosto de bagunças — respondeu, tão certo e firme que mal pude contestar. Não quis olhá-lo, mas sabia que, naquele instante, seus olhos ardiam. — Você não precisa pedir desculpas.

— Hyung...

Shhh... — Soprou meu ouvido, brincando com os dedos nos meus fios à medida em que me trazia para mais perto. — Tá tudo bem, Jimin. Eu entendo e, honestamente, não quero te culpar ou te forçar a conversar sobre isso com um canhoto aleatório que conheceu em um bar há uma semana. É melhor encontrarmos o Taehyung, não é? Ele terá muito mais a oferecer do que eu.

Eu sabia que minha história não era um conto de fadas utópico com príncipes encantados, mas seria sempre muito difícil olhar para ele e não o relacionar com todos os detalhes bonitos de um romance juvenil. Era como se todas as músicas de amor fossem sobre ele, como se Shakespeare, Poe e Camões houvessem humanizado os versos românticos em uma única existência mortal.

Jungkook era o final feliz em um arco de guerra, bem como o final triste dos que sonhavam acordados.

Prosseguimos com a busca por pouco mais de cinco minutos. Meu estado era frágil demais para atender ao telefone sem explodir em lágrimas, por isso, JK cuidou de ligar para Taehyung e marcar um ponto de encontro ao mesmo tempo em que me guiava pela festa, abrindo espaço entre as pessoas e segurando gentilmente meu antebraço.

No jardim — agora mais vazio do que na primeira vez em que estive ali —, Taehyung me esperava com a jaqueta amarrada na cintura e o pé direito batendo inquietamente contra a grama. Só tive tempo de arregalar os olhos quando seu corpo alto pulou em cima de mim, resmungando inúmeras coisas desconexas enquanto me apertava em um abraço forte.

— Quer me matar do coração?! JK ligou e disse que você estava chorando! — Ainda segurava meus ombros quando se afastou minimamente para me fitar. — O que o Kyu fez dessa vez?

— Tae — Jungkook chamou com os dedos, tombando a cabeça para o lado. — Posso falar com você por um momento?

Taehyung alternou os olhos entre nós dois, parecendo confuso, mas não tardou em concordar e acompanhá-lo para longe. Eu não sabia do que se tratava, contudo, não movi um único músculo para descobrir o que era; permaneci estático, com os olhos baixos e o rosto molhado, a mente muito longe dali.

— Soulsoul. — A voz de Taehyung me chamou assim que voltaram, cerca de dois ou três minutos depois. — Posso dormir na sua casa hoje?

Levantei os olhos, quase não conseguindo sustentar a cabeça em pé.

— Pode. — Minha tentativa de sorrir foi falha. — Pode, sim.

Taehyung sorriu e rapidamente se postou ao meu lado, abraçando meu corpo nos seus braços grandes e quentes. Pouco à frente, Jungkook nos assistia calado, uma das mãos engolidas pelo bolso da calça jeans e a outra nos cabelos recém secados.

— Agora que está em boas mãos, acho que já posso ir. — Esboçou um sorriso pequeno e aliviado, chegando perto para bagunçar meus cabelos de forma carinhosa. — Se cuida, Cindy.

Aquela era uma despedida. Mais uma, dentre todas as outras.

Minha garganta secou quando o vi girar parcialmente o corpo para caminhar na direção oposta, visualizando as costas fortes à medida em que começava a andar. Enquanto Jungkook levava junto a si todos os cacos do que restara de uma noite bonita de verão, ergui o braço involuntariamente na sua direção, quase como se quisesse — ou pudesse — alcançá-lo.

Foi quando lembrei que ainda usava seu anel.

— E-Espera! — chamei antes que se virasse e partisse de vez. A angústia no peito pareceu insuportável quando seus olhos pousaram em mim pela última vez, resplandecendo como a Via Láctea. — O seu anel... ainda está comigo.

Naquela fusão tão divina de belezas abstratas, com a pitada amarga da dor pela partida, o moço de neve decidira me presentear com um último sorriso doce. Durante aquele mero e efêmero segundo, a vida foi bonita e o mal nunca existiu. Como no trajeto à colina do festival, Jungkook e eu fomos o começo, meio e fim; fomos o todo de um nada, a história não contada de um faz-de-conta que nunca existiu.

E foi bom, porque apenas naqueles rasos instantes, eu senti que merecia ser feliz.

— O anel é seu. — As palavras deixaram seus lábios em câmera lenta. No momento seguinte, ele se virava uma nova vez, pronto para ir. — Use com carinho.

Carinho era tudo que eu tinha para dar a qualquer vestígio que ele deixasse em mim.

E, desse modo, etéreo e fugaz, Jungkook se foi; assim, sem cerimônias ou extensões dolorosas de despedida. Foi-se, simples como havia de ser. Para trás, nos decursos mais remotos do meu consciente, apenas as reprises imaculadas das suas risadas, o vermelho do seu "eu" e a escuridão da sua falta.

Taehyung me levou para fora da festa mais rápido do que pude perceber. Minha cabeça ainda transitava ao redor de Jungkook e seus detalhes quando o Uber chegou. Entramos sem pressa e permanecemos calados por algum tempo.

— Ele cuidou bem de você? — perguntou após dois minutos de silêncio.

Olhando pela a janela e aéreo demais para me importar com a beleza da praia logo ao lado, respondi:

— Sim. Ele... — Engoli o choro que se acumulava na garganta. — Cuidou. Sempre cuida.

Pude ouvir Taehyung suspirar, levando a mão até a minha para acariciar com ternura.

— Você gosta dele, não gosta, soulsoul? Mesmo com esse pouco tempo de convivência. — perguntou, sem de fato esperar uma resposta. — Ele me disse para dormir com você por hoje, estava preocupado com o que o Kyu poderia fazer depois de ter visto você chorar.

Virei na sua direção, surpreso.

— Ele disse isso?

Taehyung acenou positivamente.

— E disse pra que você mantenha contato.

Franzi o cenho ao perceber que, de qualquer modo, eu não tinha tido coragem o bastante para pedir seu número. Não havia como nos mantermos em contato.

— Eu não tive coragem de pedir o número dele... — confessei e logo descansei a cabeça no estofado, angustiado.

Taehyung deu risada, entrelaçando nossas mãos.

— Não tem problema. — Então, chamando minha atenção com um estalo de dedos, tirou do bolso um papel rasgado, jogando-o no meu colo.

Arregalei os olhos. Meu coração parou.

— Já que você não pedia... — Deu de ombros, sorrindo antes de virar o rosto para a janela. — Faça bom proveito, soulsoul.

Um número; no papel aberto sobre as minhas pernas, havia um número.

— Isso é...?

Sem me encarar, Taehyung riu nasalado e, por fim, assegurou:

O número do Jungkook.

***

#MorangoCanhoto 🍓

[REFERÊNCIAS]:

O fato do Jimin chamar o Jungkook de "moço de neve" teve inspiração em um poema/música de Ferreira Gullar e Fagner. Chequem depois! Chama-se "Me leve".

"Heavy", a música do JK, na verdade é inspirada na música do Linkin Park com a Kiara, também chamada Heavy.

[NOTAS]: IAI, CURTIRAM? Espero muito que sim, eu tô MEEEEGA insegura oakodskaoks MAS JURO QUE ME ESFORCEI DE MONTÃO PRA RETRIBUIR O AMOR. Novamente, peço pra que comentem bastante e deixem um votinho se puderem, não custa nada <3 

Espero vocês na tag da fic no Twitter, viu? OBRIGADA POR TER LIDO ATÉ AQUIIII! 

TWITTER DOS PERSONAGENS (com fins de entretenimento para os leitores):

JK: @ EVILJKEY

JM: @ chimmiah

HOSEOK:  @ EVILHOBARI

RM: @ EVILRME

GUINHO: @ EVILAGUSTD

Ainda vou fazer um pro Tae, prometo!

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