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02. O Ardor da Paixão.

[NOTAS]: PUTA MERDA COMO ASSIM 29K DE LEITURA NO PRIMEIRO CAPÍTULO???? EU NUNCA FIQUEI TÃO FELIZ NA VIDAAAAAAAAAAAAA!!!

Muito obrigada de TODO coração pelo carinho, gente. Eu estava muito insegura com essa fic, mas me animou DEMAIS ver a repercussão dela e a reação de vocês. Eu ganhei várias fanarts e elogios, melhorou mil vezes meu humor e todo o resto da minha vida.


Esse capítulo inicialmente seria mais longo, mas decidi dividi-lo em mais partes porque achei que seria o ideal. Espero que gostem e POOOR FAVOR, comentem muito! Quero saber a reação de vocês!

Boa leitura! 

🍓 #MorangoCanhoto

***

"Ergue-se o ardor da Paixão, que tão cedo queimou sob afinca imaturidade, louca e efusiva, derramada sobre primeira — e única, é como diz! — sensação de amar."


Samanda, 2020.

Horário desconhecido.

Lá estava.

A distância era tortuosa, mas aqueles rasos centímetros que nos separavam, previsivelmente, falhavam em podar meu fascínio. Foi como imaginei que seria, ou como desejei que fosse, embora não importasse mais, de todo modo. No meu pódio imaginário de relevância — criado a partir de critérios um tanto duvidosos —, seus olhos roubaram a primeira colocação, absolutos e irredutíveis.

E era bom. Era bom tê-lo comigo, distante ou não, talhado por lâmina no meu coração, que eventualmente sangraria de saudade.

— Você vai sumir caso eu te sopre? — Foi tudo que perguntei, deitado na cama e tendo nada além de um vislumbre nublado das suas costas nuas e do rosto ligeiramente virado. — Como um dente-de-leão?

No instante da fala, o questionamento soou inocente, natural. A espontaneidade do dizer quase obteve sucesso em mascarar as incitações da pergunta, não fosse a fatalidade do olhar que, como usual, denotou todos os medos detrás da metáfora na minha indagação. Não era difícil me decifrar; olhos não mentem e, no meu caso, praticamente gritavam. Ele sabia jogar meu jogo, não precisava de nada mais que poucos segundos de contato visual para desvendar a verdade.

— É o que espera que aconteça? — Devolveu, tão distante da resposta esperada quanto de soar claro ou preciso. Ele sempre fazia aquilo.

— É o que temo que aconteça — corrigi instintivamente.

Após isso, todos os eventos se tornaram desconexos, no sentido mais autêntico da palavra.

No intervalo de um único piscar de olhos, uma perturbação visual repentina tornou a imagem de JK disforme. Seu tronco parecia descolorir, esmaecendo como fumaça, fomentando aquela sensação de estranheza que subitamente me apossou, como o sentimento de algo que não se encaixa.

"Eu bebi?", foi a primeira dúvida a pipocar na minha cabeça quando notei que seu corpo havia sumido, materializando meu temor recém confessado. Não... não era álcool. Talvez fossem os ansiolíticos — ainda que nenhum dos meus apresentasse esse tipo de efeito —, mas algo não parecia se encaixar.

Fechei os olhos para buscar alguma lembrança que desse sentido à situação, sobretudo ao sumiço da pessoa com quem há pouco dialogava. Nada; nenhum porquê. Pautada na ausência de explicações lógicas, a hipótese de delírio surgiu à medida que minhas pálpebras se levantavam, pesadas.

— Perdido, Cinderela? — E estava, mais uma vez.

Inteiro e sólido, JK reapareceu no meu campo de vista, ainda de tronco despido. Seu corpo se projetava ao lado, sentado na cama como se nunca de fato houvesse sumido daquele quarto.

— O que você...? — A pergunta sequer achou seu fim. Pisquei algumas vezes para ter certeza do que via, mas nada parecia mudar. Ele continuava ali.

— Eu o quê? — Incentivou o término da frase, sorrindo. — Seus remédios estão dando perda de memória?

— Não, não... Eu só... — Então um clique, daqueles rápidos e brutos, pareceu abater meu cérebro. — Espera, como sabe que eu tomo remédio? Eu te disse?

— Não sei. Disse? — Tombou a cabeça ao que erguia a sobrancelha, confuso.

Subitamente, eu já não entendia absolutamente nada do que estava acontecendo.

— Não sei, não me lembro... — admiti, mordendo o lábio e encarando seu rosto bonito em busca de uma resposta. — Não lembro de muita coisa, na verdade.

— Lembra de como começamos essa conversa? — Um sorriso bonito e convencido tracejou seus lábios. — De como paramos onde estamos?

Nada. Nenhuma memória.

— Espera, então... — Mais uma vez dentro de cinco minutos, meu pensamento permanecia inacabado.

Um barulho estridente ressoou logo em seguida, distante e abafado. A melodia era familiar, eu conhecia a canção. Ariana Grande certamente possuía uma voz deveras não confundível, "Thank U, Next" não me passaria despercebida nem mesmo nas dadas condições.

Eu sabia a origem do som; era meu celular, vibrando no toque habitual da minha artista predileta. Olhei para mesinha de canto com a certeza de ver o aparelho ali, parado onde costumava ficar, mas não achei nada além do vazio.

Que droga está havendo? Parecia o único questionamento cabível naquele instante. Minha cabeça latejava, pulsando em tentativas inúteis de conectar os acontecimentos; a saída mais viável daquele labirinto, aparentemente, era buscar sanar todas as dúvidas surgidas nesse meio tempo, perguntando o que sentia que devia perguntar à figura ao meu lado.

Que figura, no entanto?

JK, antes recostado à cabeceira, reduziu-se ao faz-de-conta; uma fantasia brevemente findada. Nos meus lençóis, nenhum rastro da sua presença, apenas a energia morta do "era uma vez" que nunca existiu.

Eu estava sozinho no quarto.

O canto de Ariana prosseguia, cada vez mais próximo. Nada de JK e nada do meu celular. A confusão já era tanta que minhas atitudes se limitavam à observação inquieta e contínua de pontos aleatórios do quarto, perdido como nunca estive. Havia algo de muito errado acontecendo, uma falta preocupante de familiaridade com o ambiente que soava muito... estranha. Certamente assustadora, na mesma proporção.

Alto, alto, alto. Os segundos corriam e a melodia agradável se degradava em estridência, ruídos ensurdecedores corroíam as paredes e os ângulos do quarto se retorciam como seda. Suposições já não tinham espaço para acontecer, não era possível arquitetar soluções ou elaborar perguntas. Meu cérebro estava em branco.

Foi só então que a sensibilidade dos meus ouvidos se manifestou com mais intensidade, pois o uso das mãos como forma de bloquear o som pareceu indispensável para saúde dos meus tímpanos. Fechei bem os olhos e apertei, apertei, apertei, pressionando as palmas em ambas as orelhas de modo a evitar a passagem da música — que agora mais se assemelhava à sinfonia desastrosa do submundo.

Meus esforços, no entanto, não foram suficientes.

Uma dose fulminante de adrenalina me acertou quando, pelo toque, senti minhas mãos molhadas. Instantaneamente, eu soube o que era; no fundo mais distante de mim, porém, alguns impulsos desconhecidos me incitavam a tirar a prova, ver para crer. Foi na obediência aos ditos impulsos, portanto, que posicionei os braços à frente dos olhos, ligeiramente flexionados somente para permitir plena admiração do que eu já imaginava estar ali.

Sangue.

Olhando para minhas palmas, trêmulas e embaçadas, o único destaque era o sangue, pincelado como tinta na pele das minhas mãos.

— Ah, não... Não, não! — A negação finalmente pareceu ter algum sentido. Eu estava com medo, medo de ter ficado surdo, medo da cama que parecia me engolir, medo do barulho, do sangue, das paredes e...

E...?

— Jimin!

Silêncio.

Inusitadamente, todos os ruídos cessaram.

— Jimin! — A voz não parecia distante. Talvez fosse o contrário. Estava próxima, próxima demais. — Acorda! Atende a porra do celular!

Um sonho.

Havia sido tudo um sonho.

No ímpeto pelo despertar, a rapidez com a qual meu tronco descolou do colchão fez minha pressão despencar. Minhas retinas penaram até que pudessem ajustar a entrada de luz e permitir clara visualização da realidade, especificamente das minhas mãos, partes cuja epiderme, como previsto, não apresentava nada além de... pele.

Sem sangue. Nada. Apenas pele.

Encarei as palmas por mais alguns segundos antes que me desse ao luxo de deixar escapar um suspiro aliviado. Passado o tempo necessário para que tivesse certeza da minha lucidez — e da familiaridade antes ausente com o ambiente —, descansei os braços e por fim pude dar devida atenção à vibração em cima da mesinha ao lado.

Meu celular.

— Acordou? — A cabeça minúscula de Chaeyoung moveu-se em sincronia com os cabelos curtos e lisos, o rosto redondo pulando para dentro do meu quarto como um gato curioso. — Finalmente! Gritei umas seis vezes e nada. Mais duas vezes e eu usaria os punhos.

— Eu estava sonhando — respondi sem muita cerimônia, ainda um tanto lento pelo sono recente. Olhei para o visor do celular, nem um pouco surpreso ao ver o apelido do Taehyung brilhar na tela.

Chaeyoung não disse mais nada, apenas deixou o quarto balançando a cabeça em negação, provavelmente irritada por ter um irmão mais velho incapaz de acordar cedo e atender o próprio telefone.

Agarrei o aparelho antes que parasse de tocar e atendi com a precisão de quem já havia feito aquilo mais vezes do que se é possível contar. Meus ouvidos já estavam preparados.

— Está vivo ou estou falando com a Chaeyoung? — Típico. Aquele era o bordão preferido de Taehyung para saber se eu havia chegado em casa bem. — Voltou de Uber? Está com roupas? Dores? Alguém te tocou? Se for a Chae: cheque o estado dele e me informe todos os detalhes.

O revirar de olhos a seguir foi completamente inevitável.

— Sou eu. A Chae se limitou a gritar por hoje, não fez questão nenhuma de te atender. — Sorri quase que sem querer. Os berros da minha irmã nunca perdiam graça, a mera lembrança já era fantástica por si só. — Voltei de carro. Estou com roupas. Ninguém me tocou.

Do outro lado da linha, pude ouvir Taehyung comemorar minha sobrevivência.

— Feliz? Agora, por favor, me deixe viver — pedi, pronto para encerrar a ligação.

— Opa, opa! Espera aí. — Interrompeu. — Voltou de carro? Carro de quem?

A resposta instantânea redigida no meu cérebro foi: "do motorista do Uber, oras". No segundo imediatamente posterior, porém, a suposta verdade embutida naquela frase se diluiu na tempestade selvagem de lembranças que entrava arrebentando por entres as portas da minha consciência.

Ele.

E como nos takes de um filme, seu rosto pareceu pintar cada decurso de memória sobre a noite anterior. O sorriso, a palidez, as mechas e até o cheirinho de morango; sua figura se constituiu uma nova vez, intacta em cada uma das lembranças, reverberando em todo aquele vigor vermelho e bonito.

JK. O carro em que eu tinha vindo era o carro de JK.

— Jimin? Alô? — Ao ouvir a voz de Taehyung, percebi que tinha ficado todos aqueles segundos sem piscar. — A chamada caiu?

— Não, não. — A divagação havia me deixado ligeiramente confuso. Balancei a cabeça, respirando fundo. — Hã... Sobre o carro, bem...

Como poderia explicar algo daquele tipo?

— Eu estava muito bêbado, como você deve saber. — Escolhi começar pela parte mais óbvia, quem sabe para diminuir o baque que seria contar o fato de ter voltado de carona com um estranho. — Não pensei em voltar de Uber, porque... Bem, porque não tinha dinheiro, é claro. Acabei esbarrando na guitarra do vocalista do tal de Devil, Evil... Não lembro bem o nome, e então...

— Espera! — Seu tom elevado me travou imediatamente. — Espera, espera, espera! Você 'tá falando do JK?

Bingo.

— Isso. Ele.

— Foi no carro dele? — perguntou, não sem antes completar sua ideia. — Digo, foi ele quem te levou para casa?

Tomei alguns segundos para morder o lábio e suspirar.

— Sim, foi ele.

— Park Jimin! — Outro grito. Taehyung estava especialmente inspirado naquela manhã, ou tarde (o horário me era desconhecido, até então). — Você voltou de carona com o gostoso do JK e não me disse nada?

— Você o conhece? — Resolvi perguntar, logo depois sabendo que era estupidez.

— Quem não o conhece? — completou, somente para que eu me sentisse ainda mais idiota pela recordação de que a banda de JK era conhecida, o que consequentemente o tornava numa figura memorável. — Ele é favorito dentre os membros do EVIL. E outra: fui eu quem os trouxe para tocar no Jude's. É óbvio que o conheço.

— Ah...

— "Ah"? — A marca de sarcasmo no seu tom era inconfundível. — Que porra de "ah"! Me conta direito essa história de carona!

Conhecia Taehyung bem o bastante para saber que ele não me deixaria viver normalmente sem que tivesse as respostas desejadas, portanto, narrei cada um dos acontecidos de forma detalhada para saciá-lo apropriadamente e, assim, evitar que me infernizasse para o resto da eternidade com um questionário infinito sobre as supostas ocorrências da noite anterior.

Falei sobre o esbarrão e sobre a guitarra até chegar na conversa pós-show, contando o que conseguia lembrar acerca dos diálogos — ocultando com êxito todas as partes que comprometiam minha dignidade — e sobre como acabei, por fim, sendo carregado no colo até minha cama

— E você não pediu o número dele? — Após bons minutos à escuta, aquilo era tudo que Taehyung parecia ser capaz de dizer. — Caralho, Jimin, ele estava totalmente na sua!

— O quê? Não! — Quer dizer, eu desejava muito que estivesse, mas duvidava muito que JK possuísse aquele tipo de mau gosto. — Ele só me ajudou por pena. Eu estava caindo de bêbado.

— Ele te levou no colo até sua cama! No. Colo. — Pausou dramaticamente para continuar: — Deixa eu te atualizar, meu benzinho: esse mesmo príncipe que fez tudo aquilo por você ontem é Jeon Jungkook, especialmente conhecido pelas ruas de Samanda como o cara mais inacessível que já pisou aqui.

Jeon Jungkook.

JK.

"É esse seu nome, então?", pensei quase que sem querer, um sorriso tímido dançando nos lábios pela lembrança do "segredo" sussurrado tão traiçoeiramente por aqueles lábios profanos na noite passada, objetivando esconder o nome bonito que agora dava sentido às iniciais gravadas na guitarra.

— Jeon Jungkook... — Repeti como um mantra, concluindo sozinho que Taehyung sabia muito mais sobre o rapaz da mecha vermelha do que eu jamais ousei imaginar. — Inacessível, é? Por quê? Por conta da banda? É por isso?

— Não, quem dera fosse. Nesse sentido, Jungkook é bastante amigável — respondeu, desprovido de qualquer receio. — Como posso explicar? Não sei se há algum termo específico para isso, mas digamos que ele é amigo de todo mundo e, simultaneamente, não é amigo de ninguém. Isso faz algum sentido?

— Sim e não. — Franzi o cenho, tentando me situar na sua explicação. — Continue.

— Ah, eu não acho a palavra! — Taehyung grunhiu, sem sucesso na busca do termo almejado. — Mas, resumidamente, é como se Jungkook conhecesse todo mundo, mas ninguém o conhecesse de fato, entende? Sabe-se pouquíssimo sobre a vida dele, suas inspirações, seus gostos e todo o resto. Ele é bastante reservado quanto a isso e, até hoje, o mais profundo que se conhece sobre seu passado é que ele não nasceu aqui. Talvez seja de outra cidade ou país, mas ninguém teve coragem de perguntar. Ele tem uma aura um tanto intimidadora, sabe?

Eu sabia.

— Quer dizer, ele é gente boa, mas transmite ume energia um tanto... Peculiar, talvez? Não sei se essa é a palavra correta. 'Tô carente de didática hoje, viu? — Bufou, descontente, mas continuou com firmeza: — É que bate um certo medo de invadir a privacidade dele, então todo mundo acaba só deixando isso de lado e fingindo que não sabe de 90% do que rola na vida do bonitão.

— Eu... não sei ao certo o que fazer com essas informações — confessei honestamente, perdido em meio às colocações de Taehyung. — Não sei como me sentir sabendo isso, também.

— Como não, praga? — Devolveu muito antes do que eu esperava. — Pois eu sei como você deve se sentir sobre isso: um brotinho sortudo! Porque é evidente que Jungkook não faz isso com todo mundo, tampouco com alguém que conheceu na mesma noite. Nasceu com esse teu rabo virado pra lua e nem pra pedir o telefone dele, hein? Eu estou oficialmente descrente.

— É, eu... deveria ter dito algo, pedido algum tipo de contato para agradecer quando estivesse sóbrio. — Não havia saída. Taehyung estava certo; chances como aquelas apareciam uma vez a cada um milênio e eu tive a proeza de desperdiçar. — Tem razão. Eu também estou descrente com a minha estupidez.

A conversa não durou muito, todo o resto se resumiu à dedicação de Taehyung em tentar me alegrar e atenuar a melancolia anexada à constatação infeliz de que, certamente, oportunidades de ouro aparecem uma única vez; e se aparecem, de fato, uma única vez, a minha havia se perdido no mar do passado.

E nada, nem as ondas à noite ou finais trágicos de filmes românticos soaram tão tristes quanto saber que eu jamais veria Jungkook uma outra vez.

Arrastei meu resto de energia para amenizar algumas das consequências da minha bebedeira, incluindo a dor de cabeça e o mal-estar. Forrei o estômago com dois pães e uma maçã antes de tomar o remédio para resseca, só então tendo cabeça para visualizar as mensagens pendentes, quase todas oriundas daquele pequeno contato em específico que cintilava no topo do aplicativo, gravado — muito ironicamente — com o nome de "amor", acompanhado de um emoticon cafona de coração.

Kyuhyun.

A maioria — senão todos — seus envios eram de baixo calão, não surpreendentemente dotados de textos gigantescos que narravam toda nossa briga numa perspectiva tendenciosa. Eu era o culpado ele, apenas uma vítima contrariada. Seguindo sempre, sempre esse mesmo raciocínio em cronologias quase sistemáticas de construção textual:

1) Me chamar pelo nome inteiro;

2) Repetir palavrões enquanto diz o quanto está chateado;

3) Falar sobre o acontecido de forma que pareça ser minha culpa;

4) Xingar um pouco mais e dizer que precisa de um tempo.

E assim seria — como também fora todas as outras vezes — a maneira mais eficaz de me amolecer. O coração apertado denunciaria minha dependência emocional e, numa sequência involuntária, eu responderia suas mensagens pedindo desculpas por beber tanto e por ser um "filho da puta irresponsável" que falhava em zelar pela pessoa amada. Sentiria vontade de chorar, a garganta apertaria, então eu desligaria o celular e esperaria o sentimento partir até que pudesse respirar de novo.

Naquela manhã, a rotina perpetuou-se normalmente; esse ritual, por sua vez, manteve-se.

Após passar pelos estágios preestabelecidos de todas as minhas brigas com Kyuhyun, dei a mim mesmo uma trégua e resolvi tomar um banho rápido para aliviar a tensão. Ainda vestia as roupas da noite anterior quando acordei, carregando aquele cheiro horrível de álcool com uma pitada minúscula do aroma da jaqueta de Jungkook — o mesmo cheirinho de morango que senti no seu carro e em sua camiseta.

Saindo do banheiro já vestido, vi o corpo com menos de um sessenta de altura estirado na minha cama, as pernas curtas balançando alternadamente. Chaeyoung parecia me esperar, rolando vez ou outra por cima do lençol desarrumado.

— O que foi? — Caminhei até o pequeno varal pendurado na minha janela.

— Quem é JK? — Curta e concisa, soltou num tom quase inocente, não fosse o sorriso travesso que riscava seu rosto assim que tive a oportunidade de encará-la novamente.

Girei o corpo tão rápido quanto joguei a toalha no varal, vergonhosamente desequilibrado pela pergunta repentina. De frente para a pirralha teimosa, ergui uma sobrancelha em completa confusão.

— Você o conhece? — Essa parecia ser uma pergunta pertinente naquela manhã.

— Não, é que te deixaram um bilhete em cima da cômoda. Acabei vendo quando vim te acordar e fiquei curiosa. — De trás do corpo, estendeu o braço e chacoalhou um pedaço de papel dobrado, preso entre o polegar e indicador. — A pessoa assinou como "JK".

O ar sumiu, reprimiu-se tanto que, ali, naquele instante, meu peito quase explodiu.

Chae mal teve tempo de terminar a frase, meu corpo logo estava jogado sobre o seu à medida que minha mão tomava bruscamente o pedaço de papel que mais parecia conter a fórmula secreta para extinção da fome do que um recado qualquer.

A caçula dos Park protestava sob mim, mas meus olhos sequer piscavam ao que, desdobrando o bilhete, a caligrafia refinada reluzia como feitiço naquele papel de arestas disformes, presumidamente arrancado de uma folha.

"Ei, Cinderela,

Caso esteja entediado no próximo domingo (supondo, também, que seu namorado idiota não esteja no seu pé), o EVIL toca no Festival de Verão desse ano. Se quiser aparecer, já sabe.

Cuidado com guitarras e não beba tanto.

JK."

As concepções antes tão firmes de chances que não se repetem estilhaçaram-se em cacos infinitos. Ali estava, num pequeno pedaço de papel, a clemência do universo tingida em caneta azul. Se oportunidades de ouro apareciam a cada milênio, eu seria — pela primeira vez — exceção à regra.

Nenhum espelho se dispunha à minha frente, mas eu bem sabia que meus olhos brilhavam. Algumas palavras transcritas, um simples recadinho sucinto; tinha sido o mínimo, menos que o mínimo, para reascender quaisquer fossem as chamas afogadas pela desesperança. Numa reprise curiosa, Jungkook recuperava — armado com nada além de si mesmo — sua colocação prestigiada naquele pódio de relevância criado no sonho estranho tido mais cedo.

Saí de cima de Chaeyoung, que ainda me xingava insistentemente pelo susto. Estava ocupado demais me entregando à sensação maravilhosa de expectativas reerguidas para ouvir minha irmã, então apenas olhei para ela, sorrindo, balançando o pedacinho de papel para que soubesse o motivo da euforia.

— Aqui está, cara irmã, meu rolê para a próxima semana. — Alternei o olhar entre Chae e o papel, sorridente.

— Ah, é? — Cruzou os braços e se ajeitou na cama, a postura desafiadora jamais extinta. — Vai chifrar o merdinha do Kyuhyun com esse tal de Jota Cá?

Qualquer pessoa desacostumada engasgaria, mas eu já estava habituado com o linguajar afiado de Chaeyoung. Dezesseis anos de vida haviam ensinado mais palavrões para aquela pirralha atrevida do que eu pensava ser possível.

— É "Jeiquei", e não "Jota Cá". Não sabe inglês, pentelha? — Neguei com a cabeça, estalando a língua. — E não, não vou chifrar o Kyu. Só disse que tenho para onde ir no próximo domingo. É marca de início do verão em Samanda, ficar em casa seria deprimente.

— Conta outra, irmãozinho. A última vez em que te vi feliz assim foi... — Parou um momento para pensar, logo afirmando: — Sim! No show da Ariana Grande. Você não me engana, Park Jimin. Admita que quer o corpo nu do Jota Cá!

Pirralha descarada.

— Ele é bonito. — Calúnia, ele era muito mais que apenas bonito. — Mas eu namoro. Saia da sua imaginação, Chaechae.

Antes de dar abertura para que ela falasse qualquer outra coisa, levantei da cama e saltitei até a escrivaninha branca repousada no canto esquerdo do quarto. Meu coração batia tão forte que eu podia ouvi-lo.

— Vai contar para o Tae? — A voz de Chaeyoung me alcançou.

— Claramente. — Virei, um sorriso óbvio e escancarado pintado no rosto conforme caçava no celular o contato em questão, ansioso para desmentir todo a fábula de chances desperdiçadas e reforçar para Taehyung que, apesar de tudo, o destino parecia estar ao meu favor. — Preciso de alguém para me acompanhar.

Chaeyoung riu, tombando a cabeça ao que levantava do colchão.

— Use camisinha, maninho — disse, erguendo ambas as sobrancelhas e abandonando o quarto sem dizer mais nada.

Uma gargalhada genuína me explodiu na garganta, acompanhada de um pedido risonho para que Chaeyoung ficasse quieta. Ela não tinha jeito, mas ainda que fosse tão ousada, era tudo o que eu desejei ser como pessoa a vida inteira. Tinha uma personalidade brilhante e admirável, embora uma linguinha suja e afiada.

Suspirei, recuperando o ar pela risada estridente acerca do comentário nada apropriado. Num segundo, já estava com o celular colado à orelha, ligando para Taehyung com o pé batendo inquieto no chão de madeira.

— Alô? — Sua voz ressoou.

Meus dentes soltaram para fora de modo a expressar todo aquele sentimento gostoso que dançava no meu peito. Em dezoito anos, a paixão nunca pareceu tão bonita.

— Tae, temos compromisso no domingo. — A declaração saiu rápida e extasiada. Na mão livre, apenas aquele bilhete delicado, causador da luz que naquele instante ardia nos meus olhos. — Vamos ao Festival de Verão.

***

(Seis dias depois)

Avenida Danderia, Samanda.

Festival de Verão, 16h00.

Data alguma portava tanta expectativa popular quanto o vinte e um de junho. Das comemorações anuais, a etiqueta dourada era sempre dele: o Festival de Verão. Nem Natal, Ano novo, sequer a Páscoa e demais feriados; em Samanda — há longas gerações — a grande espera estava na estação do fogo e de intensas paixões, nos meses de sol e alegrias calorosas festejados no marco inicial do verão.

Os locais de realização variavam a cada ano, mas eram comumente armados em áreas verdes de vasta extensão. Havia sempre uma ampla agenda de programações, desde recitais, até peças temáticas e concertos. Papai disse uma vez, sábio em toda sua vivência, que o Festival de Verão era lugar de todos; sua atmosfera atrativa aquecia os corações mais frios e cativava as almas mais vis. Mesmo os impassíveis e deslocados — como eu — visitavam as barraquinhas de comida, compravam bijuterias artesanais e dançavam nos shows sobre o gramado da arena.

Era o momento de pertencer, sorrir e esquecer todo o resto.

Taehyung me fazia companhia naquele ano, uma vez tendo meus pais fora da cidade numa visita aos meus avós. Chaeyoung costumava ir com os amigos e era improvável que nos encontrássemos meio à multidão, o que significava esfriar a cabeça e torcer para a pentelha não se encrencar.

Próximo ao fim da Avenida Danderia, estendia-se o mundaréu humano sob o sol de Samanda. Arena cinquenta e sete, última da cidade e maior da região, onde meus sentidos alcançavam luzes penduradas, música alta e aquela ambientação agradável de festival que sempre trazia sensações aprazíveis à tona. Estávamos ali, por fim; o Festival de Verão de 2020. Na entrada, os florais pendurados em arco harmonizavam com os girassóis cuidadosamente bordados nos vestidos de ambas as moças dançantes que distribuíam coroas de flores.

Taehyung alcançou duas assim que passamos pela entrada, pousando uma na cabeleira cinza para, em seguida, encaixar a restante em mim.

— Você está especialmente deslumbrante hoje. — Seu sorriso quadrado era daqueles contagiantes e invejáveis, como o de moços populares de revistas famosas. Olhou para mim e ajeitou a coroa na minha cabeça, sem parar de sorrir. — Até passou maquiagem, hein? É por causa de um certo alguém?

Meu apreço por cores não era recente, o fato de colocá-las no rosto tampouco; Taehyung sabia, porém, que havia um tempo desde a última vez em que fiz questão de pintar as pálpebras, dourar as bochechas ou sequer colar estrelinhas ao lado dos olhos. Talvez eu estivesse sendo óbvio demais em querer impressionar, quem sabe houvesse ousado mais que necessário no delineado amarelo e no glitter prateado, mas estranhamente não temia que notassem.

Relacionamentos abusivos têm esse caráter absortivo e perverso que inibe o exercício do amor próprio; a autoimagem se reduz à projeção que se faz de um outro alguém e, nessa jogada, perde-se noção do "eu". Talvez fosse isso — e era, embora teimasse em não ver —, talvez fosse essa a razão para ter deixado de me arrumar com frequência. Os cuidados direcionados a mim não tinham o mesmo significado de anos antes, quando ainda era divertido usar maquiagem. O valor das coisas que amamos nos foge muito facilmente quando estamos doentes da cabeça, uma identidade supostamente sólida vira pó mais rápido do que podemos reverter.

Não foi diferente comigo. Passar maquiagem, usar brincos, colocar roupas legais e todas esses detalhes deixaram de ser um prazer; deixaram, sobretudo, de ser parte de algo que eu amava: cuidar de mim.

Ao menos até aquele momento.

Vinte um de junho de 2020, marco do solstício de verão, o momento de pertencer. E eu me pertenci, não em virtude de algum discurso otimista de ciclos que vêm e vão ou daquela conversa idealista de irmandade em datas comemorativas. Eu me pertenci porque quis pertencer, porque quis estar bonito e maquiado.

Porque eu queria impressionar alguém e não via absolutamente nada de errado naquilo.

— É, fazia tempo que eu não passava maquiagem. — Meus dedos correram na mecha que não estava presa pelas presilhas, acomodando-a atrás da orelha. Tímido, a única coisa que me escapou foi um sorriso discreto. — Talvez, muito talvez, seja por causa de "certo alguém".

Uma faísca orgulhosa cintilou nos olhos de Taehyung. Mais do que ninguém, ele entendia a importância de pequenos passos como aquele.

— Bem, o "certo alguém" que lute, então. Você está lindo, mas já me pertence. — Seu braço agora preenchia o espaço por cima dos meus ombros.

— Pertenço?

— É claro! Somos almas gêmeas predestinadas por uma força maior, esqueceu? — Ergueu a sobrancelhas, genuinamente indignado com a minha indagação. — E o resto que se exploda.

— Tem razão. — Ri, sacando o celular do bolso para usá-lo de espelho enquanto arrumava os fios castanhos do meu cabelo. — Sua aprovação é o que eu preciso, a de mais ninguém.

Estreitou os olhos na minha direção.

— Vou fingir que acredito e que não se arrumou todinho apenas pela possibilidade de trombar com o JK. — Ouch. Taehyung era como sorvete de limão: macio e simultaneamente azedo. — E se eu te conheço, você passou a semana inteira tentando achá-lo em alguma rede social. Estou certo?

Touchdown.

Havia tentado, certamente, mas sobre obter sucesso... Bem, aquela já era outra história.

— Ok, você me pegou. — Revirei os olhos, rendido. — Mas não existe qualquer rastro dele na internet, chega a ser bizarro.

— O que eu te disse domingo passado, lembra? Jeon Jungkook é inacessível, tipo, literalmente — insistiu. — Ele não tem nenhuma rede social, as únicas fotos e vídeos disponíveis são os que estão nas páginas promocionais do EVIL.

Embora soubesse ser presunção me questionar sobre como alguém — jovem, particularmente — poderia não estar presente em canto algum da internet, os questionamentos eram inevitáveis. Seis dias, a contagem exata do período em que passei vasculhando cada pedaço da web para achar um perfil virtual sequer. Instagram, Facebook, Twitter, do YouTube até as profundezas do TikTok — qualquer aposta era válida —, nenhum vestígio de Jeon Jungkook, ou JK, como costumava ser chamado.

Muitas possibilidades entravam em questão e, ainda que nenhuma delas fosse da minha conta, todas implicavam minha curiosidade em JK. A primeira — e mais simples — indicava uma inclinação natural ao desinteresse por redes sociais, mesmo sendo difícil contar com aquilo numa geração tão conectada quanto a nossa. Todas as outras possibilidades, em contrapartida, eram apenas suposições malucas da minha mente desocupada e paranoica.

— Eu achei a conta do EVIL no Instagram — comentei, tentando parecer desinteressado e falhando miseravelmente na tarefa. — Todos os outros membros têm contas pessoais, menos ele. É estranho, não é?

— Sim, como eu disse: ele é meio... estranho. Peculiar, excêntrico, todos os sinônimos de esquisito que você achar na internet. — Deu de ombros, nem um pouco surpreso. — Só aparece em algumas fotos de relance. Parece até que foge de câmeras.

Taehyung tinha um ponto. Talvez fosse simples desinteresse de JK ou, numa perspectiva um tanto intrometida, algo mais pessoal.

— Que seja. Não é da nossa conta. — Aquela era minha chance de fugir do tópico para evitar fantasiar com coisas que não me diziam respeito. — Vamos no corredor de artesanatos, quero comprar alguns brincos.

— Esse é o espírito, soulsoul! — O apelido carinhoso saiu mais adorável do que o comum. Taehyung agarrou minha mão e entrelaçou nossos dedos somente para balançar nossos braços exageradamente, tal qual uma criança feliz. — Brincos antes, homens depois.

Dito e feito. Transitamos pelo gramado e seguimos as barracas enfileiradas mais à frente. A arena era gigantesca, a orientação se dava através de plaquinhas e funcionários distribuídos de maneira estratégica. Seguindo reto a partir da entrada e virando à esquerda, era possível vislumbrar a área livre — com mesinhas dispostas para descanso —, onde, nas extremidades, ficavam todas as tendas de artesanato e bijuterias, formando um semicírculo ao redor.

Compramos algumas coisas, incluindo colares de pedras lunares e pulseiras de amizade. Na penúltima barraca havia uma variedade impressionante de joias, mas minha atenção estava entregue aos brincos com pingentes de morango presos na tela de exibição, delicados e bonitos. Imediatamente, o domingo anterior me veio à mente tão rápido quanto a lembrança de um apelido em específico, vocalizando meio à minha falta de vergonha devido ao álcool.

"Moranguinho".

As motivações para a compra daqueles brincos não foram claras, mas eu não busquei entender. Eram lindos e carregavam uma memória feliz, aquilo me bastava.

(...)

— Jimin, você tem certeza de que quer mais um? — Taehyung me estendia o quarto sorvete em menos de duas horas. — Não vai acabar passando mal, vai?

Válvulas de escape tomam formas em muitas coisas quando falamos de ansiedade. Para mim, a comida sempre fora o mecanismo mais eficaz em atenuar os malefícios de estados ansiosos, principalmente em ocasiões cujo acesso à minha casa era inviável e o problema não se mostrava tão intenso.

Quer dizer, crises de ansiedade eram incontáveis vezes mais cruéis e dolorosas que simplesmente estar ansioso, eu bem sabia com a propriedade de alguém diagnosticado há um tempo generoso. No caso em questão, os sintomas não eram perigosos, mas certamente incômodos, ocasionando na compulsão pela comida que quase vinha a substituir o hábito de roer as unhas.

— Tá tudo bem — menti, sorrindo. — Eu aguento mais esse.

E aguentava, mas só até acabar vomitando algumas horas depois.

Um tempo bastante razoável soava como séculos na minha cabeça. Estávamos no festival há duas horas que mais pareciam milênios intermináveis de frios na espinha e inquietude intensa — efeitos típicos da ansiedade acentuada. O porquê? Era patético. Momentos idealizados precedidos de expectativas irreais — acumuladas por uma semana inteira — eram, decerto, o estímulo para aquele quarto sorvete em um intervalo tão breve de minutos.

Nua e crua, a verdade não ia muito além do fato de que eu estava silenciosamente esperando por algo desde o primeiro instante em que entrei ali. Talvez as coincidências da noite do Jude's tivessem me deixado mal acostumado com o quão conveniente foram ambas as situações em que esbarrei em JK, e quem sabe, no fundo, eu estivesse esperando trombar no seu corpo uma nova vez naquele dia.

Não aconteceu.

Foram duas horas perambulando pela arena. Duas horas de músicas de todos os gêneros zunindo no meu ouvido, de apresentações aleatórias assistidas, de sorvetes ingeridos e algumas exposições apreciadas na companhia de Taehyung. Duas horas de festival, mas nenhum sinal de Jeon Jungkook. E soava mesquinho, eu sabia; o natural seria apreciar a programação sem me agarrar às bobeiras românticas que meu cérebro involuntariamente criava, mas era impossível conter a imagem daquele bilhete revelando-se no domingo passado, cada palavra sugerindo um reencontro que agora eu já era incapaz de não esperar.

Eu queria esbarrar na sua guitarra de novo só para poder vê-lo de perto outra vez.

— Você sabe que horas o EVIL se apresenta? — Como se desvendasse o motivo de toda ela agitação e o porquê de todos os sorvetes, Taehyung perguntou enquanto caminhávamos na passarela acima de um pequeno lago. — Você parece ansioso. Estava esperando encontrar o Jungkook, não é?

— Não liga pra mim, só estou sendo infantil... — E estava, de fato. A culpa era inteiramente minha por ter estragado nosso passeio por coisas que sequer o envolviam. — E sobre o EVIL, eles se apresentam às 20h00, consta no site.

— Não está sendo infantil, de onde tirou isso? — Parou de andar e postou-se à minha frente, segurando meus ombros. Meu sorvete quase caiu, mas eu não me importei; amava Taehyung demais para ficar bravo com qualquer coisa que ele fizesse. — Ele é bonito e foi gentil contigo, é de se esperar que você esteja ansioso pra conversarem de novo depois daquele bilhete. Além do mais, Kyuhyun é o pior namorado da Terra e qualquer pessoa que te faça esquecer dele é alguém que vale a pena. Você não é infantil, só é humano, soulsoul.

A beleza de Taehyung não se resumia ao palpável. Ele tinha aquela energia bonita e agradável que só me fazia agradecer aos céus por tê-lo comigo, mesmo que não me achasse merecedor de tanto carinho.

— Você acha? — Perante seu discurso bonito, minha reação foi morder o lábio e esperar uma última aprovação.

— Eu tenho certeza! — Colocou as mãos na cintura e sorriu. Eu o amava demais, demais da conta. — Quer saber de uma coisa? Vamos ao palco agorinha!

— Palco?

— É, aqueles em que os shows de bandas rolam — respondeu, sem perder a postura animada e contagiante. Chegou o relógio no pulso antes de olhar para mim. — Agora são 18h00, o EVIL já deve estar por lá. Eles sempre chegam com antecedência para fazer a passagem de som e arrumar todo o resto.

No mesmo instante, meu coração disparou.

— Você... acha que conseguimos falar com eles? — Com o vocalista, sendo mais específico.

— Cara a cara? Não sei. É a primeira vez deles apresentando no Festival de Verão, as coisas por aqui costumam ser mais burocráticas e talvez eles estejam em algum camarim ou coisa do tipo — explicou. — Sabe que organizo eventos menores, certo? No caso desse, o público é bem maior e o EVIL é bastante conhecido em Samanda, existe uma chance considerável de que eles sejam interrompidos por fãs, então a segurança e a fiscalização de quem pode entrar na área dos bastidores é mais severa.

É claro. Eles eram relativamente famosos, não estariam tão acessíveis em um festival grande quanto estavam em um lugar pequeno como o Jude's. Tolice a minha ter sequer pensado que provaria da mesma sorte duas vezes.

— Entendi — concordei, suspirando, conformado com a ideia de só vê-lo em cima de um palco.

— Não está tudo perdido, porém. — Antes que eu murchasse de vez, Taehyung se pronunciou, o indicador apontado para cima como se tivesse acabado de ter uma ideia. — As pessoas só começam a aparecer algum tempo antes da apresentação. Ainda faltam duas horas, podemos dar uma volta por lá e conseguir um lugar maneiro para vê-los no show.

— Não soaria estranho? Tipo, chegarmos na pista duas horas antes... Os seguranças não estranhariam? — questionei, ainda temeroso quanto à proposta.

— Relaxa, não vamos invadir o camarim de ninguém. Só vamos passar por lá enquanto o público não chega. A passagem de som já deve estar rolando. — Mostrou aquele sorriso quadrado e elegante.

— Por que eu sinto que estou sendo intrometido? — Fechei os olhos, inquieto. — Não quero parecer idiota e desesperado, eu só...

— Nada disso, Park Jimin. Olha pra mim. — Suas mãos logo estavam nos meus ombros de novo, aquecendo a região naquele aperto amigável. Os olhos me fitavam com firmeza. — Não vamos fazer nenhum absurdo, ok? Eu prometo. Só passaremos por lá como quem não quer nada. Não é intromissão e nem idiotice, deixa disso! Jungkook não deixaria aquele bilhete caso não tivesse o mínimo de intenção de te ver novamente, e mesmo que tenha sido apenas um convite qualquer para o show deles, que seja! Você quer vê-lo de perto, não quer? Se formos agora, ficaremos colados na grade.

Ser pretensioso não combinava comigo e a sugestão de Taehyung era completamente realista dentro daquelas condições. Ambicionar um reencontro tinha me deixado arrogante demais para alguém que só possuía o convite de um show, não de um jantar à luz de velas.

A razão era de Taehyung; não estava tudo perdido. Achar um lugar com visualização satisfatória era o máximo que poderíamos fazer naquela situação, não existia qualquer motivo para descartar a tentativa. JK ainda estaria ali, à minha frente, cantando e dedilhando sua guitarra canhota como a quintessência de um rockstar. Talvez não me pegasse no colo ou não segurasse na minha cintura como fizera no domingo anterior, mas ainda estaria ali, belo e charmoso.

Ele era quase como um fenômeno da natureza: caótico, feroz e deslumbrante, do tipo que fascina e instiga, mas que não oferece nenhuma rota de fuga ou ponte para contato, senão o simples ato de admirá-lo à distância. Eu me contentaria com isso. Assisti-lo bastaria bem como bastava olhar para as estrelas sem tocá-las.

— Vamos, então. — Após longos segundos de devaneio, aquilo foi tudo que me senti capaz de dizer. — Não temos nada a perder, no fim.

— É assim que se fala! — Numa explosão de empolgação, Taehyung voltou ao meu lado e, pela quinquagésima vez naquele dia, entrelaçou nossos dedos para balançar nossos braços.

Fofo. Mesmo se quisesse, como eu ao menos conseguiria dizer "não" para alguém como ele?

Ir até a área de shows custava uma boa caminhada, levando em consideração quão distante era do restante das atrações do festival. Andamos pelo menos cinco minutos por entre as tendas de entretenimento — barracas de beijos, correio anônimo e tiro ao alvo, por exemplo — e mais cinco por um lugar que não tinha nada além de placas fincadas na grama para indicar demais regiões.

Totalizando dez minutos — o suficiente para ter terminado meu sorvete —, pudemos finalmente avistar a imensidão alaranjada do céu da tarde como plano de fundo do palco horizontal ao fim da delimitação da arena. À frente, o gramado gigantesco — denominado "pista", onde ficaria a plateia — contava com a presença de pouquíssimas pessoas que, pela vestimenta, pareciam funcionários e técnicos que se ocupavam com os últimos ajustes para realização do show.

— Ali. — Apontando com o indicador, Taehyung sorriu. — O EVIL já chegou.

Seria mentira dizer que meus músculos não tensionaram instantaneamente. Numa fervura de ansiedade, meus olhos buscaram afoitamente pela figura tão repetida nas minhas idealizações juvenis, varrendo cada centímetro daquele palco em busca dele, somente dele.

Nada. Ele não estava ali.

Embora estivesse eufórico demais para filtrar algo além do anseio em ver JK, consegui identificar os três outros membros da banda em cima do palco assim que nos aproximamos um pouco mais. Não recordava o nome de nenhum deles, mas havia gravado as feições e silhuetas.

Eram todos ridiculamente bonitos.

O baterista tinha mais tatuagens do que meu cérebro podia contar; seu cabelo azul bebê combinava bem com os traços delicados e a pele clara. O mais alto, provavelmente baixista, não ficava nem um pouco atrás com a cabeleira roxa, corpo robusto e covinhas marcantes. Por último, o ruivo — que eu acreditava ser outro guitarrista — exalava elegância naquele rosto harmônico e sorriso quase cegante.

Todos eles, absolutamente todos eles eram lindos.

— Vamos ter que afinar de novo meia hora antes. — Ouvi o baterista dizer conforme Taehyung puxava meu braço e me arrastava para mais perto do palco. — Hoseok, precisa repassar o refrão de Red Fields com o Jungkook. A segunda voz está firme?

— Sim, ensaiamos anteontem. — O chamado Hoseok dedilhou algumas cordas na própria guitarra. — Se ele colaborar, tudo fica bem.

— Os melismas¹ inusitados do Jungkook confundem o coitado. — Se não estivéssemos tão próximos da grade, eu não teria ouvido a voz do baixista, tão grave e rouca.

Hoseok parecia pronto para responder, mas lá de cima, seus olhos conseguiram — de algum jeito — repousar sobre nós, travando todo meu corpo no instante em que andou até a beira do palco e abaixou-se para nos visualizar melhor.

Eu tive certeza de que seríamos expulsos dali.

— Tae?

— Euzinho!

Nenhuma bronca, nenhum grito.

Taehyung e ele só trocaram sorrisos e, sem que eu pudesse entender um porcento sequer do que estava havendo, meu melhor amigo simplesmente pulou a grade de proteção e correu até o palco.

— Olha só quem resolveu aparecer no nosso show, huh? — O baixista se juntou ao ruivo numa postura amigável, sorrindo para Taehyung. — Da última vez você saiu no meio da parada.

Às vezes, o fato de Taehyung ser tão conhecido e popular me fugia à mente. Não havia uma única alma em Samanda que não simpatizasse com ele, era verdadeiramente impressionante quão cativante e convidativo ele poderia ser. Ainda que estivesse ciente de toda sua exuberância, eu sempre me surpreenderia com a quantidade de laços que ele conseguia estabelecer ao mesmo tempo.

— Eu tive alguns imprevistos da última vez, Namjoon. Não seja cínico — respondeu de modo brincalhão, somente então parecendo perceber que eu ainda estava atrás da grade. — Jimin, vem aqui!

Obedeci, meio sem jeito ao pular a grade com meus humildes um e setenta e três de altura. Meus dedos apertavam uns aos outros inquietamente atrás do corpo.

— Esse é Park Jimin, a alma gêmea adorável de quem falei quando fui assistir ao ensaio. — Taehyung esticou o braço, alcançando meu pulso e me puxando para perto. — Ele é amável, não é? Jimin, esse é o Namjoon. Você deve lembrar dele por RM, nome artístico.

Namjoon olhou para mim, sorrindo. Meu estômago dançou sozinho. Conhecer pessoas novas sem estar completamente bêbado era um verdadeiro martírio para mim.

— É um prazer, Jimin-ssi. — Acenou, os olhinhos simpáticos totalmente contrastantes em relação ao quão grande e intimidante ele soava a princípio.

— O-O prazer é meu — respondi, sem saber muito o que dizer ou como me portar.

— Não vai me apresentar, cabeção? — Hoseok ralhou e logo tomou frente mais uma vez, acenando para mim. — Prazer, Jimin-ah! Eu sou o futuro namorado do seu melhor amigo.

— Vai sonhando, lindão. — Taehyung revirou os olhos, abraçando meu tronco. — Não acredite nele, soulsoul. Ele está nessa há praticamente um mês.

— E você não deu trégua um dia sequer! Vê se pode... — Os cabelos ruivos avoaçaram frente aos seus olhos e então prosseguiu: — Mas eu tenho fé no meu taco. Seu coração logo me pertencerá, Kim Taehyung. Conto com sua ajuda, Jimin-ah.

— Ah, eu... — Ele havia realmente me metido naquilo? — Hm, eu... posso tentar, eu acho.

Indignado, pude ouvir Taehyung resmungar, mas Hoseok o interrompeu logo na sequência:

— Sem objeções, Tae. Deixe o garoto ajudar esse pobre soldado em busca do amor. — Hoseok era bastante animado e descontraído. Sem que eu pudesse notar, começava a me sentir gradualmente mais leve na presença deles. — Eu poderia apresentar o nosso baterista de aquário, mas ele está mal humorado e talvez acabe te mordendo. Melhor deixar para outra hora.

— O que rolou com o Yoongi? — Taehyung esticou o pescoço para olhar o baterista, que agora mexia no celular com um semblante pesado.

— Nada em especial, ele é assim às vezes. — Hoseok deu de ombros, levantando-se. — Bem, foi legal te conhecer, Jimin. Espero que curta nosso show.

— Igualmente. — Tentei projetar a voz para que ele me ouvisse adequadamente. — Tenho certeza de que vou gostar.

— Perfeito! — Sorriu, voltando ao posto anterior enquanto acenava novamente. — Até mais!

No momento, um bom pressentimento me preenchia. Para indivíduos com dificuldades reais de dialogar livremente, pessoas como Hoseok, Taehyung e Namjoon eram uma verdadeira benção; eles sempre acabavam tornando a experiência da comunicação algo muito menos medonho do que parecia. Aquilo me deixava feliz.

— Vamos sentar no gramado. — Por cima do ombro, Taehyung apontou com o polegar para a área verde atrás de nós.

Resmunguei uma resposta afirmativa, mas tive os movimentos vedados ao notar um detalhe específico naquele cenário que, num primeiro instante, passou-me inteiramente despercebido por consequência do nervosismo e da decepção crônica pelo desencantamento — afinal, continuava na angústia por não ter visto quem gostaria de ver.

Encostado na lateral do palco, bem próximo da extremidade direita — onde nos encontrávamos naquele exato minuto —, o objeto familiar descansava em uma caixa de som. Era um estojo de guitarra, uma capa de pano onde, na ponta plenamente visível para mim, o bordado vermelho se destacava no tecido preto com ambas aquelas iniciais costuradas.

JK.

Aquela era a capa da guitarra de JK.

— Espera. — Meus dedos quase perfuraram a camiseta de Taehyung ao que agarrei sua manga, impedindo que se virasse. Hesitante, apontei para o objeto de minha atenção. — Eu conheço aquela capa. Ela é...

Minha. — Atrás de mim, o timbre conhecido e macio faz a tarefa de, tão rápido quanto surgiu, rasgar minha espinha num arrepio letal.

Ele.

Com a mesma essência da noite no Jude's, aconteceu.

Meus movimentos tiveram vida fugaz; faleceram de prontidão e se ramificaram naquela paralisia momentânea em absoluta devoção a íris que previamente jurei ser negrume. Tolice. Era mel; a prova estava ali, viva e tangível, corporificada nos orbes que roubaram o infinito e todos os outros conceitos paradoxais do universo. O crepúsculo refletia como brasa na pele quase tão pálida quanto a alvura da neve, tingindo-o como se tinge o pôr do sol num quadro em branco.

Protagonista de todos os devaneios lúcidos e fantasias passionais, a mecha escarlate se repartia em duas no molde do rosto tão recorrente nos meus desejos mais levianos; os demais fios do seu cabelo estavam presos num rabo curto e desajeitado que facilmente desmancharia à mais simplória movimentação. No tronco, a camiseta preta consideráveis números acima do ideal atribuía uma ênfase deslumbrante à palidez dos seus braços, perdendo unicamente para a afinidade quase harmoniosa entre o vermelho da estampa de caveira e o vinho glamouroso usado para pintar as tatuagens.

Ali, bem ali, diante dos meus olhos e de todas as vozes alvoroçadas que subitamente se calaram dentro de mim, Jeon Jungkook resplandecia como o reflexo bonito de um sonho perdido, concebido uma nova vez para dizimar a angústia e acalentar o choro de um coração partido.

Pensei ter me livrado das expectativas imaturas pulverizadas pela conformidade; pensei, sobretudo, ter me recuperado da presunção em desejar muito para quem tinha tão pouco. Então eu soube que as esperanças nunca de fato partiram, estiveram comigo durante todo aquele percurso, à espreita, silenciadas por um pretexto temporário que nada fazia além de reprimi-las até que ele surgisse outra vez e afogasse qualquer coisa que ousasse lhe tirar minha atenção.

— Parece que leu meu bilhete, Cinderela. — Eu não sabia o quanto precisava ouvir sua voz até amolecer no timbre suave.

Substancialmente, antítese era o que fundamentava sua essência. Como no barroco, Jungkook se mostrava síntese de definições antagônicas que, curiosamente, não conflitavam; coexistiam surpreendentemente bem e o embelezavam como um todo.

Intenso e sutil.

— Eu... — Game Over. Como no domingo anterior, as palavras sumiram antes de uma elaboração aceitável de frase.

— JK! — Taehyung, que até então se mantivera em silêncio, parecendo aguardar por uma reação minha, cumprimentou-o animadamente. — Feliz aniversário, cara.

Aniversário?

— Valeu. — Jungkook voltou-se para ele, o lábio sendo repuxado charmosamente para o canto em um sorriso devastador. Quão lindo aquele homem poderia ser? — Eu quase esqueci que era hoje. O Festival de Verão tira credibilidade de qualquer outra celebração que aconteça no mesmo dia.

— Como alguém esquece o próprio aniversário? Principalmente quando é no marco do início do verão? — Taehyung ergueu a sobrancelha, colocando uma das mãos na cintura.

— Por que eu gostaria de lembrar de uma data que reforça meu envelhecimento? — Bingo. JK riu, não fazendo caso algum do próprio aniversário. Sua pose despreocupada era tão atraente quanto o fato de estar com os cabelos amarrados, agora traçando os olhos até mim para sorrir, totalmente encantador. — Vocês dois se conhecem?

— Nós? Com toda absolutíssima certeza. Ele é o soulmate de quem eu sempre falava! — Logo eu estava enfiado no abraço de Taehyung conforme recebia beijinhos carinhosos no topo da cabeça. — Soube que vocês já se conheceram, também.

Ah, não.

As cenas vergonhosas das minhas falas imprudentes e investidas toscas em Jungkook dançaram na minha cabeça. Eu quase tinha me esquecido de todos os vexames que havia passado na frente dele, mas tocar no assunto do domingo anterior era gatilho para que os constrangimentos voltassem a me assombrar.

— Sim, nos conhecemos no Jude's. — Sua resposta foi simples e curta, contrária às minhas estimativas.

Com o indicador esquerdo, enrolou uma das mechas vermelhas e jogou para trás da orelha saturada pelos mesmos piercings prateados, com exceção de um brinco inédito.

— Falando na semana passada, vi esse brinco de morango à venda em uma barraquinha. Por alguma razão, lembrei daquele apelido. "Moranguinho", não é? — Um sorriso gentil surgiu nos lábios róseos e terminou de aniquilar qualquer resistência em mim. — Não sei se lembra, você estava bastante alterado. De qualquer modo, foi engraçado.

É claro que eu lembrava. Lembrava de cada detalhe sobre ele.

— Eu lembro. — Impulsivamente, soltei com sinceridade. Olhei fixo nos seus olhos, mesmo com as pernas bambas pelo nervoso. — Tinha dito que você tem cheiro de morango e... B-Bem, surgiu a ideia do "moranguinho".

— Vocês dois já têm até apelidos um pro outro? Uau... — Eu conhecia aquele sorriso de Taehyung. Era o sorriso de malícia. — Jimin comprou um brinco igualzinho. Que conexão, hein?

Com uma risadinha perversa, afastou a parte solta da minha franja, mostrando o brinco em questão.

— Bem, ficou muito melhor nele do que em mim. — Jungkook riu, melodioso, não interrompendo nosso contato visual por nem um instante sequer. Foi como se Taehyung e os arredores tivessem evaporado; naquele segundo, seus olhos foram só meus. — Coisas delicadas combinam com você. O brinco, a maquiagem... Bom, eu não ficaria bonito assim se tentasse fazer algo do tipo.

Eu sequer tinha bebido, mas meu estômago reagia instintivamente à tensão pelas colocações dele. Jungkook me deixava tão, tão nervoso; a base da minha coluna ardia, minhas mãos suavam e as pernas tremiam.

Ele era como a euforia de todas as primeiras vezes, os calafrios eletrizantes de conhecer o desconhecido e desvendar o secreto.

— Jungkook! — Nosso momento foi breve. Um chamado não tão longe podou nosso diálogo sem me dar chance de resposta. — Aonde você foi?

JK levantou o rosto até Hoseok, arregalando minimamente os olhos ao que uma constatação parecia pipocar na sua cabeça.

— Fui comprar água. — Estendeu a garrafa que eu nem ao menos percebi que segurava. — Me atrasei muito?

— Não tanto, mas Você-Sabe-Quem tá putinho hoje. Ele vai te capar. — O ruivo mordeu os lábios em puro receio. — Ele quer que a gente repasse Red Fields.

— De novo? — Sua reação foi deixar um suspiro escapar, mas não fez reclamações, apenas concordou com a cabeça. — Certo, repassamos rapidinho.

Como se tirasse mil e um pesos dos ombros, Hoseok sorriu em pleno alívio.

— Você é um anjo, sabe disso, não sabe?

— Sei. — A cabeleira lustrosa balançou com o riso e logo alguns fios se soltaram do amarro, caindo sobre a nuca exposta. — Não vamos confrontar Yoongi. É melhor evitar discussões.

— Como eu disse, você é um anjo! — Um piscadinha foi tudo que Hoseok precisou para ajeitar a postura e voltar para próximo do seu microfone. — Vamos repassar, então. Namjoon! Red Fields.

— Pra já. — O baixista se prontificou.

O aperto no peito chegou inconveniente e invasivo. Era como se aquele órgão bobo e pulsante já tivesse decorado a sensação de vê-lo ir embora, mesmo com rasa bagagem de convivência. Sua falta e sua companhia eram meus binários; a única linguagem que meu coração parecia ser capaz de entender para então manifestar qualquer sintoma.

Quando seus globos cintilantes de mel acharam o caminho até mim novamente, senti-me estúpido por não ter distinguido sua tonalidade exata no domingo passado. A pouca incidência de luz junto à embriaguez provavelmente havia me impedido de notar o castanho claro dos seus olhos, dando aquela falsa impressão de escuridão que agora caía por terra. Naquele instante, saudada pelo raios solares que ameaçavam descansar, a íris caramelo com rajadas ligeiramente verdes ao redor da pupila pareceu tão doce quanto o sorriso que se sucedeu.

Cada novo detalhe descoberto era uma nova razão para me entregar completamente a ele.

— Bom festival, Taehyung. Pra você também, Jimin-ah. — Despediu-se, ameaçando começar a caminhar rumo ao palco.

— H-Hyung! — Alguma coisa em mim gritou, algo ali dentro que ainda queimava. Eu não entendia por que o chamava, só sabia que devia chamar.

Calmamente, seu rosto virou para que ele pudesse encarar o meu, uma pitada de surpresa no seu semblante.

— Hyung? — Uma das suas sobrancelhas se suspendeu, mas não muito depois sua expressão se dissolveu num sorriso charmoso. — Resolveu abandonar o "Príncipe Vermelho" para me chamar de "hyung"?

Droga. Ele ainda lembrava daquilo, mas não havia como saber quão positivo isso era.

— Não! Eu só... Hm... Só lembrei que você é mais velho. Só isso. — Merda, merda, merda. Por que eu gaguejava tanto na frente dele?

Jungkook piscou, mostrando os dentinhos de coelho enquanto ria baixo.

— Estou brincando, Polly. Pode me chamar como preferir. — Ajeitou o corpo para se aproximar um pouco mais, brincando com a garrafa de água entre as mãos. — Mas e então, o que queria me dizer?

O que eu queria dizer?

A verdade era que não sabia. Meu instintivo havia sido apenas um chamado desesperado e involuntário que não necessariamente possuía um plano B. Impedir que fosse embora tão rápido — mesmo sabendo que o veria no show — fora o único estímulo para aquela coragem repentina.

— É que... eu queria agradecer. — A primeira coisa que me veio à cabeça foi o que usei para responder sua pergunta. — D-Digo, por ter me levado para casa naquela noite e... E...

— Por não ter te sequestrado? — Meus lábios tremeram. Seu corpo estava mais próximo e sua cabeça levemente inclinada, frente à minha. — Não há de quê, Cinderela. Se quer saber de algo...

O toque cálido da sua mão esquerda chegou até minha nuca. A carícia quase imperceptível deixada ali foi tão breve que me deixou em pedaços, sedento, carente por mais, apenas um pouquinho mais dele.

— Eu faria de novo. — E assim que sua respiração tocou minha bochecha, apenas se afastou. — Preciso ir.

"Não...", meu coração reverberava, "não vá embora, por favor."

— Hyung...

— Espero te ver no show. — O timbre grave e manso deixou uma entonação bonita bailar no ar.

Com as mechas vermelhas embaralhando entre o vento, o dono do aroma de morango me lançava sua última encarada, engolindo-me no caramelo dos seus olhos antes de partir de vez para o ensaio da banda.

— Foi bom te ver, Cinderela. — E então eu tive a comprovação de que, certamente, não eram os olhos sorridentes meus prediletos. Eram os olhos dele. — Deixe seu sapatinho de cristal dessa vez. Seria uma pena não te ver de novo.

A chuva de verão efêmera partira novamente, mas daquela vez, seus rastros não eram memórias intocáveis enjauladas no passado. Eram o presente, a certeza. Eram, independentes de amarguras futuras, o fogo da paixão que ardia no verão.

Vinte um de junho de 2020, Festival de Verão em Samanda, marco da estação dos amores efusivos e calores vigorosos. Aniversário de Jeon Jungkook.

Dia de pertencer, e eu pertenci.

A ele, ao caos.

***

🍓 #MorangoCanhoto 

[REFERÊNCIAS]

1. Melisma é um ornamento/técnica vocal. Basicamente aquela dancinha que você faz com a vogal no final de uma palavra.

[NOTAS]: É ISSO, CLÃ! Espero que tenham gostado! Meu twitter é @ORUMAITOU e eu estarei lá conferindo a tag da fic pra ver o que vocês acaharam. Obrigada por ter lido até aqui!

Twitter dos personagens:

JK: @ EVILJKEY

JM: @ chimmiah

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