Capítulo 1
A música continua alta, mesmo quando sou guiada para um dos quartos do segundo andar. A mão firme e enorme cobre meus dedos delicados. Ao erguer o olhar, vejo a silhueta alta e um pouco robusta do homem, antes de ser empurrada para dentro de um dos quartos precários da taverna.
Ninguém parece se importar com a diferença absurda de nossas idades. Ninguém se importa se vou vender meu corpo essa noite e, também, parte de minha alma.
Em um piscar de olhos, seus lábios já cobrem os meus naquele típico beijo necessitado. As mãos grossas passeiam as curvas do meu corpo sob o vestido fino, subindo-o de forma apressada. Sou jogada na cama como um saco de batata e logo o maldito está por cima.
— Você é tão deliciosa, garota.
"Garota". Será que, um dia, alguém vai se importar de perguntar meu nome?
— Vai, tire a roupa para mim.
Contendo o nó na garganta, faço o que ele pede. Afinal, os seus stans que mantém minha barriga cheia. Retiro o vestido junto com as roupas de baixo, deixando meu corpo magro à mostra. Não possuo seios fartos ou curvas volumosas, mas minha pele lisa e o longo cabelo vermelho sempre foram traços que chamaram a atenção dos homens.
Ele continua a elogiar o meu corpo enquanto se força para dentro de mim. Mas estou tão longe daquele momento. Fecho os olhos, relembrando de quando não precisava me expor dessa forma. De quando meu mundo ainda havia cor.
— Querida, venha cá.
Limpo a areia do avental, aproximando-me da minha mãe. O seu cabelo vermelho havia perdido o brilho, ofuscado pelos fios brancos e quebradiços. Ela se acomodou na sua cadeira azul favorita no quintal. Aquela tarde de verão estava agradável, o sol brilhava na pequena cidade de Velstand.
Ela tosse cobrindo a boca e, ao afastar a mão, encara o punhado de sangue entre seus dedos.
— Mãe! — exclamo apressando os passos, tomando sua mão com um misto de preocupação e desespero na face. — Precisamos levá-la ao curandeiro!
— Gastamos nossas economias para pagá-lo da última vez.
— Eu dou um jeito, sei que há outra forma de conseguir dinheiro além de vender verduras.
Ela solta um longo suspiro, desviando o olhar para o horizonte.
— O tratamento aqui é muito caro.
Ajoelho-me diante dela, segurando as lágrimas.
— Ouvi boatos entre as mulheres da cidade sobre um lugar onde os curandeiros são mais baratos. O reino se chama Velorum e possui boas condições para morarmos.
Vejo a desaprovação na face da minha mãe quando dirige o olhar a mim.
— Velorum é inimiga do nosso reino, querida. Nós seríamos mortas se descobrissem.
— Darei um jeito de manter nossa identidade em segredo mas, por favor, me deixe lutar pela sua cura. Tenha um pouco de fé em mim, mãe.
A mão limpa acaricia minha pele com tanta delicadeza que, por um instante, penso ser uma boneca de porcelana. Sorrio contra a palma da sua mão, apreciando todo o carinho a emanar desse toque.
— Eu tenho fé em você, Alene. Sempre terei fé em sua força.
Ao mesmo tempo que as memórias me envolvem em um abraço caloroso, elas sussurram palavras frias e dolorosas sobre essa mentira. Não pude ser forte quando cheguei em Velorum, tendo que me prostituir em uma taverna da capital para não passarmos fome.
Se não fosse por um garoto de sorriso travesso e cabelo bicolor com uma proposta curiosa, estaria morta nesse momento.
Ele queria que eu fosse espiã do rei Erick para que, assim, o ducado de Icarus possuísse informações o suficiente para um golpe. No início recusei a sua proposta absurda, mas o garoto — que depois se apresentou como Raven — prometeu que garantiria um emprego a mim, como serviçal, no palácio se agisse como espiã.
O desespero e a fome fizeram-me dizer "sim".
— Que delícia. — dizia levantando-se e vestindo a roupa. Ele joga um punhado de moedas na cama, perto do meu corpo nu. — Belo corpo. Mas da próxima, tente não parece uma pedra de tão imóvel, sua puta.
Então, sai batendo a porta. Por outro lado, continuo fitando o teto sentindo algo molhado rolar por minha face. Quando comecei a chorar? Durante o sexo? Ao final? Não importa. Recolho as moedas e as guardo na minha bolsa de couro, saindo do quarto em busca de outro cliente.
Quando o golpe de Icarus contra Velorum deu certo, pensei em continuar como empregada mas, se um dia descobrissem da minha traição, estaria colocando uma corda envolta do pescoço. Por isso, abandonei o castelo e voltei à vida que tanto odiava. Mas tinha fé de que, um dia, tudo mudaria e o destino finalmente me daria uma oportunidade para ser feliz.
❀❀❀
— Esses velhos nojentos pagam uma mixaria. Será que as esposas deles sabem que esses miseráveis são tão mão de vaca? — Izobel, minha única amiga, resmunga.
Olho para a bela mulher de pele morena e longos cabelos ondulados. Ela mantém o foco nas moedas que adquirimos naquele dia enquanto cruza as pernas grossas. Os olhos amendoados mal piscam diante de sua concentração.
Nós duas dividimos um pequeno quarto na mesma taverna onde trabalhamos. Ele só possui duas camas e um guarda-roupa velho, mas é tudo o que nossa condição nos permite. Além dela ser a única disposta a me compreender — já que as demais mulheres da noite acham minha gentileza forçada —, Izobel compartilha do mesmo sonho que eu: ter uma vida igual das damas dignas.
É triste saber que esse sonho é distante para mulheres como nós.
— Alene, está me ouvido?
Pisca os olhos rapidamente, voltando à realidade. Dou um leve balançar afirmativo com a cabeça antes de dar a terceira colherada na nossa sopa rasa de repolho.
— Você anda tão distraída ultimamente, Alene. Isso não é bom. Precisamos desse dinheiro para sair daqui.
— Você está certa. Desculpa, Izobel. É que... — desvio o olhar para o palácio real, sorrindo discretamente. — Não seria legal viver em um lugar assim?
— Por acaso, a sopa está estragada?
— Ora, não. Por que?
— Porque isso só pode ser um delírio da fome, Alene! Pessoas como nós nunca pisaremos em lugares assim, as pessoas nos acham dignas apenas de esquentar momentaneamente uma cama.
— Já trabalhei no castelo real. De fato, a maioria me tratava como lixo, mas não a rainha Diane. Antes mesmo de ser quem é, ela sempre foi gentil com todos. — comento sentindo o sorriso aumentar ao lembrar da forma acolhedora à qual ela me tratava, mesmo quando estava envolvida com Christian, o homem que Diane era apaixonada por muito tempo. — O rei pode nos acolher.
— Ele não anda muito bem depois do que houve com a rainha. Eu não estou afim de perder minha cabeça.
Suspiro voltando a comer a sopa. Izobel tem razão. Há boatos circulando Velorum de que sua esposa desapareceu misteriosamente, após a aparição da Estrela Ponte dos Mundos. Desde então, o rei tornou-se mais amargo do que costumeiramente era e se isolou em seu escritório. Não acho que seja uma boa ideia surgir para explorar sua bondade. Não que ele não mereça.
Na vida, descobri que todos os homens querem nos usar de alguma forma. Sempre haverá uma intenção imunda mascarada de falsa gentileza. Depois de ser usada várias vezes como um mero objeto, perdi a esperança de encontrar alguém digno de compartilhar minha vida.
— Vamos sair dessa vida, Izobel. Eu prometo.
Ela sorria apoiando a mão em meu ombro, dando um aperto solidário.
— Claro, quanto mais cedo nós acumularmos stans, mais cedo nós-...
A porta é aberta de forma repentina, dando-nos a visão da expressão carrancuda do dono da taverna, Roland Grannus. O homem de quarenta anos, pele enrugada pelos anos de trabalho e olhos pretos avança em passos largos para o interior do quarto.
— Vocês precisam pagar o aluguel.
Indignada, Izobel é a primeira a se pronunciar levantando-se em um solavanco.
— Ei! Isso é injusto, senhor Gannus! Nós trabalhamos aqui e metade do nosso lucro é destinado ao senhor, não temos condições de pagar aluguel nenhum.
— Sei que fizemos isso nos outros meses, mas está cada vez mais difícil ter dinheiro para a comida. — digo tentando soar o mais gentil possível para não elevar os ânimos. E também esconder o desespero interno de perder o dinheiro para a nossa "liberdade". — Não há como aceitar o que já contribuímos?
Ele cospe no chão, lançando um olhar nada amistoso em minha direção.
— Acha mesmo que vou negociar com putas sujas? Vocês têm sorte de que dei um teto para morar e uma cozinha para usarem, não abusem da minha bondade!
Bondade? Onde há bondade em explorar os mais fracos? Sinto nojo do homem, mas contenho tudo com um sorriso doce. Gritar e espernear só vai complicar a nossa situação. Por isso, levanto-me e caminho em sua direção com um rebolar discreto, jogando o longo cabelo ruivo para trás. Apoio a mão no peito dele, aproximando meu rosto do seu onde posso sentir seu hálito podre — assim como sua alma.
— Posso compensar de outra forma, senhor.
Porém, ele segura minha garganta com força jogando-me contra a parede. Izobel grita meu nome, mas recebe um forte tapa que a deixa inconsciente. Logo, os olhos ardentes de ódio de Roland focam mim enquanto apertava-me mais forte contra sua mão. Aos poucos, o ar some dos meus pulmões.
— Nunca mais ouse me tocar, sua vadia imunda!
Quando penso que abraçarei a morte, sou jogada no chão de forma brusca. A minha visão embaçada permite-me apenas visualizar Roland pegando o baú de madeira debaixo da cama, levando consigo todas as nossas economias. Em seguida, ele troca palavras com um homem que acabara de chegar, mas mal me dou o trabalho de ouvi-las pois me arrasto até a minha amiga.
— Izobel, acorda! Por favor!
— Deixe a puta para lá. Você tem um cliente. — dizia Roland. — E acho melhor não me contestar ou teremos outra conversa desagradável.
Encaro o maldito com raiva, mas sou puxada pelo braço em direção a outro quarto, sendo jogada na cama logo em seguida. As lágrimas ardem em meus olhos, mas me recuso a demonstrar fraqueza diante de um homem. Não duas vezes no mesmo dia.
— Só termine logo com isso. — comento levantando o vestido, mal encarando seus olhos.
— Está enganada. Eu vim para conversar, Alene Evans.
Surpresa, viro-me em direção ao homem alto usando um uniforme que, infelizmente, eu reconheço. Esse brasão... Ele é de Velstand.
Ele inclina a cabeça para o lado, fazendo o cabelo loiro balançar sutilmente acariciando suas orelhas nesse corte regular. Pela postura e porte físico, deve ser algum membro do exército.
— Quem é você?
— Perdão, eu não me apresentei adequadamente. Sou Dalibor, capitão da terceira divisão do exército de Velstand.
— Vocês não foram dizimados?
Ele abre um sorriso astucioso.
— Se é nisso que quer acreditar, por enquanto devo alimentar tal afirmação.
Vivi o suficiente para saber que perguntar demais sobre um reino é colocar a própria cabeça em uma bandeja. Por isso, vou direto ao que realmente interessa.
— O que você quer?
— Como você sabe, o nosso reino passou por momentos difíceis contra o império Velorum. Mas a esperança sempre sorri para os justos e bons. — comenta circulando o quarto, analisando cada canto precário deste lugar. — Seguidores fiéis do falecido rei Avery se compadeceram com a situação e estão unindo forças para retomar o que devia ser nosso.
Franzo o cenho, confusa.
— Não sei o que isso tem a ver comigo.
— Descobri sobre seu envolvimento na queda do rei Erick. Há espiões em todos os lugares, trabalhando em todos os reinos, era óbvio que a empregada gentil e prestativa seria a última opção. Mas cá estamos, não é mesmo?
Ele parava na minha frente e um arrepio percorre meu corpo. Esse homem possui uma áurea tensa e negativa.
— Quero oferecer uma quantia generosa por seus serviços como espiã. Na verdade, generosa é uma palavra bastante eufêmica, essa é a chance de mudar a vida medíocre sua e de sua amiga.
— Não trabalho mais espionando o rei de Velorum. É muito arriscado entrar no castelo novamente.
Dalibor faz um gesto com a mão demonstrando pouco caso.
— Não quero que espione Lorcan. Quero que espione um de seus nobres de confiança. Um príncipe inexperiente e imaturo que possui tanto poder em suas mãos, mas mal sabe disso. Você só precisa passar alguns meses em seu castelo e extrair o máximo de informações possíveis. Se descobrirmos a fonte de seu poder bélico, podemos tomar seu reino inútil e mudar o curso da história.
Dou um passo para trás. Dalibor só pode estar louco se acha que esse plano vai dar certo. E que príncipe imaturo é esse? Não conheço nenhum governante com esse histórico, ao menos não no império de Velorum. E acho pouco provável que Lorcan confiaria parte de seu território nas mãos de alguém incompetente.
— Você quer me mandar para a morte. Eu não sou burra.
Ele solta uma risada grave.
— Sei que não, por isso acredito em sua sabedoria e técnicas de sedução para fisgar o príncipe para sua armadilha.
— Se eu aceitar, o que ganho em troca?
— Você e sua amiga terão um emprego digno no castelo de Velstand, além de uma casa aos fundos do palácio. Serão reconhecidas pela aristocracia e possuirão imunidade legal.
As minhas pernas fraquejam e apoio-me na cama. Nenhum plebeu conseguiria tantas regalias na vida, o que só pode significar duas coisas: as informações coletadas são muito valiosas e perigosas. Mas eu já perdi tudo na vida quando presenciei o último suspiro da minha mãe, então se jogar nesse abismo escuro é minha única chance.
Não sou tola em acreditar que vender meu corpo vá garantir uma vida melhor. É bem provável que eu seja jogada em uma vala qualquer, como tantas outras que seguiram o mesmo caminho.
— Eu aceito, mas prometa tirar a Izobel imediatamente desse lugar e mandá-la para uma casa segura, no reino em que terei que "trabalhar".
Ao lembrar de como ela foi tratada instantes atrás, meu estômago tem reviravoltas. É doloroso saber que, se nada for feito, a sua vida vai se resumir a isso: humilhação. Não que a minha seja diferente.
— Como desejar, senhorita Evans.
— E quem é o príncipe que devo seduzir?
— Ele é conhecido como o príncipe das desgraças, o seu nome é Aloys Rilley.
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