Capítulo 04
Darker Than Black
A ROUPA ME INCOMODAVA. Era a primeira vez que eu serviria em uma festa, ainda mais, em meu segundo dia naquela mansão desconhecida. Eu tinha aprendido o básico de como servir uma mesa já que de última hora decidiram fazer a festa do aniversário de Solange, detalhe que nunca procurei saber quando ainda estudávamos.
— Esta pronta? — Steyce, a moça que foi educada comigo na manhã passada, perguntou. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo no alto da cabeça assim como o de todas nós.
— Não! — era verdade, meus nervos estavam aflorados. Eu não estava confiante mesmo depois treinamento básico.
— Inspira e...
— De nada adianta quando sei o tipo de pessoa que estou servindo. Principalmente a aniversariante. Ela não vai com a minha cara.
— Solange? — Assenti. — Evite servir próximo onde ela estiver.
Se fosse fácil.
Eu parecia um mel que a atraia.
— Mas, não é só isso... — Steyce me olhou confusa. — Meu uniforme está muito vulgar.
O meu vestido de servente era o mesmo modelo que o delas, só que mais justo e curto.
— Está mesmo muito vulgar. Vai chamar bastante atenção.
E eu não queria chamar a atenção
— Ally — Mirian aproximou-se ao lado de Mia, outra garota que conheci —, não temos um uniforme reserva. Pode aguentar só por essa noite?
— Eu aguento.
Eu já estava reclamando. É claro que não aguentava! Eu não queria ser tocada por mãos bobas de velhos tarados. Muito menos por caras novos e assanhados!
— Claro que aguenta! — Viramos na direção que ouvimos a voz. Solange. — É igualzinha as que ficam na esquina — ela riu ladino.
Solange trajava um vestido vermelho extremamente apertado, mas não chegava a marcar suas curvas. Seus cabelos estavam ondulados e volumosos. A maquiagem forte acentuava mais os traços de seu rosto.
— Que roupa é essa? — Dixon perguntou, adentrando a cozinha. Depois do café da tarde de ontem era a segunda vez que eu o via.
Recuei dois passos para trás, espantada.
— Eu sabia que ela iria aprontar querido. E escolheu logo a minha festa para soltar as asas — resmungou Solange, fingindo estar desapontada comigo, como se outrora tivesse me dado uma chance.
Que cobra miserável!
— Não! Eu não escolhi o vestido — intervi em minha defesa.
— Senhor, ela... — Mirian também tentou explicar, mas Dixon interrompeu.
— Volte para o quarto, sua ajuda não será necessária — ele olhou para as outras verificando se não havia mais ninguém com a roupa do mesmo tamanho que a minha. — Logo vou ter com você. — concluiu.
Se olhar matasse, naquele momento eu seria apenas cinzas. Dixon me olhou friamente dando passagem para eu sair pelas portas dos fundos. Corri desesperada em direção ao quarto. Tirei a roupa, colocando a minha de antes. Por que eu não tinha ouvido minha, mãe?
Ninguém nunca imagina quando o pior pode acontecer a si, muito menos um sequestro. Quer dizer, pessoas da alta sociedade sabem que estão sujeitas a esse tipo de perigo. Mas eu era apenas uma garota que estava lutando para entrar em uma boa Universidade e me destacar na sociedade.
Fui desperta de meus pensamentos com leves batidas na porta e, em seguida, Dixon entrava sem esboçar qualquer tipo de expressão. Temendo o que ele poderia fazer comigo, caminhei para trás sem disfarçar. Minhas mãos tremiam e suavam. Estávamos a sós.
— Vejo que tirou o vestido — comentou, fechando a porta sem desviar seus olhos dos meus. — O que tinha em mente vestida daquela maneira?
— Foi uma armadilha da sua noiva. É notável a aversão dela para comigo.
— Porque acha que eu acreditaria em você? Pode simplesmente fazer isso para chamar atenção e sair daqui.
— Eu não pediria ajuda a essas pessoas. E, mesmo se eu pedisse, ninguém se arriscaria por mim.
— Com uma pessoa vulgar qualquer um ajudaria a espera de benefícios.
— Eu não sou vulgar! — retruquei elevando a voz.
— Não ouse levantar a voz! — estrilou.
Eu explodi. Ninguém ousava me mandar ficar quieta quando eu estava certa.
— Porque não me mata de uma vez, cara! Poupe seu tempo de se preocupar com uma sequestrada. Perdi a única chance de realizar meu sonho por sua causa! E meus pais devem achar que estou em outro lugar.
Dixon nada disse. Ficou parado como se estivesse concentrado nos movimentos das minhas mãos em gestos desconexos.
— Pretende mesmo me vender para aquele prostibulo, não é?
— E se for? — Seu tom desafiador arrepiou cada pelo do meu corpo.
Eu ri sem humor.
— Eu sempre ouvi que há uma história por trás de cada pessoa. Uma razão para serem do jeito que são... Então não os julgue — ri de mim mesma. — Mas cara, você acaba de provar que só quer saber de dinheiro. Quanto mais tem, mais quer. Vê se enxerga! Não sabe que isso pode acabar com a sua vida? Não pensa na sua família? Não pensa nas famílias que você tirou um ente querido? — passei a mão pelo meu rosto afastando pequenos fios rebeldes. — Sei que muitos são horríveis, mas quem somos nós para sentencia-los a morte? Quem é você?!
— Silêncio! — Ele bateu a mão na penteadeira, trincando a madeira. — Provei ser ganancioso?
— E não é a verdade?
Sua expressão era assustadora. Minhas palavras tiveram um impacto profundo nele.
— O que eu tenho de tão precioso? — prossegui. — Meu corpo é apenas um pedaço de carne que envelhecerá. Eu prefiro morrer a me entregar para qualquer homem.
— Eu posso te matar agora mesmo.
— Eu não me importo! Eu não vou me humilhar implorando para não ir para aquele maldito prostibulo.
Ele ri debochadamente.
— Você... Você é louca.
— Está completamente enganado. O único louco está bem à minha frente.
— Já viu um louco fazendo uma bela arte? — Ele aproximou-se, ficando poucos centímetros de mim. — Seu silêncio diz que não. Então terei o prazer de lhe mostrar.
— O que quer dizer?
— Descobrirá por si só. Com licença.
Dixon saiu fechando a porta com tudo. Caí de joelhos. Porque eu não conseguia manter minha boca fechada?
Nem em um milhão de anos entenderia o motivo de muitas pessoas boas se darem tão mal na vida. Era uma sociedade muito injusta. Solange sempre foi uma bruxa má na minha história e mesmo assim conseguiu tudo o que sempre quis. E eu que nunca fiz ou desejei o mal... Era algum tipo de castigo de algo que eu tenha feito e não me recordava?
Eu não podia continuar ali.
Saí do quarto sem fazer barulho. Não devia ser difícil encontrar janelas abertas quando uma festa acontecia. As entradas estariam com guardas e convidados. Era arriscado demais. O corredor estava limpo, nenhum segurança para impedir minha fuga. Corri até a janela no final do corredor e olhei para baixo precisando ter certeza de que poderia pular sem machucar meu corpo. Agradeci aos céus pelas poucas aulas de artes marciais. Só não queria estar tão enferrujada.
Pulei.
— Ai! — resmunguei, levantando-me do chão.
— Uau! — paralisei ao som da voz desconhecida. — Não é todo dia que vemos uma mulher cair do céu. É uma grande altura. Por que não usou as portas?
Virei-me dando de cara com o mesmo rapaz que tentou puxar assunto no café da manhã de ontem. Com a pouca luz do jardim iluminado foi possível analisar sua vestimenta: o paletó azul marinho estava aberto, deixando à mostra a camisa branca. Suas calças não eram tão justas como as de Dixon.
— Assustada? — Ele disse de forma gentil e caçoada. — Está tudo bem, não direi nada ao meu primo sobre uma refém em fuga.
— Eu até agradeceria se você não fosse da mesma laia que ele — cuspi as palavras.
— E não sou — assegurou. — Vejo que criou uma imagem distorcida do Dixon.
Afastei-me institivamente.
— Por que acha que distorci a imagem daquele homem?
— Você está viva!
Fucei a mente tentando lembrar seu nome. Steve!
— Steve, não é? — Ele assentiu. — Se eu continuar aqui não acho que continuarei viva.
Steve me olhou com o cenho franzido.
— Acha que vamos te assassinar?
— É o que sequestradores fazem.
Silenciei-me olhando para os lados em busca de uma nova escapatória.
— Está decidida a escapar daqui — ele murmurou, escorando-se elegantemente na parede.
— E teria conseguido se você não tivesse aparecido.
— Não precisava ser sincera. Mas admiro sua audácia. No entanto, sinto lhe informar: depois que entra, só sai sem vida.
— E você ainda diz que são boas pessoas.
Ele riu.
— Acho melhor voltar para onde estava, ou vai acabar se encrencando moça que não me disse o nome.
— Antes, poderia me responder uma pergunta? — arrisquei me aproximar. Por alguma razão eu não me sentia ameaçada por ele.
— Já fez — ele sorriu. — Antes me diz como devo chama-la.
— Ally.
— Steve — se apresentou novamente. — Então senhorita Ally, por favor, faça uma segunda pergunta.
Suspirei para não dar um soco nele.
— Sem senhorita. Que gangue chique é vocês?
— Qual o motivo da indagação?
— Não vou sair daqui viva, então porque não me contar?
— Aceitou a morte, Ally?
— Jamais.
Steve se desencostou da parede e colocou as mãos no bolso da calça.
— Estamos longe de ser uma gangue. Somos uma organização.
— Isso explica a luxuosa mansão. E o nome?
Steve ponderou e suspirou antes de responder:
— Dark than Black — respondeu por fim.
Eu comecei a rir.
— Santo avestruz! Quer mesmo que eu acredite que vocês são eles? Eles ajudam os mais fracos, não sequestram pessoas.
— Então já ouviu ao nosso respeito? — ele perguntou resiliente. — Agora vejo porque não é uma garota medrosa. Você gosta desse tipo de coisa.
— Isso é mesmo verdade? — ignorei seu comentário.
— Você pediu, esta é a verdade.
— Não, não pode ser. A Darker é a única máfia honesta que existe. Por que manchar o nome dela assim?
— Não estamos manchando. O povo acredita no que quer. Você escolheu acreditar que somos bons, no entanto, o mundo é composto por bilhões de pessoas com ideias, pensamentos e personalidades diferentes — Steve respondeu lentamente.
Eu não podia acreditar.
— Mas o que eu conheço sobre vocês são coisas boas. Porque me sequestraram? A carapuça de boas ações não passa de uma farsa?
A maior parte da população italiana não considerava a organização criminosa, mas como modelos ou protetores, uma vez que o estado foi incapaz de oferecer proteção aos fracos e pobres durante a uma guerra de gangues e outras máfias. No dia do assassinato de Kristian Wolks, foi inevitável ocultar a noticia quando a máfia rival filmou o assassinato e invadiu os canais de TV mostrando o vídeo em rede nacional. As últimas palavras do lendário fundador ficaram marcadas em minha mente. "Mantenham o respeito à lei, e à defesa de todos os direitos e à generosidade de caráter".
Então foi descoberto sobre a organização que agia no escuro da noite protegendo os mais fracos. Ninguém jamais viu outro homem que fazia parte dessa organização misteriosa.
Claro que era inevitável vidas serem perdidas em meio a toda atrocidade da guerra e isso causou uma controvérsia na população. As pessoas passaram a considera-los vilões. O primeiro ministro Vittorio Bernadinell Plucani havia reportado ao senado que, uma vez que a máfia protegia os mais fracos eles eram homens honoráveis, nobres e generosos.
Naquele mesmo ano, uma fonte revelou o nome da organização: Nessun Dorma. Mas após a atrocidade feita ao Don, Kristian Wolks, uma fonte desconhecida informou que o nome havia sido trocado em homenagem ao fundador da organização, tornando-se a Darker Than Black.
Essas foram às únicas notícias que deixaram ser publicadas em rede Mundial. Muitos diziam que a máfia agia apenas a noite para evitar notícias sobre ela. Claro que um comentário aqui e outro ali, era inevitável, embora nada nunca fosse concreto.
Eu me sentia como uma garota de doze anos, desiludida e decepcionada ao descobrir que tudo em que acreditei não passou de fachada. Era como se mais um sonho fosse esmagado com a mão pela organização que mais admirei.
Dixon, o chefe. Ele não era um vilão como havia imaginado. Ele de fato era um vilão perverso.
— Alguns estudiosos veem a "máfia", que eu prefiro chamar de atitude, como um conjunto de atributos profundamente enraizados na cultura popular, como um "estilo de vida" — disse Steve, ignorando minhas perguntas. — Desde um acontecimento passado, muitos souberam da nossa existência. Porém, as pessoas que nos conhecem, são partes desse mundo escuro. Boatos que espalharam deixando muitos esperançosos e outros não, não são alimentados por nós.
— Eu achei que eles... Quer dizer, achei que vocês viriam atrás de mim. Levar-me de volta para casa. Mas muito pelo contrário, são vocês que estão me mantendo aqui. Eu almejei um dia conhecer, e até me casar com um de vocês... De que importa agora, sou tão imbecíl.
Steve pareceu surpreso.
— Você tem ideia de como isso soa?
— Agora soa patético!
— Você me deixou sem palavras. Estou me sentindo um destruidor de sonhos.
Um silêncio de segundos se estendeu.
— Preciso voltar — ele disse. A conversa não o afetou como afetou a mim. — Mas não posso deixa-la aqui. Você precisa entrar também.
— Tudo bem. — Ele me olhou desconfiado quando comecei a andar vagarosamente.
Antes de chegar à porta, desviei o caminho e corri em direção ao portão aberto. Eu queria gritar em voz alta "liberdade", mas quando vi Steve correndo ao meu lado sem ter feito nenhum esforço para me alcançar, entendi que de maneira nenhuma uma fuga ajudaria a me livrar deles.
— O quarto fica para o outro lado, Ally — ele passou na minha frente impedindo a minha passagem. — Te peguei pela segunda vez. Não haverá uma terceira, não é?
— Nunca se sabe.
Steve ficou me olhando.
— Ally? — ele suspirou. — Sinto muito por você. Não fique com medo de estar aqui.
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Olá! Tudo bem?
Desejo a vocês um final de semana maravilhoso. Fiquem com Deus!
Não esqueça a estrelinha 😢
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Escrito e publicado por: Dhiedy Bueno, na plataforma Wattpad.
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