Capítulo 02
Verdadeiro Sequestro
EU OLHAVA PARA O ENORME TELÃO tentando entender a cena que passava. Era tão absurda que me arrependi de ter pagado trinta reais para assistir o filme na noite de estreia. Em casa quando assisti o trailer, as cenas pareciam ter nexo, pareciam tão incríveis que depositei até as expectativas inexistentes em todas as cenas, mesmo tendo consciência de que sempre fui maluca por filmes como aquele.
A maioria das histórias de Super-heróis, a mocinha apaixonada pelo "salvador" aclamado pela cidade é sequestrada pelo vilão. E o vilão se quer encosta um dedo para feri-la. O mínimo que ele faz é amarra-la ou usa-la como isca. Claro que são exceções. Tem vilão que não é ruim; só querem atenção, talvez estejam carentes por ter toda a glória voltada para os que salvam a pátria.
Quando o filme acabou, percebi ser a única a sair da sala insatisfeita com final, estavam todos comovidos. Uma garota saiu comentando uma cena muito importante sem se dar conta de estar passando ao lado da fila que esperava para assistir o mesmo filme. Ela estava tão despercebida que não notou os olhares feios em sua direção. Muito menos suas amigas.
— Ela está mesmo empolgada. — Mandy apontou discretamente para a menina. — Nem percebe os olhares repreensivos.
— Problema dela, o ambiente é público.
Tentei não ser grosseira, mas meu tom de voz deixou evidente meu estado de humor.
— Nossa Ally, porque esse mau humor repentino?
— Nada.
Desviei de um rapaz que passou apressado do meu lado. Leva Junto!
— O final foi não foi lindo, Ally? E aquele ator? Ele é tão lindo! — Suspirou, sonhadora.
Mandy tinha completado vinte e três anos mês passado e não tinha mudado em nada, como ela disse que faria. Seus cabelos pretos caiam em cascata por seus ombros, deixando seu visual mais menininha de ginásio. Os olhos castanhos mel brilhavam ao que tagarelava sobre o herói do filme ser um gato. Ele era realmente muito bonito, no entanto, o vilão parecia ter mais coração. Embora ninguém o considerasse atraente, ele era verdadeiro; nas palavras e gestos, havia algo de bom, envolvente. Mas nenhuma alma enxergava como ele se sentia: rejeitado, sozinho.
— Não, não o achei tudo isso. Gostei mais do...
— Ally, minha cara amiga, você é uma mulher de vinte três anos com síndrome de Estocolmo — ela me interrompeu. — E, eu bem sei que esse seu mau humor é pelo filme, tá!
Mandy sabia sobre a minha fascinação por vilões. E sempre quando assistíamos a um filme que não me agradava de como o vilão era tratado, ela dizia que eu tinha síndrome. Alguns me cativavam pela forma que pensavam. Parando para pensar na teoria de alguns, o mundo precisava de algumas mudanças. Mudanças as quais muitas das vezes, um herói tinha que ceder e concordar, mas nem sempre eram posta as mãos na massa. E quem ganhava o crédito? Vocês já tem a resposta.
— Mandy são vilões de livros e filmes. É um mundo fictício. Embora, na realidade possa ser que existam alguns assim — murmurei a última parte para mim mesma.
— E na ficção a mocinha fica com o herói.
— Nem todas — retruquei. Na minha, não.
— Tudo bem. E se um dia, na vida real, você viver como um filme... Um sequestro especificamente.
— Vire essa boca pra lá. Meu pai não tem dinheiro para pagar um resgate.
Mandy revirou os olhos, seguido por um extenso suspiro.
— Sério, eu não te entendo. E olha que somos amigas há anos.
— Porque não? — Franzi o cenho em descrença.
— Mesmo com sua mudança radical no visual... — Ela parou e me olhou de cima a baixo, avaliando meu perfil, como toda vez que fazia um comentário a meu respeito.
Eu tinha feito mechas rosa no cabelo para destacar um pouco em toda a cabeleira castanha e troquei minhas roupas coloridas por pretas. E sem contar nos quilinhos que ganhei que pra mim tinha sido maravilhoso. Estava precisando.
— Você é certinha, Ally. Não suporta injustiças... — Mandy prosseguiu. — E se apaixona por vilões? Qual sentido disso?
— Não precisa ter senti...
Ela estendeu a mão para que eu me calasse.
— São perguntas retóricas. Sei que nem mesmo você sabe a resposta.
— Você está exagerando, Mandy. Lembra-se do desenho do Megamente?
— Vagamente, por quê?
Ela começou a se exercitar no meio da rua, ainda andando.
— Não seja tão lezada. Aquele é um desenho que mostra como não devemos odiar alguns vilões. O herói, Metroman, abandonou a cidade, e quando um perigo maior ameaçou a população, foi Megamente, o vilão, quem os protegeu.
— Era o mínimo que ele tinha que fazer. Foi ele o autor da catástrofe.
— Não, não foi. Ele só queria atenção e...
Mandy me interrompeu novamente.
— Ally, esquece vai! Você deve gostar dos mocinhos, já que é tão certinha.
— Da próxima vez que me interromper, você vai precisar de um ortopedista. E vamos encerrar esse assunto, você não entende.
Não daria nada discutir gostos com alguém que não compartilhava da mesma opinião que a sua. Mesmo essa pessoa sendo a avoada da sua melhor amiga. No caminho até a casa de Mandy, ficamos conversando assuntos aleatórios, evitando tocar no assunto da minha partida e sobre o assunto de minutos atrás.
Em frente à porta de sua residência ela então lamentou:
— Nem acredito que você parte amanhã. — Seus olhos lacrimejaram instantaneamente.
— Conversaremos por Skype todos os dias. — Tentei anima-la antes que eu também começasse a ficar emotiva. Eu não gostava disso.
— Sabe que não é a mesma coisa!
Fiquei sem argumentos.
— Por mais que eu odeie admitir — Mandy prosseguiu —, vou sentir falta de discutir sobre suas paixões fictícias.
— Eu sei, é envolvente estar ao meu lado.
— Precisava estragar o clima?
Os lábios de Mandy se inclinaram esboçando um pequeno sorriso.
— Amigas são pra isso. Não se esqueça, quero ver você no aeroporto amanhã...
Meu celular vibrou dentro do bolso da calça. Pelo toque já sabia que era minha mãe. Ela não deveria estar em uma reunião? Mandy ficou olhando até que eu atendesse.
— Mãe?
— Ally, onde você está?
Pude notar sua voz alterada.
— Em frente à casa da Mandy. Por quê?
— Ally, eu já disse pra você não ficar andando sozinha a esse horário! Nenhuma de vocês duas.
— O que eu posso fazer se o cinema é muito melhor à noite? Só um minuto, deixa eu me despedir dela para seguir meu caminho.
Mandy cochichou um "Vai, não preocupe sua mãe", e me abraçou rapidamente, logo correndo para dentro de casa. Os pais dela deviam estar preocupados também, eram mais rígidos que os meus. Dava pra entender a preocupação exagerada da mãe dela. Sua mãe teve sete tentativas de engravidar, e quando já tinha perdido as esperanças, Mandy surpreendeu o casal. Era uma história que eu amava ouvir dos pais dela.
A esperança era a última que morria, seja qual fosse a situação.
Olhei para os lados antes de atravessar a rua. O farol estava vermelho para os pedestres, mas não tinha carro algum. Dei de ombros e atravessei.
— Então, mãe...
— Não pode ir mais cedo?
Os sons de murmúrios do outro lado estavam baixos, ainda sim, era possível ouvi-los.
— A seção é horrível, mãe. Aliás, não tem uma reunião acontecendo neste exato momento? Onde está o papai?
— Algumas pessoas atrasaram e adiamos alguns minutos. Seu pai está conversando com alguns colegas de trabalho. Agora me diz onde está exatamente.
— Mãe, não se preocupe. Deixe passar dessa vez, eu estou a caminho de casa. Hã... Mãe?
Por alguns segundos quis saber sobre o que eu ouvira na noite do jantar, mas senti certa inibição dentro em perguntar.
— É só mais um aviso para não se preocupar comigo — menti, frustrada.
— Ally Backer, sabe que é impossível quando sua única filha está fora de casa às dez da noite — sua voz era doce. — Ally?
Minhas sobrancelhas arquearam extintivamente como se minha mãe estivesse à minha frente.
— Oi, mãe.
— Nós te amamos — ela disse, quase pausadamente.
Achei estranho. Ela sempre dizia que me amava, porém, naquele momento era como se fosse a última vez que ouviria aquelas palavras.
— A senhora sabe que eu amo muito vocês também. Não fique emotiva agora, tá? Tem que ser durona nessa reunião.
Ela riu. Era coisa da minha cabeça.
— Quando chegar me liga? Quero ter certeza de que chegou segura.
— Claro. Boa sorte.
— Obrigada, querida. Boa noite.
— Boa noite, mãe.
Antes de ouvir os bips de chamada encerrada, ouvi minha mãe suspirar. Não gostava de deixa-la preocupada. Toda vez que eu saia ela me ligava para saber onde, exatamente, eu estava. Ela não aceitava um "estou chegando". Eu precisava ler o nome da loja que estava passando na frente para ela saber se era mentira ou não. E, quando eu tentava engana-la, ela dizia que tinha colocado gente para me vigiar. Eu não acreditava, porque sabia que minha mãe confiava em mim.
— Eu queria tanto um vilão só para mim. Ou alguém da Darker — exprimi alto para mim mesma. Não havia ninguém na rua.
Claro que um vilão que não fosse um idiota bastardo. Um Megamente na forma humana seria ótimo. Ele não era um romântico completamente meloso, mas também não deixava de ser quando preciso. Tinha tudo na medida certa, do jeito que eu gostava.
Apressando meus passos para chegar em casa logo, tomar um banho quente e ligar para minha mãe, redirecionei o meu caminho habitual, pegando um atalho. Um beco mais especificamente. As luzes dos postes só iluminavam a entrada dele, mesmo assim segui em frente. Eu não tinha medo do escuro.
A cada passo um calafrio subia pela minha espinha. Ignorando continuei. Mas foi quase impossível continuar ignorando quando gritos de dor ecoaram pelo beco antes silencioso. Na medida em que eu me aproximava ficava ainda mais audível. Eu podia voltar atrás, no entanto, o dono daquela voz podia estar precisando de ajuda.
Ou já morrendo.
Entrei em choque ao ver tanto sangue retesado. A luz de uma pequena lanterna iluminava o corpo de três homens estirados no chão. Dois deles mortos, e o que ainda grunhia de dor. Um dos agressores apontou a arma para ele, mas, antes que atirasse, a vítima pegou uma arma jogada perto de si e atirou em sua própria cabeça.
Instintivamente, levei minhas mãos à boca depois de soltar um murmúrio assustado, chamando a atenção deles para mim. Dei dois passos para trás, antes de começar a correr.
A cada passo eufórico a cena se repetia em minha cabeça me deixando enjoada e assustada. De nada adiantava sair do beco e não encontrar uma alma viva caminhando pelas ruas. Elas sumiram, literalmente.
Eu corria o máximo que meu corpo permitia. Em qualquer direção. Eu não podia ser pega. Correr até minha casa era mostrar ao inimigo onde ele me encontraria mais tarde. Ou encontraria a minha família.
Mãe!
Pensei no motivo de sua preocupação comigo diferente do habitual. Com certeza ela pressentiu que algo estava para acontecer.
Eu ia morrer?
Parei bruscamente quando um carro parou de repente a minha frente cantando os pneus. Olhei para trás em busca de uma saída, o que não foi uma boa ideia. Meus cabelos esvoaçaram na frente dos meus olhos atrapalhando minha visão e dificultando meus passos. Um dos homens passou a rasteira em meus pés e quando pensei beijar o chão ele segurou minha cintura.
— Me soltem! Vocês estão malucos?!
A porta do carro foi aberta e um homem alto de cavanhaque bem desenhado, vestido todo de preto saiu com dois panos nas mãos olhando para os lados. Um deles amarraram minhas mãos e o outro vendou meus olhos. Estava escuro demais para olhar seus rostos sem máscara alguma. Minha cabeça foi empurrada para baixo vagarosamente para que eu entrasse no carro.
— Tem gente me vigiando! — nenhuma resposta. — Eles viram vocês. Vocês não vão escapar!
Novamente sem resposta.
O trajeto estava silencioso, nenhum murmúrio ou códigos secretos trocados entre eles. Nada! Eles não falavam o que poderia acontecer comigo, nem mesmo tentavam me intimidar.
— Me deixem ir, não tenho nada de valor.
O carro parou após um longo tempo em Locomoção. Os movimentos dos homens balançavam o veículo. Eles estavam saindo. Uma mão forte segurou pelo meu braço sem apertar. E, sem qualquer palavra, ou aviso, sou motivada a sair do carro e andar. Eu contava meus passos mentalmente. Se baixassem a guarda eu correria.
A atmosfera estava fria, o som do chacoalhar das árvores se misturava ao som de água caindo e grilos cantando. Encolhi meu corpo com o vento gélido que soprou chacoalhando árvores.
— Quem é a moça? — Uma voz doce e ao mesmo tempo fria rompeu o ambiente silencioso. — Porque a trouxeram aqui?
As lágrimas fracas molhavam a venda. A alça da minha bolsinha balançou. Recuei para o lado na tentativa de impedir que eles pegassem meus documentos. Sem sucesso.
— Ally Backer.
— Backer? — A voz misteriosa repetiu meu sobrenome como se eu fosse alguém conhecida. Quem era? — Levem-na para a última acomodação, no final do segundo andar. Estarei de volta amanhã pelo amanhecer.
Só pode ser o chefe.
— Sim, Senhor! — Exclamou vozes masculinas em uníssono.
— Formariam um ótimo coral masculino — murmurei.
Fizeram perfeitamente a sincronia de vozes que foi inevitável não comentar. O som de um carro se aproximando os calou por uns segundos antes do homem dizer suas últimas palavras e se afastar.
— Tire a venda dela somente quando estiver dentro do quarto.
O homem que segurava meu braço me mandou tomar cuidado com os degraus. Eu sentia o tapete espesso sobre minhas sapatilhas finas.
— Você vai ficar aqui — disse o homem, tirando a venda dos meus olhos. — Não adianta tentar nada.
Ele era muito bonito: cabelos pretos com luzes castanhas que combinavam com seus olhos negros. Mesmo debaixo daquela jaqueta de couro preta, era possível ver seus músculos bem definidos. Sua beleza era quase ofuscada pela sua feição assustadora.
— Vocês não se safarão dessa — engoli o medo que finalmente começava a se apoderar do meu corpo. — Vocês não sabem quem eu sou? Não vão pedir o resgate?
— Porque deveríamos?
Sua voz grave e firme me causava leves calafrios.
— Por que é assim o procedimento de um sequestro — respirei fundo, antes de soltar minhas palavras que poderiam me matar no momento seguinte e adeus resgate. — Você é bonito e assustador, mas meio lento, não acha?
Eu tinha consciência que estava sendo maluca. Talvez assim eles achassem que pegaram alguém com problemas e me mandariam embora.
— Uma observação não precisa. — Ele negou com a cabeça, me avaliando como seu eu tivesse algum problema psicológico e saiu do quarto, trancando a porta ao lado de fora.
Fiquei parada por alguns segundos achando que ele voltaria, mas não. Olhei em volta a procura de uma janela. O quarto era quase do tamanho da minha casa. Os móveis luxuosos tinham uma distância exagerada um do outro, todos de uma cor só: branco. Atrás das enormes cortinas de seda bege, tinha uma porta de acesso a uma sacada. Tentei abri-la, em vão. Estava trancada a chave também. Quebrar o vidro não me ajudaria e faria um barulho absurdo, revelando minha tentativa de fuga.
Comecei a entrar em desespero, estava sem meu celular e sem meus documentos. Eu tinha que sair dali. Procurei por alguma coisa que eu pudesse abrir a fechadura. Quando encontrei um pequeno grampo na gaveta da cômoda, quase faltei deforma-lo descontando nele minha raiva. Raiva de mim mesma por ser tão teimosa e não ouvir minha mãe às vezes.
Várias e várias tentativas falhas. O grampo não se encaixava naquele tipo de fechadura. Minha cabeça começou a doer. Eu precisava me acalmar, ou desmaiaria a qualquer momento.
Então sem ao menos perceber adormeci.
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Olá! Vocês estão bem?
Desejo a vocês um final semana maravilhoso. Fiquem com Deus!
Não esqueça a estrelinha 😢
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Escrito e publicado por: Dhiedy Bueno, na plataforma Wattpad.
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