Capítulo 4
Billie entrou na casa como se fôssemos roubar alguma coisa. Olhos atentos, mãos tentando não tocar no desnecessário. Meu irmão é mesmo um grande idiota. E pensar que eu trouxe ele para esse lugar, para o lugar onde minhas lembranças vão, o lugar onde eu vou quando preciso das lembranças. Ah, ele com certeza vai estragar tudo. E de nada adianta choramingar agora, eu estraguei tudo trazendo-o aqui.
— O que viemos fazer aqui? — retrucou, talvez pela décima vez.
— Eu vim para... — yeah, ainda não posso dizer que tenho um quase namorado que também é um vampiro. — Vim cuidar das flores.
— Ah, claro, flores. Recebe alguma coisa por isso?
— Não vou pedir dinheiro em troca de cuidar de flores. Não dão trabalho algum e amo fazer isso — há um pico de verdade nisso tudo, então não é bem uma mentira.
— Como você é idiota, Brie. Poderia estar recebendo uma grana...
— Mas não estou!
— O que eu acabei de dizer? Muito idiota, muito idiota mesmo! — Billie abriu uma das portas e espiou o que a mesma guardava. — Quem mora nessa casa? Fantasmas? Não há nada aqui além de móveis velhos e quadros esquisitos — Billie abriu a porta por inteiro e adentrou o quarto como se fosse seu. — Esse lugar precisa de uma nova decoração.
— Ei! — adentrei o quarto, tentando puxar meu irmãozinho-invasor-de-quartos-alheios para fora. — Não vá entrando assim na casa das pessoas!
— Foi você quem começou com isso tudo — com um movimento ágil, ele se afastou das minhas mãos.
— Você tem toda razão, e é exatamente por você ter razão que preciso concertar tudo — agarrei-o pela camisa e, de vagar, arrastei aquele corpulento para fora do quarto.
Quando enfim consegui remover Billie do quarto, fechei-o dando uma última olhada lá dentro. Não sei dizer se ele pertence ao Ace ou ao Nicholas, os dois possuem o estranho gosto por coisas antigas, pele sintética e xícaras. Mas algo me intriga, esse quarto parece mais vazio que qualquer outro cômodo da casa, parece, também, continuamente frio. Essas paredes parecem esconder coisas, segredos, sussurros. Todos aglomerados de mais.
Fechei a porta por completo, voltando meu olhar severo à Billie.
— Você é muito chata, sabia disso? — Billie já havia encontrado outra coisa para ocupar seus dedos nervosos.
— Sim, sabia. Vou ver as plantas. Ah e... Senhor Hiperatividade, vê se não quebra nada. Qual quer grão de poeira fora do lugar e eu serei morta antes que você possa pronunciar "Insolência".
Com sua cara de garoto-problema, Billie me desafiou:
— In-so...
— Billie! — gritei, andando em direção à estufa improvisada.
— Rá! Te peguei, maninha — ele gargalhou alto, como uma criança que acaba de ganhar um presente de Natal que havia desejado o ano inteiro.
Impaciente, caminhei até os pequenos canteiros com suas lindas Begonias e pomposos Narcisos. Pequenas Violetas caem com sonolência para fora de um vaso, no canto próximo à porta. Jacintos manchados de vermelho parecem tristes e meio murchos sobre uma pilha de Margaridas coloridas. Roseiras se estendem pelas paredes, enrolando-se entre vasos de Tulipas e Campanulas. Deve ser duro para Nicholas abandonar todas elas, mas, ágil, ele criou um belo sistema de irrigação que trás água do rio local. Assim que o rio descongelou, o que demorou alguns dias, as plantas logo receberam água fresca e limpa para florescerem tranquilamente.
Lâmpadas fluorescentes ficam acesas por todo o dia, e assim, quando o gerador desliga à noite, elas são privadas de luz para que as flores possam murchar em silêncio. Observei todas as criações do Nicholas atentamente, até mesmo algumas prateleiras parecem terem sido talhadas por aquelas mãos. No estando, não consigo ver nada que Ace poderia ter feito — sem contar com alguns casacos jogados em lugar estranhos, como dentro de um armário na cozinha, isso não me parece algo que Nicholas iria fazer.
Com uma tesoura, tentei ser útil e fazer algo para qual Nick não tenha criado um sistema operacional e robôs ajudantes. Cortei, com cuidado, as folhas murchas e os ganhos que cresceram em direções estranhas. Coloquei mais terra em alguns vasos. Pos uma muda, que já crescera o suficiente, em outro recipiente. Por fim, com as mãos lamacentas, limpei minha bagunça.
Enquanto procurava pelo banheiro, tentei bisbilhotar meu irmão invasor. Estranhamente, Billie não estava em lugar algum.
Lavei as mãos e tentei arrumar o cabelo de forma que esse não mais fosse arrastado pelo vento, e então iniciei a Caçada ao Invasor. Barulhos de passos logo me indicaram o caminho. Procurei uma escada que me levasse ao sótão, mas tudo o que encontrei foram portas. Quantos cômodos uma casa não tão grande, como essa, pode possuir?
Uma porta meio aberta me chamou atenção, atrás dela, finalmente, há uma estreita escada. Dois degraus por vez, subi a mesma até encontrar Billie rodeado por uma bagunça de papéis rabiscados e amassados.
— O que está fazendo? — retruquei. Mas, antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Billie me interrompeu, lendo o que havia em um pequeno caderno azul.
— “Eu poderia encontrar outra forma de fazer isso direito, mas não sei se existe um caminho correto para o que sinto. Queria ter a capacidade de ler sua mente, apenas para saber se é realmente isso que a intriga, para não sofrer sabendo que sou o único. Mas não deram essa função à um vampiro criado, isso faz parte dos nascidos.
“Você bem sabe do meu desprezo pela imortalidade, mas isso o que sinto me trouxe a tona outro sentimento... Talvez pela primeira vez, sou feliz por ser eterno. A eternidade me trouxe você, afinal. Queria que tivéssemos a eternidade à nosso favor; você é eterna, mas por tão pouco tempo. Não quero embargar os anos que terá pela frente com minha incapacidade de enxergar que, talvez, as coisas possam acontecer de outra maneira, que, talvez, eu seja o causador de sua incerteza e do meu próprio sofrimento. Estou sempre olhando para meu próprio umbigo, tentando fazer a culpa ser apenas minha, tentando ser o monstro de baixo da cama, aquele que estraga todos os sonhos que alguém poderia ter. Já não suporto ser meu próprio vilão. Não quero matar meus sentimentos por medo de senti-los. Não quero esmagar você com meu falso desprezo.
Um nó se formou em minha garganta, um nó apertado de mais para ser permitido respirar.
— Há algo, além de toda essa tolice, que preciso te dizer. Mas... Brie? — as sobrancelhas frisas de Billie entregaram e estragaram todo o momento. — Isso não é uma coisa que eu possa dizer com as pontas dos dedos — Billie uniu um bocado de incerteza em sua voz. — É algo que preciso, que tenho que pronunciar através dos olhos e das palavras, por mais vermelhos que eles estejam, por mais baixa que ela soar.”
O nó apertou-se um pouco mais, praticamente me obrigando a sucumbir às lágrimas. Mas eu preciso ser forte, ao menos enquanto Billie me encarar dessa forma.
— Por que seu nome está aqui?
Abaixei-me ao chão, recolhendo uma das bolas de papel. As palavras desenharam uma frase: “não posso dizer que te amo e estragar tudo”. Sim, isso seria algo que Ace diria. Recolhi outro papel e, baixinho, recitei: “Sinto que não posso existir num mundo onde você não exista”.
— Brie, o que isso significa? Imortalidade. Vampiros criados. Nascidos. O que isso significa?
Ignorando Billie, tentei ler todos os papéis que encontrei. O nó não afrouxou um único centímetro.
— Brie? Você pode, por favor, parar de fingir que não estou aqui? — irritado, Billie bateu uma mão fortemente no chão, causando um ruído oco e assustador.
— Foi você quem começou com isso tudo — sussurrei sem conseguir olhar meu irmão nos olhos.
— Mas é você quem precisa se explicar — ele gritou, segurando um dos meus ombros com força. — O que isso significa? — balançou o papel em minha frente. Meu nome está lá, logo após o “eu te amo”, bem antes do “mas preciso ir”.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro