Capítulo 18
Brie e Nicholas conversaram por muito tempo. E, mesmo após a conversa ter acabado, Nicholas não falou nada sobre ela dizer algo em relação a mim — o que, como talvez fosse muito esperado, me deixou para baixo o dia inteiro.
Nicholas manteve-se ocupado o suficiente para não deixar-me perguntar sobre o assunto. Acho que foi mais um dos grandes dilemas sobre ter um Demônio Tasmaniano por perto.
E a Brie ficou em minha cabeça o dia inteiro. O fato de haver um cara de grande hostilidade cuidado da casa junto a ela, o fato de ela não ter me ligado, o fato de não ter perguntado sobre mim, o fato de que talvez tenha perguntado — mas não vou revirar o cérebro do Nick tendo apenas cinquenta por cento de certeza sobre isso.
Como ela não sairia da minha cabeça, liguei para ela. Eram três da manhã e eu precisei esperar por um bom tempo.
— Quem é? — ela finalmente disse, a voz sonolenta, gentil como sempre.
— É o Ace — talvez eu não devesse ter ligado. Talvez fosse melhor esperar. Talvez eu enlouquecesse nesse meio tempo…
— Ace, oi! Oi… — a surpresa a fez sorrir por três segundos. E a ligação farfalhou como folhas secas por o dobro desse tempo. — Aqui ainda não amanheceu.
— Aqui também não. Estou a só uma hora de antecedência, digo, o fuso horário é de uma hora à frente — mordi o lábio inferior, acho que vi fazerem isso em algum filme, mas não ajudou. — Não estou do outro lado do mundo, se é o que pensa.
— Para mim é como se estivesse… De qualquer maneira, não posso senti-lo — a última palavra se demorou em sua boca, como se ela estivesse se arrependendo de dizê-la.
— Desculpe. Acho que… Acordei você, não foi? Desculpe, desculpe mesmo. Acho melhor ligar uma outra…
— Não, Ace, não — ela sorriu, alto dessa vez. A risada reverberou em meus ouvidos. É difícil pôr em palavras o que esses sorrisos causam em mim.
Quis sorrir, também. Me mantive como estava, ou seja, perdido.
— Ainda está aí? — sussurrou.
— É errado achar que estou sendo muito egoísta por estar te roubando uma noite de sono? — arrastei o telefone para o chão e sentei ao lado do mesmo. A madeira reclamou baixinho.
— Um pouco — mais um sorriso, mais um sentimento que não sei explicar, mais uma vez que queria ter sorrido e não o fiz. — Sei que terei outra noite para recuperar o sono de hoje, mas… Não sei se terei você pela manhã, não sei se seu amor ainda estará de pé.
Engoli toda a preocupação que mastiguei o dia inteiro. Ela ainda me tem em sua cabeça, que deve ser muito mais organizada que a minha.
— Como isso aconteceu? — ela estava tomando cuidado com as palavras, como se as letras fossem me machucar. — Digo, o vampirismo… Como você se tornou um vampiro?
— Quer mesmo saber disso? — encostei a cabeça na parede, o telefone, por um momento, tornou-se extremamente incômodo.
Seria bem mais fácil falar sobre isso com ela me olhando daquele jeito dela, com a sua estranha fascinação, como se fosse a primeira vez que me ouve falar.
— Eu tinha acabado de fazer dezoito — experimentei as lembranças sobre minha língua, nenhuma me fará mal agora, todas já causaram o dano que puderam, que quiseram. Entretanto, é difícil convencer o cérebro disso. — Os caras da faculdade, onde tinha acabado de entrar, me arrastaram para uma festa. Era uma noite para se comemorar. Nós bebemos e bebemos um pouco mais…
— É difícil te imaginar sendo um baladeiro — a risada foi meio cortada pela ligação ruim. — Mas, e aí?
— Ah, isso durou um certo tempo. Era uma sexta-feira, nós tínhamos o sábado inteiro para dormir. Então, nos juntamos a um outro grupo que já estava no bar antes de nós. Um dos caras, muito alegre, parecia estar mais bêbado que todo mundo, mas falava tão tranquilamente…
— Qual o nome dele? Como ele era?
— O nome? — murmurei um sonoro "huuum", Brie parecia incrivelmente interessada. — Dominic! É, Dominic era seu nome. Ele era bastante inglês… Alto, não grandiosamente bonito, mas o suficiente para fazer com que algumas garotas fossem até ele, enquanto todos os outros tinham que ir até elas. Olhos verdes. Ou azuis? Não lembro dos detalhes…
— Vou imaginá-lo como um Kurt Cobain, com um pouco de James Dean — Brie divagava, tentando dar nomes e rostos aos bois. A conheci enquanto ela lia um roteiro, não deveria ser estranho vê-la tentar acompanhar os personagens. Vou tentar deixar mais claro.
— O Dominic tinha um lugar para nos mostrar. Era um pouco distante, mas fez questão de criar grande ênfase sobre o fato de ser muito legal. Muito legal era o máximo de legal que ele conseguia para descrever o lugar. Era sempre assim. "Como é esse lugar?", Isaac perguntou. Isaac era o menor do bando, muito inteligente, entrou na faculdade um ano antes de todos, mas era um idiota, como todo o bando. "Muito legal", dizia Dominic. "Legal, como?" perguntei. E Dominic, outra vez, "muito legal".
Deixei as palavras se acalmarem. Eu parecia estranhamente animado, como se estivesse meio alto, como se aquela noite fosse fantástica, assim como pensava enquanto ela ainda acontecia.
— Dominic nos fez caminhar por alguns quarteirões. Acho que estávamos em Burford, uma cidade pequena, com uma cara bem medieval. Casas de pedra, amarelo e verde para todos os lados… O interior da Inglaterra é muito belo, te levarei lá um dia — ela concordou com um sonoro "uhum". — Quando chegamos na casa muito legal, ela não parecia assim tão legal como prometido. Era ainda mais medieval que as outras, não havia luz, mas alguém murmurou lá dentro e Dominic entrou sorrindo, dizendo que tinha encontrado a "caça da semana".
— Por favor, me diga que alguém matou o Dominic — os lençóis de Brie fizeram barulhos que acusavam seu mexer de pernas, e eu não pude não imaginar sua forma, seu corpo… Engoli em seco.
— Estávamos todos com álcool até o pescoço, se é que me entende. Achávamos que aquilo era apenas uma gíria da panelinha do Dominic.
— Não me diga que…?
— Sim, sim. Depois de nos oferecerem mais e mais litros do que quer que era aquilo, depois de aceitarmos todos os corpos e garrafas, depois de ouvirmos conversas estranhas sobre sangue e qualidade, depois de rir de tudo, de achar que assim que acordasse tudo teria passado e só o que restaria seria uma dor de cabeça gigantesca — as lembranças carmesim vieram todas de uma vez. Balancei a cabeça para afastar minhas próprias dores, as memórias machucam, mas não como antes. Talvez seja Brie, me controlando de um jeito que nem ela sabe que pode. — Bom, não lembro muito o que aconteceu. Quando acordei, os corpos dos garotos estavam no chão, ao meu lado, sobre mim… Achei que estava morto, também. Eu não sentia nada, era como uma anestesia completa.
— E o que conheceu com os "seus caras"? Todos estavam mesmo…?
— É, todos estavam mortos. Mas, acho que eu ainda não era um demônio. Há algo sobre tempo e toxina qual Nicholas nunca explica muito bem — preciso perguntar sobre isso mais seriamente algum dia. — Penso que tive apenas sorte, algo aconteceu e eles me deixaram para trás. Quando acordei outra vez, estava em uma vala, um sulco bem fundo na floresta estranha de Burford. Todos foram enterrados às pressas, a terra insuficiente para cobrir qualquer uma das cabeças decapitadas ao longo daquela cova que sequer tentaram abrir direito…
— Como você chegou até o Nicholas?
— A segunda vez que acordei, foi a última. Ao longo do tempo, fui percebendo o que havia me tornado e o que deixei de ser. Nicholas veio meses depois, mas pareceu tanto tempo — o telefone pesou sobre meus dedos, outra vez. — Ele estava em Londres para uma conferência de alguma coisa sobre comida.
— O Nicholas sempre foi o Nicholas, afinal.
— É — sorri, um tanto alto demais. Ela me acompanhou até que precisou respirar fundo. — O encontrei em uma casa muito parecida com a que temos agora. Ele tinha uma biblioteca ainda maior, mas muita coisa foi perdida em um incêndio e… Acho que essa é uma história para um outro dia.
E houve uma pausa. O silêncio de haver muito a ser tido, mas não ter coragem suficiente para pôr para fora.
A respiração de Brie estava pesada, cansada. Queria que estivesse mais perto. Eu a queria ali, para não precisar dizer nada, para apenas olhá-la nos olhos e ser grato por conhecê-la.
— Ace?
— Sim? — algo dentro de mim fez um "click". É sempre uma sensação meio louca ouví-la dizer meu nome.
— Eu amo você, mas tudo bem se eu for dormir agora?
Tudo o que veio antes do "mas" soou como uma grande bomba. Embora eu tenha conhecimento sobre o sentimento, ouví-la dizer tais palavras, uma por uma, em um sussurro tímido, me incluindo em cada letrinha, causa um terremoto de grande escala na parte ainda viva que carrego por aí.
Richter nunca entenderia.
— Acho que seis não é mais noite. Então, bom dia — ela disse, e desligou.
O silêncio me esmagou contra o assoalho, enquanto as palavras de Brie me mantinham alto.
Escala alguma entenderia.
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