Capítulo 70
Tudo aconteceu em câmera lenta.
Em um momento Lorcan vinha correndo em minha direção para um abraço caloroso, em outro havia uma espada atravessando o seu peito. Lentamente, ele descia o olhar para a lâmina antes de cair de joelhos, cuspindo sangue.
Corro o mais rápido que minhas pernas permitem, pegando a adaga dele no chão e a lançando no maldito guerreiro de Velstand. Graças aos treinos de pontaria com Raven, acerto o peitoral do oponente que recua um pouco. Katlyn, que está por perto, finaliza com uma flecha certeira em seu crânio.
A gratidão é deixada de lado diante do desespero ao ver a minha alma gêmea caída no chão. Ajoelho-me diante de Lorcan, erguendo levemente o seu corpo. Os olhos azuis encaravam-me de maneira fraca e quase sem vida. A sua pele estava começando a ficar gelada enquanto, por outro lado, a minha fervia em um misto de desespero e raiva.
Se tivesse demorado um pouco mais, a sua morte poderia ser evitada. Eu poderia ter feito aquele sacrifício e tudo ficaria bem.
— Por favor, fica comigo! Meu amor, não durma! Estávamos tão perto de ter Velorum finalmente em paz, então, por favor, não desista!
— Na... Natasha...
A simples menção ao meu nome o faz vomitar sangue.
Trêmula, seguro o seu rosto mal conseguindo respirar. Estava tão ofegante e desesperada que todo o combate ao redor sumiu. Não ouvia nada além da respiração fraca do Lorcan. Não via nada além do seu corpo perdendo a vida aos poucos.
— Eu imploro, estrelas, não deixem a minha alma gêmea ir embora. — murmuro segurando sua cabeça, encostando nossas testas enquanto sentia as lágrimas ardendo em meus olhos. — Ele precisa viver.
A mão de Lorcan toca o meu rosto. É um toque tão sutil e fraco, significando que tinha pouco tempo ao seu lado.
— Eu detesto... Vê-la... Chorar...
O meu peito subia e descia de forma constante enquanto o apertava contra mim. A visão do horizonte totalmente embaçada por causa das lágrimas.
— Temos tanto a realizar ainda, Lorcan. Não me abandone, você prometeu! Você prometeu!
Os seus lábios trêmulos formam um sorriso de tristeza. Lentamente, a mão dele perdia as forças até cair na grama.
— Desculpa... Desculpa, minha Natasha...
A sua respiração estava tão fraca ou inexistente. Não sabia definir devido ao desespero. Abraço fortemente Lorcan enquanto ergo o olhar para o céu, vendo as nuvens cinzas sumirem dando espaço para o crepúsculo. Um prelúdio da fria noite que se iniciaria.
Então, grito com toda a força dos meus pulmões. Sinto a garganta rasgar com o segundo grito, mas não paro. Deixo toda a dor extravasar em meios aos prantos. As lágrimas me afogavam em um mar de tristeza, o desespero dava um abraço sufocante. Enquanto os guerreiros distantes de Velorum comemoravam a vitória, brando à plenos pulmões.
Eu estava perdendo a minha alma gêmea.
— Diane, olhe para mim! — exclama Katlyn ajoelhando-se à minha frente. Ela segura meu rosto com seus dedos calejados e quentes, forçando-me a encará-la. Por instinto, puxo minha cabeça de volta e encaro Lorcan que permanecia de olhos fechados. — Não, não. Ele vai ficar bem, eu prometo! Mas não se deixe levar pelo desespero, seja forte!
Tarde demais. Todo ao ambiente ao meu redor escurece e sou abraçada por uma sensação gélida e profunda.
***
Quatro dias depois, capital de Velorum.
Os gritos de comemoração não são capazes de abafar meus pensamentos. Apresso os passos pelas ruas, passando entre a dança e a música. Em outra circunstância, também comemoraria pela vitória de Velorum mas me vejo incapaz de sorrir. Por isso, chego ao palácio sem dar a devida atenção para a festa na rua.
— Majestade, você está bem?
Ergo o olhar para Aloys que, preocupado, abria os braços. Não penso duas vezes em dar um abraço aperto no rapaz, afundando o rosto em seu peito.
— O Lorcan, ele...
— Sinto muito pelo seu marido, mas ainda há esperança. Ele acordou hoje, sabia?
Afasto-me de forma súbita, havendo um brilho em meu olhar pela primeira vez nesses longos quatro dias.
Lorcan foi resgatado do campo de guerra o mais rápido possível. Os melhores médicos de todo o continente foram chamados com urgência. Por um instante, pensei que o perdi em meus braços mas, graças às estrelas, o meu amor estava inconsciente por causa da perda de sangue.
Ao lembrar daquele dia, meu estômago se embrulha.
— Ele é o meu marido. Eu exijo vê-lo! Agora!
O médico suspira com pesar, olhando para o interior do quarto. Por cima de seus ombros, posso visualizar a silhueta frágil do homem na cama, sendo tratado às pressas por diversas enfermeiras e médicos.
— A situação do rei é delicada. Precisamos fazer o possível para mantê-lo vivo. Sei da sua preocupação, mas a presença de Vossa Majestade apenas irá atrasar nosso trabalho.
Ele fecha a porta antes de sentir o gosto da minha espada. Então, avanço batendo na madeira com força enquanto as lágrimas rolavam por meu rosto.
— Abram a porta! Abram a droga da porta! Eu preciso vê-lo!
Grito até a garganta doer mas ninguém a abre. Desço lentamente até o chão, soluçando aos prantos e sendo invadida pela imagem do meu livro. A imagem onde o vilão conhecia o seu inevitável destino.
Bem... Agora eu posso evitá-lo, porque hoje...
— É o dia em que a Estrela Ponte dos Mundos cruzará os céus novamente. Deve ser por isso que o nosso rei está de volta. — comenta Aloys de maneira reconfortante, tirando-me dos meus pensamentos. — Os médicos a chamarão quando ele estiver totalmente consciente. Enquanto isso, por que não conversa com a sua amiga? Ela voltou de Icarus ontem à noite.
— Certo. Obrigada pelo apoio, Aloys.
Ele beija minha mão cordialmente, abrindo um largo sorriso.
— Farei o possível para ajudar a minha rainha e salvadora.
***
Salto nos braços de Cherly, apertando-a contra mim. Ela chorava feito uma criança perdida, prolongando o abraço o máximo possível. Ao se afastar, toca o meu rosto com a ponta dos dedos.
— Você está bem, Diane? Soube do que houve com o rei, ele...
— Ele ficará bem, eu sei que sim. Não se preocupe. E quanto à Icarus, foi bem tratada lá?
Ela joga uma mecha do cabelo solto para trás, sorrindo de forma presunçosa.
— Eu me senti uma rainha! Acredita que lá as mulheres não precisam andar com o cabelo preso? É o paraíso!
— Sim, o meu ducado é o melhor lugar para viver.
O sorriso em seus lábios some.
— Desculpe pelo o que eu disse naquele dia sobre as pessoas de Icarus e...
— Isso é passado, Cherly. E eu sei que é mais culpa dos antigos reis de Velorum do que o povo. Eles quem espalharam essa imagem errada do meu lar. — digo guiando a minha amiga pelo vasto jardim real. O meu longo vestido azul arrastava-se pela grama, beijando a terra enquanto a coroa de diamantes reluzia acima da minha cabeça. — Imagino que esteja preocupada com a Katlyn. Eu notei como olha para os lados em busca dela.
Cherly cora ao ser pega e abaixa o olhar para as próprias sapatilhas verdes.
— Ela... Ela está bem?
— Está se recuperando dos machucados, mas creio que em alguns dias já possam trocar beijos sem problema algum.
— D-Diane!
Permito-me rir diante de seu nervosismo. Sento no banco atrás do chafariz e Cherly toma lugar ao meu lado, admirando as belas flores do início da primavera.
— Cherly, eu quero que saiba que você, desde o início, foi a amiga que eu sempre sonhei. Nunca pensei que encontraria uma amizade tão verdadeira e profunda como a sua e a de Martha.
Ela lança um olhar confuso mas, ainda assim, segura minha mão.
— Eu estou aqui para o que precisar, Diane.
Apoio a minha mão sobre a sua.
— Obrigada por tudo, Cherly. Por tudo mesmo...
***
Não consigo conter as lágrimas ao ver Njal abraçado com seu marido, Leofrick. Os dois trocavam olhares apaixonados, mas interrompem o momento para vir ao meu encontro.
— Como está a nossa rainha? — pergunta Leofrick, abrindo um largo sorriso após uma breve reverência.
Eles se surpreendem quando me jogo em seus braços, mas optam pelo silêncio. A mão enorme e calejada de Njal acaricia minhas costas enquanto Leofrick aperta meu ombro em um gesto acolhedor.
— Fiquei com tanto medo nessa guerra. Tinha medo de morrer, de perder àqueles que amo, de deixar Velorum na mão de Avery, de...
— Está tudo bem, Vossa Graça. Eu sei como se sente. — diz o ruivo afastando-me para encarar meu rosto. — Talvez nunca se liberte desses demônios, mas sabe que pode contar com a gente.
Infelizmente, eu não podia. Mas forço o melhor sorriso, segurando a mão de Njal enquanto fitava seu único olho.
— Vocês se tornaram a minha família. E se carregar os demônios da guerra foi o preço por tê-los ao meu lado, sei que tudo valeu à pena.
Os dois se entreolham antes de sorrirem com amabilidade. Então, sou recepcionada por outro forte abraço e, naquele momento, soube o que era ter uma família de verdade. Soube o que era ser amada e ter pessoas se preocupando comigo.
Após uma breve conversa, segui para a área da enfermaria do outro lado do castelo. Ao ser nomeado rei, Lorcan acatou a minha ideia — ordem — de ensinar alguns empregados sobre primeiros socorros e destinar uma área do palácio para cuidar dos feridos. O povo de Velorum mal acreditou quando soube que havia um lugar onde podiam tratar de seus machucados. Um lugar criado pelo detentor do título "guerreiro mais sangrento do continente".
— Vejo que está melhor.
Katlyn parava de fazer as flexões e ajeitava a postura, colocando-se de pé. O seu corpo continua enfaixado, mas essa mulher é inquebrável. A melhor confirmação é seu olhar de aço e o sorriso afiado.
— Se veio tirar sarro da minha condição, perdeu seu tempo, Vossa Majestade. A sua expressão está mais degradável do que todo o meu corpo.
Rio de maneira sincera.
Isaac terminava de dar medicação para uma senhora doente para correr até mim, puxando-me para um abraço apertado. Ele foi um dos primeiros a se candidatar ao cargo de "enfermeiro", uma forma de poder ajudar as pessoas da mesma forma que Lorcan o ajudou.
— Também senti sua falta, Isaac. — comento fazendo cafuné em seu cabelo cacheado. Logo, volto a atenção para Katlyn. — Cherly estava preocupada contigo.
Se ela acha que conseguiu esconder o breve sorriso, está dolorosamente enganada.
— Eu e ela temos o que conversar.
— Eu imagino que sim. Pois bem, só vim aqui para dizer que agradeço à sua contribuição na guerra. — digo abaixando brevemente a cabeça. — Mulheres fortes como você merecem conquistar seus sonhos.
A morena arqueia a sobrancelha, apoiando-se na maca.
— Tentando me bajular? Saiba que não precisa dessa baboseira para me dizer que não devo magoar a sua amiga.
— Não é nada disso. Eu só acho que o Raven gostaria que fôssemos amigas.
O sorriso em seus lábios some, dando espaço para uma expressão distante.
— Aquele idiota sabia como unir as pessoas. Foi ele quem tornou o elo do nosso grupo forte, já que era o único que nos arrastava para festas.
— Para alguém que tirou inúmeras vidas, ele nem fazia ideia de que trazia "vida" para o ambiente.
Katlyn encurta nossa distância, estendendo a mão. Demoro alguns segundos para retribuir o gesto, sendo agraciada pelo calor de sua pele.
— Tudo bem. Eu aceito ser a sua quase amiga.
— Quase amiga? — questiono com uma breve risada. — Por que?
— Porque ainda quero arrastar sua cara arrogante pelo chão, mas não permitiria que ninguém fizesse o mesmo.
Bem, é essa a nossa evolução. E eu estava feliz em ser a sua quase amiga.
***
Parte da minha respiração some ao vê-lo na cama. Uma faixa branca estava entorno de seu peito e o rosto do homem parecia tão cansado. Ele ainda estava fraco, segundo os médicos, mas ainda consegui ver a sua imponência apenas pela forma como os olhos azuis encontraram-se com os meus.
Tão intensos e vívidos.
Atravesso o quarto, jogando-me em seus braços. A mão dele afaga meu longo cabelo solto antes de depositar um beijo no topo da minha cabeça.
— Eu não morri, cumpri minha promessa.
Mas eu sabia que, cedo ou tarde, o destino cobraria o que foi escrito por mim.
— Não sei o que faria se você morresse, Lorcan...
— Eu estou aqui. Está tudo bem.
Sento-me ao seu lado na cama, acariciando o seu longo cabelo desgrenhado. O olhar apaixonado dele derrete totalmente o meu coração.
— Como está se sentindo?
Ele desvia a atenção para as cortinas vermelhas do seu quarto, abertas onde temos uma visão do céu estrelado.
— Meu corpo está cansado e até respirar está difícil. O médico disse que à qualquer momento posso ter outra hemorragia, mas sei que ficarei bem. É tudo questão de tempo para me recuperar.
No fundo, sabia que não era verdade. Ao analisar a sua pele pálida, o olhar opaco e os lábios rachados, estava óbvio que não viveria por muitos dias se nada for feito. Os recursos médicos dessa época são limitados e insuficientes.
— Você ficará melhor, tenho o pressentimento de que sim. — murmuro repousando minha mão sobre a sua. — Acha que pode ver as estrelas comigo?
— Sim, creio que tenho forças para isso. E não há nada que você me peça que eu não faça, Natasha. Se pedisse por uma estrela, arriscaria meu último suspiro para dá-la para ti, minha querida.
Luto contra as lágrimas, engolindo o nó em minha garganta.
— Eu sei, meu amor. Mas não se preocupe, a única estrela de que preciso está bem diante dos meus olhos.
— Por falar nisso, a Estrela Ponte dos Mundos logo passará.
— Sim, e eu gostaria de vê-la ao seu lado.
— Então, é melhor irmos logo.
Forço o máximo para dar um sorriso convincente antes de ajudar meu marido a vestir uma roupa decente. A camisa branca de manga comprida e a calça preta justa lhe caíram bem. Após calçar os coturnos pretos e ajeitar o cabelo com os dedos, Lorcan seguia para fora do quarto segurando a minha mão.
O meu longo vestido vermelho arrastava-se pelo chão de forma majestosa. O cabelo estava solto, escorrendo pelos ombros, e havia uma bela coroa prata com um rubi no topo.
A cada passo dado para fora do castelo é como se uma parte de mim ficasse para trás. E não podia negar que isso era verdade.
***
Paramos no topo da colina mais alta de Velorum. Com minha ajuda, Lorcan conseguiu subir apesar das dores constantes no abdômen. Odiava vê-lo se esforçando, mas queria ir para longe de todos. Conheço o meu marido o suficiente para saber que ele iria reprimir suas emoções diante de outras pessoas. E não permitirei que isso aconteça. Não hoje.
— Ela logo passará. — dizia olhando para o céu com aquele brilho esperançoso que causava euforia em meu interior. — Nunca imaginei que ficaria ansioso para isso.
Solto o ar dos meus pulmões de uma vez. Por quanto tempo prendi a respiração? Não faço ideia.
— Você irá morrer de qualquer jeito, Lorcan.
Recebo como resposta um olhar confuso, por isso trato de explicar.
— Quando escrevi o seu destino, entrelacei-o com a morte. O mesmo aconteceu com Erick e Martha. Os dois estavam destinados a morrer na obra e, mesmo tentando evitar esse acontecimento, tudo se encaminhou para o que acabei escrevendo.
— Então, eu não vou sobreviver a esse ferimento?
— Talvez. Acho provável que não. O seu tempo de vida está cada vez mais curto. — aponto para a mancha vermelha crescendo no peitoral de Lorcan. Pisco rapidamente os olhos afastando as lágrimas. Sabia que cedo ou tarde, a hemorragia iria levá-lo para longe de mim. — Pode sobreviver por alguns dias, mas fugir da morte é inevitável. A menos que...
Ele dava um passo em minha direção.
— A menos que...?
— Eu reescreva a história antes desse acontecimento se concretizar. Posso salvá-lo do seu fatídico destino.
Sou covarde demais para encará-lo nos olhos, por isso continuo fitando as belas estrelas no céu.
— Como isso é possível, Natasha? Como posso ter mais tempo ao seu lado?
— É esse o problema, Lorcan. Falei com Circe e ela disse que só há uma forma de salvá-lo: voltar para meu mundo e, agora como escritora, ter o poder de refazer o livro.
— Mas se você voltar... Eu... Você... Não, nós...
— Nunca poderemos nos ver novamente. — finalmente, digo o que está preso em minha garganta. — E hoje é o único dia em que posso retornar, porque...
— ... a Estrela Ponte dos Mundos irá passar por Velorum, é o momento onde as dimensões serão unidas. — conclui com a voz trôpega, desesperada. Ele encurta mais ainda a nossa distância, segurando minha mão. As cicatrizes dele roçam contra as minhas. — Mas isso é impossível, Natasha. Para ocorrer a ligação, as duas almas gêmeas precisam pedir a mesma coisa e eu não vou pedir para que volte ao seu mundo. Eu não desejo isso!
— Então deseje, Lorcan. Eu o imploro. — peço virando o rosto para ele, dando-lhe a visão dos meus olhos marejados. — Eu quero ir para casa.
— Não! Essa é a sua casa e você só quer que eu viva!
— Sim, você está certo. Por isso, só precisa pedir para ficar vivo e eu, de todo o meu coração, pedirei o mesmo. A Estrela sabe que a única forma de realizar esse pedido é me mandando de volta para Londres. Agora que encontrou o amor próprio, valoriza a sua vida da mesma forma que valoriza a minha. — viro-me completamente para ele, apoiando a mão em seu rosto. Dou um sorriso triste e vazio. — Não temos tempo. Ela já vai passar.
— Você é minha casa, Natasha... Eu não posso perdê-la...
Quero agarrar toda a tristeza desse homem e protegê-lo do mundo, mas não posso. Lorcan me ajudou a ser forte sozinha, reconhecer o potencial que tenho dentro de mim. E está na hora de fazer o mesmo por ele.
— Eu não quero ir mas, acima de tudo, não quero viver em um mundo onde você não está. E principalmente, por culpa minha.
— Você não tem culpa, Natasha! As suas escolhas no passado não refletem quem é agora ou sobre o que pensa de mim.
Ele apoia a mão sobre a minha e percebo os seus lábios trêmulos. É o que estou pensando?
— Eu preciso ir, Lorcan. Você não disse que faria qualquer coisa que eu pedisse? Pois bem, estou pedindo para salvá-lo. Permita realizar esse desejo. Por favor, viva... Deseje viver pela primeira vez em sua vida.
Pela forma que seu olhar oscila, sei que também quer viver. Finalmente, os seus sonhos estão se realizando e, no fundo, não quer abandonar tudo pelo o qual lutou. Mas também não quer me abandonar.
— Ninguém nunca olhou para mim como você. Nunca fui tratado como um ser humano digno do amor até conhecê-la. — murmura apoiando a mão sobre a minha e fechando os olhos por um breve momento. — Estou com medo, Natasha. Passei a vida toda tendo a solidão como minha única companheira, mas agora me vejo incapaz de viver tudo isso novamente. Não quero viver uma vida sem você, meu amor. Não quero ficar sozinho.
— Você não está sozinho, querido. Há muitas pessoas que estimam por sua presença e que gostam de você por quem é. O povo está o aceitando bem. O seu sonho não era ser amado por todos?
— Por muitos anos pensei que sim, mas agora percebo que meu único sonho foi ser amado... Por você. Só o seu amor me basta.
Algo dentro de mim se parte em pedaços e não controlo as lágrimas rolando por meus olhos. No céu, as estrelas parecem mais brilhantes como se refletissem a luz emanando do nosso amor. E também, é um sinal de está na hora de cada um seguir o seu caminho.
— Eu preciso do seu amor também, mas quero que viva. Não posso perder a pessoa mais importante da minha vida e, se estiver em minhas mãos o poder de mudar o destino, farei o possível para mantê-lo vivo. Sem pensar duas vezes.
— Mas você irá sofrer também. Não quero isso... Não quero vê-la triste...
— Está tudo bem. — murmuro com um fio de voz, não confiando em minhas palavras.
O homem diante dos meus olhos está prestes a se quebrar em pedaços — assim como eu—, por isso abro os braços e digo mais uma vez:
— Está tudo bem, Lorcan.
Ele envolve os braços em mim, apertando-me com força enquanto afunda o rosto da curva do meu pescoço. Os ombros dele estão trêmulos bem como o restante do seu corpo. Então, ouço o som de seu choro... Tão abafado e, ao mesmo tempo, doloroso.
É a primeira vez que Lorcan chora em anos. E está sendo em meus braços. Isso torna a despedida mais difícil.
— Está tudo bem... — digo afagando suas costas largas enquanto ouço os seus soluços que estão cada vez mais altos. — Está tudo... — a minha voz falha porque também estou chorando. As lágrimas mais dolorosas que derramei em toda a minha vida. —... bem.
Não sei quanto tempo ficamos assim. Sofrendo um junto do outro. Partindo-se em pedaços juntos e se reconstruindo a cada abraço apertado.
— Eu a amo tanto, Natasha... Eu a amo mais do que minha vida...
— Eu sei... Eu também o amo, Lorcan. Ninguém nunca será capaz de explicar o quanto o amo. Mas prometo escrever um livro contanto a nossa história de amor. Quero mostrar ao mundo que pessoas quebradas também merecem ser amadas. — comento afastando-me minimamente para encarar seu rosto. Os olhos dele estão marejados assim como os meus e ainda há resquícios de lágrimas em suas bochechas.
Quando olho para cima e vejo o fio brilhante se aproximando, sou atingida por aquela angústia. Mas, acima de tudo, a esperança de poder salvar a minha alma gêmea.
— Está na hora, Lorcan.
Ele segura meu rosto com ambas as mãos, tocando nossas testas. Nós dois fechamos os olhos enquanto choramos baixinho.
— Eu encontrei o amor em meio ao caos. Obrigado por fazer parte da minha vida, Natasha. Eu nunca a esquecerei é uma promessa. Agora, eu desejo...
A Estrela Ponte dos Mundos se aproxima fervorosamente, cruzando os céus de Velorum como havia feito há exatamente um ano atrás.
—...Eu desejo, Lorcan, do fundo do meu coração que...
— Viver.
—... você viva.
Nada extraordinário acontece. Um silêncio continuo se instaura por tempo demais. Mas algo em meu interior havia percebido a mudança ao nosso redor. O vento parou de soprar e a noite nos envolveu de uma maneira calorosa.
— Concede-me uma dança, Natasha? — ele pedia deixando-me surpresa. É admirável como conseguia sorrir após tanta dor. Isso é um sinal de que está avançando.
— Claro, Lorcan.
Como da primeira vez que dançamos, Lorcan me conduz com leveza em seus passos mesmo sem música. Na verdade, a música era a batida sincronizada de nossos corações que sussurravam a mais bela canção de amor.
Fecho os olhos, sendo levada para o vasto salão do palácio. O lustre está acima de nós dois, iluminando nossos corpos girando conforme o ritmo da música. A mão de Lorcan aperta firmemente minha cintura ao dar um giro gracioso. As mechas soltas do meu cabelo acompanham o seu movimento, dançando ao vento. O ritmo torna-se mais lento e repouso a cabeça em seu peitoral, sorrindo boba. Os passos diminuem indo de um lado para outro.
De repente, sinto-me fraca e acabo caindo. Porém, antes de tocar o chão sou segurada pelos braços fortes do meu marido. Lorcan se ajoelha segurando meu corpo com cuidado. Repouso minha cabeça em seu braço musculoso enquanto encaro a expressão triste do meu marido.
Cada vez mais, o cansaço me puxa como um sono incontrolável. Sei que quando fechar os olhos e os abrir novamente, estarei em um mundo sem arqueiras arrogantes, ruivos enormes de coração puro, amizades profundas e o homem detentor do meu coração.
É. Eu estarei em um mundo sem ele. Sem a minha alma gêmea. E o peso disso caiu junto com minhas lágrimas enquanto soluço.
— Por favor, não me esqueça, Lorcan... Eu prometo que darei um jeito de voltar...
Ele acaricia o meu rosto com a mão livre. Desta vez, não oculta as lágrimas que serpenteavam por suas bochechas.
— Nunca vou esquecer de quem me ensinou o amor. Todas as formas de amar. Não sou capaz de esquentar porque cada batida do meu coração clama por você, e sempre será assim. Cada respiração, cada momento, cada sorriso... São todos seus. Eu sou inteiramente seu, Natasha.
— Da mesma forma que sou sua... — murmuro tocando o seu rosto com dificuldade. Meus membros estão tão pesados. Roço de forma suave a ponta dos dedos em seu rosto, secando as lágrimas. — Eu estou com medo de esquecê-lo... Muito medo...
A minha alma gêmea aperta-me com mais força enquanto suas lágrimas retornam, tocando meu rosto ao cair.
— Lembre-se de uma coisa, Natasha. Eu estarei com você entre o vão do seu pensamento mais sombrio e o desejo mais ardente em seu coração.
As suas palavras possuem o efeito de aquecer o meu coração.
— Eu amo...
Lorcan abaixa a cabeça quando deixo o sono vencer a batalha. Não consigo manter os olhos abertos, mas ainda posso senti-lo me envolvendo com sua costumeira ternura. Nesses braços, encontro o meu porto seguro e o caminho de volta para casa.
Não. Eu estou em casa.
— ... você, Lor...
— Eu a amo tanto, Natasha. Eu prometo que...
—...can...
Mas não ouço o restante de suas palavras nem seu choro.
Só ouço a batida do seu coração próximo ao meu e, inexplicavelmente, sou envolvida por paz.
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