Capítulo 7
Cherly me explicou repetidas vezes todas as instruções, regras de etiqueta sobre como uma empregada deveria se comportar diante de nobres. Mesmo eu sendo a responsável pela criação desse universo, nunca me preocupei com esses detalhes bobos. E quem diria que esses detalhes vão decidir a minha vida.
Era irônico como o meu objetivo à longo prazo é se manter viva e, maravilhosamente, consegui colocar minha cabeça na guilhotina à partir do momento que derramei vinho na camisa do vilão. Há uma variedade de personagens na obra e eu tenho a sorte de cometer tal erro com a única pessoa que deveria manter distância. Se a sorte sorri para alguns, para mim ela está fazendo um gesto muito obsceno.
— Vai dar tudo certo. Talvez ele te mate rapidamente. — comenta uma empregada ao passar por mim, depositando pães quentes na bandeja. — Ou te faça a vadia pessoal dele antes de descartar seu corpo em um lugar qualquer.
Eu não fazia ideia dos limites de Lorcan, mesmo tendo o criado. Como uma autora, eu dou vida aos meus personagens mas, conforme vou escrevendo, eles tomam suas próprias decisões. Quando escrevi minhas duas primeiras obras, sentia-me cada vez mais conectada ao livro com o decorrer da trama. Era algo divertido e proveitoso. Com Velorum era diferente, já que o criei para agradar os meus fãs. Então, boa parte das decisões dos personagens não condiziam realmente com a realidade.
Acho que acabo de perceber um grave erro no meu livro, não que esse seja um momento propício para uma epifania.
— Não assuste a coitada. — repreende Martha ao se aproximar. — Tente não pensa muito nisso, querida. Há uma chance dele apenas estar fazendo isso para irritar o príncipe, então não irá levar adiante a sua ideia.
— E o príncipe nunca deixaria alguém tocar em você. — comenta Cherly.
— Por que? — questiona uma empregada, desconfiada.
Um calafrio nada agradável percorre o meu corpo e apenas nego com a cabeça. Ninguém pode saber das minhas conversas com o príncipe, pois tenho a leve impressão de que essa informação não estaria ao meu favor.
Cherly gesticula com desdém para a empregada curiosa e volta a me ajudar a colocar o restante da comida na bandeja. Depois dos pães, bolinhos, o bule e as duas xícaras estarem devidamente arrumados, ela me entrega a bandeja. O seu sorriso era um misto de "desculpa" e "vai ficar tudo bem". Martha era a mais otimista e deu um aperto em meu ombro em sinal de solidariedade. Ao ver o seu brilho vívido no olhar, tive mais certeza de que precisava salvá-la. E eu conseguiria se salvasse a minha pele primeiro.
A minha preocupação com Martha ficou em segundo plano enquanto me encaminhava para o segundo andar. A ameaça de Lorcan ainda estava fresca em minha mente que tinha o prazer de revivê-la diversas vezes. Quando parei diante da porta, dei leves batidas e esperei a confirmação. A confirmação para a minha morte, é claro. Ao adentrar no cômodo, analisei brevemente a vasta sala composta por uma prateleira de livros em um canto e dois largos sofás beges. O lustre no teto devia valer uma fortuna, bem como a mobília com detalhes dourados. O largo tapete bege com desenhos de flores azuis cobria todo o chão. A sala era bem iluminada por duas grandes janelas e ainda possuía uma pequena lareira.
Estranhamente, não havia nenhum guarda, apenas o príncipe e o duque. Os dois estavam sentados em cada um dos sofás, frente à frente um com o outro.
— Com licença. — murmuro nervosa.
Christian estava incrivelmente belo com a calça branca e a camisa militar de tonalidade azul com botões dourados. O seu cabelo loiro jogado para trás e algumas mechas escorregavam por sua face. Lorcan estava trajando roupas pretas como na noite anterior, a única diferença é que o seu sobretudo e as botas eram mais longos.
Como o instruído por Cherly, depositei a bandeja na mesinha entre os sofás onde coloquei os biscoitos e depois as duas xícaras de chá. O duque continuava com o olhar focado em Christian, como se a minha presença fosse insignificante, o que era estranho levando-se em conta a sua ameaça na noite anterior. Pare de reclamar, Natasha. Essa é a primeira vez que ser ignorada é algo bom.
— Então, Lorcan, sabe que o ocorrido com o camponês foi errado. — pontua Christian, dando início ao diálogo que eu temia.
— Ele invadiu o meu ducado, apenas fiz o necessário para neutralizar a ameaça.
— Não era necessário quebrar sua perna, seus dentes e machucar suas costas!
— Perdão, às vezes esqueço como os ossos são frágeis. — comenta com desdém. — Mas fui generoso em quebrar apenas uma perna.
— Você poupou a outra para que ele viesse se arrastando para o meu castelo!
— Claro, afinal vermes são assim mesmo.
As suas palavras eram destiladas com um ódio descomunal. O meu estômago se revirou mas mantive o semblante calmo, disfarçando a vontade de sair correndo da sala.
— Eu descobri posteriormente que ele pertence a um reino vizinho. — dizia o príncipe, cruzando os braços. — Eu sei muito bem o que se passa em sua cabeça, Lorcan.
— Se sabe, creio que essa reunião é mais desnecessária do que a minha punição ao invasor. — o duque rebate dando nos ombros com desdém. — Talvez eu não seja o único que tem problemas com limites, alteza.
Quase derramei o chá com o seu comentário. Lorcan, provavelmente, notou o meu corpo tenso pois ouvi uma baixa risada de escárnio. Por outro lado, Christian demonstrava uma calma avassaladora e agradeci internamente por ter criado um personagem tão forte — em todos os sentidos.
Após encher as xícaras, fiz uma breve reverência e me dirigi para o canto da sala, permanecendo na reunião como o solicitado. O olhar do loiro acompanhou os meus movimentos, eu podia senti-lo como uma forma de acalmar o meu âmago. O duque continuou desinteressado com a minha presença, levando a xícara aos lábios enquanto repousava a perna sobre a coxa em uma postura relaxada.
Ele está se divertindo com o meu nervosismo, desgraçado!
— Não irá me obrigar a iniciar uma guerra com o reino vizinho, Lorcan!
— Alguém precisa fazer isso, já que o príncipe só tem olhos para esse palácio e as belezas nesse lugar sem sal. — ele comenta com o olhar afiado, como a sua língua, direcionado à Christian. — Mas o reino tem poder o suficiente para uma expansão em massa, mas você e o seu pai são dois covardes.
— Meça bem suas palavras quando se referir ao seu rei. — pontua Christian o fuzilando com o olhar. — Acho que esqueceu a punição para uma ofensa desse nível.
Lorcan inclinava levemente a cabeça para o lado o analisando com um divertimento cruel. As mechas longas de seu cabelo escorregavam graciosamente por seus ombros.
— Quando se trata de cobrar impostos e defender a sua dignidade, ele é o meu rei. Mas quando o seu ducado mais forte precisa de ajuda, ele não é rei de ninguém. Não acha isso oportunista, alteza?
Christian trinca os dentes em sinal de desagrado. Por mais que doa admitir, é quase impossível vencer Lorcan nos argumentos, mesmo que a especialidade dele sejam batalhas. O rei é um homem bondoso, mas não justo como o seu filho. Ele negligenciou o seu próprio reino por causa da doença que precede a sua morte e, como Christian precisa lidar com a chuva de responsabilidades em suas costas, não tem tempo para dar a devida atenção à Velorum. Pelo menos, não nesse momento. Aidna assim, a acusação de Lorcan, por mais que tenha fundamento, é injusta.
Eu queria colocar as mãos em seu pescoço e o estrangular ali mesmo, mas sequer conseguia me mover diante de sua áurea negativa.
— Manter a paz em Velorum e assegurar a vida das pessoas do reino é ser covarde? — pergunta Christian. — Não precisamos de uma guerra para demonstrar poder.
— Claro que não. Deixe que o reino vizinho faça isso. No final das contas, eu e o meu exército que precisamos sujar nossas mãos para a sua família ser aclamada como heróis.
O clima não poderia estar pior. Eu fiz o possível para manter a cabeça baixa mas, em determinado momento, ousei erguer o olhar. Lorcan estava de costas para mim e pude ver um pouco da cicatriz em seu pescoço quando ele inclinou novamente a cabeça para o lado. É bem provável que ela tinha sido causada pelo seu pai quando o duque era apenas um garotinho.
Mas isso não importa. Ele continua sendo odiado por todos os leitores.
— Você já foi mais humilde, Lorcan. — rebate o príncipe antes de me olhar com um leve sorriso. — Não fique tão tensa. Gostaria de um bolinho de chocolate?
Eu sei que Christian está tentando aliviar o clima, além de deixar claro para o duque de que não pode encostar um dedo em mim. Mas é difícil comer quando o clima nessa sala é sufocante.
— Não mas obrigada, alteza.
— Não gosta de bolinho?
— Gosto, mas não de chocolate. O meu favorito é de baunilha.
— Entendo, parece delicioso também.
Abro um fraco sorriso que não dura muito por causa do pigarro do duque. Toda a atenção e tensão volta-se novamente para esse homem de olhar vazio. Christian percebe que perdeu o foco e retorna, comentando:
— De qualquer forma, o homem está em recuperação e, se tivermos sorte, conseguiremos convencê-lo a não relatar para o seu reino o que sofreu em suas mãos.
— Que pena. — murmura o duque com sarcasmo. — Mas creio que ele sinta falta de voltar sorrindo para a sua família insignificante. Por isso, trouxe um presente para o seu paciente.
Lorcan colocou a mão no bolso do sobretudo, vasculhando algo em seu interior e depois despejava os dentes do pobre camponês sobre a mesa. Eles continham o sangue seco e eu facilmente poderia visualizar a cena de quando foram arrancados brutalmente. Christian arregalou os olhos, totalmente incrédulo. E algo em meu interior falou mais alto do que o medo.
— Como pôde fazer isso com um inocente? Quem garante que o coitado invadiu o seu ducado e tenha realmente ameaçado a paz em suas terras? Para mim, isso tudo não passa de uma birra de criança! — grito atraindo a atenção dos dois homens. — Céus, tenha o mínimo de decência! Não sei o que pretendia com isso, mas é para preencher algum vazio interno? Pois saiba que nem mesmo todas as vidas do mundo poderiam te curar, seu doente!
O príncipe encontra-se boquiaberto com a afronta. Por outro lado, Lorcan permanece com o mesmo semblante neutro de sempre, ficando de pé e desviando a atenção para o loiro.
— Ela teria mais tempo se a língua não fosse tão grande. — comenta antes de se aproximar de mim em passos pesados.
— Espera, não toque nela! — exclama Christian ao se levantar.
Contudo, tudo ocorreu em um piscar de olhos. Lorcan já estava atrás de mim e o seu braço forte passou por cima do meu corpo até a mão firme — e coberta pela luva de couro — estar posicionada em seu pescoço, segurando-o com dominância. Eu fui forçada a erguer a cabeça pela força exercida. Por um instante, esqueci como se respira e quase desmaiei. A adaga foi sacada em uma velocidade surpreendente e a lâmina estava apontada horizontalmente em meu pescoço.
Um filete de suor escorreu da minha testa enquanto sentia a respiração do duque em minha nuca. Ele se encontrava tenso mas pelo simples motivo de ter contato físico com alguém, não porque tinha a droga de uma adaga apontada para seu pescoço.
Christian se aproximou rapidamente e xingou baixinho o fato de não estar carregando uma espada consigo.
— Lorcan, ela não tem nada a ver com isso.
— Eu avisei ontem e, como o homem de palavra que sou, vou puni-la corretamente por ser mal educada com um nobre.
Ele apertou a adaga mais ainda contra o meu pescoço. Por impulso, segurei a lâmina com uma força que nem eu mesma saiba que possuía. Uma vontade incompreensível de viver possuiu o meu âmago e, mesmo que morresse tentando, iria lutar. Lutar até que não houvesse forças. O olhar de Lorcan repousou sobre o corte profundo na palma da minha mão decorrente da força a qual pressionava a arma. E naquele momento, esqueci da terceira presença para focar no azul misterioso do seu olhar.
— Eu a levarei ao meu ducado para uma pequena tortura e depois devolvo o que restou da sua empregadinha, alteza.
— O que?! — eu e Christian dizemos em uníssono.
O duque apenas dá nos ombros, soltando-me e segurando o meu cabelo antes de sair da sala em passos apressados me arrastando como um animal selvagem. Obviamente, o príncipe veio ao nosso encontro mas Lorcan sacou a espada que escondia atrás do seu longo sobretudo.
— Um passo e irei retocar o vermelho desse tapete, o que me diz?
Christian o encarou com um misto de raiva e receio.
— Isso não ficará assim, Lorcan.
— Ficará sim, até que você tenha colhões para se arriscar em uma guerra. Você querendo ou não, alteza.
E mais uma vez ele jogava o título do Christian com escárnio.
O meu couro cabeludo doía bem como a minha mão que, por sinal, não parava de sangrar. O duque fez pouco caso do machucado enquanto me arrastava até os portões do castelo. Eu podia ouvir os gritos de dentro do palácio e isso apenas apressou Lorcan em me amarrar em uma corda que trazia em seu cavalo. Os meus pulsos foram apertados com força e gemi de dor. Ele pareceu se divertir com meu medo pois seus olhos azuis brilhavam em meio àquele vazio. Então, fui jogada como um saco de batata para a traseira do animal e, em seguida, o homem montou em seu cavalo dando início a uma viagem em direção ao ducado de Icarus.
O meu rosto era um misto de medo, surpresa e incredulidade.
Espera, eu acabei de ser sequestrada já no começo da obra? O que diabos está acontecendo?!
***
Aquela posição era extremamente desconfortável e eu já podia dar adeus à minha coluna, se não morresse pela perca de sangue na mão. Qualquer chance de dialogar com o vilão foram à zero quando o vi, praticamente, massacrar o mocinho no diálogo. O que eu, uma mera secundária, poderia dizer para fazê-lo mudar de ideia? No máximo, minhas palavras só iriam definir se a minha morte seria lenta ou não.
Misteriosamente, o cavalo parou e soltei um resmungo em resposta. Ao erguer o olhar, o duque continuava de costas mas havia tensão em seus ombros. O animal relinchou inclinando-se para cima e, em consequência, fui jogada brutalmente contra o chão. O choque do meu ombro contra o solo rendeu outro gemido de dor, contudo desta vez o homem sequer olhou em minha direção. Então, desviei a atenção para as três figuras que se aproximavam com adagas e espadas em mãos.
Merda, ladrões de viajantes. Por que, Natasha, você criou um universo com tantos filhos da puta? E por que, diabos, todos se encontram comigo?
— Que dia de sorte, um nobre está no nosso caminho. — anuncia um dos homens. — Vocês são o tipinho que mais temos prazer de roubar, já que-...
Ele para de falar ao notar a minha presença. Com muito esforço, consigo ficar sentada mas todo o meu corpo lateja de dor.
— Ora, ora. E ainda ganhamos um bônus. Pena que não é tão bonita, mas dá para o gasto.
Os homens dessa obra, fora o Christian, gostam de pisar na minha autoestima. Será que eles a confundiram com um tapete?
Infelizmente, sequer tenho forças e vontade para rebater o seu comentário. Em resposta, encolho mais o corpo e tento me desfazer das cordas no pulso, mas elas estão apertadas demais. Os homens se aproximam com suas armas e sei que o duque não poderá me colocar novamente no cavalo, se quiser sair vivo desse confronto. Lorcan não move um músculo sequer, trajando aquela máscara de frieza assustadora. Porém, reúno forças para comentar:
— Vá, duque. O senhor é importante, é uma peça fundamental. Não pode morrer.
De fato, o duque era uma peça essencial para a obra. Por mais que seja um personagem odiado, não deixa de ser uma criação minha. Eu tive muito trabalho em criar a sua história, sua personalidade e a sua aparência. Talvez eu seja uma grande idiota covarde, mas sentirei menos remorso da minha existência se salvar um personagem meu, por mais deplorável que ele seja.
Pela primeira vez em longos minutos, Lorcan vira o rosto em minha direção e ouso encará-lo de volta. Os seus olhos são realmente intimidadores, como se mil demônios dançassem em sua alma e pudessem ser vistos naquela imensidão azul.
— Pessoas importantes devem continuar vivas para seguir seus propósitos. — continuo a dizer sentindo os olhos arderem por causa das lágrimas. — É para isso que você existe. É uma parte importante; incompreendida mas, ainda assim, importante.
É para isso que eu te criei, para movimentar a trama e ajudar Christian a evoluir como pessoa.
Lorcan nada disse, apenas voltou a encarar o horizonte e pressionou as botas contra a barriga do cavalo. O animal relinchou antes de dar partida floresta adentro, quase atropelando dois dos bandidos. Eles acompanham o duque sumir entre a mata densa e, logo, voltaram a atenção para mim.
— Pelo visto, o seu amiguinho te abandonou.
— Ele não é o meu amigo e digamos que estou acostumada com isso.
Não sei de onde reuni coragem para ser sarcástica, provavelmente um efeito da experiência pós-morte que me espera.
— Será que ele deixou algo valioso contigo? — questiona um dos homens, aproximando-se em passos lentos. — Hum... Pelo visto, não. Mas até que você tem um corpo bonito.
Automaticamente, fecho as pernas e as trago para perto com um semblante assustado. Talvez ter a língua afiada em uma época com bandidos sem escrúpulos não seja um dom.
— E nem precisa de tantas roupas. — comenta o outro ladrão. — Vocês, empregadas, não são as prostitutas particulares de nobres como eles?
— Não, eu não sou...!
— Se não fosse, não teria sido largada como uma qualquer, estou certo?
Um ponto para o bandido filho da puta.
Não havia o que ser rebatido, já que eu fui literalmente jogada fora sem o direito de palavras de conforto como "na outra vida, as coisas serão melhores".
O arbusto ao nosso lado se moveu inquietamente. Ótimo, agora serei comida por um animal selvagem, um fechamento digno da personagem secundária. Então, uma silhueta alta e trajando roupas pretas sai dos arbustos como uma flecha. O seu movimento é rápido e precisamente calculado, tanto que mal percebo quando a sua espada atravessou o corpo de um dos bandidos. Os demais se encontram tão estáticos como eu e demoram uma fração de segundos para reagir, mas é tarde demais.
Lorcan girava agilmente o corpo entorno do próprio eixo, cortando a mão de um dos homens. Ela voava até cair perto de mim e contenho a vontade de vomitar. O duque desvia de um golpe com a adaga, jogando-se para o lado e encarando o oponente com desdém antes de girar a espada entre os dedos, reposicionando a arma. Então, ele a cravava na costela do bandido e o seu grito de dor ecoa por toda a floresta, afugentando os pássaros nas árvores.
A forma como o duque lutava era insana.
O último ladrão se encontrava de pé mas recuava em passos lentos e percebo que ele havia urinado nas calças. A situação seria cômica se ainda não estivesse em choque. Lorcan se aproximou em passos lentos, como um felino encurralando a sua presa. O seu olhar expressava um sadismo assustador.
— P-Por favor, tenha piedade. — pedia o homem ficando de joelhos. — Eu roubo para alimentar meus filhos, é verdade. Eu juro.
— A piedade é o carma dos tolos. — Lorcan responde com indiferença, o olhar sombrio sobre o homem de joelhos como se vê-lo naquela posição fosse gratificante. — E a mentira é a sentença daqueles que se consideram astutos. Creio que abuso não é necessário para manter uma família.
Eu fechei os olhos quando a espada atravessou o rosto daquele homem. Os grunhidos de dor sumiam gradativamente e pude ouvir o som da lâmina passeando pela carne do morto. Todo o meu corpo tremeu e por muito pouco não desmaiei. Quando abri os olhos, ainda receosa, encontrei Lorcan limpando a espada com um lenço branco que, lentamente, era banhado pelo vermelho do sangue. O seu rosto não expressava emoção alguma, mesmo tendo matado cruelmente três homens. Tudo bem que eles não eram boas pessoas, mas ainda assim eram vidas.
É esse o monstro que eu criei. O monstro que mata friamente e que... Me salvou?!
— O senhor... Por que...?
— A dívida está paga. — ele responde sem olhar para mim, guardando a espada e assobiando. O seu cavalo surgia trotando entre os arbustos e o duque subia nele agilmente. — Da próxima, não serei tão generoso.
Dívida? Que dívida?
A pergunta estava presa em minha garganta, bem como a vontade de colocar o café da manhã para fora. Então, Lorcan sumiu do meu campo de vista sem olhar para trás e eu agradeci por ele ter evitado o contato visual, pois não sei se conseguiria me manter mentalmente estável diante do seu olhar cruel.
Minutos depois, Christian surgiu com três guardas e a sua primeira reação foi ficar paralisado diante dos corpos. Contudo, não demorou muito para ele descer do cavalo e se ajoelhar à minha frente.
— Diane, você está bem? Onde está o Lorcan? Ele que fez isso?
Como sempre, o príncipe lançava as suas inúmeras perguntas com preocupação mas eu não consegui responder nenhuma delas. Pelo menos, não naquele momento quando a minha total atenção era no horizonte onde o duque havia sumido levando consigo várias perguntas sem respostas.
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