Capítulo 65
Quando cheguei no castelo, procurei o Lorcan por todos os cantos mas não o encontrei. Nenhum serviçal soube dizer sobre seu paradeiro, o que era o esperado de um guerreiro com habilidades furtivas. Ele foi treinado para se mover entre as sombras e, desta vez, optou por permanecer na escuridão.
Naquela noite, não consegui dormir um instante sequer. Apertei as pernas enquanto soluçava, sentindo as lágrimas escorrerem por meu rosto. Para piorar, não conseguia me arrepender de ter dito a verdade. Lorcan sempre foi transparente comigo, então merecia saber que, em partes, tinha culpa por seu sofrimento.
Pela manhã, esperei ansiosamente por sua presença na sala de reuniões mas a cadeira pertencente ao rei estava vazia. Bem como o buraco em meu peito.
Raven notou minha inquietude, apoiando-se sobre a mesa e ignorando descaradamente a reunião. Nesse momento, algum nobre da região Sul falava sobre suas condições econômicas para contribuir com a guerra.
— Noite ruim? Não creio que ele foi bruto na cama, que coisa feia!
Olho para o espião, notando seu olhar curioso. Às vezes, acredito que Raven não possua empatia pelo próximo levando-se em conta a forma como trata qualquer assunto com fluidez. Mas não o culpava, afinal ele não passa de um garoto quebrado de diversas formas. A mente não funciona como as demais, sendo a sua eterna maldição.
— Eu o magoei, Raven. E não acho que ele será capaz de me perdoar...
Ele poderia perguntar o motivo, como qualquer outra pessoa faria. Mas estou diante do maior espião do continente, detentor de meios — legais ou não — para descobrir a verdade mais intrínseca no cerne da pessoa. Então, a levar pelo seu sorriso de canto, sei que descobrirá da sua forma.
— Lorcan gosta de guardar tudo para si, mas ele é um bobo apaixonado por você, Diane. Eu duvido muito que vá levar para frente esse rancor.
Brinco com meus dedos, analisando os calos decorrentes do longo treinamento.
— Ele acha que eu o vejo como um monstro e que nada mudará isso.
O sorriso some dos lábios dele.
— Você o chamou de monstro?!
— Não! Nunca o chamaria disso... Novamente. É que e-...
A mão de Raven sobrepõe-se à minha. Ele inclina a cabeça fazendo as mechas bicolores acariciarem suas bochechas pálidas. Os olhos quase brancos do espião são como uma nevasca, trazendo consigo uma frieza que nem mesmo o mais rigoroso inverno seria capaz de causar.
— Sei que não somos as pessoas mais gentis do mundo, mas essa palavra é pesada demais. Nós a ouvimos todos os dias e, algumas das vezes, é dita em nossa própria mente. Sabe como é difícil conviver com esse autojulgamento?
A vergonha atingiu minha face. O local ao redor começou a se tornar pequeno, sufocante e apertado. Mas o leve tapinha em minhas costas fez com que parte do peso fosse dissipado. Quando retorno a encarar o espião, suavizo minha expressão ao ver o sorriso sincero em seus lábios.
— Está tudo bem, Diane. Todos nós erramos e julgar não é do feitio do povo de Icarus. Dê um tempo ao Lorcan, ele costuma ficar sozinho quando seus pensamentos o atrapalham.
— Que as estrelas o ouçam, Raven.
Então, a nossa atenção voltou-se para a reunião. Como rainha, não podia negligenciar o meu povo e, por isso, levantei-me da cadeira atraindo todos os olhares. Mesmo sem as espadas, o meu poder de intimidação estava presente na adaga presa à cintura e a coroa de rubis vermelhos cintilando em minha cabeça. As longas mechas estavam soltas e os cachos, suaves e discretos, desciam por meus ombros.
Era a primeira rainha a trajar uma calça de couro e camisa de treino em plena reunião. Na verdade, é bem provável que eu seja a primeira rainha em qualquer reunião do conselho.
— Senhor Cole, reconheço seus esforços e súplicas para aumentar o poder econômico da sua região, mas estamos em perigo de guerra eminente. O mais justo será um acordo. Velorum irá proteger o seu reino em tempo de guerra e você mandará, voluntariamente, soldados para a guerra.
— Não irá obriga-los a lutar, Majestade? — senhor Cole, um homem de entorno trinta anos e cabelos loiros acinzentados, questiona.
— Por que? Um soldado determinado luta dez vezes melhor do que um soldado obrigado. — comento vendo o sorriso no rosto do homem crescer. Era óbvio que aceitaria minha ideia, se não fosse pela minha oratória manipuladora seria por minha força persuasiva pouco amistosa. Logo, meu rosto vira em direção a uma mulher no canto da mesa, tão nobre quanto os homens ao meu redor mas só havia conquistado o direito de voz por causa do Lorcan e de mim. — Senhora Ariela, sei que você e sua esposa estão passando por dificuldades no plantio de suas terras. Mandarei imediatamente que meus súditos de Icarus forneçam adubo de melhor qualidade para resolver esse problema.
A mulher de cabelos curtos, cacheados e volumosos piscava os olhos, incrédula. Um monarca não conversava diretamente com a classe que, por muitos anos, foi considerada inferior.
— Eu... Eu nem sei como agradecê-la, Majestade.
Movo a mão em um gesto dispensatório.
— Tudo o que preciso são seus cavalos, Ariela. Eu soube, pelo meu informante, que você possui os mais saudáveis da região.
— Posso garanti-la que são de todo o continente. — dizia sem ocultar o orgulho em seu tom de voz. Homem ou mulher, os nobres precisam de uma necessidade de terem seus feitos reconhecidos. E poderia usar isso ao meu favor. — Os mais rápidos e resistentes que qualquer soldado conheceu.
— Ótimo. Mande todos os seus cavalos para a capital, urgente. Eles receberão um treinamento de dois dias para combate em guerra.
— E serão capazes de aprender tão rápido?
Sorrio de maneira arrogante.
— Nunca subestime o povo de Icarus.
Pálida, ela assente acatando minha ordem mais rápido do que o planejado.
O restante da reunião se seguiu normalmente, tracei os planos de guerra sem o Lorcan, baseando-me na minha experiência com o rei. A forma como gesticulava fazia com que toda a atenção fosse voltada para mim.
Melhor assim.
Por um instante, meu discurso é interrompido por um garoto entrando apressadamente na sala. Iria puni-lo por não pedir permissão, mas a carta em suas mãos e a maneira como ofegava me fez desistir da punição.
— O que houve?
— Recebemos a carta de Aryan de que suas fronteiras foram interceptadas. Eles não poderão ajudar na guerra.
— Nem Valfem. — dizia Raven enquanto girava a própria adaga entre os dedos. O olhar distante e reflexivo. — Hoje pela manhã, recebi a informação de que houve um ataque na cidade. Não podem proteger Velorum enquanto não for contido esse problema.
Alterno o olhar entre os dois para, só então, encarar unicamente o espião.
— E por que diabos me contou isso somente agora?
— Enviei uma carta para a base de Icarus e os ducados mais próximos. Cartelli acaba de ser informada também. Mas queria saber que medidas tomaria como rainha sem saber dessa notícia, achei que seria divertido.
Respiro fundo massageando as têmporas. Agora entendo porque Lorcan vivia ameaçando arrancar a língua do Raven.
E por falar nele...
— Lorcan precisa estar ciente dessa condição.
— Ele se encontra na base militar de Icarus. — o informante comenta, recebendo meu olhar confuso em resposta. — Bem... Foi outro recado que venho dar. Vossa Majestade, o rei Lorcan, encontra-se nesse exato momento na sua base militar, creio que dando instruções aos soldados.
A situação era estranha. Muito estranha. Dispensei os demais da reunião com um gesto breve antes de me jogar na cadeira, deixando que o ar preso em meus pulmões saía. Não fui a única a notar, pois Raven também se inclinou sobre a mesa analisando a carta em um silêncio assustador.
— Acredita nisso, Diane?
— Não sou idiota, Raven. Sei que não tem nada de instrução nesse meio. Lorcan tem pessoas de confiança e igual capacidade para fazer isso no seu lugar. Tem algo errado acontecendo.
— Infelizmente, não podemos fazer nada. Do jeito que conheço o Lorcan, ele vai preferir resolver as coisas do seu jeito. E se não der certo, nós o ajudaremos.
Por mais que doa admitir, essa era a melhor escolha. Mas isso não me impediu de agir para proteger meu reino, então tratei de ler novamente o plano de guerra e fazer o cálculo dos gastos financeiros.
Não iríamos ficar de braços cruzados esperando pelo pior.
***
Frustrada, suspiro guardando ambas as espadas e depois cruzo os braços. O olhar afiado recaía sobre minha amiga que sequer notou o treino ou, principalmente, meus desabafos sobre a guerra. Cherly mal piscava enquanto observava Katlyn treinar com seu arco e flecha.
— Cuidado para a baba não escorrer. — brinco.
Ela pigarreia ajeitando a postura, após colocar algumas mechas do cabelo atrás da orelha. Inutilmente, Cherly tentava agir normalmente, como se as suas bochechas vermelhas não fossem visíveis.
— Não sei do que está falando, Diane.
Reviro os olhos.
— Vocês duas precisam se resolver logo.
Cherly suspira com pesar, abaixando o olhar para as mãos repousadas no colo.
— Não podemos ficar juntas.
— Por que?
— Porque é errado, Diane! Ora, duas mulheres... Isso... Isso é um absurdo!
— Absurdo é deixar de amar quem você quer por causa do julgamento alheio. — digo ajoelhando-me diante da minha amiga, tocando a grama macia do campo de treinamento nos fundos do castelo. — Eu sabia que encontraria resistência ao declarar meu amor ao Lorcan. Não é fácil levando-se em conta a fama que nós dois possuímos.
Cherly volta a encarar Katlyn que já se preparava para o lançamento de outra fecha. Um sorriso discreto surge nos lábios da minha amiga.
— Então, não é errado amá-la?
— Pela Katlyn ser uma mal-humorada sarcástica? Talvez seja. Por ela ser mulher? Nunca foi.
Ouço sua risada sincera mas que logo morria.
— Eu não sei, Diane. A minha mãe quer eu que me case com o filho de um amigo. Ele é legal mas nunca o veria como meu marido. Não quero ser tocada por homem nenhum...
— Posso desfazer essa promessa de casamento agora mesmo. Como rainha, não há nada que eu não possa fazer.
O seu olhar de tristeza me atinge em cheio.
— Não mudaria nada. Ela encontraria outro pretendente e eu continuaria guardando isso dentro de mim.
Apoio a mão em seu rosto, acariciando-o com o polegar. Por um instante, ela se surpreendia com minha áurea reconfortante. Durante um longo tempo, era tão insegura que me permitia ser derrotada por qualquer problema. Mas agora possuía força o suficiente para servir de pilar para as pessoas.
— Em Icarus, esse tipo de julgamento não existe. Quando conseguir encarar a sua mãe e contar a verdade, porque eu sei que você irá, saiba que tem um lugar reservado em Icarus para você e Katlyn serem felizes.
Cherly permitia que as lágrimas dançassem por seu rosto, jogando-se em meus braços em um abraço apertado. Caio sentada na grama, apoiando as mãos em suas costas onde fazia uma suave carícia.
— Obrigada, Diane. Você é a melhor pessoa do mundo!
— Eu tento ser, pelo menos. Mas sabe que precisa acertar as coisas com a Katlyn. — digo afastando-me um pouco do abraço para fitar seu rosto. Ela, inutilmente, tentava fugir do meu olhar penetrante. — Ela é casca dura mas aposto que conseguirá amolecer o seu coração de pedra.
A jovem mordia o lábio, voltando a encarar a arqueira.
— Eu espero, já que-...
— Majestade! Majestade!
O mensageiro da última reunião chegava às pressas, quase tropeçando em um machado na grama e tendo um beijo nada agradável com o chão. Contudo, era bem provável que esse jovem franzino seja algum tipo de guerreiro, pois conseguiu manter o equilíbrio do próprio corpo. Ou apenas teve sorte.
— O que houve, novamente? — questiono, impaciente.
Ele apoiava as mãos nos joelhos, ofegante. O cabelo cacheado e molhado estava grudado em sua testa.
— O rei acabou de marchar contra Velstand! Recebi a informação de que seu exército, há cinco dias atrás, estava se deslocando pelas fronteiras da terra inimiga.
Cherly saía de cima de mim enquanto permaneço paralisada. Os segundos se passaram e demorei um pouco para digerir toda a informação.
— Lorcan está enfrentando aquele exército sozinho?! O que deu nele?
Em silêncio, o mensageiro me entrega uma carta. Tomo de suas mãos com uma rapidez assustadora, ignorando os olhos arregalados do mais novo. Então, quando rasgo o envelope pegando o papel, reconheço de imediato a caligrafia do Lorcan.
"Querida, Natasha.
Venho refletindo sobre suas palavras e como meu destino foi entrelaçado às suas vontades. Sirius me treinou para ser um monstro e, após saber que fui moldado pela minha 'criadora' para essa função, percebi que não adianta fugir do destino. Não mais. Irei enfrentar diretamente todos os meus demônios e desistir dessa jornada estúpida de provar essa bondade inexistente, que os dias ao seu lado me fizeram crer. Mas a fé é tão astuciosa que pode cegar até o mais sábio dos homens. Depois da nossa última conversa, estou em dúvida quanto à minha verdadeira essência. Eu não quero ser mau, mas e se for o meu carma? E se as vidas que salvei não importaram nada diante de tantas que tirei? Eu preciso acabar com essa angústia e descobrir de uma vez por todas quem eu devo ser. Não quem você quer que eu seja ou quem o Sirius queria; mas quem eu preciso ser.
Talvez minha alma seja salva com esse sacrifício. Creio que essa fagulha de esperança não será tirada de mim ou estou errado, Natasha?
Siga em frente. Lidere Icarus e mostre à todos a força que reconheci em você desde o momento em que nos conhecemos.
Que as estrelas a guiem até a felicidade."
A carta escapou dos dedos ao mesmo tempo que os joelhos cederam. Cherly aproximava-se apoiando a mão em meu ombro, mas seus lábios não emitiram nenhum som. Pelo menos, nenhum som que meus ouvidos se deram o trabalho de captar. É como se tudo tivesse parado no tempo.
Lorcan é uma alma quebrada que se perdeu em meio ao plano de vingança. Eu o criei para agir dessa maneira, mas nunca imaginei que suas feridas vinham de algo maior do que Velorum. Ele tem um bom coração, o problema é que não consegue enxergar sozinho e eu fui a sua esperança para ver a evidente bondade.
Mas consegui estragar tudo.
Ele ia se matar. Não preciso ser uma guerreira experiente para saber que sua marcha com um número insignificante de soldados é um recado silencioso.
"Eu fui criado para morrer em batalha e assim o farei."
Ainda em choque com toda a situação, coloco-me de pé usando a pouca força em meu corpo. A minha determinação não pode ser subjugada por momentos como esse, porque havia um reino inteiro dependendo de mim.
— Lorcan foi à guerra. Sozinho.
— Ele escolheu a morte, Diane. — comenta Raven ao surgir no campo de treinamento. Pela sua expressão, já teve conhecimento da carta ou suspeitava do movimento do rei. É a primeira vez que o vejo tão sério. — E talvez a situação seja irremediável.
— O que quer dizer?
O olhar do espião vacilou por breves segundos, encarando as belas flores do jardim. A brisa primaveril acariciava sua face pálida à medida que ressaltava o tom claro de seus olhos.
— O sumiço do Lorcan era suspeito, por isso decidi investigar. E tive uma conversa com um dos espiões capturados de Velstand. É claro que ele relutou quando torci sua mão e virei seu joelh-...
— Poupe-me dos detalhes, Raven. Seja direto.
Ele fazia um bico antes de focar em minha expressão preocupada.
— Lorcan foi capturado. Avery quer negociar a cabeça do nosso rei em troca de Velorum. Pode parecer um acordo sem sentido, mas matar Lorcan significa erradicar o melhor guerreiro de todo continente e uma ameaça para os demais reinos.
O mensageiro, diante de um olhar pouco amistoso do espião, saiu do jardim às pressas. Raven não demorou a perceber o meu estado de choque e, mostrando um lado surpreendentemente protetor, não permitiria que ninguém visse sua rainha chorar. Por outro lado, Cherly respeitou meu espaço mantendo uma distância respeitosa enquanto abaixava a cabeça.
Estávamos sem rei e sem general. Velorum encontrava-se em total situação de vulnerabilidade. Nenhum rei se prontificou a nos ajudar, mesmo após o acordo para tornar todo o continente um império; o que significa que estamos sozinhos nessa batalha.
Novamente, meu olhar recaiu na carta sob a grama. As palavras contidas nessa folha de papel ecoavam em minha cabeça. Mais uma vez, a brisa circulou pelo jardim bagunçando suavemente algumas mechas do meu cabelo que haviam se desprendido do coque.
— Avery espera uma carta de rendição a ser entregue imediatamente. O que fará majestade?
Em diversos momentos da minha vida, agi com enorme insegurança com medo das consequências. Contudo, desta vez, tinha a plena certeza do que devia ser feito e do que eu queria e faria. O meu olhar ardia como chamas em pleno Heliodoro, tão intensas que queimariam tudo ao redor.
E como rainha de Velorum iria dizimar qualquer um em meu caminho.
— Diga à Avery para afiar suas espadas, pois não haverá nenhuma rendição.
Raven sorria como um psicopata enquanto Cherly arregala os olhos, assustada.
— O que isso quer dizer, Diane?
O sorriso a se formar em meus lábios assusta minha amiga. Havia uma chama intensa ardendo em meu peito, aumentando cada vez mais a minha determinação em fazer Avery e seus malditos soldados pagarem por tirarem Lorcan de mim.
Ergo a cabeça solvendo o ar entorno de mim.
— Ordene que preparem a Polar, Raven. Nós iremos à guerra.
***
A declaração de guerra chegou em menos de três dias, tempo suficiente para prepararmos o nosso exército. Njal e Katlyn, sendo os mais experientes, ficaram encarregados de liderar duas tropas de massivos soldados. O primeiro cuidaria do ataque e a segunda da defesa. Nesse quesito, levei em conta as habilidades particulares de ambos.
Dessa vez, acompanhei de perto a preparação do exército e instruí cada um dos soldados da base de Icarus. Nesse dia, usei uma calça de couro e camisa vinho junto com um longo sobretudo cinza. A coroa, sinal da minha autoridade, reluzia majestosamente sob a luz do Sol.
— Escutem com atenção, soldados! — grito andando pelo vasto batalhão com as mãos apoiadas nas costas. — Nós somos guerreiros, nunca curvamos a nossa cabeça. O desgraçado do Avery quer nos julgar como fracos. Então, vamos ensiná-lo uma lição sobre o poder de Icarus e de Velorum juntos. Ninguém irá se curvar perante um tirano. Nós não nos curvamos diante de Erick e não será agora que outro rei arrogante nos fará ceder. Nós, guerreiros de Icarus, somos como o aço. Não vamos nos dobrar contra a nossa vontade.
— Sim, senhora! — todos gritam em uníssono.
— Se o nosso destino for a morte, nós o abraçaremos com prazer porque a morte é mais honrosa do que uma vida de servidão. Chega de abaixar a cabeça! Chega de reis arrogantes! É hora de uma nova era renascer. Vocês estão comigo?
O "sim" ressoa com tanta força que posso jurar que a terra estremece. Os soldados mantém uma postura impecável de cabeça erguida enquanto proferem a sua lealdade ao reino.
E nesse momento, percebo o peso da guerra sob os meus ombros.
No dia da despedida, Cherly jogava-se em meus braços aos prantos deixando a mala cair no chão. O cocheiro, impaciente, batia o pé contra o solo.
— Estou com medo, Diane. Eu não quero que você morra!
Afago suas costas com um leve sorriso.
— Eu não morrerei tão facilmente.
Ela afasta um pouco nossos corpos para que seus olhos, vermelhos de tanto choro, foquem nos meus. Diante da minha expressão determinada, a confiança e segurança enche o âmago da minha amiga.
— Algo me diz que não, mas eu preciso mesmo ir embora?
— Sim. Icarus é o lugar mais seguro para você, confie em mim.
Em silêncio, Cherly assentia com a cabeça antes de focar em uma certa arqueira dando ordens para os empregados. O semblante de Katlyn era de total seriedade, o que condizia com sua conduta rígida diante de iminentes batalhas, tanto que ela sequer notou o olhar de bobo apaixonado lançado por minha amiga.
— Se quiserem se despedir adequadamente, essa é a hora.
Cherly mordia o lábio e, mais uma vez, concordava com um leve balançar da cabeça.
Enquanto a observo se afastar para falar com a arqueira, sinto um aperto no peito. Torço internamente para que Lorcan esteja bem, porque não sei o que faria sem a minha alma gêmea.
Não posso permitir que o meu sacrifício seja em vão.
Eu preciso salvá-lo.
Eu irei salvá-lo.
***
O topo da colina dava uma visão privilegiada do vasto campo de grama. A paisagem seria mais bela se não houvesse um massivo exército à pouco menos de um quilômetro de distância.
Polar estava incrivelmente bela com uma placa dourada em seu peitoral e um elmo de mesma tonalidade na cabeça. Para combinar, usava uma armadura dourada sobre a apertada calça de couro e a camisa branca. O espartilho preto, coberto pela grossa armadura, continha a adaga usada por Sirius De'Ath. As botas longas e pretas tinham pequenos espinhos afiados, prontas para cortar qualquer um que levasse um chute meu. As luvas pretas de couro seguravam firmemente as rédeas de Polar, ansiosas pelo combate.
E não podia faltar as duas espadas presas em minha cintura. As minhas fiéis companheiras em qualquer batalha.
Raven trajava um fardamento igual, mas optou pelo cinza no lugar do preto e não quis nenhuma armadura. As diversas adagas, espalhadas em pontos estratégicos do corpo, reluziam naquele dia. Por outro lado, Katlyn optou por uma calça preta e camisa verde com o cabelo preso em um rabo de cavalo alto. Algumas mechas cacheadas tocavam sua face séria, acentuando o olhar tão afiado quanto as diversas flechas que portava na cintura.
Por outro lado, Njal usava uma calça larga e nenhuma camisa, expondo o corpo musculoso. O seu machado estava bem visível nas costas. E o longo cabelo ruivo preso em uma trança. O rosto estava coberto por uma tinta azul, formando tatuagens tribais ocultando as leves sardas nas bochechas.
Todos estavam prontos para a mais sangrenta batalha de suas vidas.
— Aguardamos as suas ordens, Vossa Graça. — comenta Njal ao se aproximar, fazendo uma reverência respeitosa. Diferente dos demais, ele optava pela minha imagem de duquesa ao invés de rainha. Particularmente, gostava de ambas. — Hora de iniciar a marcha da morte?
Era um termo um tanto macabro, mas usado pelos soldados de Icarus. Pela última vez, olhei para trás visualizando o vasto exército do meu ducado, uma quantidade considerável de guerreiros usando as melhores armaduras e espadas — graças aos acordos/ameaças com os nobres de Velorum.
Inspirei o ar daquela manhã, jogando a parte insignificantemente pequena do medo em um canto isolado do meu coração.
— Sim, Njal. Vamos proteger o nosso povo com todas as forças.
O ruivo sorria abertamente antes de se posicionar junto com sua tropa.
Solto um grito estridente apontando para o horizonte. Ao meu comando, Polar iniciava uma cavalgada intensa em direção ao exército inimigo que, junto com o comando firme do general, também avançava.
Avery não se encontrava no meio dos soldados, subestimando meu poder de liderar o exército de Velorum. Mas ele não poderia estar mais enganado.
Não sou uma secundária, empregada ou vadia. Ninguém, nunca mais, me deixará em pedaços ou destruirá a minha autoestima. Eu sou uma guerreira que sobreviveu à todo tipo de humilhação. Eu sou a rainha de Velorum, duquesa de Icarus e líder do mais poderoso exército do continente.
E o inimigo fez uma péssima escolha em me desafiar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro