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Capítulo 64

Como de costume, o castelo encontrava-se à mil. Mas, desta vez, não era por um bom motivo. A declaração aberta de guerra de Velstand contra Velorum deixou todos os funcionários, até mesmo os mais preparados soldados, em estado de desespero. Lorcan precisou de uma reunião urgente com seu novo conselho de representantes para traçar um plano de guerra.

Por mais que queira participar dessa reunião, precisava treinar. A correria como rainha de Velorum me impediu de seguir com os treinos nessa semana.

Njal é ágil em seus movimentos, jogando o enorme machado com espinhos nas pontas em minha direção. Rapidamente, inclino o corpo para trás vendo a lâmina passar à poucos centímetros do meu rosto. Logo, recupero a postura e avanço com minhas duas espadas. Ele bloqueia com certa facilidade, mas não esperava pelo meu próximo movimento. Abaixo-me recuando as espadas e, pela força exercida, o corpo do oponente pende para frente. Então, encurto a nossa distância e ergo uma das espadas, apontando-a para o pescoço dele.

— Fim de batalha! — exclama Raven, fazendo o papel de "juiz" da luta.

O ruivo abria um largo sorriso, guardando o machado para apertar a minha mão. Os seus dedos grandes e calejados envolvem a palma da minha mão com uma facilidade assustadora.

— Você foi incrível, Diane! Essa é a primeira vez que derrota um de nós.

— O Lorcan não pegou leve comigo no treinamento desse mês.

— E os resultados são bem evidentes.

Quando vou concordar com o comentário de Njal, ouço um grito feminino do outro lado do campo de treinamento. Katlyn havia derrubado um soldado, jogando-o sobre seus ombros. Todos os demais estavam boquiabertos com tamanha demonstração de força e técnica. Em resposta, a mulher apenas bufava revirando os olhos antes de sair do local.

— Hoje é um dia ruim para a Kat. — murmura Raven.

Pisco os olhos, confusa.

— Por que?

— Acho que ela levou um fora, algo do tipo. Kat não costuma desabafar com ninguém.

— Vamos deixá-la em paz. — comenta Njal. — Raven, precisamos ir. Lorcan nos quer em sua sala para repassar o plano de guerra.

O espião cruzava os braços, fazendo bico.

— Mas era a minha vez de treinar com a Diane! Eu iria ensiná-la a lutar sem algum membro, seria divertido.

O meu sangue gela. Njal resmunga antes de colocar Raven em seus ombros como se fosse uma simples pena e seguir para o interior do castelo, sob os inúmeros protestos e ameaças do menor.

Enquanto os observo saírem, penso em um diálogo que tive com Njal onde o ruivo disse que eu deveria dar uma chance à Katlyn. Particularmente, não queria ser próxima de uma pessoa tão arrogante e egoísta, mas algo em meu interior pedia para tentar. Afinal, as palavras do ruivo continuavam a ecoar em minha mente:

"Katlyn não é uma pessoa ruim. O problema é que ela só consegue absorver sentimentos negativos e se permite ser afogada por eles."

***

A arqueira estava no vasto jardim, arrumando o seu colete de couro. O longo cabelo, agora molhado, escorria por suas costas tocando a cintura fina da mulher. A sua pele negra reluzia sob a luz do Sol. O início da primavera dava sinais, principalmente por causa do evidente calor naquela tarde.

Tento ser silenciosa ao me aproximar, mas ela escuta quando piso em um galho seco. O seu corpo vira, quase que instantaneamente, em direção ao som. Então, ao constatar de quem se trata, a expressão de arqueira torna-se tão mortal quando as flechas presas em sua cintura.

— O que você quer?

Enrijeço a postura erguendo a cabeça, demonstrando a autoridade que eu precisava ter como rainha. Não permitiria ser humilhada por suas palavras novamente, desta vez serei pouco misericordiosa.

— Não devo explicações do que quero ou deixo de querer, Katlyn.

Um pingo de surpresa surge em sua face. Ela não esperava ser confrontada tão facilmente e quase seguro um sorriso maldoso. Quase.

Katlyn opta pelo silêncio, mas eu não.

— Você não compareceu à reunião.

Ela relaxa a postura, voltando a atenção para os últimos cordões de couro do colete, prendendo-os entorno da sua cintura.

— Raven me passará um relatório depois. Não acho que minha presença seja importante.

— Ela é sim. Você é parte da equipe

Katlyn senta na fonte atrás de nós, evitando o contato visual.

— Lorcan tem outras prioridades no momento. — dizia e esticava a palma da mão em minha direção quando percebe o movimento dos meus lábios. — E não, não gosto dele. Não mais.

— Então, por que continua sendo hostil comigo?! — exclamo firmemente, deixando nós duas surpresas. A verdade é que essa pergunta estava presa em minha garganta por muito tempo. — Eu nunca fiz nada para você e, ainda assim, fui tratada com tanto ódio. Era tudo ciúmes do Lorcan?

A arqueira apoia os cotovelos nas coxas torneadas, encarando-me com desdém.

— Acha mesmo que eu me abaixaria tanto por um homem? É claro que ainda acredito que ele mereça coisa melhor, mas quem o Lorcan trepa deixou de ser a minha preocupação.

Dou um passo em sua direção, cruzando os braços enquanto a olho de cima.

— Quer dizer que sua raiva direcionada à mim é por mera birra? Eu esperava mais de alguém como você, Katlyn.

A atenção dela volta-se para as belas rosas brancas no jardim, intocáveis e imaculadas.

— Eu tenho raiva de como ele a aceitou com tanta facilidade, mesmo sabendo do seu envolvimento com o rei Christian. Eu tenho raiva de ter gostado tanto da forma como Lorcan não julga ninguém por seu passado. E a maior raiva eu tenho de mim por achar que, algum dia, encontraria alguém igual.

Paraliso diante de suas palavras. Por algum motivo, sinto que estamos entrando em um território delicado e preciso selecionar minhas palavras com cuidado.

— Por que o meu passado a incomodou tanto?

Katlyn respira fundo, desistindo de parte da sua armadura entorno de si. Como uma guerreira, pude notar a sua defesa natural com um certo tempo de análise. A arqueira não é tão inabalável quanto aparenta, mas não sinto prazer em rachar essa armadura, porque sinto que isso faz feridas passadas sangrarem novamente em seu coração.

— Porque no meu lugar não houve nenhum Lorcan para acabar com os boatos... Porque não houve nenhum príncipe no cavalo branco para me resgatar.

Os seus olhos viram-se para mim, sem brilho nenhum. A expressão da mulher era vazia e distante.

— Não vivemos em um livro, Diane. Os finais felizes não existem, não para pessoas como nós. — comenta erguendo-se e caminhando em minha direção. Os seus passos são meticulosos, suaves e graciosos; o esperado de uma grande guerreira. A diferença de altura é evidente e preciso erguer a cabeça para fitar seu rosto inexpressivo. — Não espere que tudo termine bem entre você e o Lorcan.

— Eu não estou de braços cruzados aguardando o meu "felizes para sempre", Katlyn. Estou lutando dia após dia pela minha felicidade. Por que não faz o mesmo?

Pela primeira vez, vejo o sorriso da arqueira mas é um sorriso tão triste que dissipa a minha raiva por ela. Como posso odiar alguém que já se destrói por si mesma?

— Eu nunca parei de lutar, Diane. Não parei nem mesmo quando fui vendida pelos meus pais, sob o consentimento do rei Erick, ao exército de Velorum aos dez anos. Eles precisavam de dinheiro e eu era a única coisa valiosa e descartável na casa. E não deixei de lutar quando fui abusada por um batalhão inteiro de soldados aos quatorze anos, mesmo que toda alegria tenha sido tirada de mim naquele dia. Eu não merecia essa "punição" por ter errado o alvo no treinamento.

Toda e qualquer muralha entorno de mim é partida em pedaços. Consigo imaginar a imagem de uma garotinha trêmula, encolhida com suas roupas rasgadas. As lágrimas já secas em seu rosto machucado enquanto revivia esse momento de terror diversas vezes em sua mente.

— Na mesma noite, fugi daquele inferno mas encontrei algo pior nas ruas. Ninguém erguia um dedo sequer para ajudar uma "vadia", uma impura facilmente descartada na sociedade. Mas Sirius me acolheu em sua base militar após ver minhas habilidades em luta. Não que ele fosse diferente do maldito rei, pois me tratava como um objeto igual aos outros.

— Eu... Eu não fazia ideia...

— Acho que o Lorcan nem se lembra da primeira vez em que nos conhecemos. Alguns garotos acreditavam na crueldade dele baseada em seu pai. Então, sempre ouvia comentários de que seria estuprada pelo filho do duque de Icarus. Por um tempo, evitei me aproximar desse monstro mas advinha o que ele fez quando estávamos cara à cara?

— Nada. O Lorcan nunca faria algo ruim.

— Exato. Ele sequer olhou para meu corpo, o seu único foco era na execução dos golpes. Então, Lorcan me deu algumas dicas com seu típico jeito indiferente e seguiu pelo corredor. Pela primeira vez, não fui vista nem olhada como um objeto; e sim como uma pessoa. Essa admiração por ele mudou para algo maior, mas alguém apareceu e roubou o lugar que tanto sonhei estar.

Mesmo sendo a rainha, a duquesa de Icarus e uma soldada, abaixei completamente a guarda. Não havia motivo nenhum para atacar Katlyn, as suas feridas já estavam abertas e eu não era nenhuma sádica em me divertir em um jogo de farpas, onde ambas sairíamos machucadas.

— Eu continuo lutando todos os dias, Diane. Mas não espere me ver com um sorriso idiota como você. Lorcan não combina com uma mulher tão patética assim, saiba disso. Então, trate de agir como a rainha que todos esperam que seja e a guerreira que o reino precisa. Talvez, um dia, eu não queira mais matar você.

O sorriso de canto dela é maldoso, ou seja, o seu escudo voltou a proteger o frágil coração. Acho que é melhor assim, ela não permitiria que ninguém ultrapassasse essa barreira.

— Fala como se você fosse conseguir, mesmo se quisesse. — ironizo.

Ela apoia as mãos na cintura. Os músculos de seus braços e os ombros largos são visíveis através do contorno da camisa preta.

— Anda confiante demais. Precisa derrotar o Njal umas vinte vezes para suportar quinze minutos de luta comigo.

Apoio as mãos nas costas, estufando o peito. A maioria das damas — e principalmente a rainha — usava vestidos longos e adornados no castelo. Porém, indo contra as regras da época, trajava uma roupa de treino e o cabelo preso de forma desajeitada. Por isso, meus músculos também ficam evidentes quando enrijeço a postura.

— Até que você é uma boa piadista, Katlyn.

— Estou aprendendo com o bobo da corte de Icarus. — dizia inclinando o corpo, aproximando o rosto. A sua respiração quente acaricia minha pele. — Você é boa nisso, hein.

— Quer ver uma piada boa? Por que a grande arqueira de Icarus não consegue se declarar para a minha amiga? A resposta é "porque ela não é boa usando a flecha do cupido".

Noto o rubor em sua pele negra, recebendo um xingamento nada delicado antes da mulher sair do jardim em passos pesados.

Involuntariamente, um sorriso surge em meus lábios observando a cena. De maneira inexplicável, sinto que uma barreira entre nós duas acabou de ser derrubada. E estou feliz em conhecer esse lado dela... Um lado que nos torna tão próximas.

***

Lorcan encarava a mesa do escritório vazia. O olhar penetrante como se pudesse atravessar a madeira. Raven teve o bom senso de ficar calado, apesar de assobiar uma canção aleatória quando o silêncio tornou-se sufocante demais.

O plano de guerra foi repassado pela última vez, o problema era a questão dos aliados.

— Nenhuma resposta, Raven?

O espião nega com a cabeça. As duas mechas brancas moviam-se com graciosidade conforme se movimentava.

— Enviei os emissários para todos os reinos, mas nenhum respondeu.

— Nem mesmo o reino de Cartelli? — questiona Njal. — Ele é o mais próximo de Velorum e, também, o mais submisso.

— Ainda não obtivemos nenhuma resposta.

— Não podemos lutar uma guerra sozinhos. — pontua Katlyn aproximando-se da mesa e apoiando as mãos, cobertas por luvas cinzas, sob a superfície. — Isso é suicídio, Lorcan.

— Já travamos batalhas antes e saímos vitoriosos.

— Mas é bom lembrá-lo, Vossa Majestade, que eram contra exércitos rebeldes de reis tiranos. Essa batalha é contra um reino inteiro e seus aliados.

Lorcan a fitava com intensidade, sem recuar diante de suas palavras ou sequer demonstrar desespero. Mesmo que haja uma luta interna, ele sempre vai conter o turbilhão para si, destruindo-se no processo.

— Posso isolar Icarus e protegê-lo de qualquer ataque, mas teria que abandonar o restante do império. E eu não sou um covarde, Katlyn, lembre-se disso.

A arqueira cala-se diante de suas palavras, recuando até encostar na parede. Ninguém na sala podia negar como Lorcan estava certo. Após assumir a liderança de um império, ele tinha a obrigação de proteger o vasto povo sob o seu comando. E como um homem de palavra, iria cumprir as cláusulas da Constituição.

Mesmo que morra como consequência.

Brevemente, os detalhes foram trocados e fomos informados de nossas posições. Raven, como sempre, agiria pelas sombras eliminando as maiores forças inimigas. Njal e Lorcan iriam liderar o exército de Velorum e Katlyn ficaria na defesa.

Quanto à minha posição, manteve-se em segredo... Até mesmo para mim. Lorcan esperou que todos saíssem da sala para virar o corpo em minha direção, abaixando a máscara inquebrável usada em sua defesa emocional.

Ele estava preocupado com a guerra. Preocupado com as consequências para o povo e, principalmente, para mim. Lorcan sabia o quanto eu abominava essa matança desenfreada, mesmo que seja necessário.

— Será a líder da equipe médica. Tenho certeza que liderará com sabedoria o meu batalhão de curandeiros, Natasha. Tudo bem para você?

Um tirano. As pessoas, no passado, o viam assim — inclusive eu, por um longo tempo. Mas ninguém pensaria a mesma coisa se o vissem agora, preocupando-se primeiro com meu bem estar do que com seus movimentos de guerra. Eu nunca seria vista como uma peça de tabuleiro pelo homem que amo.

Não consigo evitar de sorrir.

— Não, Lorcan. Eu quero participar da batalha. Posso não compactuar com guerras, mas não serei covarde em ficar escondida enquanto o nosso povo morre diante dos meus olhos.

Em passos cuidadosos, ele encurta nossa distância até tocar meu queixo com a ponta de seus dedos.

— Mesmo que não lutasse diretamente na batalha, Natasha, eu sempre a verei como uma guerreira. Há muitas guerras ocorrendo ao nosso redor e até dentro de nós mesmos. Cada uma delas tão válidas quanto essa que estamos prestes à travar.

A sua imensidão azul puxa-me para um céu repleto de estrelas, onde posso desfrutar de um momento de paz.

— Estou com medo de perdê-lo, Lorcan.

Porque ainda convivia com a certeza de que, cedo ou tarde, o destino cobraria o seu preço. Havia escrito sobre a morte de Lorcan, uma lança atravessando seu corpo e ceifando a vida de uma vez. E não parava de reviver essa cena em minha mente desde a conversa com a xamã Circe.

— Eu vou vencer. Por Icarus e por você.

Toco sua testa fechando os olhos, permitindo-me aprofundar essa nossa conexão.

Se eu pudesse parar no tempo, pararia nesse exato momento. Onde nada nem ninguém poderia me afastar da minha alma gêmea.

A minha melancolia não passou despercebida pelo maior guerreiro de todos que, usando um tom de voz suave, perguntou:

— O que me diz de um passeio por nossas terras, rainha Natasha?

A resposta saiu mais rápido do que meus pensamentos.

— Claro, rei Lorcan.

***

Polar e Zaniah, o cavalo favorito de Lorcan, corriam por todo o vasto campo de Velorum. A floresta atrás de nós não passou de pequenos pontos na paisagem. Competíamos para ver quem chegaria primeiro no topo da colina e, orgulhosamente, ganhei. Lorcan desceu de Zaniah, oferecendo a mão como o cavalheiro que era. Sorrio quando sinto seu aperto firme, descendo de Polar e afagando sua crina em forma de agradecimento.

A grama verde acariciou minhas longas botas conforme avançava na colina. A brisa primaveril jogava meu longo cabelo solto, beijando meu rosto com suavidade. Assim como Lorcan, usava um longo sobretudo, a única diferença era que optei pela cor roxa enquanto o rei preferiu o verde.

Depois ser coroado, Lorcan recebeu um vasto enxoval de roupas de diversas cores. No início houve relutância, mas eu e Raven praticamente o encurralamos para mudar o guarda-roupa.

Às vezes, Raven consegue botar medo até mesmo nele. Nota mental: nunca contrarie o nosso espião.

Quando virei o rosto para Lorcan, ele estava com um semblante contemplativo enquanto encarava a paisagem do vasto reino. Nunca o vi tão surpreso assim, por isso comentei:

— O que houve?

— Eu nunca vi Velorum... Não dessa forma. Erick me proibia de vasculhar essa área, ele dizia que eu era indigno de "corromper" o seu paraíso. E agora... — murmura esticando a mão para o horizonte, os dedos se fechando entorno do ar como se pudesse agarrar cada montanha para si. — Eu consegui. Eu posso e vou pisar onde quiser. E nenhum rei arrogante poderá me impedir.

Queria que ele chorasse, expressasse a ferida aberta que ainda sangra dentro de si. Mas Lorcan foi ensinado a sufocar seus sentimentos, matar uma parte de sua humanidade constantemente.

E seria um longo trabalho trazê-la de volta.

— Aproveite cada parte do reino que você conquistou. Lorcan, não conheço ninguém que mereça estar no poder quanto você.

Ele abre um sorriso discreto quando nossos olhares e mãos se encontram.

— Eu irei aproveitar. Mas ninguém me disse que aguentaria tantas reuniões chatas.

Rio da sua careta, da forma como aprendeu a se expressar abertamente.

— Acredito que não cobrem menos do que antes. Afinal, são poucos corajosos o suficiente para desafiá-lo.

Lorcan suaviza sua expressão enquanto se deita na grama. O cabelo havia crescido, tocando um pouco abaixo de seus ombros, e o tornava mais atraente. Como isso é possível? Não faço ideia.

Deito ao seu lado, observando o belo céu alaranjado. Consigo visualizar alguns pontinhos luminosos ganhando destaque, fazendo-me sorrir feito boba. Há muito tempo parei de olhar para cima e ter esperança, mas desde que uma certa estrela me colocou nesse mundo muita coisa mudou.

— Eles querem um herdeiro.

Quase dou um salto com o comentário. Ao invés disso, encaro o homem com os olhos arregalados.

— Como é?!

Lorcan manteve o olhar focado nas estrelas. Aparentava estar calmo mas notei o pequeno "tique" de seus dedos, o único sinal do desespero interno.

— A vida de um monarca é repleta de cobranças. Quando não possui ninguém, é exigido que tenha uma rainha. E quando a encontra, cobram por um herdeiro. É uma forma de garantir que a monarquia nunca acabe.

Suspiro frustrada.

— Não é o que eu desejo, Lorcan.

— Eu também não. — comenta virando o rosto para mim. A sua mão busca a minha, apertando-a com cuidado. — Sei que é uma obrigação como rei, mas não quero cometer os mesmos erros do meu pai. Não quero acabar com a vida de uma criança cheia de expectativas, da mesma forma que ele acabou com a minha.

Queria dizer à ele que nunca seria igual ao monstro do Sirius. Não há uma semelhança sequer entre ambos, por mais que muitos tenham o comparado com o pai por tanto tempo. Porém, entendia a sua forma de pensar e, no fundo, sabia que seus traumas não o permitiriam ser o pai que precisava ser. Lorcan nunca seria capaz de expressar o seu amor pelo filho ou sequer dar a devida atenção em um momento de crise.

Ele tinha tanto para se curar que se via incapaz de machucar outra pessoa no processo.

E eu também não queria um filho. Esse desejo nunca passou por minha mente, porque me sentia completa da forma como estava. Eu e ele formávamos uma bela família e isso bastava.

— Tudo bem. Eu entendo, Lorcan. — murmuro acariciando sua face com a mão livre, após virar o corpo para o lado. — Mas saiba que você seria um ótimo pai se pudesse.

— Eu vim de uma linhagem de guerreiros treinados para servir, usados como objetos para reis arrogantes. E essa é a minha chance de terminar a maldição dos De'Ath. Ela irá terminar comigo.

Uma vez, ouvi sobre a lenda da terra amaldiçoada de Icarus. As pessoas acreditavam que os deuses puniram o local por causa do sangue inocente que um De'Ath carregava em suas mãos. Agora entendo que a maldição, na verdade, era o dever de servidão deles com a família real. Nenhum líder teria tempo de se preocupar com a fertilidade de suas terras se, antes mesmo de tomar uma medida cabível, era obrigado a lutar numa guerra sangrenta.

— Sim. A maldição dos De'Ath terminará contigo, ao mesmo tempo que será você o responsável por uma era de bênçãos para muitas pessoas.

O seu sorriso é tão sincero e radiante que quero colocá-lo dentro de um recipiente. Assim, poderia admirar o seu brilho sempre que meu coração se envolvesse por escuridão.

— É o que eu espero, Natasha. Chega de trevas, eu quero caminhar na luz junto com você.

— Não vou soltar a sua mão, mas eu quero que saiba de algo.

Quando sento na grama, a sua postura torna-se séria e tensa.

— O que?

— Eu o amo e esse sentimento nasceu após conhecê-lo melhor. Você me trouxe tanta coisa boa, por isso andei pensando e cheguei à conclusão de que merece ouvir a verdade.

— Que verdade?

— De onde eu vim, quem eu sou... Quem eu sou para você. A verdade é que vim de um lugar muito longe, chamado Londres. Uma realidade diferente, um mundo onde mulheres possuem mais direitos do que aqui mas ainda vivem sob um julgamento eterno. Vim de um lugar onde reis são como contos de fadas, pelo mesmo na maior parte do mundo, e as pessoas podem escolher quem irá governá-las.

Ele abraça as pernas, deitando a cabeça nos joelhos sem tirar os olhos de mim.

— Parece um lugar fantástico.

Sorrio involuntariamente ao lembrar de Londres, de Claire e de tudo que deixei para trás.

— A minha vida lá se resumia em viver escondida nas sombras. Ninguém me notava de verdade ou se preocupava com meus sentimentos, exceto quando os demonstrava através dos meus livros.

Há admiração brilhando em seu olhar.

— Você é escritora? Que incrível! Os escritores são capazes de moldar a realidade, são como deuses...

—... em seus próprios mundos. A minha avó vivia me dizendo isso, talvez seja um dos motivos por ter me tornado escritora. Eu gosto de como posso expressar quem eu sou através de personagens fictícios e, um dia, decidi criar um livro sobre um reino distante onde um príncipe se apaixonou por uma empregada.

— Um romance?

— Sim, mas havia um vilão. Eu o descrevi como um homem cruel e sem coração. Uma pessoa quebrada que só pensava em destruir o príncipe por inveja dele, por causa de toda a atenção negada para si no passado.

Lentamente, o brilho nele sumia ao mesmo tempo que seu sorriso desapare. Lorcan era inteligente e não demorou muito para perceber o que estava acontecendo.

— Esse vilão era uma pessoa ruim?

— Não, nunca foi. Mas eu o escrevi assim porque... Porque queria que as pessoas amassem mais o príncipe e elas apenas fariam isso se alguém...

— Carregasse o ódio todo para si.

Assinto silenciosamente, abraçando minhas pernas. A noite já havia se iniciado mas o frio em minha barriga dava-se pelo rumo da conversa.

— Esse vilão veio de uma mãe fria e um pai cruel. Ele foi traído por seu amigo de infância após quebrar um vaso no palácio. E as suas costas, elas foram massacradas por várias chicotadas.

— Ninguém sabe disso. — ele me corta, surpreso. — Ninguém poderia saber.

Encaro Lorcan com arrependimento e dor.

— A menos que essa pessoa tenha escrito sobre isso.

— Não, não pode ser...

— Velorum, em partes, veio daqui. — aponto para minha cabeça. — É claro que muita coisa saiu do roteiro, mas outras partes continuaram intactas; como o passado de meus personagens.

— Isso é impossível, Natasha.

Lutando contra o nó na garganta, começo a contar tudo sobre Velorum, principalmente detalhes específicos demais. Lorcan merecia saber a verdade porque nunca encontraria a paz em meu interior se não dissesse. Ele sempre foi sincero comigo e eu precisava retribuir.

Mas não imaginei que fosse reagir tão negativamente.

Lorcan ergueu-se ficando de pé e tentei me aproximar, mas bruscamente o homem afastou minha mão, fugindo do toque como se fosse parti-lo em pedaços. Talvez já estivesse estilhaçado por dentro após saber a verdade, o que explicava o porquê se afastar em passos lentos.

— Você escondeu isso de mim, Natasha. Por que? Eu confiei em você.

— Não podia simplesmente contar que era a criadora desse universo, que detinha o destino de todos aqui em minhas mãos.

— Quer dizer que tudo o que passei foi você...?

— Não, não! Eu não fazia ideia de que Sirius cometia tamanhas atrocidades com o filho.

— Mas você sabia das torturas, certo?

Angustiada, balanço a positivamente a cabeça.

— E mesmo assim, eu fui criado para ser o vilão. — murmura encarando as próprias mãos trêmulas. — Eu sou uma pessoa ruim como dizem? Sou um monstro de verdade?

— Você é uma boa pessoa, Lorcan. Eu só havia ficado cega no início, pensei que seguiria o seu destino e...

— Meu destino é ser o vilão?! De onde tirou essa ideia? Erick e Christian destruíram-me no passado, eu precisava revidar toda a dor.

— Eu sei, droga! Não faz ideia de como me arrependo de tê-lo colocado como vilão. Nunca desejaria esse final trágico para a pessoa que eu amo.

As mãos dele caem ao lado do corpo. O olhar carregado de uma dor arrebatadora.

— Qual o meu final no seu livro?

Sabia do peso das próximas palavras, mas chega de mentiras. E algo me dizia que ele iria descobrir de alguma forma.

— Você morre.

A risada a escapar de seus lábios é tão gélida quanto a brisa a nos atingir.

— O vilão morre nas mãos do mocinho. A besta sendo derrotada pelo "salvador". Estou errado?

Desvio o olhar para os próprios pés.

— Não...

— Você me criou para ser um monstro. Então, essa deve ser mesmo a minha essência. Eu nunca vou passar de uma cópia do meu pai.

Rapidamente, avanço em direção ao Lorcan segurando suas mãos. O meu olhar de puro desespero encontra-se com o seu.

— Nunca mais repita isso! Você não é igual ao Sirius, nunca foi.

De maneira brusca, ele solta suas mãos do meu aperto. E ver seu olhar de indiferença quebrou meu coração em mil pedaços. A cada passo dado para longe, uma parte de mim era tomada por uma tristeza inexplicável.

— Você sabia de todo o meu passado e, ainda assim, me via como uma pessoa ruim. Eu não acredito em suas palavras, não mais. No fundo, você ainda me vê da mesma forma... E agora eu sei que essa é minha essência, não adianta lutar contra minha natureza.

A negação estava na ponta da língua mas, assim como uma tempestade avassaladora, Lorcan deu às costas e seguiu para seu cavalo. Quando me aproximei o suficiente, ele moveu as rédeas de Zaniah e seguiu para longe da colina.

E pela primeira vez, não olhou para trás.

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