Capítulo 52
Cada detalhe era crucial para o grupo aceitar a minha ideia. Apontava para os reinos e traçava uma linha imaginária sobre os melhores pontos para uma batalha, além de pontuar as vantagens de cada reino. Katlyn, no começo, parecia que sairia da sala à qualquer momento ou me daria um soco. Porém, conforme ouvia o plano, noto uma nítida curiosidade em seu semblante. Njal também demorou para mudar de opinião mas, ao final, apoiou por completo a ideia. Por outro lado, Raven e Lorcan já estavam tendenciosos a aceitar desde o início.
— Para tornar a aceitação deles mais estável, vamos permitir que cada um mande dez representantes do seu reino para fazer parte do parlamento. — comento.
— Parla... O que?
— É um grande conselho composto por várias pessoas, que ajudam o rei em suas decisões e também na criação das leis. Se eles tiverem membros de confiança ao lado do monarca, tenho certeza que se sentirão mais seguros à respeito da constituição. Então, o que acham?
O silêncio reinou na sala por longos instantes. Não houve troca de olhares, pois todos estavam presos em suas próprias reflexões. Enquanto isso, estou contendo a ansiedade em meu interior. Um dos motivos — e talvez o mais importante — para desejar criar uma constituição é que uma lei maior poderia ajudar os mais injustiçados. Sei que muitas mulheres sofrem na mão de nobres arrogantes e, tendo uma lei capaz de protegê-las por todo o continente, a história da minha mãe e de muitas outras não iria se repetir.
Eu quero fazer a diferença nesse mundo. Quero provar que sou mais do que uma escritora insegura.
Os demais olham para o duque e assentem. Então, ele desvia a atenção para mim e diz:
— Vamos ensinar para esses reis arrogantes como se constrói um império.
Mal contenho a expressão de ânimo. Após a reunião, Njal e Katlyn seguiram para suas respectivas casas no ducado. Raven deu leves tapinhas em meu ombro com um largo sorriso.
— Você foi incrível, Diane! Um império feito na base de um papel? Essa é a coisa mais maluca que eu já ouvi!
Rio com seu comentário.
— Acho que fazer loucuras é um dom das pessoas de Icarus.
— De fato. Bem, eu espero vê-la na festa de hoje.
Pisco os olhos, confusa.
— Que festa?
— Nós temos a mania de comemorar a queda dos primeiros flocos de neve. Será divertido e eu posso acompanha-la como no Auror-...
— Eu a acompanharei. — Lorcan interrompe lançando um olhar gélido para o espião, que apenas sorria travesso em resposta. — Se ela quiser ir, é claro.
Penso com cuidado na proposta. Há muito o que ser feito para atingir o meu plano, mas não é como se tudo fosse desmoronar por causa de uma simples comemoração.
— Eu irei!
Quase vejo um sorriso em seus lábios antes de sair da sala. Raven passa o braço por meu ombro, observando o duque se afastar no corredor enquanto sussurra em meu ouvido:
— Pela forma como ele a olhou durante a reunião, vocês aproveitaram bem naquele quarto.
O meu rosto esquenta e dou um tapa no braço dele.
— Você não tem ninguém pra interrogar ou torturar?
— Hoje não. Eu acho.
***
Por causa do frio, vesti uma calça bege e um camisa de lã da mesma cor, junto com um longo manto dourado com a gola de plumas. Uma das empregadas havia disposto essa roupa, então fiquei aliviada pois não tinha nada adequado para o evento. Saí do quarto em passos firmes, as botas brancas ecoando pelo piso de madeira. Ao chegar no salão principal, encontrei Lorcan esperando-me perto da porta. Ele trajava uma calça e coturno pretos. Uma camisa branca abaixo do longo sobretudo preto de gola alta, colado ao corpo definido, com o interior em um tom dourado e brilhante. Os botões dourados desciam verticalmente do seu ombro até metade do peitoral.
Quando vira o rosto em minha direção, as mechas do cabelo acariciam os seus ombros.
— Acho que não estou arrumada para a ocasião.
Ele nega, estendendo a mão onde a seguro com certo receio. Lorcan tem uma imagem de tirano a manter, mas parece disposto a mostrar o seu melhor lado na frente de todos. Por mim.
— Você está mais do que adequada para a ocasião. Posso acompanhá-la assim?
Assinto e seguimos para fora do castelo. Desta vez, não havia carruagem para nos levar. Ao adentrar no centro da cidade, o clima torna-se mais agradável por causa da enorme fogueira na praça. As barracas vendiam apenas comidas quentes. Havia dança e música por todo lugar.
Raven acenava para a gente. Ele usava um longo manto cinza e o cabelo estava completamente bagunçado, após uma de suas prováveis danças. Katlyn encontrava-se do seu lado, escondendo as mãos dentro do casaco vermelho. O seu olhar gélido repousou em mim por breves segundos, antes de retornar para a conversa com o casal à sua frente. Njal e Leofrick pareciam felizes um ao lado do outro.
Sorrio involuntariamente com a cena.
O duque cumprimenta com um breve aceno, ignorando os olhares curiosos das pessoas ao encarar nossas mãos juntas. Rapidamente, solto sua mão e cumprimento o ferreiro. Ele sorria e inclina o corpo, sussurrando para mim:
— Então, era com ele que estava preocupada na guerra?
Coro e afirmo em silêncio.
— O amor é realmente algo lindo.
Raven apoia a mão em minhas costas e a outra no ombro de Katlyn, guiando nós duas para o interior de uma taverna.
— Não há melhor forma de comemorar a chegada do inverno do que bebendo.
O espião nos conduz para uma mesa no canto da enorme taberna. O local é agitado e barulhento, mas de uma maneira agradável. Os homens e mulheres riam alto enquanto conversavam sobre banalidades. Njal e seu esposo sentam-se lado à lado. Raven senta em frente à Katlyn, ambos na ponta da mesa, e eu fico ao lado do duque.
Não demora muito para copos enormes de cerveja serem depositados na nossa frente. A garçonete tinha um semblante assustado com a presença de Lorcan. Pelo visto, ele não participava desse evento.
Inicialmente, estremeço de frio por causa da bebida gelada mas, após alguns goles, sinto o corpo esquentar. Raven começa a contar histórias de suas torturas, gesticulando com ânimo sobre os relatos envolvendo sangue e gritos. Leofrick era o único que dava atenção para o rapaz, mal piscando os olhos. Por outro lado, Njal suspirava com pesar antes de beber de uma vez.
— Queria ser resistente à bebida como você... — murmuro.
A atenção do guerreiro volta-se para mim e ele arqueia a sobrancelha, gesticulando para que a garçonete enchesse o seu copo.
— É como lutar. Você só fica mais forte se treinar.
— Espera! Está dizendo que eu devo...? Ah, não, não.
— Ela é medrosa demais para isso, Njal. — comenta Katlyn com deboche. — Nem todos nasceram para arriscar.
Fuzilo a mulher com o olhar, puxando o copo para perto.
— Estou pronta!
Lorcan permanece em silêncio com um brilho de divertimento no olhar, enquanto beberica sua cerveja com calma.
Njal brinda comigo antes de descermos a bebida em longos goles. Confesso que já estava quase desistindo na metade do copo, principalmente ao vê-lo terminar a bebida. Porém, sou teimosa demais para parar, por isso continuo até que ele esteja vazio. Bato o copo na mesa com força como um bárbaro e abro um sorriso confiante.
— Consegui!
— Mas perdeu. — pontua Katlyn.
— Você foi incrivelmente bem para a primeira vez. — dizia Lorcan passando o polegar pelo meu lábio, limpando o "bigode" de espuma. — O importante, às vezes, não é vencer; mas sim, não desistir.
Olho para o duque com surpresa e admiração. A sua voz está suave como veludo e o seu toque, mesmo por cima da luva, é tão caloroso.
— Eles formam um casal tão bonito. — comenta Raven tirando-me dos meus devaneios.
Katlyn engasga com a cerveja. Leofrick dá um tapa em suas costas e ela quase bate a testa na mesa. Cubro a boca para conter a risada, mas segundos depois viro-me em direção à Raven.
— E você e a Tanandra, hein?
Ele ergue ambas as sobrancelhas, repousando o copo na mesa.
— O que tem ela?
— Acho que vocês dois formariam um belo casal.
— Ela é legal mas pessoas como eu não nasceram para relacionamentos. — dizia após um longo gole na cerveja. O olhar tornou-se distante. — Sou um guerreiro, as coisas são complicadas. Amar alguém sabendo que, um dia, a filha da puta da morte irá nos separar? Prefiro estar sozinho.
Estou pronta para questionar, mas a mão de Lorcan aperta firmemente a minha coxa. Esse era um pedido silencioso para deixar o assunto de lado, e assim o fiz.
Por sorte, o clima voltou a ser descontraído. Leofrick guiou a conversa, contando um pouco sobre o seu conhecimento de armas. Njal tinha um sorriso bobo enquanto o observava falar. O amor emanando do guerreiro era palpável. Até mesmo Katlyn encontrou-se admirada com a cena de ambos. Raven e Lorcan, às vezes, comentavam sobre o assunto mas passavam maior parte do tempo calados.
Após algumas rodadas de cerveja, saímos da taverna. O dono do local recusou qualquer pagamento, alegando que a equipe era a responsável por proteger o ducado. Então, seguimos pelas ruas de Icarus observando as barracas.
Leofrick e Njal andavam de mãos dadas; ora trocando beijos, ora rindo de piadas internas. Katlyn parava para conversar com algumas mulheres e, assim, a perdemos de vista minutos depois. O meu olhar volta-se para o espião, que analisava as pessoas com um semblante indecifrável.
— Por que ele é assim? — pergunto baixo para o duque.
Lorcan acompanha o meu olhar para saber de quem estou falando.
— A sua mãe era prostituta, conhecida pela capital pelos inúmeros serviços para sustentar o filho. Ela foi estuprada diante dele por alguns miseráveis e depois morta asfixiada. — dizia repousando as mãos dentro do bolso da calça. O olhar tão gélido quanto a brisa noturna. — Nesse dia, algo na sua mente se partiu em pedaços. Eu o encontrei em uma situação precária e ofereci Icarus como abrigo. Não nego que o principal motivo foi treinar um soldado desde a sua pré-adolescência, mas... — por um momento, a voz do duque oscilou. Ele solveu o ar entorno de si. — Descobri da pior forma sobre o sua agressividade. Um aluno ofendeu a sua falecida mãe e... Bem, a forma como ele desmembrou o garoto foi algo insano. Nunca vi tamanha frieza em minha vida.
Sinto embrulhos no estômago. Raven, um jovem alegre e descontraído, carrega um peso perturbador em suas costas. Como Agatha havia dito, cada um possuí seus demônios internos.
— Desde então, tomei precauções para que ele não libere a fera dentro de si. — Lorcan continua a falar enquanto o grupo parava na frente de uma barraca. — É um soldado de grande potencial, a sua única limitação é a mente quebrada. Na verdade, todos aqui são quebrados de diferentes maneiras e espero que, um dia, conheça a história de cada um.
Concordo em silêncio. Entendi o recado entrelinhas nas palavras do duque: "Não cabe à mim contar a histórias deles". Em meu interior, sabia que no momento certo descobriria mais sobre cada pessoa do seu grupo interno. Por hora, precisava engolir a minha curiosidade.
Raven entregava-me uma batata quente, enrolada em um papel térmico e, mesmo com a negação de Lorcan, dava outra para ele também. Sorrio gentilmente com seu gesto e logo dou uma mordida considerável nela, sentindo-a aquecer minha boca. Enquanto isso, os primeiros flocos de neve caíam acima do ducado. As crianças saltitavam alegres e os adultos interrompiam suas caminhadas para admirar a cena.
— É lindo... — sussurro em êxtase.
O branco, lentamente, cobria algumas partes do ducado. É estranho dizer mas havia um certo calor naquele momento, algo que aquecia o meu coração. Icarus encontrava-se em paz e esbanjava toda a sua beleza, contradizendo as lendas macabras.
Havia luz e calmaria por todo o lugar.
Esse era um momento mágico, onde os flocos "abençoavam" o ducado no início de outra estação. Raven corria até o centro da praça, pegando um punhado de neve com a mão e depois o jogava em Njal. O guerreiro lança um xingamento com sua voz grossa e firme. Contudo, ao invés de sacar um machado ou uma adaga, ele fazia outra bola de neve jogando no espião. Leofrick ria diante da cena, pelo menos até ser acertado por seu marido, tornando sua expressão sombria e assustadora. Então, o ferreiro acompanha os outros dois na pequena "guerra".
— Vocês são um bando de crianças. — dizia Katlyn ao se aproximar, apoiando as mãos na cintura. — Que ridíc-...
A sua fala é interrompida por uma bola de neve atingindo em cheio seu rosto. O olhar mortal da mulher foca em Raven, que já se escondia atrás de Leofrick, mostrando a língua de forma travessa. Katlyn estala os dedos, juntando um montante de neve e correndo em direção ao espião.
— Você estava certo, Lorcan. Eles não são pessoas ruins. — murmuro com um sorriso bobo.
Toda essa alegria ao nosso redor era contagiante. Contive minha vontade de estar no meio deles, dando uma última mordida na batata.
— Sim, eles não são. Mesmo que o restante do reino nos veja como monstros, o que importa é quem nós somos aqui e pelo o que lutamos.
Sorrio diante de suas palavras. Ao estar do outro lado da história, percebo que não devemos julgar sem conhecer e que, acima de tudo, ninguém é completamente bom ou mau. Somos humanos e, por isso, estamos suscetíveis à mudanças. Elas são constantes e fazem parte da nossa essência.
Estou tão distraída que mal percebo Lorcan esticando um copo de chocolate quente em minha direção enquanto segurava outro. Murmuro um agradecimento antes de dar um gole considerável na bebida. O sabor doce dançava em minha boca, aquecendo também o meu corpo.
Longos minutos se passam enquanto nós dois encarávamos a guerra de bola de neve. Então, decido quebrar o silêncio.
— Você odeia o Christian?
Ele lança um olhar confuso em minha direção.
— Não deveria?
— Não acho que seja ódio, só isso. — comento desviando o olhar para o chocolate quente, encarando o meu próprio reflexo. — Ele é um babaca de primeira, mas a culpa em partes é do rei Erick. O miserável o fez acreditar que era uma boa pessoa e que ser amado por todos é o mais importante. E eu creio que, de certa forma, você também almeje por isso.
— Ser amado por todos?
Balanço a cabeça em concordância. Bebo o chocolate quente em longos golpes, parando um pouco de tremer. A chegada da neve caiu consideravelmente a temperatura e, para a minha infelicidade, nunca fui boa lidando com o frio.
Lorcan encontra-se calado, como se ponderasse as minhas palavras. Depois de longos segundos, virava o rosto em minha direção tentando avisar algo, porém é tarde demais. A bola de neve atinge meu rosto, fazendo-me recuar alguns passos. A primeira reação é piscar os olhos confusa e, logo após, estou rindo alto junto com os demais. Raven assobiava inocentemente, mas não esperava que eu fosse acertá-lo com outra bola de neve em seu peitoral.
— Prepare-se para o ataque! — ele exclama apontando para mim.
Ergo a cabeça em sinal de superioridade.
— Estou me tremendo toda.
Em seguida, corro em sua direção já inclinando o corpo para pegar um punhado de neve. Rapidamente, abaixo-me desviando de uma bola lançada por Leofrick. Logo, estou avançando contra o meu real oponente, lançando a bola de neve nele. Contudo, Raven esquiva jogando o corpo para o lado. Ele finge que ia me acertar, mas golpeava Katlyn. A mulher xinga alto antes de partir para cima do espião. Ela só não esperava pela bola jogada por Njal.
E assim, o campo de "batalha" tornou-se mais agitado.
Raven apoia as mãos no solo, dando um mortal para trás desviando de um ataque. Porém, Katlyn tem uma mira impecável e a segunda bola de neve o acerta em cheio. Em seguida, ela direcionava outra para mim, mas jogo o corpo para o lado esquivando-me com perfeição. A arqueira trinca os dentes em desagrado, lançando outra bola que, novamente, consigo desviar. Para a minha sorte, ela estava tão distraída tentando me atingir que não notou a enorme bola vindo em sua direção. Vejo um Njal orgulhoso limpando os resquícios de neve entre os seus dedos.
Isso até ser atingido por seu marido. Os dois trocam olhares mortais, seguido de risadas descontraídas. Se Njal é capaz de sorrir? Estou surpresa que a resposta é "sim".
— Eu estou indo. Pelo visto, irão demorar nisso. — afirma Lorcan passando por nós.
O espião aproximava-se em passos sorrateiros e sou atingida no ombro. Ele ria travesso enquanto já preparo o meu ataque. Então, lanço a bola de neve com toda a força mas o maldito do Raven desviava, abaixando-se agilmente.
O que não imaginávamos é que a bola de neve atingiria as costas de Lorcan. Ele parou de andar e todos os olhares na praça voltaram-se para a cena. Noto os olhares surpresos e assustados. Até mesmo Raven, um assassino frio e sanguinário, saiu de fininho se afastando cada vez mais do duque. Jurei ver seus lábios se moverem em "meus pêsames". O clima tornou-se pesado e um silêncio desconfortável se instaurou no local.
Quando Lorcan olhou por cima dos ombros, Katlyn já apontava em minha direção. Maldita seja essa mulher. Então, eu e o duque nos entreolhamos pelo o que pareceu ser uma eternidade. Não fazia ideia do que se passava em sua mente. Dentre todas as opções de reação, a mais lógica era pedir desculpas. Contudo, estava nervosa demais para pensar de maneira racional.
Por isso, deixo escapar uma risada nada discreta, dando nos ombros.
— Surpresa?!
Raven me encarou como se eu tivesse uma melancia na cabeça. Njal e Leofrick trocaram olhares penosos enquanto Katlyn sorria com orgulho. Então, Lorcan se abaixou de forma brusca passando os dedos pela neve, formando uma bola mediana. Ele não tardou em lançá-la em minha direção e devo confessar que sua mira é impecável, pois sequer notei quando fui atingida.
Caí sentada piscando os olhos confusa. Uma risada mais escandalosa — e desta vez, sincera — explodiu do meu interior. Todos em Icarus presenciaram algo único: o discreto sorriso do duque. Confesso que senti um leve incômodo com os suspiros bobos das mulheres ao redor. Lorcan se aproximou em passos lentos, estendendo a sua mão.
— Perdão, escorregou da minha mão.
Rio mais ainda do seu comentário, aceitando a ajuda para se levantar mas, antes, fiz uma bola de neve jogando nele. O seu rosto ficou completamente branco, contrastando com o azul celeste dos seus olhos. Então, o duque se abaixou para atacar mais uma vez e, enquanto isso, já corria me afastando rapidamente. Quando Lorcan preparou a bola de neve, foi atingido nas costas e lançou um olhar mortal para o jovem.
— Desculpa, mas eu sempre quis fazer isso. — comenta Raven, segurando a risada.
— Não serei misericordioso. — ameaça o duque com um sorriso de canto. — É melhor correr.
Não demorou para Raven entender o porquê, pois Lorcan era preciso em seus arremessos. Estou sorrindo diante da cena, por ser a primeira vez a vê-lo se divertir de verdade. A infância do duque foi perturbada e ele nunca teve a chance de brincar ou ter amigos. Mesmo que isso não compense metade do seu passado, ao menos pode trazer um pouco de paz ao seu coração.
Meus pensamentos são interrompidos quando recebo uma rasteira de Raven, caindo na neve. Lorcan segurava minha mão ajudando-me a levantar e, assim, nós dois nos escondemos atrás de uma árvore. O duque apoia o dedo indicador sobre os lábios, pedindo silêncio e assinto. Katlyn e o espião procuravam por mim enquanto Leofrick e Njal estavam à procura do duque.
As pessoas na rua riam da nossa pequena guerra.
Estamos ajoelhados no chão gélido enquanto o duque se encontra concentrado em manter o anonimato. Aproveito a aproximação para admirá-lo minuciosamente. O seu cabelo estava bagunçado com alguns flocos de neve. Os lábios entreabertos e os olhos focados em um ponto fixo da praça. O seu evidente ânimo é contagioso.
Ele não é nenhum príncipe encantado, mas esse é o seu charme.
O meu coração inquieto parece que sairia do peito à qualquer momento. Quando Lorcan encara-me, as minhas bochechas esquentam e abaixo o olhar.
— Você está bem, Natasha? — questiona, preocupado.
Antes que possa responder, a voz do espião se sobressai.
— Achamos vocês!
Então, fomos alvo de uma "chuva" de bolas de neve.
***
Lorcan guiava-me de volta ao castelo. Os demais seguiram para suas respectivas casas ao final da comemoração. O retorno foi demorado por causa da camada de neve se formando na grama. O duque retirou o seu manto, colocando-o sobre os meus ombros. Agradeço baixinho e seguimos em silêncio durante todo o trajeto.
Mas era um silêncio confortável. A sua presença era o suficiente para trazer uma aconchegante sensação de paz.
Quando chegamos no castelo, tiramos nossas botas e fomos para o segundo andar.
— Quero te mostrar algo.
Aceno positivamente e ele me guiava para o seu escritório, abrindo a porta que dava acesso à varanda. Ao se aproximar da amurada, surpreendo-me com a vista única de Icarus, totalmente coberta de neve. Posso visualizar todo o ducado e as pequenas luzes das casas, decorrentes das tochas acessas.
— É tão linda!
— É. Muito linda.
Tenho minhas dúvidas se o duque falava de Icarus, pois seu olhar estava focado em mim. Ele pigarreia voltando a atenção para o céu, onde apoia as mãos na amurada enquanto admirava as belas estrelas. Sentia falta dessa sensação de paz e conforto.
Ela não era decorrente de nenhum príncipe protetor, e sim de mim mesma. Não há sentimento mais libertador do que este.
Fito de canto o duque. Ele parecia tão concentrado que gravei essa cena em minha mente. Se fosse um quadro, tenho certeza que seria a pintura mais bela e difícil de ser retratada.
— Na atuação com Iris, você disse que os meus olhos chamaram a sua atenção. — comenta ainda mantendo o foco na beleza noturna. — Isso é verdade?
Pego-me corada e nervosa. Mordo o lábio batendo, inquietamente, os dedos na amurada.
— Sim. Os seus olhos são como o céu sem estrelas. Eles são lindos, Lorcan.
A brisa acariciou as longas mechas de seu cabelo, algumas deslizavam pelos ombros com suavidade. Lentamente, os lábios dele se curvaram em um sorriso discreto, mas significativo. Podia sentir a paz interior emanando desse homem, pela primeira vez.
— Sempre haverá uma estrela em meus olhos... — ele sussurrava. A voz aveludada, envolvendo-me em um sentimento caloroso e reconfortante. A sua cabeça virava-se em minha direção, restabelecendo o nosso contato visual. —... Quando eles estiverem inteiramente focados em você.
Perdi o fôlego. O meu reflexo estava em suas íris claras. Eu sou a sua estrela. Nesse momento, as palavras fogem da minha boca e só consigo mover os lábios, incapaz de proferir uma frase coerente. Lorcan percebe meu nervosismo, rindo de forma rouca e arrastada. Ele dava um passo encurtando a nossa distância e repousava a mão em minha face. O polegar deslizava por minha bochecha delicadamente.
Fecho os olhos com o seu toque, entregando-me ao momento. O meu coração estava tão inquieto, como se sussurrasse a verdade a cada batida descompassada.
— Natasha, eu...
Um barulho estrondoso ecoa pelo escritório, fazendo-me abrir os olhos rapidamente. Um soldado entrava no cômodo apoiando as mãos nos joelhos, ofegante. Diante do olhar mortal do duque, prevejo que ele irá decapitar o coitado à qualquer instante. Contudo, repouso a mão em seu peito, sentindo o coração acelerado e questionava-me silenciosamente se o motivo era a entrada repentina do guerreiro ou pela intensidade do nosso momento. O corpo de Lorcan relaxa com o meu toque e sorrio fraco, voltando a atenção para o soldado.
— O que houve?
— O rei Christian acabou de decretar guerra contra Icarus! — profere eufórico. — Uma tropa acaba de ser mandada para cá.
Toda a alegria e calor daquele dia sumiu em um piscar de olhos.
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