Capítulo 43
A mentira de Raven nos levou para a pior situação possível. Enquanto a carruagem nos conduzia para o outro reino, Lorcan havia explicado que ele e o rei de Mandrariam lutaram algumas batalhas lado à lado. Então, os dois criaram um laço de confiança com o passar dos anos. Ao saber do possível golpe, o rei de Mandrariam, William Mourt, não pensou duas vezes em aceitar. Contudo, segundo as informações de Raven, a sua esposa confiava demais no oráculo que usava para consultas semanais. O espião afirmou que a consulta mais recente revelou que "apenas o amor será capaz de trazer vitória na guerra". Preocupada com o estado do marido, a sua esposa, Iris Mourt, decidiu que só apoiaria a aliança se houvesse um sentimento forte envolvido.
— Não acredito que Raven mentiu descaradamente. — resmungo afundando os dedos no meu cabelo enquanto apoiava os cotovelos sobre as coxas. — Tudo para garantir a aliança. E por que logo eu?
Lorcan suspirava com pesar, mantendo-se em silêncio. A terceira pessoa na carruagem estalava a língua no céu da boca, fuzilando-me com o olhar. A presença de Katlyn era assustadora e sufocante mas, de acordo com o duque, ela é a pessoa mais qualificada para nos acompanhar.
Mas eu tinha minhas dúvidas, principalmente quando sentia que à qualquer momento ela atravessaria uma flecha pelo meu corpo.
— Podiam mandar uma carta informando o equívoco do Raven. — Katlyn comenta revirando os olhos. — Não é preciso participar desse jantar.
— Iris odeia mentiras. — responde Lorcan. — Não podemos simplesmente dizer que a enganamos para firmar nossa aliança.
Por um momento, pergunto-me se a preocupação do duque seria em trair a confiança do rei. Pelo visto, os dois são quase amigos — ou talvez amigos de verdade, mas Lorcan desconhece esse vínculo para identificá-lo — e o mínimo erro pode afastar essa possibilidade para sempre.
— São apenas três dias, só precisamos garantir que tudo dê certo no jantar da noite principal. — digo a fim de aliviar o clima. — Não tem como dar errado.
Porém, interiormente, o meu lado negativo dizia: "Boa sorte, você vai precisar."
***
O reino de Mandrariam assemelhava-se ao ducado de Icarus, por causa da terra infértil e as árvores secas ao redor. O reino foi construído entorno de uma enorme muralha de pedra, relativamente próximo de Velorum, tanto que consigo avistar as terras de Christian ao horizonte. Apesar da vegetação mórbida, o interior de Mandrariam é extremamente belo. As construções evoluídas e luxuosas. As pessoas usam as melhores roupas e o comércio de alimentos é regular, mesmo com as limitações do local. Há minas no lado interior e exterior do reino, onde o fluxo de trabalhadores é constante.
O castelo é alto mas relativamente pequeno, possuindo apenas duas torres longas e finas. Contudo, a proteção desse lugar é duas vezes mais fortificada do que Icarus e toda Velorum. A quantidade de guardas ao redor é assustadora e passamos por, no mínimo, quatro vistorias antes de adentrar no palácio.
É surpreendente a beleza desse lugar. As pilastras brancas e longas assemelham-se às construções gregas. O teto é pintado em um dourado atrativo, onde há desenhos de seres celestiais acomodados em nuvens. O piso liso e brilhante possui desenhos dourados, formando arcos e curvas bem construídas. Sinto-me em um palácio de ouro, pois tudo ao meu redor reluz de maneira majestosa. Por um momento, o brilho dos diamantes do lustre cega minha visão.
— Quanto tempo, Lorcan!
O meu olhar foca no anfitrião, o rei de Mandrariam, aproximando-se com um sorriso caloroso. O homem ajeitava o casaco preto que combinava com a camisa branca de bordados dourados. O seu longo cabelo escuro estava preso em um rabo de cavalo baixo. As expressões, acentuadas pelas rugas nas bochechas e canto dos olhos, representavam um guerreiro que viveu muitas batalhas. O cavanhaque e as sobrancelhas grossas traziam um ar de seriedade.
O duque fazia uma breve reverência, apoiando a mão sobre o peito. Desta vez, não detectei ironia ou deboche em seu gesto. Havia um nítido respeito ali.
— Estive ocupado, como o Raven deve tê-lo informado.
William gesticula com uma risada descontraída.
— Não há compromisso que não possa ser adiado para visitar um velho companheiro de guerra.
Lorcan estala a língua no céu da boca, optando pelo silêncio.
Nossa atenção volta-se para o fim do corredor após ouvir passos, onde uma silhueta delicada surgia. A mulher de pele levemente bronzeada e cabelos castanhos curtos, com algumas mechas brancas, acenava com um sorriso cortês. Os seus lábios tingidos de um tom vinho tornavam suas expressões mais joviais, tanto que mal percebo as rugas em seu rosto. Os olhos verdes dela focam inteiramente em mim, apressando os passos mas com cuidado para não tropeçar no longo vestido branco que usava.
— Você deve ser a senhora De'Ath. Que adorável!
Sinto embrulhos no estômago, forçando um sorriso.
— Prazer conhecê-la, senhora Mourt.
— Chame-me apenas de Iris, querida. — dizia segurando minhas mãos. — Nossa! Quantos calos, só poderia ser a esposa do Lorcan mesmo.
A risada dela é tão melodiosa e agradável que, involuntariamente, relaxo a postura.
Katlyn solta um resmungo inaudível, cumprimentando os monarcas com uma reverência. Iris sorria para a mulher, onde as duas trocam em um breve diálogo, demonstrando já se conhecerem, antes da arqueira de Icarus ir para os seus aposentos. Mas, como sempre, lança um olhar mortal em minha direção.
— Confesso que duvidei de primeira da informação do seu espião. — comenta William, coçando a barba com a atenção focada em mim. — Sei que leva suas obrigações à sério, Lorcan, mas não precisava vesti-la com a roupa de treino. Um vestido lhe cairia muito bem.
O meu sorriso de nervosismo não passa despercebido pela rainha.
— Não fique assim, querida. O meu William tem um sério problema em controlar a língua. — Iris dizia apoiando a mão em minhas costas, guiando-me para o primeiro andar. — Vem, eu te darei algum vestido para o jantar.
— Não precisa! Eu não quero ser um incômodo...
— Nenhum convidado do meu reino é um incômodo.
Iris emprestava-me um vestido para o jantar do outro dia e também entregava outras peças que, segundo sua concepção, considerava essenciais para os eventos desses dois dias onde estaria em seu reino. Quando a rainha colocava uma lingerie nada discreta em cima das roupas, o meu rosto atinge um patamar inesperado de vermelhidão.
— O que... O que seria isso?
— Ora, é para vocês dois aproveitarem a noite. — respondia em um tom inocente, que pouco condizia com o sorriso malicioso em seus lábios. — Pessoas jovens possuem uma energia ilimitada e o seu marido é um guerreiro. Sabe a fama que eles possuem, certo?
Engulo seco, negando com a cabeça.
— Não. Qual seria?
— São insaciáveis na cama. Digo por experiência própria com meu querido William.
À partir desse momento, as próximas palavras da mulher tornam-se distantes. A minha mente só conseguia processar duas coisas: Lorcan e sexo. Não pensei que imaginar a junção dessas duas palavras me deixariam vermelha e nervosa. Estranhamente nervosa e ansiosa.
Quando chegamos no quarto, exclamo surpresa com a presença do duque. Ele terminava de desarrumar a mala, guardando sua roupa para o jantar. Rapidamente, coloco os vestidos dentro do guarda roupa junto com a lingerie, em um movimento ágil antes que o homem perceba.
Droga. Teremos que ficar no mesmo quarto.
Faço menção a agradecer à hospitalidade da rainha, mas ela fecha a porta apoiando-se na madeira de braços cruzados. O olhar de Iris torna-se tão sagaz quanto de um leopardo.
— Não sei o que está acontecendo, mas não acredito nessa história de casamento. — ela dizia alterando o tom de voz para uma ameaça. — O William sempre andou distante por causa das guerras e, por um bom tempo, me senti insegura quanto aos sentimentos dele. Será que é possível um homem com coração de pedra amar? Eu duvido muito, mas vocês estão aqui para provar o contrário ou apenas confirmar o que eu suspeito.
Iris aproximava-se da nós dois em passos lentos, mantendo o olhar ameaçador em nossa direção.
— Eu odeio mentiras e odeio mais ainda aqueles que nunca amaram. Eu espero que me provem que são um casal autêntico e que se amam verdadeiramente, ou juro que a cabeça de vocês rolará pelos degraus desse palácio até o fim de sua estadia.
Logo, seu semblante se suaviza e ela sorria de forma inocente.
— Sejam bem vindos à Mandrariam.
Então, Iris fechava a porta deixando-nos à sós no quarto. Sento na cama ainda em choque pela ameaça da rainha. Por outro lado, Lorcan está indiferente enquanto se apoiava na janela, olhando por cima dos ombros para o vasto reino.
— Maldito Raven e suas mentiras descabidas.
— Nós vamos morrer...
— Não perderei uma aliança poderosa por causa de uma mera mentira. — Lorcan profere parando na minha frente, puxando-me pelo braço para ficar de pé. Em seguida, a sua mão desce até a minha, entrelaçando nossos dedos. — Se eles querem um casal apaixonado, é o que eles terão.
Contendo o pânico interno, balanço a cabeça em concordância.
Após sair do quarto, fomos até o jardim da mansão onde os arbustos verdes são repletos de rosas brancas. O ambiente remete a um jardim de deuses gregos, por causa das pilastras e os bancos de mármore. Iris acenava ao nos avistar e, nesse momento, o duque aperta nossas mãos juntas em um recado silencioso: não falhe. William está diante de uma pequena mesa redonda de mármore com a pintura de pequenos quadrados brancos e pretos.
O seu olhar alterna das peças de xadrez para o vilão.
— O que me diz de uma partida para relembrar os velhos tempos?
Pela expressão de Lorcan, é bem provável que ele negue. Porém, dou um breve puxão no homem o fazendo inclinar o corpo levemente em minha direção. Surpreso, o duque abaixa a cabeça encontrando o meu olhar compreensivo. Hora de ser a melhor atriz de Velorum.
— Eu não tive a oportunidade de vê-lo em uma partida. Estou animada para assistir. — comento repousando a mão sobre sua face, acariciando a bochecha com o polegar. Lorcan mantém a máscara de frieza, mas percebo como a sua pele está quente e o olhar, inutilmente, fugia do meu. — Ganhe por mim, tá bem?
Mal reconheço a doçura em minha voz, necessária para contrastar com o papel de "marido bruto e dominador" que o duque fará. Contudo, para a minha genuína surpresa, Lorcan segurava a minha mão virando sutilmente o rosto para depositar um beijo nela. Aquela havia sido a vingança perfeita, pois agora sou eu quem queima de vergonha.
— Eu vencerei por você, apenas por você, nem que eu precise quebrar todas as peças dele.
Estou boquiaberta enquanto Lorcan tomava o seu lugar no outro canto da mesa. Quando Iris me puxa para o banco ao lado, retorno à si a acompanhando. Eu não fazia ideia que ele assumiria o papel de marido apaixonado, pensei que seria um ogro.
— Agressivo como sempre. — brincava William fazendo o primeiro movimento. — Mas romântico também, para a minha surpresa.
Um empregado surgia com limonada, onde aceitamos de bom grado. Mesmo sendo outono, a manhã estava quente e isso explica o porquê Iris se abanar com um leque a cada minuto. Não havia desconfiança em seu olhar, como se a atuação de Lorcan tivesse sido convincente o suficiente.
— Eu nunca o vi olhar com tamanha ternura para alguém. — Iris murmura tirando-me dos meus pensamentos. — Espero que não seja mentira.
Novamente, usava um tom ameaçador para me intimidar. Porém, diferente das outras vezes que alguém tentava fazer isso comigo, endureço a postura e meu olhar se torna tão penetrante quanto do vilão.
— Por que está fazendo isso? O que ganha com essa bobagem?
Iris encara-me surpresa com a hostilidade na voz, mas sorria fraco. Ela volta a atenção para os dois homens jogando, tão concentrados e alheios à nossa conversa.
— Casei por amor, o que é muito raro em alianças políticas. William era um romântico nato, sempre fazendo declarações e dando joias caras. Mas quando as guerras começaram, ele se tornou uma pessoa totalmente diferente. Aos poucos, a esperança do amor perfeito que alimentei por anos começou a morrer, até restar a desilusão. — ela bebericava a limonada após um longo suspiro. — Desesperada, consultei o oráculo. Ele disse que o meu amor renasceria quando eu visse outro desabrochar, mas é difícil haver casamentos envolvendo sentimentos.
— Então, Raven disse a senhora sobre o nosso e...
— Sim, eu percebi que essa era a chance perfeita para reaprender sobre o amor. — Iris olhava-me de canto, apoiando a mão sobre a minha. — Não nos decepcione. E, acima de tudo, não mintam para mim.
Um nó se forma em minha garganta diante do seu tom gélido. Em resposta, limito-me a concordar com um aceno breve.
— Uma pessoa apaixonada faria qualquer coisa pela outra. Peça algo para o seu marido, algo que provavelmente ele não faria por ninguém.
— O que?!
Ao fundo, ouvimos um palavrão do William ao perder outra peça fundamental.
— Vamos lá. Quero ver o quão submisso Lorcan está disposto a ser por você.
O meu rosto deve estar tão branco quanto o vestido da rainha. Pedir algo à Lorcan é como colocar minha cabeça contra a lâmina de sua espada. A minha atenção volta-se para o duque que estava com a mão apoiada no queixo, o olhar gélido e analítico sobre as peças. Não posso negar como acho atraente toda essa seriedade. Foco na missão, foco na missão.
— L-Lorcan...
Ele fazia um movimento no tabuleiro antes dos olhos azuis focarem inteiramente em mim, despindo minha alma como de costume. William resmungava baixo sobre a derrota iminente no xadrez. Em contrapartida, o meu "marido" arqueou a sobrancelha, esperando pacientemente por minha próxima fala. Bebi a limonada de uma vez como se pudesse dar coragem e disse:
— Eu quero uma rosa deste jardim.
William pisca os olhos confuso, voltando-se para a esposa que apenas ria em resposta.
— Não é o suficiente. — Iris murmura próximo ao meu ouvido. — Dificulte mais.
— E-Eu quero aquela rosa. — aponto para a flor que se encontrava no meio dos arbustos, oculta pelo mar de espinhos. — Combinaria com o meu vestido para o jantar.
O duque alterna o olhar da rosa para o meu sorriso amarelo, mantendo-se calado. Para a minha surpresa, ele se levanta indo até a parede de arbustos e a abrindo com as mãos. Posso ver os espinhos cravando contra o couro da sua luva, mas a expressão continua indiferente. Conforme Lorcan adentrava no arbusto, o meu coração falha nas batidas.
— Espera! — exclamo correndo em sua direção, segurando seu braço e o puxando de volta. — Viu o tamanho desses espinhos, idiota? Você não é de ferro!
— Pare de me puxar! — reclama apresentando resistência contra minha força. — Que mulher indecisa!
— Que homem teimoso!
É inútil lutar contra a força do duque, mas diante do seu passo em falso acabo caindo sentada com ele entre minhas pernas. O cabelo de Lorcan está bagunçado e há folhas entre as mechas lisas.
— Aqui. — ele comenta esticando a mão, mostrando-me a bela rosa de pétalas brancas. Os espinhos perfuraram o couro de sua luva e percebo os cortes superficiais nos dedos, subindo por seus braços.
— Por que...? Poderia ter pego qualquer outra flor. — sussurro incrédula.
— Nenhuma outra flor a faria feliz. — responde depositando a rosa na palma da minha mão, ao mesmo tempo que erguia o olhar. — Gostaria de algo a mais, Diane?
Não havia apelido carinhoso em nossa atuação, mas não era necessário. Não quando o olhar terno do vilão transpareceu mais do que mil palavras afetuosas. Peguei a sua mão, retirando cuidadosamente a luva e analisando os cortes.
— Eu vou cuidar de você, seu teimoso.
Ele assente com a cabeça, colocando-se de pé e oferecendo a sua mão para mim. Antes de sair do jardim, noto o brilho de aprovação no olhar de Iris. Essa mulher é louca!
***
Devidamente tratado dos machucados, Lorcan dirige-se para o banheiro do nosso quarto enquanto estou andando de um lado para o outro. Ouço batidas na porta, confirmando a entrada e, instantaneamente, o meu corpo gela com a presença da mulher de olhar mortal.
— Não sei onde essa droga de atuação vai levar, mas espero que não exagere. Senão, eu juro que faço um furo bem no meio da sua testa. — ameaça Katlyn puxando-me pela gola da camisa. — Lorcan não merece uma esposa indigna e impura que só sabe abrir as pernas para conseguir algo.
O meu sangue ferve diante de suas palavras. Apoio a mão sobre o pulso de Katlyn e o desloco brevemente. Não posso negar que ver a dor em seu semblante é satisfatório mas, fazendo bom uso do que aprendi na base de treinamento, realoquei o pulso da mulher. Se ela resolvesse fazer um escândalo no palácio, estaríamos em apuros.
— Eu não sou o que dizem. — respondo com frieza, lançando um olhar nada amistoso. — E estou cansada de abaixar a cabeça e aceitar essas ofensas. Eu não estou brigando pelo Lorcan. Eu estou aqui para ajudá-lo em seu plano, apenas isso. E se quiser ser útil, deveria deixar o seu amor platônico de lado.
Katlyn trinca os dentes com a pior das expressões, mas não diz uma palavra sequer. Ela puxava a mão com força e saía do quarto sem olhar para trás. Alguns minutos depois, Lorcan surgia com um terno vinho e camisa branca, gesticulando para o banheiro.
— Temos um jantar de entrada em vinte minutos. Não se atrase. — ordena.
Quando ele dá as costas, mostro a língua indo ao banheiro. O banho é breve mas o suficiente para relaxar meus músculos. Em seguida, coloco um vestido cor de vinho combinando com a roupa do meu "marido", e um sapato alto preto. Ao retornar para o quarto, prendo o cabelo em um coque alto, fazendo uma careta.
— Parece que está com dor de barriga. — comenta Lorcan ajeitando o seu sapato.
Fuzilo o homem com o olhar que, em resposta, retribuía com a costumeira indiferença.
— Eu não gosto do meu cabelo preso, mas é a regra de etiqueta.
O silêncio é a minha companheira nesse diálogo, fazendo-me suspirar frustrada. Então, ouço passos lentos e sinto a figura imponente do duque atrás de mim, causando estranhos calafrios. Lorcan afundava a mão no meu cabelo, puxando os grampos com cuidado e os retirando. Assim, as longas mechas escorregavam graciosamente por meus ombros, balançando com sutileza por causa dos cachos nas pontas.
— Por que...?
— A maior parte das regras foi criada por tiranos, apenas para conter o seu povo. Um membro de Icarus não abaixa a cabeça para ninguém, nem mesmo para essas regras tolas. — dizia ajeitando as mechas do meu cabelo. Contenho um suspiro de prazer com a sensação de seus dedos passeando pelos fios soltos. — E como a nova senhora De'Ath, não há nada que possa limitar sua força e seus desejos.
Lorcan deixa-me sem palavras. Ele dava alguns passos para trás, estendendo o braço e o aceito ainda surpresa pelo ocorrido. Em seguida, fomos guiados para o salão de refeições onde Katlyn, William e Isis já nos aguardavam. O rosto da rainha emana expectativa e um pouco de malícia.
E confesso que a segunda opção me deixou assustada.
William fez um bom papel de anfitrião, conduzindo a conversa por quase todo o jantar. A comida estava maravilhosa, mas não apreciei tanto quanto gostaria. Não quando o olhar mortal de Katlyn tirava o apetite. Lorcan trocou, no máximo, cinco palavras enquanto o rei falava animadamente sobre a aventura de ambos nos combates. Quando a atenção de Iris volta-se para mim, tenho um péssimo pressentimento do que virá à seguir.
— Como você e o Lorcan se conheceram?
Dou um gole considerável no vinho, reunindo coragem do meu interior. Precisava pensar em uma mentira convincente, algo que tornasse a nossa história o mais "romântica" possível.
— Ela era uma empregada do castelo principal. Eu reconheci suas habilidades como guerreira e a convidei para treinar em meu ducado. — Lorcan respondia afastando-me dos meus pensamentos. Estou surpresa em como ele optou pela verdade, o que, no final das contas, era a melhor alternativa. — Depois ela desfez o vínculo de servidão com a família real e veio definitivamente para Icarus.
Olho para o duque sorrindo em um agradecimento silencioso. Ele entende o recado, assentindo com a cabeça.
— Que história inusitada! — profere Iris bebericando o vinho enquanto o olhar felino alterna entre nós dois. — E a primeira noite de vocês, o Lorcan foi muito bruto?
Cuspo todo o vinho na mesa. Lorcan pigarreia alto fechando os olhos com força. Iris ria de forma descontraída, divertindo-se com as nossas reações.
— Querida, essa pergunta é inconveniente. — dizia William com um olhar de súplica. — Vamos retornar ao assunto anterior.
— Mas falar de guerras é chato, querido!
— Claro que não. A última batalha minha junto com Lorcan foi divertida, até passou uma estrela cadente naquele dia.
A surpresa corre por minha face. No dia em que a Estrela Ponte dos Mundos cruzou os céus de Velorum, o duque estava ocupado demais lutando contra um exército. Um sentimento murcho cutuca meu coração, porém o afasto o mais rápido possível.
Lorcan enrijece o corpo na cadeira, fechando fortemente as mãos sobre o colo. Ele parecia desconfortável e preso em seu próprio mundo, tanto que tremia sutilmente. Então, apoio a minha mão sobre a sua ganhando a atenção de seus olhos azuis e, em resposta, abro o meu melhor sorriso.
— Você está bem?
Ele assente apertando a minha mão como um agradecimento silencioso. Aos poucos, estou descobrindo os sinais que indicam os sentimentos do duque. A sua forma de se expressar é diferente, mas não deixa de ser interessante.
— Deu tudo certo na última guerra? — questiono para mudar de assunto.
— Sim, o inimigo recuou depois do nosso ataque. — William dizia sem esconder o orgulho em seu tom de voz e o brilho no olhar. — O exército comemorou por dois dias inteiros. Eu bebi e dormi a maior parte do tempo, o Lorcan que se "divertiu" com algumas mulheres.
Essa informação pega-me de surpresa. Não imaginava que Lorcan tivesse suas aventuras, pois o criei para focar unicamente em conquistar Velorum. Inexplicavelmente, sinto o sangue ferver e bebo o vinho de uma vez.
— Sério? Que interessante. — respondo ironicamente, enchendo a minha taça e a bebendo em goles longos. — Deve ter sido uma comemoração e tanto.
Katlyn bufava levantando-se da mesa e saindo da sala sem dizer uma palavra sequer. Lorcan permanece em silêncio, comendo como se nada tivesse acontecido. Em contrapartida, Iris tem um brilho de divertimento no olhar, quando diz:
— O assunto acabou seguindo para um caminho inesperado. É melhor deixá-los se resolver sozinhos, querido.
— Você está certa. Desculpa se comentei algo inapropriado. — William profere antes de se afastar da mesa, mantendo o sorriso acolhedor. — Amanhã, vamos acordar cedo para caçar, Lorcan. É bom para aliviar o stress.
O duque nada diz mas, pelo visto, isso é um "sim" pelo sorriso vitorioso do rei. Iris esperava o marido sair da sala para apoiar ambas as mãos na mesa, retornando ao olhar mortal.
— Nada melhor para resolver uma discussão do que o sexo. Então, eu espero que tenham uma boa noite de reconciliação.
O meu rosto esquenta e só consigo permanecer estática. As suas palavras continuam a ecoar em minha mente até o momento em que ouço a porta ser fechada. Então, percebo que já retornamos para o quarto e, pelo olhar distante do vilão, já imagino que percebeu o recado nada discreto da rainha. Ela queria uma prova de alguma conexão física entre a gente, algo além de abraços e mãos entrelaçadas.
— Essa mulher é louca. — digo andando de um lado para o outro do quarto. — É claro que ela não vai espionar na porta se estamos fazendo algo, não é? É loucura. — questiono virando-me em direção ao duque, que apenas arqueia a sobrancelha. — Céus, não creio que ela realmente fará isso! E agora?!
Porém, Lorcan não responde. Ele senta na poltrona, mexendo os dedos no ar de maneira inquieta. Após ver com clareza seu passado, sei que esse é um de seus "tiques" desenvolvidos por causa da Síndrome de Asperger. Com o passar dos anos, o duque conseguiu conter ou esconder esse detalhe, mas quando se sentia inquieto acabava perdendo o controle de si mesmo.
Uma ideia arriscada vem em minha mente. Então, subo na cama e começo a puxar as cordas do vestido.
— Venha, Lorcan.
Ele ergue o olhar em minha direção, alternando entre curiosidade e confusão.
— Para quê?
— Se ela quer sexo entre eu e você, é o que terá.
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