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Capítulo 42

Quando abri os olhos, as lágrimas já rolavam por minha face. Não havia uma palavra sequer que pudesse ser dita, não quando minha mente estava focada nas lembranças do passado do vilão. Inicialmente, a única reação foi chorar até soluçar e colocar toda essa angustia para fora do peito. Circe demonstrou compreensão, pois não ousou fazer nenhuma pergunta. Ela apenas entregou um copo com água enquanto recuperava o fôlego.

O silêncio se instaurou por longos minutos. O som das chamas crepitando ecoava pelo cômodo.

A xamã tomou o seu lugar de costume na poltrona, repousando as mãos enrugadas sobre o colo. O meu olhar mudou de foco, deixando de lado a lareira para se concentrar em Circe à minha frente. A sua curiosidade era quase palpável através do olhar.

— Céus... Como ele aguentou tudo isso sozinho? — a minha voz sai arrastada pelo choro. — Foi muito sofrimento e humilhação.

— Algumas pessoas não têm a opção de escolher. Elas precisam suportar toda a dor sozinhas.

Funguei baixinho enquanto mais lágrimas escorriam por meu rosto. Dei um gole considerável na água, respirando fundo.

Havia criado Lorcan e o seu passado trágico para justificar seu objetivo e seus atos cruéis, mas descobri que não era apenas isso. O fato de não haver espelhos no quarto era por causa do rótulo de "aberração" que recebeu desde criança e a humilhação sofrida por carregar inúmeros machucados pelo corpo. Ele odiava ser tocado porque todos os toques que teve em sua vida foram seguidos de cicatrizes profundas. O seu ódio pelo rei é por ele ter concordado e incentivado o antigo duque a torturar o próprio filho. A inveja fundada em Christian era porque foi "treinado" para ser igual ao príncipe, mas sempre era comparado de uma maneira pejorativa. E o imenso sentimento de rejeição surgiu ao ser chamado de monstro.

Sequei as lágrimas com as costas da mão, terminando de beber a água. O meu olhar voltou-se para a janela aberta da pequena sala, onde pude ver as folhas alaranjadas das árvores.

— Eu o chamei de monstro, como todos os outros. É essa palavra que o assombra desde que era uma criança e eu... Acabei o magoando.

Circe ajeitava-se na poltrona, aconchegando suas costas sobre o estofado rústico.

— Por que acha que o magoou? Ele já deveria estar acostumado a ser chamado assim.

Ao relembrar da cena e o olhar quebrado daquele homem, o meu peito dói de maneira inexplicável.

— Ele achava que eu era diferente. Pode parecer presunçoso da minha parte, Circe, mas parece que Lorcan gostava da minha presença.

A xamã assentia com a cabeça em sinal de compreensão. O silêncio retorna ao ambiente até que decido me levantar, ajeitando a roupa e secando os resquícios das lágrimas. Antes de poder comentar algo, ela pergunta:

— Você o aceita como ele é?

Não escondo a confusão em meu semblante.

— Como assim?

— É um bom avanço você compreendê-lo, mas isso não quer dizer que o aceita. Se Lorcan continuar agindo como o "vilão", você ainda estará ao seu lado?

A pergunta de Circe deixa-me sem resposta. E pelo seu breve sorriso, entendo que esse era o objetivo. A xamã se despede com um aceno antes de voltar a atenção para a lareira. Então, subo em Polar e a guio em direção à Icarus enquanto as palavras da mulher ecoam em minha mente.

Quando retornei ao ducado, deixei Polar no estábulo a agradecendo com uma maçã e um afago. A égua roçou o focinho comprido na palma da minha mão e sorri em resposta. Em seguida, dirigi-me para o interior do castelo indo direto para o quarto onde tomei um bom banho e troquei de roupa. O longo vestido verde e as sapatilhas pretas eram adequadas para um dia inteiro de descanso, isso se Lorcan não me obrigasse a treinar por toda a tarde.

Ao chegar na cozinha, a mãe de Arvid sorriu abertamente quando viu que estava de volta. Ela preparou um rápido ensopado e, enquanto comia, perguntei:

— O duque está em seu escritório?

— Não, Diane. Ele foi para a guerra.

Engasgo com a comida. Preocupada, Agatha dava alguns tapinhas em minhas costas.

— G-Guerra? Quando? Onde?

— O rei Christian o convocou para uma guerra nas fronteiras do oeste. Pelo visto, um exército do outro continente deseja invadir Velorum para roubar suas riquezas.

A cor some da minha face ao imaginar Lorcan coberto de sangue, lutando contra inúmeros soldados. Ele parecia tão abalado depois da nossa conversa, que temo por seu desempenho na batalha.

— Ele ficará bem, certo?!

Agatha parecia surpresa com meu singelo desespero. Então, apoiava a mão em meu ombro e dava um aceno afirmativo com a cabeça.

— O senhor De'Ath é o melhor guerreiro de todo o reino. Não há com o que se preocupar.

Sorrio sem mostrar os dentes, levando uma colherada do ensopado à boca mas a comida havia perdido o gosto. Senti como se tudo ao redor estivesse preto e branco.

***

Retornar para a base e o treinamento rígido afastou um pouco esse incômodo em meu peito. Com a ausência de Njal, devido à guerra, os demais instrutores de patentes inferiores foram os responsáveis por manter o treinamento dos novatos. Tanandra e Mason foram convocados para a guerra também, então me senti solitária nas duas longas semanas na base.

A notícia boa é que minhas habilidades em luta estavam evoluindo bem. Desviar de socos e bloquear chutes tornou-se uma tarefa relativamente fácil, apenas precisava manter a minha mente concentrada.

O meu único problema era os treinos com Beatriz, mestre em uso de qualquer arma. Os outros soldados já encontraram a sua especialidade mas ainda estava perdida. Não tenho uma pontaria boa para arco e flecha, por isso foi a primeira opção a ser descartada.

— Ainda está pensando em qual será a sua arma?

Viro-me em direção à voz feminina e firme. Beatriz, como de costume, estava com o cabelo loiro preso em um coque alto. Algumas mechas soltas destacando os traços delicados de seu rosto, mas aqueles olhos verdes eram tão mortais quanto uma floresta assombrada. Ela retirou o longo manto branco de pelo de ovelha, sentando-se ao meu lado no refeitório. A quantidade de soldados havia diminuído consideravelmente com a convocação para a guerra. Então, apenas eu e outras duas dúzias se encontravam na base.

— Sim. Eu não faço a mínima ideia de qual será mais vantajosa.

— A vantagem não depende da arma, e sim de quem a empunha. A arma de um guerreiro reflete a sua personalidade e as suas melhores habilidades. — respondia levando uma uva à boca. — Pessoas que usam arco e flecha não gostam de muito convívio social e são concentradas em seus objetivos. Aqueles que optam por adagas têm uma personalidade mais introvertida e analítica, além de possuírem "sangue frio" na hora da batalha.

Estava verdadeiramente surpresa e admirada pelo conhecimento vasto de Beatriz. Ela tinha um brilho no olhar enquanto falava. O seu orgulho por servir ao exército era visível.

— Nossa! Eu não fazia ideia disso.

Ela sorria sem mostrar os dentes. Fora do campo de treinamento, Beatriz é muito simpática e receptiva, nem parece a mulher capaz de decepar cabeças de olhos fechados.

— O mundo das armas é complexo. Sabia que aqueles que usam espadas refletem a coragem e o senso de justiça? — questiona e nego com a cabeça. — É uma das armas mais belas e versáteis de todas.

— Se me permite perguntar, qual a arma principal do senhor De'Ath?

A loira levava outra uva à boca.

— Uma espada oriental. Ele mandou o melhor ferreiro do outro continente forjá-la.

Nesse momento, não consigo esconder a expressão surpresa e Beatriz ri da minha reação.

— Você só verá o duque usando-a quando estiver no campo de batalha. Em negociações, ele opta pela adaga.

A minha atenção, institivamente, desce para a adaga presa em minha coxa. Beatriz acompanha o meu olhar e se surpreende com a presença da arma.

— Pelo visto, ele confia em você, Diane. Essa adaga era do antigo duque, não pensei que passaria um legado de família.

Pego a adaga girando-a entre meus dedos. Não possuía a agilidade de Lorcan mas, ao menos, conseguia empunhá-la sem derrubar no chão a cada cinco segundos.

— Eu não quero usá-la. Não mais. Essa adaga... Ela... — umedeço os lábios, lembrando de como Sirius machucava o próprio filho, dia após dia, usando a arma. — Remete à coisas ruins. E eu também quero algo que seja só meu.

Ao virar o rosto em direção à loira, vejo compreensão em seu semblante.

— Vá ao ferreiro Leofrick quando retornar para o ducado. Eu enviarei uma carta à ele, imediatamente, para que confeccione a sua arma.

Encontro-me surpresa com suas palavras.

— Qual arma será?

Beatriz dava uma piscada antes de dizer:

— É uma surpresa.

***

Quando voltei para Icarus, ainda não havia notícias de Lorcan. Agatha contou que um mensageiro apareceu dois dias atrás para informar a situação da guerra, mas não especificou nada sobre o duque. Ao ouvir passos no andar de baixo, corri em direção às escadas. Infelizmente, era apenas um empregado chegando com legumes e frutas.

No outro dia, ouvi um barulho nos portões e atravessei o quarto rapidamente, apoiando as mãos sobre a janela. Mas não se tratava de Lorcan. Era apenas Raven descendo do seu cavalo e conversando alegremente com o jardineiro. Quando ele olhou para cima, mais especificamente para a janela do meu quarto, abaixei o corpo em um reflexo involuntário.

A verdade é que ainda estava receosa em me aproximar dele, ao descobrir o que é capaz de fazer. Sentia-me enganada pelo espião que, à todo momento, se mostrou ser uma boa pessoa. Porém, escondeu o seu lado psicótico com tamanha facilidade que era assustador. Será que ele planejava me matar em um momento de descuido?

Abracei o meu corpo, suspirando com pesar. Não podia negar que, quando Lorcan retornasse, também agiria igual. Por um momento, pensei que o duque pudesse ocupar um papel mais louvável, mas ele é o vilão. E infelizmente, parecia que estaria para sempre preso à essa posição.

— A sua arma já está pronta. — avisa Agatha ao abrir a porta do quarto, franzindo as sobrancelhas ao me ver encolhida. — Você está bem, Diane?

Dou um balançar positivo com a cabeça. Talvez desabafasse depois, mas agora tinha outra prioridade. Então, levanto-me antes de ouvir mais uma pergunta e pego um casaco verde, colocando-o sobre a camisa cinza que usava.

— Onde posso encontrar esse ferreiro Leofrick?

Agatha encarava-me desconfiava, como se soubesse que propositadamente desviei do assunto. Contudo, ela dá o endereço respeitando a minha escolha e depois a agradeço com um sorriso fraco. Então, vou ao estábulo e peço para um servente preparar a minha égua.

Sei que podia ir de carruagem, bastava pedir, mas não quero depender de ninguém.

Polar relincha em aprovação quando a monto e acaricio sua crina. Logo, nós duas seguimos para o interior do ducado.

Icarus possuí uma beleza única. Antes de entrar na área urbana, havia campos verdes e vastos que remetiam ao bom uso da adubagem. O plantio não era tão produtivo, mas era bom ver a vastidão de flores e árvores conforme passava pela estrada de terra. Ao chegar no centro do ducado, encontro as casas de dois ou três andares de telhados vermelhos em formato de cones. As construções, no geral, eram bem elaboradas. Algumas mulheres estavam na janela, observando o movimento das ruas. Os comerciantes, em suas barracas de tendas azuis com listras brancas, chamavam as pessoas com acenos e gritos nada discretos. Um grupo de crianças brincava com um cachorro enquanto outro fingiam que seus cavalos de madeira desfilavam pela estrada de pedras.

Polar trotava com calma, mantendo a cabeça erguida e a postura impecável. Um pouco acima da minha cabeça, havia várias fileiras de bandeiras de tonalidade azul, roxa ou branca. O céu estava limpo e as belas nuvens brancas, às vezes, proporcionavam sombras agradáveis em cima do ducado.

Os guardas, a maioria trajando uma armadura prateada, analisavam os cidadãos com cautela. Ao passar pela praça central, onde havia um belo chafariz rodeado de flores, paro a Polar diante de uma simples casa de dois andares, pintada de amarelo com o telhado vermelho.

— Eu não vou demorar. — sussurro acariciando o focinho do animal.

Ao se aproximar dos fundos da casa, posso ouvir o som do martelo chocando-se com alguma arma. A forja desse tal Leofrick é bem organizada, com duas longas mesas de madeira onde várias armas estão repousadas. Há um fogão aos fundos do local, onde as chamas eram intensas. No teto, algumas correntes estavam penduradas bem como arcos inacabados.

Outro som brutal de batidas tira-me dos meus pensamentos.

O ferreiro, Leofrick, parecia uma muralha de músculos e de tamanho. Ele usava apenas uma calça marrom e um avental branco, sujo pelo trabalho árduo, expondo os músculos protuberantes do seu corpo. A sua pele negra reluzia majestosamente com as gotas de suor escorrendo em um ritmo lento. A cabeça era raspada, exceto por um longo fio de cabelo na nuca onde estava preso por uma fina trança. Os olhos possuindo um brilho tão vívido quanto as chamas ao seu lado.

— Bom dia, senhor. — digo com a voz um pouco vacilante.

Leofrick interrompe o trabalho para erguer a cabeça.

— Quem é você?

A sua voz é como um trovão rasgando os céus. É tão intimidadora que qualquer um sairia correndo daquele ducado se Leofrick resolvesse berrar.

— Sou Diane, soldada de Icarus. Beatriz disse que o senhor é o responsável pela confecção da minha arma.

Algo surpreendente aconteceu: Leofrick suavizou suas expressões. Naquele momento, o homem alto e musculoso não parecia tão assustador assim. Ele limpou o suor no avental, roçando o tecido sobre a sua pele lisa. Então, em passos lentos, caminhou até uma de suas mesas vasculhando entre a pilha de armas.

— É raro ver um novo integrante do exército. Teve sorte em não ir para essa guerra.

Sinto a garganta seca ao ouvir a palavra "guerra". A única imagem a dominar a minha mente é uma pilha de corpos, e uma pessoa específica nele.

— Eles vão sair vitoriosos, não é?

Leofrick retorna o foco ao meu rosto e ele sorri de maneira tão aberta, como se pudesse afugentar toda a tristeza.

— Há uma pessoa que eu amo na guerra. Em cada batalha, rezo por sua segurança. Não é fácil passar semanas ou meses nessa angustia, mas como uma guerreira, você precisa demonstrar força e pensar positivo.

Estava surpresa com as palavras encorajadoras do ferreiro. Sem ao menos perceber, estou sorrindo também com um semblante mais relaxado.

— O senhor está certo.

— Deve amá-lo demais para estar tão preocupada.

O meu rosto esquenta, ficando corado. Penso em negar a sua suposição boba mas, ao ver o brilho em seu olhar, desisto imediatamente. Não quero estragar a história de amor que esse homem criou em sua mente.

Leofrick aproximava-se com duas espadas, ambas idênticas. O cabo preto e longo, a lâmina prateada fina e comprida. Entre o cabo e a lâmina, há uma leve curvatura de metal servindo como "ponte" entre as duas partes distintas, onde havia duas estrelas nas extremidades.

— Elas são lindas! — exclamo as pegando com cuidado e se surpreendendo com a leveza das armas. — Mas por que duas?

— Beatriz disse que você é muito versátil no uso de armas e seus movimentos, geralmente, envolvem todo o corpo. Então, a empunhadura dupla é a melhor escolha para quem deseja fortificar seu ataque e também garantir sua defesa.

— Mas eu sou digna de uma arma tão poderosa?

O seu sorriso cresce.

— Sim. Eu posso ver em seu olhar que é uma lutadora, mocinha. E uma das grandes, por sinal.

Uma sensação inimaginável de poder percorreu cada parte do meu corpo. Agora, estava realmente me sentindo uma guerreira, e não apenas uma empregada desastrada. Após prender ambas as espadas em cada lado da minha cintura, agradeço à Leofrick que prontamente recusa qualquer quantia de stans. Ele afirma que já recebe mensalmente do duque para confeccionar as armas.

Enquanto caminhava em direção à Polar, ouço duas mulheres comentando em um banco próximo.

— Aposto trinta stans que, desta vez, o duque morre.

— Dobro o valor por um braço machucado, apenas. — a outra comenta. — É o máximo que conseguiremos.

Olho para as duas com reprovação. Infelizmente, elas estão concentradas demais em sua fofoca matinal para notar a minha presença. Apostando a vida do seu líder? Que grotesco. Ele não vai morrer.

— Ele não pode morrer... — sussurro para mim mesma.

***

Acordo com um sobressalto no meio da noite. O suor escorrendo por minha pele, grudando a camisola preta em meu corpo, bem como os fios bagunçados do cabelo na testa. Outro maldito sonho naquela madrugada, onde vi o duque morrendo no meio do campo de batalha. O sangue a sair do buraco na sua barriga era tão real. Tão assustador. Aquele azul vívido perdendo lentamente o brilho. Nunca imaginei que essa cena me faria perder o fôlego.

Desvio o olhar para as minhas mãos trêmulas e respiro fundo.

Por que, diabos, eu estou assim?

Não consegui dormir depois desse pesadelo, tanto pelas imagens retornando à minha mente quanto pela ansiedade a cada som vindo do exterior. Perdi a conta de quantas vezes corri até a janela, observando os portões do castelo com esperança. Quando o Sol surgiu no horizonte, tomei um longo banho e vesti algo diferente do usual.

O longo vestido de veludo, em tonalidade azul claro, combinava com o bordado prateado ao redor da cintura. Havia um decote em formato de coração que realçava o volume dos seios — graças ao espartilho, é claro. Optei por um par de sapatilhas azul marinho, confortáveis para passar o dia inteiro no castelo.

— Nossa! Você está incrivelmente linda! — exclama Agatha quando surjo na cozinha, sorrindo timidamente. — É um dos vestidos comprados pelo duque?

— Sim, eu não fazia ideia de que ele havia comprado tanta roupa para mim.

— Você veio aqui sem nada decente. — responde Arvid fazendo-me notar a sua presença no canto da cozinha, ajudando a mãe a assar os pães. — Mas ainda acho que você combina mais com as roupas do treino.

Agatha dava um beliscão no braço do filho como advertência e não contenho a risada. Mesmo estando cansada pela noite em claro, ainda possuo energia para ser sociável. Isaac surgiu na cozinha minutos depois e admirou o meu vestido, batendo palmas em aprovação. Por ser cedo, tive a chance de fazer a refeição junto com os empregados. No começo, houve estranhamento com a minha presença nessa ala do castelo, mas todos foram bastante receptivos.

— Onde está o Raven? — pergunto para a Agatha após ajudá-la com a louça.

— Não sei. Esse garoto não passa muito tempo no castelo. É um andarilho nato, eu diria.

— Entendo... — murmuro continuando a guardar os copos no armário. — A senhora o vê como uma pessoa ruim?

— Por ser um espião?

Assinto silenciosamente.

— Sendo sincera? Eu ainda me assusto um pouco com o jeito dele, mas não o defino como uma pessoa ruim. Raven me parece uma criança perdida, que usa sua função como uma distração.

— Para o que, exatamente?

Ela dá nos ombros.

— Não sei. Mas todos possuímos nossos demônios internos, certo? Eu acho que controlá-los é uma tarefa mais difícil do que parece.

Lembro-me da conversa com Lorcan onde ele disse que não era é fácil dominar os monstros internos. Então, talvez Raven os deixasse tomar controle de si para executar suas missões. Céus, por que é tão difícil entender o time dos vilões?

***

Fechei o livro deixando-o ao lado da pequena pilha em cima da mesa. Nunca pensei que aprender sobre lutas fosse possível através da leitura, mas o duque me ensinou o contrário. Ao abrir o próximo livro, deparo-me com a palavra "monstro" escrita logo nas primeiras páginas. A caligrafia irregular evidenciava que foi feito por uma criança. Havia vários riscos em cima da palavra, em uma tentativa de apagá-la.

Imaginei que, desde cedo, aquela havia sido uma batalha interna da mente dele.

Ao ouvir vozes do lado de fora, levanto-me em um sobressalto e saio da biblioteca como um foguete. Seguro as bordas do vestido para não tropeçar no longo tecido. Quando paro diante da escadaria, encontro a porta do castelo aberta e uma figura alta trajando preto se aproximando do salão principal. Lorcan usava um longo manto preto com o interior feito de um veludo vermelho. Ele ajeitava a luva de couro com o rosto virado em direção ao servente.

— Mande o responsável pelo estábulo cuidar do meu cavalo. — ordena.

Analiso brevemente o seu estado. Sem nenhum arranhão ou machucado. Ele estava vivo e bem.

O servente saía apressadamente do salão principal. Quando Lorcan ergue a cabeça, notando a minha presença, o seu corpo trava por uma fração de segundos. Há vários degraus nos separando mas, nesse momento, é como se estivéssemos próximos. A nossa troca de olhares é tão intensa que esqueci da presença de Raven atrás dele, parando diante da porta enquanto limpava seus coturnos no tapete da entrada. O duque dava dois passos para o lado, desviando o olhar para o chão.

Ele está abrindo espaço para que eu vá falar com o Raven.

É compreensível achar que vou evitá-lo depois do ocorrido em Valfem.

Desço as escadas o mais rápido possível, quase tropeçando nos próprios pés. Lorcan ainda está de cabeça baixa, esperando que eu passe direto para seguir o seu caminho. Contudo, jogo o meu corpo contra o seu em um abraço apertado, afundando o rosto na curva do seu ombro. Inutilmente, lutava contra as lágrimas que rolavam por minhas bochechas ruborizadas. Em resposta, o homem encontra-se inerte e confuso, mas suas mãos repousam em minha cintura com cuidado. O seu toque é receoso, como se temesse que tudo não passasse de uma ilusão.

O seu aroma agradável está misturado com o cheiro do sangue seco. O cabelo bagunçado com algumas mechas sobre o rosto. Subitamente, recuo o corpo mas ainda mantendo os braços ao redor dos seus ombros rígidos.

— Você demorou, pensei que o pior tinha acontecido! Céus, não custava nada mandar uma carta, sabia?! — digo subindo e descendo o olhar por todo o seu corpo. — Está machucado? Quebrou algum osso?

O silêncio instaura-se por longos segundos. Lorcan piscava os olhos em um ritmo acelerado, os lábios entreabertos acentuando a sua surpresa. Senti como se minha preocupação tivesse arrancado suas palavras.

— Você está bem...? — questiono receosa.

— É a primeira vez. — murmura ainda em choque. — É a primeira...

Após ver o seu passado, pude entender suas palavras sem precisar de outra explicação. Quando ia para alguma guerra, as pessoas apostavam por sua vida e torciam para vê-lo morto. Ele voltava das batalhas ouvindo lamentações por estar vivo. Então, essa era a primeira vez que alguém se preocupava com o seu estado.

Eu sou a primeira pessoa a querer que ele viva.

As lágrimas, a esse ponto, já estavam fora do meu controle. Lorcan apoia ambas as mãos sobre meu rosto, secando-as com os polegares. O couro faz cócegas em minha pele.

— Não chore. Eu odeio vê-la assim. — murmura enquanto retorna a pousar as mãos em minha cintura. — Como você está?

Estou dividida entre confusão e surpresa.

— Você acabou de voltar de uma guerra e quer saber, primeiramente, sobre mim?!

Ele assente em silêncio. Por outro lado, estou sem palavras. É a primeira vez que alguém prioriza meus relatos.

— Devia se lamentar pela guerra terrível. — resmungo dando um leve tapinha em seu ombro.

— Que guerra terrível. — dizia sem ocultar o tom irônico de sua voz. — Então, como você está?

É inacreditável como, sem querer, Lorcan consegue mostrar um lado amável. Tento controlar o sorriso mas é impossível, logo estou como uma boba o encarando. Ele tinha uma expressão tão suave, descendo brevemente o olhar para meus lábios enquanto aproxima o rosto.

— É tão bom esse reencontro memorável de vocês dois! — exclama Raven aparecendo ao nosso lado, envolvendo os braços entorno de nós dois em um abraço coletivo. — Espero não estar atrapalhando nada.

O olhar mortal de Lorcan foi a resposta adequada. O espião dá um sorriso amarelo e acabo rindo da sua reação.

— Sem problema, Raven.

— Ótimo! Porque eu acho que temos outra viagem urgente.

O duque desfazia-se do abraço e franze o cenho.

— Para onde e por que?

— O rei de Mandrariam e a sua esposa são nossos primeiros aliados, como você sabe. E arrisco-me a dizer que são os únicos realmente confiáveis. Mas a sua esposa gostaria de vê-lo o quanto antes após a notícia.

— Que notícia? — eu e Lorcan questionamos ao mesmo tempo.

Raven recuava coçando a nuca e desviando o olhar.

— Eu passei essa semana solidificando nossos laços com Mandrariam. A esposa dele disse que estava receosa com essa união, porque o objetivo era vazio. Então, sabendo que ela é uma romântica nata, eu disse que Lorcan estava fazendo isso por amor.

Pela primeira vez, vejo o duque arregalar os olhos.

— Por amor? A que?

— Seria a quem. Eu disse que ele estava casado e faria isso para ter um reinado pacífico ao lado de sua esposa. — Raven mantinha o sorriso de nervosismo nos lábios, virando o rosto em minha direção. — A sua esposa, Diane De'Ath.

Instantaneamente, eu e Lorcan trocamos olhares desesperados. Em silêncio, tomávamos a decisão de ignorar a situação absurda ou estrangular Raven. 

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