Capítulo 39
Vozes ao fundo despertam-me do meu sono. Ao abrir os olhos, vejo Lorcan, Raven e Katlyn ajoelhados no piso liso do salão principal. Eles tentavam se reerguer mas os corpos cambaleavam para os lados. Quando dou o primeiro passo em sua direção, um estranho barulho metálico tilinta em meus ouvidos ao mesmo tempo que algo me impede de avançar. Então, abaixo o olhar para as correntes presas em meus pés e mãos, tão apertadas que deixavam a pele vermelha.
— Mas o que diabos...!
— Vejo que acordou. — murmura uma voz felina.
Viro o rosto em direção à Amis que estava sentado no trono ao meu lado. Como estou ajoelhada, preciso erguer a cabeça para poder encará-lo diretamente. Não havia nenhuma infantilidade ou inocência em sua expressão, apenas um sadismo assustador.
— O que está fazendo?!
— Brincando um pouco com meu novo bichinho de estimação. — comenta puxando uma corrente que estava em seus dedos e, institivamente, meu corpo tomba em sua direção. Logo, percebo que há uma coleira em meu pescoço e a "guia" estava nas mãos do rei. — Você faz uma expressão adorável desse jeito, Diane.
Lorcan erguia-se com dificuldade, o corpo balançando constantemente para os lados enquanto profere:
— Você vai pagar por isso, seu pirralho!
Amis soltava uma risada estridente, fazendo pouco caso da ameaça. Analiso o vasto salão, totalmente vazio, exceto pela presença do mordomo e de Roseta ao lado do filho. A mão fina apoiada em seu ombro enquanto esbanjava um sorriso descontraído. O duque dava alguns passos em sua direção, mas acaba caindo de joelhos.
— Não adianta se levantar. Colocamos um forte veneno indolor no vinho. — comenta Roseta.
— Por que fizeram isso?! — exclama Katlyn.
Ela estava com o braço entorno dos ombros de Raven, tentando se manter de pé. As pernas tremiam sem parar e a mulher lutava em continuar com os olhos abertos.
— Porque precisaríamos dar uma lição à vocês sobre crueldade. — responde Amis dando outro puxão na corrente e resmungo de dor. — O ducado de Icarus se vangloria por seus feitos cruéis entre os quatro cantos do continente. É muito injusto que um lugar tão pequeno e insignificante receba todo o terror enquanto nós, possuidores de tamanho poderio bélico, continuemos no anonimato.
Lorcan trinca os dentes em desagrado.
— Você é um doente!
O garoto ria de maneira debochada.
— Eu sou um ótimo rei amado por todos e você? Apenas um homem patético que se diz general, mas onde está a sua força agora? E o seu exército? Não que isso vá fazer diferença. Como a sua querida acompanhante falou... — ele comenta desviando a atenção para mim. — Vocês possuem poucos soldados.
Mordo a língua contendo um xingamento. Eu acabei passando informações valiosas sem perceber.
Estava com medo de ver a reprovação no olhar de Lorcan, mas ele continuava com a típica máscara de frieza.
— Duvido muito que saiba o significado de "pouco", nem deve saber contar. — debocha Raven.
Amis estreita os olhos em sinal de desagrado, mas é sua mãe quem responde:
— Veremos se dirá isso quando nossos soldados acabarem com os seus. Uma tropa já está posicionada para partir ao pôr do Sol, armados o suficiente para acabar com todos no seu ducado.
— Aposto que as crianças vão gritar muito quando forem dilaceradas. — dizia Amis com uma risada irritantemente alta. — Como aconteceu aqui.
Franzo o cenho confusa, abrindo a boca para perguntar. Porém, Katlyn acaba falando primeiro:
— Eu achei estranho não haver crianças nesse reino. E lembrei da notícia de meses atrás, onde misteriosamente as crianças de Valfem desapareceram.
Amis revirava os olhos e bocejava preguiçosamente.
— A mentira deu certo? Quem diria. O que realmente aconteceu é que mandei assassinar todas as crianças.
Estou com os olhos arregalados e minha expressão de surpresa é evidente, tanto que ouço uma risada do rei ao encarar minha face.
— Por que...? — murmuro em estado de choque.
— Elas ganhavam tanta atenção. Eu quero ser o único a ter o amor do meu povo. — responde Amis com indiferença. — Então, pedi para que os guardas as levassem para o penhasco. Foi muito divertido assistir os gritos estridentes e o som dos corpos se chocando contra as pedras. Uma pena que o choro de seus pais atrapalhou o espetáculo, mas eles também foram convidados a participar.
O meu estômago dá reviravoltas e luto contra a vontade de vomitar. Tudo ao redor começa a girar. Um filete de suor escorre por minha testa. Quando viro o rosto para Lorcan, ele está com o olhar inteiramente focado em mim. Aparentava estar com a frieza de sua expressão, mas eu o conhecia o suficiente para saber que estava preocupado. Os seus lábios se moveram em "aguente firme" antes de retornar o foco ao rei.
— Tudo para ser a única criança amada?
— Não aceito julgamentos, principalmente vindo de alguém que irá trair o próprio rei.
— Ao descobrir sobre o seu possível golpe, acreditamos que poderíamos usar essa informação ao nosso favor. — dizia Roseta.
Ouço o som de Katlyn desabando no chão. Ela havia perdido o seu apoio já que o jovem ao lado havia dado o primeiro passo até o trono. O olhar de Raven estava vazio e, por um momento, questionei se estava diante do próprio diabo.
— Você... Matou aquelas crianças... Por egoísmo? — a voz dele saía intercalada com o ódio. A raiva crepitando em seu olhar. — E as mães delas?
— Tiveram o mesmo fim. — respondia Roseta com um sorriso gentil, contrastante com o que havia em seu coração. — Aquelas crianças eram inúteis, a maioria sequer conseguia empunhar uma faca. É melhor se livrar de bastardos inúteis do que continuar os vendo rastejar pela sociedade.
— Por isso, treinamos os adultos. Eles são mais eficientes. — completa Amis.
Queria vomitar. Não, queria matá-los ali mesmo. A raiva percorreu cada gota do meu sangue que fervia. Fiz menção a se erguer, ignorando todas aquelas correntes e a dor sufocante. Mas a voz de Lorcan ecoou pelo cômodo, como uma ordem direta.
— Contenha-o. Agora!
Apenas percebi que a ordem era para Katlyn quando a vi se levantar, lutando contra os efeitos do veneno, para segurar o braço de Raven com firmeza. Havia medo em seu olhar e, pela primeira vez, encontrei o mesmo sentimento no semblante de Lorcan. Por outro lado, Amis e Roseta trocavam olhares confusos.
— Eu não vou conseguir por muito tempo. — afirma Katlyn. — E ninguém desse reino conseguirá se estiver feito.
A curiosidade surgiu em meu interior. Desejava saber o que "estaria feito" se não pudessem conter o Raven. Ele estava com a cabeça levemente abaixada e as mechas do cabelo cobriam seu olhar. Era impossível descrever que expressão fazia, mas tinha um palpite.
Nada de bom viria à seguir.
— O que deseja? — pergunta Lorcan à contragosto.
Os olhos de Amis se abrem um pouco mais e o sorriso cresce.
— Queremos que matem um assassino perigoso.
Katlyn faz menção a comentar algo, mas só resmunga enquanto usava sua força para puxar Raven para trás. Ela sussurrava em seu ouvido, provavelmente palavras para acalmá-lo.
— Sabem quem é? — o duque questiona. — E se vocês sabem, por que não fizeram isso antes?
Roseta suspira pesadamente com o olhar expressando tristeza. Mas agora me pergunto se é real esse sentimento.
— Ele era um assassino temido por todos no reino. Mas o meu marido era um homem bom e generoso, então não decretou a pena de morte ao capturá-lo. Ele decidiu que o melhor a ser feito era mantê-lo preso no calabouço.
— Mas ele acabou fugindo. — Lorcan deduz.
A mulher balança a cabeça em afirmação.
— Esse homem é um doente que deseja acabar com a paz em Valfem. Não possuímos soldados o suficiente para vigiar todos os cantos do reino. Então, você e o seu grupinho de mercenários irão caçá-lo para nós. — Roseta profere enquanto meneava com a cabeça em direção a uma folha de papel dobrada em cima de uma das mesas. — Pegue um desenho fiel à aparência do assassino e o encontre.
— Tem até o pôr do Sol para trazer a cabeça desse assassino. — comenta Amis com uma frieza assustadora. Ele puxava a minha coleira com tamanha força que acabo caindo no chão, ouvindo sua risada de escárnio. — Senão meu exército irá aniquilar cada pessoa do seu ducado.
Katlyn assente com a cabeça, lançando um olhar significativo para o vilão. Ele permanece estático com a atenção voltada para o rei. A mulher guiava — ou melhor, puxava — Raven para fora do salão depois de murmurar um "nós aceitamos". Lorcan pegava a folha e a colocava no bolso sem quebrar o contato visual com Amis.
— E por que a capturou?
O seu olhar volta-se inteiramente para mim.
— Precisamos de uma garantia. Se decidir fugir, não cumprir o combinado até o pôr do Sol ou avisar aos seus soldados sobre o ataque, ela morrerá. — Amis respondia apoiando o pé em minha cabeça, aproveitando que estou no chão. — Eu e minha mãe sentimos falta de outro espetáculo no penhasco mas, desta vez, seremos generosos. Então, espero que não nos decepcione, Lorcan De'Ath.
O duque nada disse. Ele limitou-se a uma reverência breve e saiu do salão sem olhar para trás, engolindo para si toda a humilhação que passou. Amis, apenas um garoto, provou ser mais cruel do que o próprio vilão da obra.
Estou com um péssimo pressentimento.
— Por que estão fazendo isso? — pergunto quando estamos sozinhos no salão.
Roseta parava na minha frente, abaixando-se para soltar as correntes em meus pés.
— Precisamos nos proteger. Por ser o mais novo rei, os demais querem manipular Valfem para obter vantagens, mas não permitiremos.
— Medidas drásticas precisam ser tomadas. — respondia Amis descendo do trono e olhando de canto para o mordomo. — Leve-a para o porão.
Diante do meu semblante assustado, Rosete murmura em meu ouvido:
— Prometo que nada acontecerá contigo. Confie no potencial do seu amado para encontrar o assassino em poucas horas.
Não duvidava da habilidade do duque, o problema é que minha vida estava em risco. E não sei ele se importaria o suficiente para cumprir o prazo estipulado, principalmente sabendo que eu fui a responsável por passar informações sobre Icarus. O lugar onde Lorcan protegia à todo custo.
***
Ao ser jogada na cela, uma sensação sufocante se apodera do meu interior. Respirar tornou-se uma tarefa difícil. O corpo tremia e suava sem parar. Mesmo liberta das correntes, ainda estava presa entre as grandes. Novamente. O sentimento de ter a liberdade arrancada de si é tão sufocante.
Quando sinto uma mão tocar o meu ombro, seguro-a com força pronta para quebrar cada osso em vários pedaços. Contudo, relaxo a postura ao encontrar um senhor de meia idade usando trapos, sorrindo para mim. Imediatamente, solto a sua mão e dou alguns passos para trás até que minhas costas toquem a parede gélida. Ainda é difícil organizar os pensamentos e sinto que minha mente entrará em colapso à qualquer momento.
— Calma, mocinha. Eu não irei machucá-la.
— Q-Quem é você?
Odeio como minha voz falha, mas é impossível manter a postura. As lembranças na cela do castelo real invadem a minha mente e quase posso sentir o cheiro pútrido daquele lugar, junto com o gosto asqueroso em minha boca. Com muito esforço, luto contra a ânsia.
— Sou Henry Jackson, um dos nobres de confiança do antigo rei.
— O que faz aqui? É algum tipo de criminoso?
O homem tentava rir mas a sua tosse acaba se sobressaindo. Ele sentava em um montante de feno e, ao ver as pernas finas estiradas, questiono-me há quantos dias está sem comer.
— O rei Amis cometeu uma crueldade com crianças e não permitiu que ninguém questionasse suas decisões. Quem ousasse demonstrar o mínimo de insatisfação, teria sua execução em público ou seria mantido preso. Como possuo informações importantes sobre a administração do reino, ele escolheu a segunda opção para mim. — comenta passando os dedos trêmulos entre as mechas brancas do seu cabelo. — É o meu pagamento por comida.
Isso explica o porquê das pessoas parecerem estranhamente felizes, à todo momento nesse reino.
Ando de um lado para o outro, forçando a mente ao máximo em busca de um plano para sair da cela. Não podia esperar por Lorcan. Na verdade, não podia e não devia esperar por ninguém. Se quisesse sair desse lugar repugnante, precisaria lutar pela minha liberdade.
— Esse maldito enganou todos nós, principalmente o duque.
— Quem?
— O duque de Icarus, Lorcan De'Ath.
Ao ouvir o nome desse homem, a postura de Henry se enrijece. Ele se erguia com dificuldade e caminha até as grandes, conferindo se o cadeado estava preso.
— O que está fazendo?
— Garantindo que estarei aqui, sã e salvo quando esse monstro liberar toda a sua fúria.
Solto um longo suspiro, cruzando os braços.
— O rei Amis é bem mais cruel, deveria ter medo dele e não do duque. E por sinal, estou farta das pessoas o chamando de monstro! É inegável que algumas de suas atitudes são moralmente questionáveis, mas não há apenas maldade em seu coração.
O mais velho ria com amargura.
— Esse homem causa massacres em cada guerra que participa, mocinha.
— Porque o rei o obriga a lutar! Que droga!
Estava cansada, mentalmente falando. Não queria ouvir esse homem arrogante falar besteiras sobre o Lorcan sem ao menos conhecê-lo, e também não queria continuar presa nessa maldita cela. Então, retiro um dos grampos do meu cabelo o qual, um dia, o duque instruiu a usá-lo para caso haja uma emergência, e o dobrei. Henry questionou o que eu estava fazendo, mas o ignoro até colocar o grampo na abertura do cadeado.
— Eu vou lutar pela minha liberdade e sair daqui.
— Mesmo que saia da cela, há guardas no corredor. — adverte Henry.
O cadeado se abre depois de algumas tentativas e, em seguida, abro a grade da cela. Agradeci internamente a um dos livros que ensinava como abrir correntes e cadeados. Então, coloco a mão por dentro do vestido, retirando a minha adaga que estava presa na coxa. Quando dou o primeiro passo para fora, olho Henry por cima dos ombros e digo:
— Então, esse será o dia de azar deles. Porque eu não vou cair sem lutar.
Um sorriso torto e de poucos dentes se forma nos lábios do mais velho.
— Você é tão determinada quanto Aloys.
— Quem é esse?
— É o filho mais velho do antigo rei e era meu vizinho de cela.
Não consigo esconder minha expressão surpresa.
— Como assim?
Henry olhava para os lados, suspirando em alívio ao ver o corredor vazio.
— Amis e a sua mãe o trancafiaram nesse calabouço após a morte do pai. Ele é o sucessor legítimo de Valfem. — sussurrava o mais baixo possível. — Aloys aguentou um ano inteiro nesse inferno enquanto discutiam sobre como iriam executá-lo sem deixar rastros. Então, essa semana, ele conseguiu fugir usando um desses seus truques baratos.
Desvio a minha atenção para o final do corredor, pensando sobre as palavras de Henry. Então, arregalo os olhos ao descobrir a verdade. Esse assassino que Amis e Roseta querem ver morto, na verdade, é Aloys. E a estratégia de ambos é plausível. Não há melhor forma de matar alguém sem deixar rastros do que usar os soldados de Icarus, famosos por suas habilidades impecáveis na guerra.
— Lorcan está o caçando agora mesmo...
Henry tossia um pouco antes de dizer:
— Então, Aloys já está morto.
— Não se eu puder impedir! — exclamo com determinação. — Vai ficar trancado aqui?
— É o melhor a ser feito. — dizia fechando a cela quando estou completamente fora. — Amis e a sua mãe irão me matar se souber que fugi. Não tenho toda a energia de você, mocinha, mas desejo que consiga sair desse castelo. E das garras do duque de Icarus também.
Trinco os dentes o fuzilando com o olhar.
— Vai se foder!
Ele piscava os olhos confuso, mas não me dou o trabalho de respondê-lo, correndo pelo vasto corredor.
Como o alertado por Henry, havia um grupo de três guardas no corredor. Eles estavam surpresos com a minha presença, porém não permiti que pensassem por muito tempo. Então, peguei o jarro de flores ao lado e joguei em um deles, vendo-o cair no chão desmaiado. Rapidamente, abaixei o corpo deslizando pelo fino tapete vermelho e dei uma rasteira no segundo guarda, levando-o ao chão. Antes de poder avançar contra seu corpo, sou alvo de um soco no rosto do terceiro, cambaleando para trás.
Mas não deixarei que vençam. Por isso, apoio ambas as mãos no chão enquanto ergo a perna, dando um chute certeiro em seu queixo o fazendo cair. Quando o outro tenta se erguer, golpeio sua nuca o fazendo desmaiar instantaneamente. O terceiro estava com os olhos arregalados, arrastando-se para trás no chão.
— Vocês de Icarus são um bando de demônios!
Poderia contar sobre as pessoas alegres no festival de Aurora ou aquelas ajudadas pelo duque que, também, alimentava um sentimento benevolente em seu coração. Mas depois de ver Roseta e Amis nos manipulando para atingir seus objetivos egoístas, creio que nada o fará mudar de ideia. E foda-se se somos vistos como monstros, eu sei a verdade e é isso que importa.
— Sim. Nós somos.
Com um único chute, consigo nocauteá-lo. Aproveito para pegar a sua espada e corro pelo vasto corredor até chegar na cozinha, surpreendendo-me com o único empregado preparando os pães. Ao me ver segurando uma espada e uma adaga na outra mão, o seu rosto fica tão branco quanto a farinha entre os dedos.
— Piedade, senhorita. Eu juro que nunca machuquei ninguém. — dizia ao se colocar de joelhos.
— Eu não o machucarei. — respondo com sinceridade repousando a espada sobre o balcão. Abro o armário pegando um cacho de uvas e as como o mais rápido possível. Precisava recuperar as energias e me livrar dos resquícios do veneno em meu corpo. — Por que há poucos empregados aqui?
Ele ainda estava de joelhos e pálido quando respondeu:
— Vossa Majestade matou todos que estavam dispostos a dedurar a prisão do príncipe Aloys. Guardas, serventes e até mesmo camponeses foram executados em praça pública como um aviso para que mantivéssemos a sua prisão em segredo.
Cada vez mais, as peças desse quebra-cabeça se encaixavam. Aloys é a peça chave para conseguir retirar esse garoto tirano do poder e desejei que, depois, o levassem urgentemente para a terapia. Uma pena que não exista nessa época, mas creio que Lorcan irá mandá-lo para algum sanatório.
— Você esteve de acordo com isso? — pergunto.
Ele assente com a cabeça.
— Não havia nada que eu pudesse fazer. Precisava me curvar para a vontade de Vossa Majestade.
— Sabe o que eu aprendi no ducado de Icarus, onde todos acreditam ser o verdadeiro inferno? Não curvamos a cabeça para ninguém, exceto para nosso duque, o nosso líder. Então, não seja um covarde. Mesmo que aquele pirralho esteja no poder, mostre que sua opinião também possui valor.
O empregado encarava-me com admiração. Sinceramente, não entendia de onde tirei essa inspiração para tamanhas palavras sábias. A única coisa que veio em minha mente foi a frase de Lorcan "não curve a cabeça para ninguém", usada sempre que minha baixo autoestima resolvia atacar.
Quando estico a mão dentro do armário a fim de pegar uma maçã, encontro um pote de tonalidade transparente com um pó cinza em seu interior. Movida pela curiosidade, abro a tampa e inspiro brevemente o pó, começando a tossir.
— Que... Merda... É... Isso...?
O rapaz erguia-se e limpava as mãos sujas de farinha no avental, antes de dizer:
— É o "remédio" que a senhora Roseta pedia para colocar no chá do seu marido, todos os dias.
— Por... Quanto... Tempo? — questiono ainda tossindo.
— Por mais de dois anos, senhorita.
Pela intensidade dessa substância, já posso deduzir o seu efeito: causar a paralisia gradativa dos pulmões. Tuberculose uma ova, ela envenenou o marido dia após dia. Guardo o pote no armário e prendo a espada na cintura, saindo apressadamente da cozinha sem olhar para trás.
Preciso ser rápida ou Lorcan matará um homem inocente.
***
A adrenalina estava à mil em meu corpo, principalmente após uma troca de socos entre os guardas. Infelizmente, alguns sumiram durante a luta, onde era bem provável que fossem avisar sobre a minha fuga. Porém, esse não era o momento para pensar nas consequências. Ao chegar no salão principal, apoio as mãos sobre os joelhos, ofegante. Antes de dar o primeiro passo em direção à saída, alguém acerta minha cabeça com força fazendo-me cair no chão.
Mesmo dolorida, viro o meu corpo o mais rápido possível desviando de outro golpe. Então, chuto o pedaço de madeira para longe e, em seguida, cravo a adaga na perna do agressor. Ele resmunga de dor dando alguns passos para trás e, ao erguer a cabeça, o reconheço como o mordomo da família real.
— Seu maldito!
Tento me reerguer mas sinto algo gélido em minha cabeça. Cuidadosamente, viro o rosto para o lado identificando Amis e a sua mão trêmula segurando a arma, pressionando o cano contra minha nuca.
— Não há saída, Diane.
E em momentos como esse, só há uma palavra a ser dita.
— Merda.
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