Capítulo 38
O garoto trajava uma calça preta e uma camisa de manga comprida de tonalidade dourada, com desenhos pretos formando espirais. O cinto entorno da sua cintura era cinza com a fivela preta. O cabelo castanho claro bem curto com uma sutil franja colada à testa. Ele precisou dar um leve impulso para descer do trono. Não por causa da altura, já que era relativamente alto, mas sim porque o trono foi criado uns trinta centímetros do chão. A cada passo dado em nossa direção, percebo como as suas expressões são descontraídas como uma verdadeira criança, mas não posso negar a sua postura rígida ao se curvar.
É uma surpresa um rei fazer uma reverência.
— Não é preciso. — comenta Lorcan sem alterar o tom de voz gélido. — Somos convidados.
— Perdão, não sei as regras. É a primeira vez que tenho convidados desde que me tornei rei.
Ele sorria sem jeito coçando a cabeça.
Que fofinho!
Após uma breve reverência, nos apresentamos de maneira cordial. Afinal, sendo uma criança ou não, o garoto à nossa frente ainda era um rei.
— Prazer em conhecê-los. Sou Amis Rilley, rei de Valfem.
— Tão novo assim? — questiona Raven.
Katlyn lança um olhar de repreensão, mas o rapaz ignora. O rei não parece incomodado com sua pergunta, apenas um pouco surpreso.
— Sim. O meu pai acabou adoecendo e faleceu há um ano atrás. E como sou filho único, assumi o trono aos doze anos.
A sua voz oscilou um pouco e ele desviou o olhar para abaixo, como se lutasse contra as lágrimas. Senti um aperto no peito pelo estado do garotinho. Ele passou pela mesma situação que Christian. Na verdade, o seu caso era bem mais sério já que ele não passa de um pré-adolescente forçado a continuar o reinado do pai. Mas quando olhei para os demais, não vi pena em seus semblantes. Todos estavam indiferentes, até mesmo Raven.
O que diabos deu neles? Deviam ter o mínimo de empatia.
Meus pensamentos são dispersos ao ouvir passos. Uma mulher se aproximava, abrindo um sorriso cortês. O vestido preto dela se arrastava pelo chão com delicadeza. O cabelo castanho-claro estava preso em um coque alto. Ela esbanjava uma beleza avassaladora e garanto que não é por causa da maquiagem generosa na sua face, pois escondia apenas algumas rugas nas bochechas.
— É uma honra tê-los em nosso castelo. — dizia fazendo uma reverência com as duas mãos postas frente ao corpo. — Sou Roseta Rilley, mãe do Amis.
Lorcan se limita a um leve balançar da cabeça enquanto eu curvo o meu corpo. Os outros dois não expressam simplesmente nada e não movem um músculo sequer.
— Aposto que a viagem foi cansativa. O nosso mordomo irá guiá-los para os seus quartos. O baile ocorrerá em duas horas. — sorria abertamente, expondo os dentes brancos. — Sintam-se em casa. O reino de Valfem é farto não apenas em armas, como também em alimentos. Caso desejem qualquer prato, basta pedir ao cozinheiro chefe.
— Agradeço. — murmura Lorcan.
Katlyn apenas acena com a cabeça, seguindo em direção ao corredor sendo guiada pelo mordomo. Raven a acompanha mas, antes, olhava de cima à baixo para o garotinho com desconfiança. Amis piscava os olhos confuso e voltava a atenção para mim.
— Não fomos informados sobre a senhorita. É nova na equipe do duque?
— Err.. Eu não...
— Sim. É a nova integrante da minha equipe. — Lorcan o cortava antes de iniciar uma caminhada junto com os demais. — Vamos, Diane.
Assinto com a cabeça.
— Diane é um nome bonito. — comenta Amis dando um passo em minha direção. Preciso abaixar a cabeça para encará-lo nos olhos. — Como é o ducado de Icarus?
— É diferente de tudo o que imaginei, ele... — interrompo a fala ao sentir o olhar ríspido do vilão em mim. Engulo seco e faço uma reverência desajeitada. — Perdão, majestade. Eu preciso ir.
— Tudo bem. Nós conversaremos mais na festa.
Ele acenava sem tirar o sorriso dos lábios e retribuo. Amis é uma pessoa gentil e não parecia pressionado com o cargo que ocupava, apenas triste pela morte do pai. A sua mãe, Roseta, também acenou de maneira cortês.
Enquanto andava pelo vasto corredor, analiso todos os cantos do castelo. É estranho que não haja um empregado sequer durante o caminho.
Quando dou o primeiro passo para o interior do meu quarto, sou puxada para o lado oposto e acabo entrando em outro cômodo. O quarto, aparentemente, era do duque mas fico surpresa ao encontrar os demais. Katlyn tinha um olhar desconfiado enquanto suas mãos estavam apoiadas na janela. Lorcan estava sentado em uma poltrona marrom com as pernas cruzadas e a expressão distante.
— O que me diz? — o duque questiona.
— Tudo parece normal. Normal até demais. — comenta Raven ao soltar o meu braço, adotando uma postura séria. — Eu investigarei durante a festa.
— Por que tamanha desconfiança? — pergunto curiosa. — Vocês acham que o pai dele não morreu?
Lorcan nega com a cabeça.
— A informação é verídica. A notícia da morte do rei Dominic correu muito rápido na época, mas não imaginávamos que uma criança estava no poder.
— Ele é o único herdeiro. Não havia nada que podia ser feito.
Katlyn virava-se em nossa direção com uma expressão de poucos amigos.
— Por acaso, é burra? Não chegamos em território desconhecido e acreditamos em qualquer coisa dita!
As minhas bochechas coram de vergonha. Por mais dura que seja, Katlyn está certa mas a verdade é que não queria desconfiar daquele garoto. Ele parecia estar sofrendo tanto.
— Ficaremos atentos durante a festa. Não comam ou bebam nada que não tenha passado antes na mão de outros. — adverte Lorcan. — E nunca abaixem a guarda.
Nós assentimos e depois seguimos para nossos respectivos quartos. Uma parte de mim queria se virar e perguntar o porquê da frieza assustadora do duque, mas ele evitava contato visual desde ontem. Então, desisti de manter qualquer diálogo naquele momento.
***
Surpreendo-me com o vestido disposto na maçaneta da porta. Após um longo banho, uso o longo vestido de tonalidade azul-escuro de mangas medianas, tocando os cotovelos. As mangas se assemelhavam ao centro do vestido que se abria em um bordado dourado, como uma segunda camada levemente transparente. O decote sutil foi generoso em valorizar o volume dos meus seios, graças ao espartilho apertado. Como sou péssima com maquiagem, passei apenas um pó rosado nas bochechas e um batom neutro. Para finalizar, prendo o cabelo em um coque alto com algumas mechas caindo frente ao rosto. Odeio essa droga de regra para manter o cabelo preso.
Ao sair do quarto, encontro Katlyn no corredor conversando com Raven. Ela trajava um longo vestido verde de seda com o centro totalmente preto, no mesmo modelo que o meu. O seu longo cabelo estava solto, os cachos perfeitamente delineados. Para uma guerreira, ela possuía uma postura delicada como se fosse uma das maiores damas de todo o reino.
Raven ia ao meu encontro com aquele semblante descontraído de sempre. A calça cinza e a camisa azul combinavam com o longo manto preto que usava. Ele ofereceu seu braço e o aceitei, olhando para os lados.
— O Lorcan já está lá em baixo, se é quem está procurando. — sussurra em meu ouvido.
Minhas bochechas adquirem uma tonalidade rosada e opto por ficar em silêncio.
Quando chegamos no salão principal, surpreendo-me com a fartura de alimentos. Havia mais de seis mesas repletas de todos os tipos de comidas e bebidas. Nos cantos do salão, mesas compridas se estendiam para a enorme quantidade de pessoas no salão. Os nobres e os camponeses comiam lado à lado, como se não houvesse nenhuma diferença de classe social nesse reino.
Lorcan encontrava-se em um canto afastado da mesa, trajando roupas pretas e um longo manto vermelho com plumagem branca no colarinho. Katlyn senta do seu lado e Raven me empurra para sentar do outro. O espião murmura algo no ouvido do duque antes de sumir pelo vasto salão.
Um grupo de dançarinas fazia uma bela apresentação. Roseta acompanhava cada movimento das belas mulheres, o sorriso alegre presente em seus lábios. Amis parecia distraído com um dos anéis de ouro em seus dedos, balançado os pés. Quando erguia a cabeça, o seu olhar analisa todas as pessoas presentes até repousar em mim. Ele dava um breve aceno e gesticula para que me aproximasse. Um pouco receosa, levanto-me da cadeira e ouço a voz cortante de Lorcan:
— Não conte nada sobre Icarus.
— Eu não ousaria.
Ele olha para mim com descrença antes de retornar o foco para a dança. Que filho da mãe.
Ao me aproximar do rei, ele pedia para um dos poucos empregados trazer uma cadeira. Depois de tomar um lugar ao seu lado, pergunto:
— Tem algo em especial que queira me falar?
— Queria uma companhia diferente para conversar. Não sinto sinceridade no meu povo, acho que eles só querem me agradar por obrigação.
Desvio o olhar para as pessoas rindo exageradamente no salão.
— Eu duvido muito, majestade.
— Chame-me apenas de Amis. Gostaria que minha amiga não possuísse formalidades comigo.
Abro um sorriso sincero diante de suas palavras. É bom saber que o rei de Valfem me considera a sua amiga, mesmo que sejamos praticamente desconhecidos.
— Há uma pessoa querendo me matar. — ele murmura desconfiado. — Um antigo aliado do meu pai. Ele acredita que não serei um ótimo rei e quer evitar a ruína de Valfem.
Arregalo os olhos, surpresa.
— Por que ele acha isso? Eu vi que seu reino está repleto de fartura.
Ele muda o foco dos nobres para meu rosto, assentindo com a cabeça.
— Eu não entendo. Mas estou com medo, Diane. A minha mãe não dorme há dias fazendo a vigília do meu quarto. Não posso confiar nem mesmo nos guardas, qualquer um pode me trair.
A preocupação é plausível. Por ser uma criança, todos o veem com um alvo fácil de um golpe. Mas era estranho que todos esbanjassem tamanha felicidade, quando há uma fagulha de revolução entre a sociedade.
— O que poderia fazer para ajudá-lo? — pergunto sendo levada pela imensa vontade de reverter essa situação.
Enquanto Lorcan retirava a vida do rei Erick, não pude fazer nada. Então, essa é a chance de me "redimir" por minha falta de coragem.
— Apenas continue aqui. É bom ter uma companhia para esquecer dos problemas.
De fato, não posso fazer muita coisa por um reino que sequer conheço. Por isso, concordo silenciosamente com a sua sugestão, retornando o foco ao grupo de dançarinas. Porém, não demoro muito para encarar Lorcan ao lado de Katlyn. A mulher ria abertamente, estendendo uma taça em sua direção. Ele a aceita com a mesma desconfiança de sempre antes de levá-la aos lábios. Em seguida, ela apoiava a mão em seu ombro sussurrando algo em seu ouvido enquanto um sorriso malicioso se desenhava em seus lábios.
Essa cena causou embrulhos em meu estômago.
— Você está bem? — Amis questiona, preocupado.
— Sim, desculpa ter me distraído.
Ele gesticula com desdém e entrega uma taça de vinho para mim.
— Eu não posso beber, mas odiaria vê-la desanimada.
Sorrio fraco sem mostrar os dentes, inspirando profundamente o aroma do vinho para confirmar se havia algo na bebida. Se bem que é impossível um garotinho fazer isso. Dou nos ombros bebendo em lentos goles enquanto mantenho o olhar focado no salão.
— Você não respondeu a minha pergunta de horas atrás. Como é o ducado de Icarus, Diane?
Demoro alguns segundos para responder, relembrando dos momentos onde passei no ducado e em pessoas como Isaac, Arvid, Tanandra e Mason.
— É um ótimo lugar. O exército não é grande, mas são determinados. As pessoas vivem bem apesar da terra infértil.
Os olhos de Amis enchem-se de brilho.
— Parece um lugar agradável.
— Sim! Deveria ter vindo no Aurora, eu nunca comi tanta comida boa em minha vida!
Os pés do garoto balançavam inquietamente em sinal de ansiedade.
— Da próxima vez, eu irei. Espero que o senhor De'Ath me acolha.
— Eu pedirei para ele te acolher.
Noto a surpresa dançar por sua face.
— Vocês são próximos?
Um filete de suor escorre por minha testa. Nesse momento, busco encarar qualquer ponto aleatório do salão a fim de disfarçar a timidez. Não posso contar da noite passada, mas talvez não esteja exagerando se falar um pouco sobre nossa aproximação.
— Não tanto, mas eu consigo enxergar o seu lado bom.
Um sorriso se forma nos lábios dele.
— Já ouvi os boatos sobre o senhor De'Ath mas ele não me parece assustador. Será que teremos uma aliança sólida? O meu exército é pequeno e mal treinado, mas aposto que se tornariam fortes com a ajuda do duque.
Imagens do rígido treinamento surgem em minha mente, principalmente da corrida pelas bandeiras.
— Garanto que conseguirá ótimos soldados em apenas três meses.
— Nossa! Ele é incrível mesmo!
Amis gesticula para o mordomo se aproximar e sussurra algo em seu ouvido, vendo o mais velho assentir. Em seguida, Roseta se aproxima segurando as barras do vestido e pisando com cuidado nos degraus até parar diante do filho.
— Coma um pouco. Você não comeu nada desde a reunião com os nobres, filho.
Ele suspira com pesar, direcionando o olhar para as próprias mãos.
— Tenho medo de ser visto como um rei impróprio se sair do trono.
Roseta acariciava levemente o cabelo dele, tomando cuidado com sua coroa de ouro.
— Não tenha medo de julgamentos. Você também merece descansar e se divertir.
O sorriso em seus lábios cresce e Amis se despede de mim com um aceno antes de correr até a mesa de doces. Roseta senta-se em seu trono, apoiando ambas as mãos sobre o colo e mantendo o olhar terno sobre o filho.
— Ele é um bom garoto. Amava o pai mais do que tudo e o via como um exemplo. Foi um grande choque quando a doença o atingiu
— Eu imagino. Mas que doença era essa?
Ela suspira pesadamente.
— Os médicos afirmaram que era tuberculose. Eu contratei os melhores médicos de todo o continente mas nenhum foi capaz de salvar a vida do meu marido. O estado já estava irreversível.
Sinto um aperto no peito.
— Meus pêsames.
— Tudo bem, querida. Quando amamos, temos que saber que não é eterno.
Desde que saí do palácio real, não possuía uma companhia feminina para conversar sobre assuntos como o amor. Tanandra preferia falar de batalhas e o treinamento. Katlyn era uma opção impossível de cogitar. Então, sendo movida pela imensa necessidade de falar, viro-me inteiramente em direção à Roseta.
— A senhora o amava?
— Mais do que a minha vida. — respondia encarando-me ternamente. — Há alguém que ame, querida? Eu posso ver em seu olhar.
Mordo fraco o lábio inferior.
— Eu... Eu tenho alguém que é a minha alma gêmea. Mas essa pessoa, às vezes, age como se não se importasse comigo. O que devo fazer?
Roseta apoia a mão sobre o queixo com um semblante pensativo. Ao ouvir outra risada escandalosa de Katlyn, viro o rosto em direção aos dois estreitando o olhar. Lorcan não demonstra nada além da seriedade costumeira, mas às vezes permitia que a mulher tocasse seu ombro.
— Se ele é a pessoa certa, estará contigo em todos os momentos. — comenta Roseta quebrando o silêncio que se estendeu por breves segundos. — E não se preocupe, o duque parece bem receptivo perto da senhorita. Tenho certeza que a mulher ao seu lado é apenas uma amiga.
Instantaneamente, minha atenção volta-se para Roseta com os olhos arregalados. Ela pensa que eu estou falando do Lorcan?
— O que?! Não, não! Não é do Lorcan que eu esto-...
— Não precisa mentir para mim. A forma como o olha já diz o quanto ele é especial para você. — sorria abertamente erguendo-se do trono e dando um aperto solidário em meu ombro. — Eu desejo que sejam felizes.
Ela saía em passos lentos sem ao menos ouvir minha resposta. Por outro lado, estou estática ainda com as suas palavras ecoando em minha mente. Por que ela achou que falei do Lorcan? Nós não parecemos um casal.
Desisto de refletir sobre o ocorrido e retorno para o meu assento ao lado do duque. Ele sequer olha em minha direção, apenas empurra um prato de comida. Entendo que não possui veneno e a como em silêncio, tentando ignorar a voz enjoativa de Katlyn.
— Espero que não tenha dito nenhuma informação comprometedora. — Lorcan sussurra discretamente.
— Espera! Não confia em mim?
O duque nada demonstra, mantém o olhar focado na dança no centro do salão. Katlyn o chamava para dançar mas era ignorada com sucesso. Ela bufa em frustração e, à contragosto, aceita a dança de um dos camponeses, retirando-se da mesa.
— Eu te ajudei naquela reunião suicida em Cartelli e também estou dando duro no treinamento na base militar. — digo entre dentes, sem esconder a raiva. — Eu mereço, ao menos, seu voto de confiança!
— Eu devo confiar na apaixonadinha pelo rei Christian e que foi incapaz de ver como ele a tratava de maneira superprotetora? — ele questiona virando o rosto em minha direção. Pela primeira vez desde a noite passada, Lorcan parece ter notado a minha presença. — Ou melhor, como preferiu dançar com uma empregada insignificante do que com você no último baile?
As palavras dele atingem-me em cheio. Por um momento, permaneço em silêncio processando tudo o que o duque falou.
— Eu abri mão da última dança com Christian porque um certo alguém foi covarde demais em admitir que enviou os malditos bolinhos para o meu quarto! E eu precisava de respostas, droga!
As mãos do vilão, apoiadas em cima da mesa, se fecharam com força. Posso ouvir o som do couro se contraindo por causa da aproximação. O maxilar de Lorcan está trincado e seus olhos fervilham em um misto de raiva e receio.
— Você só foi ao labirinto porque queria respostas?
— E se for por causa disso? Importa em algo? Eu duvido muito. E mesmo que importe, tenho certeza que você e o seu dom de ignorar a minha existência serão úteis.
Lorcan abre a boca para responder, mas me levanto da cadeira bruscamente ignorando os olhares em nossa direção. Jogo o guardanapo sobre a mesa saio do salão em passos apressados, chegando em um corredor estreito e pouco iluminado. Ouço passos atrás de mim e fecho os punhos com força. Quando viro o corpo para questionar quem era, o homem colocava-me contra a parede entre seus braços fortes. O movimento dele era tão preciso que sequer percebi quando estava próximo o suficiente. O seu olhar intenso era uma mistura de intimidação com cautela. É como se ele não quisesse me assustar.
— O que quis dizer com "ignorar sua existência", Diane?
Um calafrio percorre minha espinha pela forma como meu nome é proferido, firmemente, por seus lábios. Os nossos rostos estão próximos e as respirações se misturam, tornando-as uma só.
— Vai negar que está fingindo que a noite passada nunca aconteceu?
O seu corpo se retrai. Um empregado passa pelo corredor, ouvindo a minha fala com um olhar assustado e murmurando "cada um com seus casos secretos".
— E o que você queria? O melhor a se fazer é ignorar toda aquela droga sentimental, isso não combina comigo. — respondia rispidamente com um olhar gélido focado em meu rosto. — Você pensou que o Christian enviou os bolinhos, certo? Ele sempre foi a sua primeira e única opção. Não importa o que eu faça, nunca pensarão que fui capaz de fazer algo bom pois, no fundo, todos, inclusive você, sabem que eu sou um monstro.
Tento contestar dando um passo em sua direção, mas ele vira o rosto para o lado, fechando fortemente os olhos.
— Então, eu deveria considerar a noite passada como um momento onde vê algo a mais em mim? Poupe-me, Diane! Nada irá mudar e eu não serei tolo em acreditar que algu-...
Toco o seu rosto e, instantaneamente, a fala some dos lábios do homem. Ele abria os olhos voltando a me encarar com uma expressão indecifrável, mas suspeito que seja surpresa.
— Desculpa não ter pensado que foi você. Mas como eu poderia se a mesma pessoa que entregou um bolinho, também apontou uma adaga para mim? Três vezes, por sinal! — exclamo sem conter a risada ao lembrar dos momentos. — Eu nunca tive a chance de agradecê-lo por eles, certo? Pois bem, obrigada. Estavam deliciosos.
O duque resmunga em resposta. Rio mais ainda ao vê-lo sem jeito, por mais que não admita. Lorcan não treme com meu toque como das primeiras vezes, pelo contrário, o seu corpo relaxa como se fosse algum tipo de terapia.
— Você estava irritada demais. O que diabos deu em você? — ele pergunta e dou nos ombros.
Nem eu mesma sei.
Lembro-me do seu momento com Katlyn e como a maldita não parava de dar investidas desconfortáveis no homem. Contenho um revirar de olhos, pois ele não entenderá. Sem ao menos perceber, acabo pedindo:
— Quero um abraço.
Ele pisca os olhos, confuso.
— Você bebeu?
— Um pouco.
Lorcan respira fundo dando um passo para frente, encurtando a nossa distância. O meu coração batia aceleradamente em sinal de ansiedade. Porém, ele se afasta ao ouvir passos no final do corredor, virando o rosto para a silhueta do outro lado.
— Desculpa, eu não queria atrapalhar vocês. — Roseta comenta sorrindo sem jeito. — É que queria convidá-los para o brinde do rei.
O duque estala a língua no céu da boca, saindo do corredor em passos apressados. Roseta dava uma breve piscada para mim, sorrindo de canto e sinto as bochechas esquentarem. Ela deve pensar que tivemos uma DR e nos reconciliamos.
***
Mesmo não podendo beber, Amis fez um brinde aos convidados. O coitado tropeçou nas palavras, rindo de puro nervosismo. O que mais surpreendente é que todos sorriam, sem julgar o erro do rei. Okay, isso está estranho. Raven retornou para a nossa mesa, confirmando que não havia encontrado nada suspeito.
Conforme as pessoas saíam do palácio, Amis e o seu mordomo os acompanharam para a saída. Roseta sentou-se do outro lado da mesa e puxou assunto com o nosso grupo. Como estava sem ânimo, apenas fico em silêncio observando a conversa enquanto beberico o vinho.
— É tão difícil ser mãe de um rei. Bem mais do que esposa. — ela admite com um longo suspiro. — Há pessoas ruins querendo machucar o meu filho e sinto um enorme desespero em não poder fazer nada à respeito.
— Eu entendo. Uma mãe deve proteger o seu filho à todo custo. — Raven comenta atraindo minha atenção. O seu tom de voz está suave e, ao mesmo tempo, profundo como se esse fosse um assunto delicado. — É a forma de amor mais bela de todas.
Discretamente, cutuco Lorcan ao meu lado. Ele inclinava a cabeça com o olhar ainda direcionado à mulher.
— Por que sinto que o Raven ficou mais emotivo?
— Quando o assunto envolve maternidade, ele age dessa maneira. Depois contarei o motivo.
Balanço a cabeça em afirmação. A conversa está tão desinteressante que bocejo. Os olhos ficam pesados e bebo um pouco mais do vinho, lutando contra o sono. Melhor lavar o rosto, senão vou dormir aqui mesmo.
Levanto-me e faço uma breve reverência.
— Com licença, eu irei ao-...
A fala morria aos poucos conforme, lentamente, o meu corpo ia ao chão. A última coisa que visualizo é o sorriso de Roseta que expressava satisfação.
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