Capítulo 35
Cravei a lâmina no solo, assim não caí completamente dentro do buraco. Infelizmente, precisava contar com a minha força física para sair dessa situação. Alguns grãos de terra haviam caído em meu rosto e corpo. As nuvens cinzas se aglomeraram no céu e, logo, a chuva começou a cair com brutalidade. Cada parte de mim pulsava de dor mas busquei forças para erguer lentamente o corpo, usando a espada como apoio para sair do buraco. Não podia demorar muito, pois seria questão de tempo para a areia se tornar lama e, assim, perderia a estabilidade.
Não podia desistir. Imaginei que semblante Lorcan faria se eu aparecesse com uma bandeira. Ele sentiria orgulho? Ou melhor, será que eu seria preenchida por essa sensação radiante de orgulho de si mesma? Estava cansada de nunca chegar ao meu limite com medo do que pensariam. Eu sou uma soldada de Icarus e, por isso, o limite era desconhecido para mim.
Quando apoiei o braço para fora do buraco, empurrei o restante do corpo para fora e rolei no chão. A lama sujou minha roupa e meu cabelo, mas ignorei esse detalhe insignificante. O soldado ao meu lado, recuperando parte do fôlego, comentou:
— Tudo por uma bandeira?
Por um momento, havia esquecido desse "joguinho" do exército. A minha força para continuar seguindo em frente não tinha nenhuma relação com uma simples bandeira. Algumas lágrimas escorriam por minha face, misturando-se com a chuva. Lentamente, ergui o corpo segurando com firmeza a espada. Lancei um olhar demorado em direção ao soldado antes de pegar a bandeira, prendendo-a em minha cintura.
— Tudo para saber se valia a pena. Saber se eu valo a pena.
Então, dei continuidade à corrida apressando os passos enquanto tomava cuidado com a lama. Em movimentos precisos, arrancava os galhos da minha frente avançando cada vez mais em direção à saída. Porém, dei um passo errado torcendo o pé e caindo no chão. A lama banhou completamente meu corpo, principalmente o rosto. Limpei a sujeira com as costas da mão, erguendo-se aos poucos até sentir um objeto entre os galhos secos. E naquele momento, os meus olhos se arregalaram.
Não pode ser.
***
Havia caído em outras três armadilhas ao retornar pelo caminho anterior. Encontrei Mason e Tanandra ao redor de vários soldados feridos. Eles pareciam bem, tanto que conversavam animadamente entre si. Quando fiz menção a se aproximar, ambos negaram com a cabeça e apontaram para o horizonte. Entendi aquele recado silencioso e apressei os meus passos.
Agilmente, desviei das flechas sendo jogadas em minha direção. Em seguida, dei outro mortal desviando de um buraco escondido. Saltei sobre uma corda antes que ela pudesse prender o meu pé e, assim, havia alcançado o topo da floresta. A chuva havia parado e tive uma melhor visão da base, bem como de outra bandeira cercada por cinco soldados. Eles estavam tão exaustos quanto eu mas não era momento de sentir pena.
Esse era o momento de agir.
Avancei aproveitando a guarda baixa deles, golpeando-os com os meus pulsos. Os dois primeiros desmaiaram ao serem atingidos em pontos fracos. Dei um chute na barriga do soldado, fazendo-o recuar antes de chutá-lo com toda a minha força. Os outros dois pararam ao meu lado, prontos para gastar suas últimas energias na novata machucada. Mas seria burrice enfrentar um oponente mais forte. Por isso, passei por entre as pernas de um deles, correndo até alcançar a banheira. Então, acabei impulsionando o corpo para frente caindo na cama e rolando ladeira abaixo. Alguns galhos cortaram mais ainda meus braços e a lama seca junto com folhas já estavam enroscadas em meu cabelo solto.
Quando meu corpo parou de girar como uma bola de neve, sequer conseguia se mover. Cada músculo do meu corpo pedia por um descanso. Com muita dificuldade, ergui a cabeça encontrando o portão da base militar.
Mas a minha atenção se voltou para o par de botas à minha frente, quase tocando meu rosto.
Lorcan estava com o olhar gélido focado em mim. Njal encontrava-se ao seu lado, expressando uma surpresa desconhecida. E suspeito ter sido por causa do meu estado. O corpo cheio de cortes, o cabelo desgrenhado com folhas e a lama banhando minha pele. Um braço abaixo do copo, escondido, enquanto o outro estava estirado completamente machucado. Havia um corte nada discreto em minha barriga e no canto do meu lábio. E ainda assim, ofegava como um animal selvagem pronto para atacar qualquer um em meu caminho. O olhar felino e afiado focado nos dois homens.
— Não me diga que pegou uma bandeira? — pergunta Njal, descrente.
— Não. Eu peguei todas as cinco.
Então, mostro o braço que estava escondido abaixo do corpo, onde segurava fortemente as cinco bandeiras. Com muito esforço, encontrei todos os esconderijos delas e as furtei sem pensar duas vezes. Após jogar as bandeiras aos pés do duque, abri um sorriso de canto mal conseguindo manter os olhos abertos.
O duque virou o rosto para Njal, proferindo:
— Agora entende o porquê a aceitei como minha soldada?
O outro apenas assentia, engolindo seco.
Lorcan ignorou os olhares confusos e curiosos em nossa direção, ajoelhando-se diante de mim. Ele erguia o meu corpo com uma delicadeza inesperada. O duque passou o meu braço por cima dos seus ombros e a outra mão repousa em minha cintura, apertando cuidadosamente a região. A lama sujava de maneira superficial o seu sobretudo, mas o homem não se importava. Os murmúrios continuam até todos receberem um olhar rígido de Njal, calando-se imediatamente.
Mesmo tendo sofrido por causa de boatos, não consegui me importar. Não quando aqueles olhos azuis pareciam um oceano calmo, afastando qualquer preocupação.
— Você odeia ser tocado. — afirmo. — Não precisa fazer isso.
O duque piscou os olhos, um pouco surpreso. Ninguém sabia desse detalhe e, estava tão atordoada por causa da corrida das bandeiras, que sequer controlei a língua.
— É verdade, eu odeio. Mas odeio mais ainda não poder ajudá-la, Diane.
Encontro-me sem palavras, sentindo embrulhos no estômago. Penso ser as malditas borboletas mas jogo a cabeça para o lado, vomitando todo o meu café da manhã. Pacientemente, o homem esperava que eu terminasse para continuar me guiando para o interior da base sob os olhares de todo o seu exército. Era a primeira vez que presenciavam um ato de carinho de seu líder.
— Você foi incrível. — ele sussurra em meu ouvido.
Novamente, meu estômago se revira ao mesmo tempo que o coração bate mais rápido. Desta vez, a sensação é boa e reconfortante.
***
Após um demorado banho retirando toda a lama, vesti um segundo uniforme e me dirigi para a enfermaria. Por ter demorado lavando o cabelo, todos já haviam cuidado dos seus ferimentos e feito as malas. Tentei perguntar à Tanandra o motivo, mas ela estava tão preocupada em procurar o seu cobertor favorito que sequer respondeu. Então, manquei em direção à enfermaria da base, encontrando Lorcan vasculhando algumas gavetas.
— Mas o que...
— Sente-se. — ordena sem olhar para mim.
Obedientemente, sento na cama resmungando de dor. Os cortes mais profundos não paravam de sangrar e meus músculos estavam insuportavelmente doloridos. O duque retornava com um baú de madeira com os remédios, deixando-o ao meu lado. Ele pegava um pedaço de algodão com alguma pomada natural, passando suavemente por meu cotovelo exposto. O homem permanece em silêncio enquanto dava leves "batidinhas" no local, espalhando o remédio. No começo, a região arde mas logo estou focada em como seus olhos azuis possuem um brilho ameno nesse momento.
Para um homem que travou as mais sangrentas batalhas, ele sabia ser amável.
Quando menos espero, Lorcan quebra o silêncio fazendo-me ter um leve espasmo surpresa.
— Alguns soldados contaram que você os tratou na floresta. Tem conhecimento de medicina?
Umedeço os lábios, apreensiva. O duque mantinha o olhar focado nos machucados, mesmo quando sua mão subia para o meu ombro.
— Muito pouco, apenas o suficiente para tratar machucados superficiais.
— Houve boatos de que você ajudou aquele camponês que foi torturado por mim.
Engulo seco e balanço a cabeça em concordância.
— Você ajudará nos feridos de guerra à partir de agora, Diane.
— O que?! — exclamo ignorando qualquer regra de formalidade. — Não, não. Isso é uma grande responsabilidade, Lorcan!
— Não estou pedido.
Mordo o lábio, apertando fortemente a maca. O olhar de Lorcan desce para a minha mão por uma fração de segundos.
— Eu não consigo, Lorcan. O que eu fiz com o camponês foi sorte, apenas isso.
— Sorte não cura pernas quebradas e cicatrizes profundas.
Suspiro com pesar, passando a mão entre as mechas soltas e molhadas do meu longo cabelo.
— Christian disse que eu não deveria me arriscar novamente salvando pessoas, pois era perigoso.
— Para ele, tudo que foge do seu controle é perigoso. — responde com amargura, pegando a folha de alguma erva e a amassando. — Coloque-a em sua boca.
— O que isso faz? — pergunto um pouco assustada.
— Faz você ficar calada e parar de questionar.
Estreito os olhos em sua direção, mas é impossível intimidar esse homem. Lorcan segura com firmeza meu rosto, pressionando minhas bochechas com os dedos. Em seguida, colocava a folha entre meus lábios e retorna ao cuidado dos machucados nos braços. Provavelmente, a erva era algum tipo de anestésico, pois boa parte da minha dor some em um ritmo gradativo.
— Como sabe tanto sobre medicina? — digo de boca cheia.
O duque lança um olhar de repreensão antes de responder:
— Eu precisei aprender desde pequeno.
E acabei encontrando outro ponto de semelhança entre nós dois. Assim como eu, Lorcan também aprendeu a se cuidar quando era uma criança, já que não tinha nenhuma figura materna ou paterna para ajudá-lo. Desde o começo, sempre era ele e a sua velha amiga: a solidão.
— Você é realmente incrível, Lorcan...
O homem piscava brevemente os olhos, como se tivesse escutado errado. Para ser sincera, também estava surpresa com minhas próprias palavras. Um silêncio desconcertante se inicia, deixando-me inquieta. Mas só precisava respirar fundo que logo tudo voltaria ao normal.
— Tire a roupa, Diane.
Olho para ele totalmente incrédula, retirando a folha anestésica da boca. Lorcan ajeitava a postura cruzando os braços sobre o peito e arqueando a sobrancelha, em um recado silencioso de "estou esperando". O meu rosto já estava vermelho e posso jurar que o coração sairia da boca. As mãos começaram a ficar suadas e a respiração desregulada. A forma como aquelas íris azuis me atingiam eram tão intimidantes que temia ver a reação dele se encarasse o meu coração. Se visse todas as minhas inseguranças.
O que eu faço? Será que tem problema tirar uma casquinha do vilão? Céus, ainda lembro das mãos dele apertando minha cintura. Como será a sua pegada na hora do sexo? Pelo cosmo, Natasha! Controle-se.
Ele não moveu um dedo sequer, esperando que obedecesse seu pedido. Era estranho querer algo assim no meio da enfermaria. Deve ser algum fetiche.
— Eu preciso tratar do seu ferimento na barriga. — ele completa.
Senti como se tivesse tomado um banho de água fria. Solto uma risada de puro nervosismo, vendo a confusão dançar por sua face. Okay, o vilão me acha uma maluca e eu me acho uma tarada.
Em minha mente, repetia diversas vezes "é apenas para cuidar dos ferimentos" para diminuir a insegurança. Então, abro os botões da camisa branca para, em seguida, retirá-la. Lorcan pegava uma pomada transparente de um pote de madeira e a passava em minha barriga, em cima do corte feito verticalmente por uma espada. A pomada é gelada, o cheiro de babosa, e o seu toque, mesmo por cima da luva, causa cócegas. É impossível controlar a pequena crise de risos.
Não esperava me sentir confortável nessa situação, mas relaxei meu corpo quando percebi que Lorcan, em nenhum momento, olhou para além da ferida.
Enquanto ria, balançava os pés sem controle algum e acabo dando um leve chute na barriga do duque. Imediatamente, travo o meu corpo sob o olhar ríspido do vilão.
— Desculpa. Juro que foi sem querer.
Lorcan apoiava ambas as mãos ao meu lado, deixando-me presa entre seus braços fortes enquanto inclina levemente o corpo para frente. Os nossos olhares fixos um no outro, uma mistura de azul com avelã. E em meio à toda a tensão, lembro da cena do chute, deixando escapar uma breve risada.
— Desculpa, sério. Eu não sei o que deu em mim.
— Você sempre é assim? — ele pergunta.
— "Assim" como?
— Sorridente e idiota.
Como sempre, o vilão sendo tão delicado quanto o coice de um cavalo. Por um instante, fico sem palavras e brinco com os meus dedos que estão repousados sobre o colo.
— Você que não faz muitas expressões, Lorcan.
— É desnecessário.
Bufo em resposta. Ele é sempre tão sério e inexpressivo, como se fosse um robô programado para ser rude e matar. Contudo, acabo lembrando da primeira expressão diferenciada feita pelo homem e, sendo levada pela curiosidade, pergunto:
— Quando eu estava no jardim e o agradeci, você me pareceu surpreso.
O silêncio perdurou por longos segundos. Ousei erguer o olhar para encarar a expressão do duque, surpresa em como parecia tão distante.
— Aquela foi a primeira vez que alguém disse "obrigado" para mim e sorriu. — admitia desviando o olhar para o lado. — Passei a vida inteira ouvindo apenas pedidos de desculpas, ofensas e olhares assustados. Mas nunca vi gratidão e alegria. Não até encontrar você.
Quando Lorcan voltava a atenção para mim, engole seco ao notar minha expressão surpresa. Por um momento, esqueci como respirar. Esqueci até mesmo quem eu era. Nunca imaginei que o duque se sentia dessa forma. Lentamente, estico a mão e toco suavemente os seus lábios com a ponta dos dedos. O maxilar dele se retrai e a respiração fica mais pesada. O seu cheiro amadeirado inebriou os meus sentidos, deixando-me atordoada. Mal percebo quando comento baixo:
— Eu queria ver o seu sorriso.
Tenho essa curiosidade boba. Desde o começo, escrevi o vilão como uma pessoa séria e incapaz de sorrir. Ao lembrar de alguns trechos do seu passado, imagino que sorrisos tenham sido extremamente raros em sua vida. Porém, ao conhecê-lo de perto e ver que não era completamente uma rocha sem sentimentos, uma vontade inexplicável de vê-lo sorrir desabrochou em meu peito. Talvez a costumeira curiosidade ou uma singela vontade de saber se ele poderia ser feliz. Se alguém poderia fazê-lo sorrir.
O duque permaneceu em silêncio, descendo o olhar para os meus lábios. O seu corpo se aproximou em um ritmo lento e também me inclino em sua direção. A mão dele repousou em minha bochecha e estremeci com o toque do couro sobre a região. A verdade é que queria sentir o calor da sua pele contra a minha.
Quando a distância é quase inexistente, a porta da enfermaria é aberta de forma brusca. Tanandra estava paralisada, a boca em formato de "O" e a mala em sua mão.
— Desculpa atrapalhar.
— Terminei. — Lorcan comenta guardando a pomada no baú e me olha de canto. — Esteja na carruagem em cinco minutos.
Dito isso, saía da enfermaria em passos pesados. Diante do sorriso malicioso da ruiva, ergo as mãos em sinal de rendição.
— Não fizemos nada!
Ela olha para o meu rosto vermelho, a camisa em um canto da maca e a forma como mordia nervosamente os lábios. Tanandra se limita a rir por alguns segundos até dizer:
— Faça sua mala. Os soldados estão retornando para suas casas para o Aurora.
— Aurora?
— É uma das festas mais importantes de Icarus.
Desço da maca, vestindo a minha camisa e passando pela mulher com o olhar focado no chão. A vergonha queimava cada centímetro da minha face. Ela me acompanha até o quarto sem tirar o sorriso presunçoso dos lábios.
— Tem certeza que não quer me contar o que houve entre vocês, Diane?
— Ora, não aconteceu nada!
— Ainda.
Fuzilo a ruiva com o olhar, antes de entrar no quarto ao som de sua risada estridente.
***
Durante toda a viagem, lidei com uma angústia em meu peito. Enquanto estava no castelo real, fui alvo de todo tipo de humilhação por causa de meras especulações dos serventes. Porém, na base da Icarus, todos os soldados haviam visto como o duque me tratou de uma maneira diferenciada. O meu corpo tremia ao me imaginar revivendo todo aquele inferno, apertando com força o banco da carruagem.
— Você não devia ter feito aquilo. — murmuro vendo o olhar confuso lançado em minha direção. — Ter me ajudado na frente de todos. Agora, eles...
Engulo seco abaixando a cabeça. Lorcan inclinava levemente o corpo para frente, apoiando os cotovelos nas coxas bem torneadas. As longas mechas de seu cabelo deslizavam suavemente por seus ombros enquanto o seu olhar intenso está focado em minha face. Pelos demorados segundos em silêncio, deduzo que esteja interpretando as minhas palavras. Faço menção a explica-las, mas o duque é mais rápido.
— Ninguém irá julgá-la, Diane.
— Como pode dizer com tanta certeza? — questiono elevando um pouco o tom de voz, ousando encará-lo diretamente nos olhos. — Não quero acabar em outra cela por causa de um bando de escrotos!
É errado agir assim com um nobre, mas não consigo conter a fúria. Estava cansada de ficar de cabeça baixa e apenas concordar. Às vezes, sinto-me no direito de impor minha opinião.
Para a minha surpresa, Lorcan não parecia prestes a cometer um assassinato. Pelo contrário, havia aquela calma assustadora em sua face.
— Eu tornarei a dizer: "Ninguém irá julgá-la".
— Por que diz isso?
Desta vez, suavizei o meu tom de voz. Ainda estava irritada ao relembrar de tudo o que eu passei no castelo, mas esses malditos olhos azuis acalmaram parte da minha fúria.
— A maior parte das pessoas de Icarus vieram da capital, expulsas ou perseguidas por causa do antigo rei. Assassinos, ladrões, prostitutas e vítimas de injustiças que buscam uma segunda chance foram abrigadas em meu ducado. Não há julgamentos em Icarus, porque faz parte de uma das regras daqui.
Pisco os olhos, surpresa.
— É uma lei de Icarus não julgar os outros?
— Sim, a punição é uma multa alta e dez chicotadas nas costas em público.
Estou dividida entre admiração e medo com essa informação. É difícil definir como eu me sinto em relação às atitudes de Lorcan. Ele parece fazer a bondade em atos tão minuciosos que passam despercebidos, mas todos notam quando comete alguma crueldade. De certa forma, éramos alvos de julgamentos e não tínhamos o direito de defesa.
— Eu ainda tenho medo... — admito. — Os soldados querem tanto o seu reconhecimento e estão dispostos a fazer qualquer tipo de loucura por ele. E eu acabei atraindo atenção indevida.
O duque assente de maneira breve.
— Eu sei. Mas eles também foram ensinados a valorizar o esforço alheio. Mesmo que tenha nocauteado ou machucado alguns soldados, eles ainda prestarão respeito à você. Em meu exército, a rivalidade só pode estar presente nas missões e nos treinos. Fora dessa situação, há o respeito mútuo. E eu garanto que cada soldado daquela base respeita a mulher que, sozinha, conseguiu as cinco bandeiras.
A tensão em meus ombros some. O olhar fixo ao dele conforme, lentamente, regulava a respiração. Há poucos minutos atrás, estava à beira de um ataque de pânico ao lembrar do que houve na cela. E em um piscar de olhos, já estou mais calma apenas com essa conversa com o duque. Ele estava certo, não podia negar. Tanandra se esforçou muito em cada treino e, mesmo assim, não se irritou porque a "novata" chamou atenção de todos. Pelo contrário, ela estava orgulhosa.
Acabo lembrando dos olhares surpresos e orgulhosos dos soldados conforme era guiada de volta para a base. Não havia um pingo sequer de julgamento em suas expressões.
— Não preciso temer, certo?
O homem balança a cabeça em afirmação.
— Você disse que eu fui incrível. Poderia dizer novamente? — brinco enquanto um sorriso de canto se forma em meus lábios. — Talvez eu tenha ouvido errado.
Lorcan estala a língua no céu da boca, retornando a apoiar as costas no banco da carruagem. Ele estreita os olhos em minha direção, falando de maneira ríspida:
— Não abuse do meu humor. Quando retornar para a base, direi para Njal dobrar o seu treinamento.
A ameaça é assustadora mas só consigo rir em resposta. A expressão do duque se suaviza ao perceber que não estou mais com o olhar cabisbaixo. Em seguida, ele volta a sua atenção para a paisagem, mantendo-se calado no restante da viagem. Por outro lado, revivo em minha mente o momento onde coletei as cinco bandeiras.
A emoção a dançar em meu peito era diferente do medo. Ela era calorosa e inquietante, como uma pequena fagulha saltitando em meu coração. Sozinha, havia enfrentado um bando de malucos com armadilhas dispostas por toda aquela vasta floresta. Tanandra e Mason me ajudaram, é claro. Mas boa parte do esforço foi um mérito unicamente meu. Essa tinha sido a minha conquista.
Então, uma lágrima teimosa escorreu pelo cantodo meu olho ao perceber que, pela primeira vez em minha vida, sentia orgulho demim mesma.
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