Capítulo 30
Após uma longa semana de recuperação, havia melhorado quase por completo. Então, decidi que já era hora de sair daquele quarto. Coloquei um longo vestido vinho com um cordão dourado ao redor e prendi o cabelo em um rabo de cavalo. As sapatilhas da mesma tonalidade que a roupa estavam dispostas no canto do quarto. Eram confortáveis e novas. Havia uma maquiagem rústica em cima da penteadeira e aproveitei para passar um pouco de pó rosado na região das bochechas e um sutil batom nos lábios.
Chega de ficar parada. Eu preciso começar a agir.
Por muito tempo, fiquei parada deixando a trama me guiar. Porém, se continuar com essa linha de pensamento comodista, serei morta em pouco tempo. Depender da proteção de Christian estava fora de cogitação, tanto por estar longe de sua supervisão quanto por perceber que ele só ergueria um dedo para ajudar a protagonista. E enquanto não conseguisse destaque para ocupar esse lugar, precisaria me manter segura com minhas próprias mãos. Se bem que, agora, acho que posso contar um pouco com Lorcan.
Ao descer as escadas, dirijo-me para a sala de refeições encontrando a vasta mesa com todo tipo de comida, principalmente frutas. Lorcan estava acomodado na cadeira da ponta enquanto gesticulava para a pessoa em pé ao seu lado.
Torci para não estar atrapalhado algum momento importante quando adentrei na sala.
— Bom dia. — murmurei um tanto sem jeito.
O duque me olhou de canto, balançando suavemente a cabeça. É o máximo de um "bom dia" que receberei. Porém, a figura até então de costas se virou, analisando-me de cima à baixo.
O rapaz tinha uma expressão tão jovial que não deve passar de seus vinte anos. O cabelo curto, tocando um pouco acima da orelha, e preto com brilhantes fios lisos. Havia algumas mechas brancas na frente, propositadamente pintadas para dar um "diferencial" à sua aparência. Os olhos em um azul tão claro que se assemelhavam ao branco. É como se flocos de neve tivessem moldado a cor de suas íris. E talvez ele pertencesse mesmo ao inverno, pois sua pele era tão pálida como se nunca tivesse conhecido a luz do Sol.
A sua roupa era simples. Uma calça de montaria preta colada às coxas torneadas, camisa branca de manga comprida com boa parte dos botões abertos, dando-me a visão do peitoral definido. Ele usava botas pretas de cano longo e um cinto de couro que envolvia sua cintura se estendendo para as pernas, rodeando as coxas. Em seu cinto, havia o mais variado tipo de facas e adagas.
— Você! — ele exclama apontando para mim. A sua voz é relativamente suave, comprovando minhas suspeitas sobre sua idade. — É a garota que tentou me matar!
Pisco os olhos confusa. Desvio a atenção para Lorcan que parece mais entretido com as uvas do que com nosso diálogo. Ao retornar o foco no rapaz, analiso o curativo em seu braço e meu rosto perde a cor.
— Você... É o espião... Que...
— Sim. Nós lutamos naquele dia, lembra? Ah, você foi ótima para uma iniciante!
O mais surpreendente era o rapaz falar sobre o ocorrido com um largo sorriso, como se fosse uma criança contando sobre suas brincadeiras com os amiguinhos. Ele se aproxima apoiando a mão sobre o peitoral, fazendo uma breve reverência. Não deixo de notar algumas cicatrizes em seus dedos.
— Esse é Raven. Ex-tenente do meu exército e atual soldado oculto.
— Espião. — corrige o mais novo. — Odeio todo esse eufemismo para suavizar o meu cargo. Não preciso disso, Lorcan.
Raven era ousado em responder o duque dessa forma. Mas bastou um olhar rígido do vilão que senti os ombros do rapaz se encolherem, seguido por um pedido baixo de desculpas. Logo, o espião retornava o foco para mim e seu sorriso renasce.
— Quando contei à Lorcan sobre os seus golpes, ele soube imediatamente de quem se tratava. E recebi a ordem de não a matar. Que raro!
Lorcan inspirava profundamente como se solvesse a raiva entorno de si e engulo seco. Raven não percebe, sentando-se na outra ponta da mesa e gesticulando para que eu me sentasse também.
— Qual o seu nome, garota?
— Diane. — respondo tomando um lugar na cadeira do meio, virando o rosto em direção ao duque. — Depois gostaria de falar com o senhor.
Ele assente silenciosamente. Pego um pedaço de pão e levo-o à boca.
— Vocês dois estão juntos? — Raven pergunta.
Engasgo com o pão e bebo rapidamente a água ao meu lado. Lorcan lança um olhar de advertência para o rapaz que dava nos ombros, saboreando uma maçã.
— É que não temos uma companhia nova há muito tempo. — o espião se justifica, tirando uma faca do coldre para cortar a maçã em uma pequena fatia. Ele a puxava da ponta da faca com os dentes. — Espera! Você é a prostituta que a Katlyn estava falando?
— Essa pode ser a sua última refeição, se não controlar a língua. — adverte Lorcan em um tom tão gélido quanto o sopro da morte.
Eu e Raven nos encolhemos em nossos assentos.
— Perdão, eu não quis ofendê-la. Foi um grande erro meu dar ouvidos à Katlyn. Quando ela está irritada, fala mais do que deveria. — ele dizia abaixando a cabeça em minha direção, como um pedido de desculpas. — E qualquer um com sua determinação para lutar, merece todo o meu respeito.
Sorrio fraco sem mostrar os dentes.
— Tudo bem. Só não use essa palavra, não suporto mais ouvi-la.
— Eu imagino. Os boatos começaram no castelo, certo? — questiona e balanço a cabeça em afirmação. Ele levava outro pedaço da maçã aos lábios e comenta de boca cheia. — Se quiser, posso decapitar os responsáveis. Ninguém fala mal de uma convidada nossa.
O meu rosto deve ter ficado pálido, pois Raven empurrou uma banana para mim murmurando algo sobre a falta de nutrientes e a necessidade de uma alimentação adequada.
— Não... Não precisa decapitar ninguém.
Até porque eu pretendo voltar para lá. Não posso abandonar o Christian.
— Creio que não tenha vindo apenas para comer de graça e nos incomodar. — pontua Lorcan, mudando o assunto.
Raven gesticula com desdém dando uma risada breve. Contudo, sua expressão fica séria em um piscar de olhos e acabo me surpreendendo com a mudança súbita de humor. Ele alterna o olhar de mim para o duque em uma confirmação silenciosa, se deveria contar o que sabia. O vilão assente de maneira sutil.
— Estive viajando para fazer uma visitinha aos nossos aliados. O rei de Cartelli está um tanto quanto relutante para firmar a aliança com a gente. Ele disse que não negocia com homens que mandam recados.
— Ele quer uma conversa pessoal comigo. — deduz o duque. — Pensei que sua ameaça tivesse bastado.
Espera, eles querem formar alianças na base em ameaças? São um bando de loucos.
O espião levava outro pedaço da maçã à boca. Opto por comer em silêncio, mas atenta à cada palavra de ambos.
— Você irá?
— Sim. E o farei se arrepender de exigir essa reunião exclusiva.
Diante das palavras do vilão, o sorriso de Raven torna-se sombrio e um calafrio percorre a minha espinha. Algo dizia que não poderia me deixar levar pelo jeito descontraído do rapaz, porque ele mataria qualquer um à sangue frio. Bastava uma única ordem e talvez até mesmo Njal, com todo o seu tamanho e áurea intimidadora, recuaria de medo.
— Eu posso ir? Quero me divertir um pouco. — comenta Raven devorando um pedaço em pão em poucos instantes. Lorcan nada comenta, levando a taça prata aos lábios. Diante do silêncio, o espião voltava a sua atenção à mim. — Você irá também?
A minha garganta fica seca e sinto um leve tremor por meu corpo.
— Eu...
— Vá imediatamente para o reino de Mandrariam, confirme a sua participação na guerra e depois vá ao reino de Valfem para pressionar o rei a se aliar à nossa causa o mais rápido possível. — comenta Lorcan com rispidez, gesticulando em direção à porta. — Rápido. Não temos tempo à perder.
O espião resmunga baixo mas acata a sua ordem, levantando-se com um salto. Ele pegava duas maçãs as escondendo dentro da camisa antes caminhar até o meio da mesa. Raven segurava a minha mão, depositando um beijo no local erguendo o olhar para fitar meu rosto surpreso.
— Foi um prazer conhecê-la, Diane. Se o lerdo do Lorcan não conseguir dar um passo adiante, saiba que a minha cama sempre estará disponível para você.
A minha boca está em formato de "O" enquanto Raven dava uma piscada maliciosa. Ele se afastava diante do olhar mortal do duque e acenava para mim antes de sair da sala. O meu rosto está tão quente que é bem provável que esteja fazendo cosplay de tomate. Discretamente, olho de canto para o vilão e o vejo apertando o garfo com tanta força que o metal se contorce.
Okay, melhor ficar calada.
O restante do café da manhã foi um completo silêncio desconfortável. Mas não reclamei por ter aproveitado para comer um pouco de tudo até minha barriga doer. Quando o duque terminava a refeição, limpando o canto da boca com um guardanapo de pano, comento:
— Christian disse que o senhor pode treinar um soldado em seis meses.
O seu olhar intenso recai sobre mim, ajeitando a postura na cadeira.
— Ele está mentindo. Posso criar um soldado em três meses.
E nada como um pouco de arrogância de antagonista para começar bem o dia. Repouso as mãos sobre a mesa, respirando fundo antes de comentar:
— Então, poderia me treinar? Eu quero me tornar uma soldada. De verdade, desta vez.
Pela primeira vez naquela manhã, os olhos de Lorcan cintilaram em divertimento e curiosidade.
— Estava esperando por esse pedido.
***
O meu corpo mal podia se manter de pé. Lorcan havia dado inúmeras rasteiras ou chutes em momentos de distração. Ao menos, consegui desviar de alguns golpes mas perdia o equilíbrio logo em seguida. Ele não se importou com as limitações do meu corpo em recuperação e pegou pesado todas as manhãs por uma longa semana. Às tardes, treinava montaria com o responsável pelo estábulo. Polar relinchou em agrado quando retornei para visitá-la. E confesso que senti falta da minha égua.
Isaac surgia ao final do dia para preparar o meu banho e se despedia com um afetuoso beijo na bochecha. Arvid xingou até minha terceira geração quando soube do meu treinamento. O sonho dele é participar do exército mas, por não possuir idade o suficiente, só poderia treinar de maneira superficial com os outros adolescentes.
Na segunda semana, uma carruagem surgiu na porta do castelo e uma empregada explicou que o duque exigiu que o restante do meu treinamento fosse na base militar de Icarus. O meu estômago se embrulhou e tentei contestar, mas Arvid surgiu me empurrando para dentro da carruagem.
— Aproveite essa chance, sua idiota! — ele exclama cruzando os braços. — Quando retornar, tenho certeza que não vai andar por aí com os ombros encolhidos e a cabeça baixa.
Isaac guardava a mala e surgia na janela da carruagem, acenando com um sorriso triste.
— Eu sentirei falta de você. De todos vocês, na verdade. — comento segurando o rosto do rapaz com ambas as mãos e retribuindo o seu sorriso. — Cuide do Arvid.
— Eu não preciso de cuidados!
Rio diante do seu protesto. O maldito do Lorcan nem estava presente. Havia viajado de última hora para outro reino, a fim de "conversar" com seus aliados.
— O senhor de De'Ath irá me treinar lá também?
Isaac nega com a cabeça e é o garoto ao lado que responde:
— O treinamento inicial dos soldados não é feito pelo nosso senhor. É o seu comandante o responsável por testar os limites dos novatos e garantir a sobrevivência dos mais fortes.
Engulo seco enquanto meu rosto perde a cor.
— Como assim "sobrevivência?"
Mas o cocheiro já iniciava a viagem puxando a carruagem de uma vez. Arvid tinha um sorriso travesso em seus lábios em um sinal de "boa sorte, você vai precisar". Por outro lado, Isaac acenava como uma criança agitada. E só pude torcer para ser o forte o suficiente para vê-los novamente.
***
Eu já havia me arrependido do meu pedido no mesmo instante em que estava no campo de treinamento, usando o típico fardamento do exército de Icarus. A maioria dos soldados possuíam a minha idade e havia mulheres no meio. Elas tinham expressões tão sérias e assustadoras que, automaticamente, encolhi os ombros. Njal caminhava na frente do batalhão com as mãos ao lado do corpo e punhos fechados. A sua pele levemente bronzeada reluzia por causa do Sol.
— Seus merdas! Onde está a determinação no olhar de vocês? — ele gritava tão alto que os meus nervos tremeram. — Um guerreiro sempre mantém a cabeça erguida, mesmo diante da morte!
Todos gritam um "sim" em uníssono, ajeitando a postura e batendo os pés. Sigo o movimento deles com certo receio de errar.
— Fora dessa base, todos querem a cabeça de vocês. Há reis que pagariam para prender suas cabeças de merda na frente de seus acampamentos. E sabe o melhor? O desgraçado do nosso rei pagaria o dobro.
Arregalo brevemente os olhos. Njal estava mentindo, incitando o ódio entre os soldados para se voltarem contra o rei de Velorum. Por mais que quisesse contar a verdade à todos, escolhi o silêncio como a resposta mais sábia.
— Mas ninguém aqui irá permitir que continuem apostando nossas vidas, não é? — vociferava recendo outra resposta positiva de seus soldados. — Isso mesmo! Não somos covardes e faremos todo o maldito mundo reconhecer nossa força!
Os soldados gritavam como um bando de bárbaros até receber um olhar sério de seu líder. Imediatamente, eles se encolhiam esperando as ordens de Njal.
E assim iniciou o treinamento.
Ou Njal não me reconheceu naquela noite ou simplesmente não se importava com isso. Ele sequer olhava para mim enquanto proferia seus comandos em um tom ríspido. O treinamento tinha início às cinco da manhã com uma corrida de duas horas e, após o café da manhã, tínhamos uma passagem árdua de golpes. De certa forma, lembrava-me dos treinos com o duque. Eu acho que ele já estava me preparando para isso.
Diferente do esperado, os soldados não me trataram com hostilidade. Pelo contrário, eles admiraram a minha coragem de enfrentar o castelo em que passei metade da vida servindo. Então, com algumas conversas entre as refeições, descobri que todos possuíam divergências com o antigo rei ou suas famílias sofreram na época da última guerra, onde os impostos eram altos.
— Eu não sei como o povo da capital puxa saco do rei de merda que temos. — comenta um dos soldados durante a corrida matinal.
Viro o rosto em sua direção, franzindo o cenho confusa.
— Mas o rei de Velorum não ajuda o ducado de vocês?
Todos ao meu redor riem e sinto as bochechas esquentarem de vergonha.
— De onde tirou essa ideia? — questiona uma mulher ao meu lado. O seu curto cabelo ruivo balançava com graciosidade conforme corria. — Desde que o pai do senhor De'Ath cumpriu o seu trabalho na última guerra, que estamos à mercê da sorte.
— Do seu filho, melhor dizendo. — corrige outro soldado. — Não sabe da história da guerra, mocinha?
Nego com a cabeça, apressando os passos para poder acompanhá-los. Os meus pulmões queimam, mas inspiro profundamente recusando-me a desistir.
— O rei Erick e o senhor Sirius lutaram juntos em uma terrível guerra há 20 anos atrás, onde alguns reinos próximos decidiram derrubar Velorum para usar as terras para lucro próprio. Antes disso, o rei não queria nem saber do duque por causa da péssima fama que o rodeava. — ele explicava com o olhar focado no horizonte. O suor escorrendo por sua pele negra e brilhante. O homem havia se apresentado naquela manhã como Mason, filho de um ex-cavaleiro de Icarus. — Mas ele era o único capaz de ajudar o reino a vencer. As duas últimas batalhas foram desastrosas, é o que meu pai comentava. Muitos moradores decidiram fugir da capital e se abrigar em locais mais seguros.
— A maioria procurou abrigo em Icarus, mas o senhor Sirius negou. — completa a mulher. — Durante a guerra, o rei e o senhor Sirius se tornaram amigos. E há boatos que contam sobre uma amizade do filho entre os dois, por mais impossível que seja.
Não é impossível. Eu criei a amizade dos dois, mas não tinha imaginado um motivo para a aproximação de ambos. Pelo visto, acabei descobrindo uma razão convincente.
— E o que aconteceu depois da guerra? — pergunto.
— O duque levou seu filho para a propriedade no Sul. As más línguas comentam que o senhor Lorcan voltou pior do que o próprio diabo. — murmura um soldado atrás da gente. Era nítido o medo em seu tom de voz. — Outra guerra aconteceu mas em uma menor proporção contra um pequeno reino pirracento. No final das contas, o senhor Sirius morreu e o rei Erick manteve o filho dele por perto, como o fiel guarda costas do príncipe Christian.
O outro soldado ao meu lado estalava a língua no céu da boca.
— Guarda costas? Nós sabemos que o rei Erick usava a influência de Lorcan e o seu exército para nos obrigar a ir em guerras. Derramamos sangue em nome de Velorum e sabe o que recebemos em troca?
— Uma chuva de vaias. — responde a ruiva e o seu olhar torna-se sombrio. — As pessoas queriam nos expulsar, proibir que pisássemos os pés na sagrada terrinha deles.
— Por isso, Lorcan fechou definitivamente as fronteiras de Icarus. Ele alegou que somos capazes de viver sem a ajuda de ninguém. Para sobreviver, nós trabalhamos como mercenários pelas costas do rei e o dinheiro adquirido serve para manter o ducado em boas condições.
Okay. Acabei de receber uma bomba de informações valiosas.
A conversa com o vilão durante a coroação de Christian veio em minha mente. Ele disse que as únicas pessoas que conheciam a verdade de Velorum estavam em Icarus. E agora tudo fazia sentido. Apenas os seus soldados que lutaram na guerra ou aquelas famílias que sofreram na mão do rei, e foram acolhidas pelo duque, sabiam o quão Erick foi cruel. Por um tempo, acreditei que o pai de Christian era um homem bondoso e humilde.
Agi como uma idiota ao julgá-lo antes de conhecer. Na verdade, estou vendo que julgamentos antecipados com base no que eu criei estão fora de cogitação. Não estou em Velorum como uma obra minha, e sim como um mundo completamente independente e repleto de pessoas dos mais variados tipos.
— Que longo treino. — murmuro ao final do dia, encostando-me em uma das pilastras.
A ruiva, que durante a corrida se apresentou como Tanandra, se aproximou parando ao meu lado. Nós duas admirávamos o pôr do Sol em silêncio até ela questionar com sua voz firme:
— Como conseguiu entrar no ducado? O senhor De'Ath não permite estrangeiros.
Contar que havia sido salva pelo duque estava fora de cogitação. Duvido muito que Lorcan aprove a ideia de seu ato generoso ser espalhado por todos.
— Eu sou daqui. A minha mãe, Annabeth Scarbrough, serviu à família do duque.
Os olhos de Tanandra quase saltam das órbitas.
— Você é filha da Annabeth? Uau!
Nesse momento, estou com um semblante igualmente surpreso enquanto olho em sua direção.
— Você a conhecia?
— Claro. Quase todos em Icarus conheciam a gentil mulher que serviu à família De'Ath. Os meus pais são mercadores e já estiveram no castelo para debater questões financeiras com o antigo duque. Em algumas dessas reuniões, eu era levada e tive a oportunidade de conhecer sua mãe. Ela era a pessoa mais gentil do mundo.
Um sentimento estranho se manifesta em meu peito. Nunca recebi nenhum comentário positivo sobre minha mãe ou sequer recebi um olhar de ternura por ter uma figura materna importante. E mesmo assim, sentia como se estivessem falando de uma mãe que eu realmente tive.
— Sim, ela era. Eu sinto falta da minha mãe. — comento abaixando o olhar. — Mas sei que era impossível lutar contra a doença.
A ruiva suspira com pesar.
— Eu sei que todos comentam sobre a doença, mas creio que não seja verdade. Pelo menos, não por completo.
— Como assim?
Ela permanece alguns instantes em silêncio, provavelmente ponderando se era uma boa ideia contar o que sabia.
— Ela foi vendida pelo senhor Sirius para servir à família real. Depois que seu pai morreu após lutar bravamente na guerra há vinte anos atrás, Annabeth não possuía ninguém forte o suficiente para protegê-la. Por isso, virou um alvo fácil do antigo duque.
— Por que o rei a comprou?
— Porque muitos empregados fugiram durante a guerra. Ninguém confiava no potencial de Velorum e, mesmo após a vitória, acharam seus novos lares mais aconchegantes. O rei Erick pediu para cada um dos seus nobres de confiança enviar três empregadas para servir à família real. Em troca, diminuiria os impostos sobre as suas terras.
Umedeço os lábios retornando o foco ao Sol que, gradativamente, sumia nas colinas do horizonte.
— A minha mãe... Ela estava grávida quando foi enviada?
Tanandra franzia o cenho, claramente confusa.
— Grávida? Não. Pelo o que me disseram, você tinha entorno de oito anos quando ambas foram mandadas.
E isso confirmava as minhas suspeitas. Annabeth engravidou enquanto estava no castelo, então ela deve ter se envolvido com algum dos guardas ou...
Balanço a cabeça afastando o pensamento. Não é hora de suposições precipitadas e arriscadas.
— Entendo... — murmuro com o olhar distante. — É que eu ando meio esquecida ultimamente.
— Eu imagino. Faz muito tempo que vocês foram enviadas. Eu nunca imaginei que a veria de novo, principalmente se descobrissem que era de Icarus. As pessoas na capital não são muito receptivas com a gente.
Ao recordar do interrogatório de Jonnathan, a forma como os serventes e a senhorita Hopkins me trataram e o abuso sofrido por aquele maldito nobre, só me resta balançar a cabeça em concordância.
— Mas é bom estar de volta ao lar...
Não tinha certeza da veracidade das minhas palavras. Diane pode ter nascido aqui, mas eu não considerava o ducado de Icarus o meu lar. Estava deslocada em meio à essas pessoas de passados obscuros e sofridos.
— Nunca tive a oportunidade de ser sua amiga, mas vejo que as estrelas foram generosas em trazê-la sã e salva para cá. — Tanandra comenta apoiando a mão em meu ombro. O seu sorriso é sincero e as bochechas cheinhas possuíam um leve tom rosado. Um efeito da corrida exaustiva sob o Sol. — Espero que possamos ser amigas, Diane.
Algo dentro de mim se agitou. Um sentimento caloroso de aconchego. Involuntariamente, apoio a minha mão sobre a sua e retribuo o sorriso.
— Eu também espero, Tanandra.
E por um momento, realmente me senti em casa.
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