Capítulo 28
Cherly e Martha respeitaram o meu silêncio durante a semana inteira. Nós conversávamos apenas o básico antes de me recolher para o quarto, onde sequer se despedia de maneira adequada. A conversa com Christian continuava a ecoar em minha mente. A forma como fui tratada como segunda opção... Ou melhor, como sabia que sequer havia sido considerada uma opção. A confusão sentimental dele era algo superficial, logo escolheria Alene. Se depois de todo o meu esforço para conquistá-lo, não consegui garantir estabilidade em seu coração, bastava uma palavra de conforto da ruiva para tomá-lo inteiramente para si.
Eu não era uma guerreira, mas sabia quais guerras travar. E essa era uma guerra perdida.
Por mais que quisesse chorar, engoli o sentimento sufocante pois não queria ser alvo de comentários desagradáveis. A maior parte dos serventes parou de implicar comigo, já que o foco era em Alene que adquiriu o título de "queridinha do rei". Ela também era amiga de Martha que a defendeu com unhas e dentes, assim como fizera comigo. Porém, era sempre a palavra ríspida de Christian que colocava todos os empregados em seus devidos lugares.
Ao menos, ele a defendia com maior afinco.
Nos horários vagos, treinava arduamente os golpes aprendidos com Lorcan. Depois de horas dando socos, chutes e rasteiras invisíveis no ar, jurei ouvir sua voz grossa ordenando outra sequência de golpes. E um arrepio estranho percorreu o meu corpo.
— Como é o ducado de Icarus? — pergunta Cherly sentando-se debaixo de uma árvore, observando a minha passagem de golpes. — Muitos escravos e mortes?
— Não. Icarus é um lugar extremamente agradável.
Ela pisca os olhos em sinal de incredulidade, engasgando com a fatia de melão que comia.
— Sim, eu reagi da mesma forma. — comento rindo ao mesmo tempo que giro o pé no ar, executando um chute quase perfeito. Ou, pelo menos, aceitável. — São pessoas isoladas que têm medo de descumprirem as regras impostas pelo duque, mas não vivem na sombra do medo. Elas seguem suas vidas normalmente, apesar de terem ciência das punições severas que a cercam.
Cherly imitiu o que seria um murmúrio de aprovação, dando uma mordida considerável na fruta. E mesmo com a boca cheia, questionou:
— O duque a machucou?
— Fora o treino? Não.
Mais uma vez, minha amiga engasgava com o melão e considerei seriamente arrancá-lo de sua mão antes que morresse por asfixia.
— Por que continua treinando, Diane? Pensei que sua missão como espiã tivesse acabado.
— E acabou, mas não queria ficar parada. — admito apoiando as mãos nos joelhos, recuperando o fôlego aos tropeços. — Não quero depender de ninguém. Não mais.
— Mas eu acho tão belo quando um lindo cavaleiro carrega a princesa em seus braços, libertando-a da torre amaldiçoada.
— Acho que ficou bem claro de que não sou uma princesa. — respondo com rispidez, lançando um olhar sério em direção à minha amiga. — Para boa parte do reino, eu não passo de uma puta.
Não havia suavidade em minha voz. Depois de tanto ouvir essa palavra, ela saía com naturalidade dos meus lábios. Houve um momento em que quase as tomei como verdade, mas lembrei de uma pequena parte de mim que ainda possuía amor próprio. Recuperei esse mísero fragmento quando estava em Icarus, onde fui tratada como uma pessoa digna.
— Que metade de Velorum vá à merda se te acham isso. — comenta Cherly erguendo-se e dando leves tapinhas no vestido. Ela encurtava a nossa distância, apoiando as mãos em meus ombros. — Para mim, você se provou ser mais digna de respeito do que qualquer princesa.
O sorriso a estampar em meus lábios foi o mais sincero depois de duas semanas após o ocorrido com Christian. Cherly envolveu os braços em mim abraçando-me com carinho e não tardei em retribuir, escondendo as lágrimas ao afundar o rosto na curva de seu pescoço. Não havia chorando desde então, mas talvez ceder essa muralha sentimental diante da minha amiga não fosse uma má ideia. Em Velorum, estou aprendendo que não preciso ser forte para sempre, não quando podia contar com outras pessoas.
— Eu poderia te ensinar a lutar também... — murmuro ao se desvencilhar do abraço. — Ou pedir para Lorcan ensiná-la.
Ela negou com a cabeça diversas vezes, voltando a se sentar na grama.
— Gostaria do meu pescoço intacto, Diane. E não acho que conseguiria sobreviver se passasse um dia com o duque.
Mas sabia que não era verdade. Lorcan tinha a capacidade de decapitar pessoas e as torturar, ao mesmo tempo que era possuidor de um abraço tão quente e aconchegante. Infelizmente, precisei guardar a minha opinião pessoal, até porque Cherly não parecia inclinada a acreditar em nenhum comentário positivo referente ao homem.
— Você é tão medrosa. — brinco ouvindo a sua risada nada discreta.
— Sou uma pessoa precavida, apenas isso.
Dou nos ombros e retorno à sequência de golpes, desviando de socos imaginários.
— Que luta interessante. Diane versus o ar. — ela dizia ironicamente. — Eu aposto que a primeira lufada de ar te derruba.
Em resposta, mostrei um gesto vulgar com o dedo que fez Cherly rir exageradamente. Então, ela se acomodou na grama observando-me lutar até que a exaustão percorresse cada centímetro do meu corpo.
— Eu vou tomar um bom banho. — resmungo iniciando uma caminhada para o interior do castelo. — Não vem?
— Preciso fechar o estábulo. — indica com o queixo para a construção de madeira do outro lado do campo onde treinava. — Mas depois irei acompanhá-la no banho.
Aceno positivamente com a cabeça e retomo o caminho, jogando as mechas suadas para trás. Conforme avançava pelo corredor, uma figura rígida trajando um longo vestido azul-escuro de gola alta me aguardava. A coluna ereta e as expressões tão sólidas quanto uma pedra. Os olhos marcados por anos de experiência focaram em mim e, instantaneamente, um calafrio percorreu o meu corpo.
— Olá, senhorita Hopkins. — digo com uma breve reverência. Desde o baile, ela parou de me perseguir mas a sua calmaria era perigosa. Muito perigosa. — Em que posso ajudá-la?
A mulher nada disse apesar de seu olhar quase atravessar meu corpo em uma onda de ódio. Ela apenas acenou em um gesto sutil com a cabeça para a figura atrás de mim. E sequer pude identificá-la quando uma pancada certeira atingiu minha cabeça. A escuridão me envolveu ao mesmo tempo que meu corpo ia ao chão.
***
Quando abri os olhos, tudo ao redor girava. A minha cabeça ainda latejava no local da pancada, algo molhado e gelado roçava em minha bochecha. Um cheiro desagradável instaurava-se pelo local, fazendo o café do meu estômago se revirar. Podia ouvir vozes ao fundo e estreitei os olhos tentando reconhecer as duas figuras do outro lado. A postura da mulher era a sua marca registrada, mas queria saber com quem a senhorita Hopkins falava. O homem de roupas marrons e cabelo amarrado para trás gesticulava apontando em minha direção. Os dois sequer desviaram o olhar, como se imaginassem que ainda me encontrava inconsciente.
As vozes estavam distantes mas podia ouvir frases desconexas, como "se livrar dela" e "no meu interrogatório, ela...". Sentei no chão gélido com dificuldade, limpando a água suja do meu rosto com as costas da mão. O som de passos ecoou pelo ambiente até sumir de maneira gradativa. Quando recuperei os sentidos por completo, apenas a senhorita Hopkins se encontrava presente.
— Onde eu estou...? — a minha voz saiu rouca, as palavras arrastadas por causa da garganta seca. — O que você fez?
Então, analisei o lugar onde estava. A cela em que haviam me prendido. As grades firmes, grossas e com um espaçamento mínimo. As paredes eram rochas escuras, a umidade criou musgos em sua superfície. O cheiro era tão insuportável que tapei o nariz e cobri a boca, torcendo para não vomitar.
— Bem vinda ao calabouço no subterrâneo do castelo. E o que eu fiz? O necessário para manter a ordem no reino. — ela comenta inexpressiva. As mãos apoiadas nas costas e a cabeça erguida em sinal de arrogância. — O antigo rei se envolveu com empregadas demais. Não podia permitir que Christian cometesse os mesmos erros do pai.
— Como assim?
— A sua mãe era a concubina do rei, como deve saber. E tenho certeza que você estaria mais do que honrada em seguir seus passos trepando com o rei Christian.
Pisco os olhos repetidas vezes, totalmente incrédula. A mãe de Diane tinha um envolvimento direto com o rei Erick, o que explica o porquê dele me reconhecer quando visitei o seu quarto pela primeira vez. Mas por que sinto que ainda há algo por trás dessa história?
— Eu não sou esse tipo de pessoa. Nunca usaria o Christian para adquirir vantagem e, pelo o que eu saiba, minha mãe morreu sendo uma empregada.
A senhorita Hopkins dava nos ombros com desdém.
— Graças à alguma chantagem fajuta feita por ela, o rei proibiu de te expulsarem desse castelo desde a morte da sua mãe. Mas isso não importa, o passado não é para ser relembrado.
— Pretende me prender aqui para sempre?
— Claro que não. Você estará livre para sair quando... — um sorriso sombrio se formou em seus lábios. — Admitir que é a concubina do rei. Admitir publicamente que estava tentando seduzi-lo para obter vantagem. Assim, terei permissão para expulsá-la do palácio. Você segue sua vida dando para nobres e eu garanto que a futura rainha seja digna desse reino.
Não havia palavras para descrever o meu estado de choque. Por tanto tempo, aguentei todos os tipos de humilhação mas isso iria destruir qualquer chance de ter dignidade. Ela queria me ver de joelhos diante de todo o reino, admitindo algo que não era verdade. Não se tratava apenas de ser expulsa do castelo, mas sabia que vivia em uma sociedade inteiramente machista. Então, um bando de homens imundos podiam fazer o que quisessem com meu corpo e ninguém iria interferir.
— Você é maluca... — murmuro incrédula. — Acha mesmo que ninguém notará a minha ausência? Essa é a vantagem de ser tão falada no castelo.
A sua risada amarga causou calafrios por meu corpo. A governanta podia assustar o próprio diabo, bastava lançar um de seus olhares apáticos. Ela deu um passo, quase tocando a ponta do nariz empinado na grade.
— As suas amigas e o próprio rei Christian receberam uma carta sua, afirmando que estava retornando para a sua casa, o ducado de Icarus.
O brilho afiado de seu olhar se intensifica diante da minha expressão de surpresa. Com dificuldade, fico de pé caminhando em sua direção em passos lentos.
— Como sabe que...
— A informação veio de uma fonte de confiável.
O comentário dela confirmou minhas suspeitas. A senhorita Hopkins e Jonnathan estão trabalhando juntos para se livrar de mim. Quando pensei que Lorcan era o único vilão que deveria me preocupar, outros miseráveis faziam suas jogadas às escondidas.
E por falar nele...
— Então, deve saber sobre o Tratado de Corvus. Você não pode me ferir, a menos que deseje enfrentar a fúria do duque.
— Acha mesmo que devo temer aquela aberração? Após você admitir ser uma vadia descartável, nem mesmo um tratado patético poderá te proteger. Sabia que o duque odeia o seu tipo? Ele não a acolherá, então só lhe restará continuar se prostituindo para nobres. Desta vez, pelas ruas de Velorum.
O desespero fluía por cada parte do meu corpo. Agarrei as grades com força, a respiração desregulada e um fio de suor escorregando pela testa.
— Não... Você não pode! Isso é tão injusto. Eu nunca te fiz nada. Nunca machuquei ninguém... — comento sentindo os olhos arderem. — Eu te imploro, deixe-me ir. Prometo não ser um incômodo para ninguém.
— A sua existência sempre será um incômodo. E eu estou disposta a arruiná-la para garantir que Christian se case com a bela filha de algum nobre.
As lágrimas escorriam por meu rosto. O nó dos meus dedos ficava branco por causa da força usada para pressionar as grades.
— Naquele dia, fui mandada para a casa do senhor Rudson porque...
— Ele iria confirmar os boatos. Eu pedi para que espalhasse para todo o reino sobre como você o serviu na cama. Era uma forma menos drástica de lidar com o problema, mas o problema decidiu matá-lo.
— Ele ia me estuprar!
— Tolice. Tenho certeza que você estava fazendo mais algum joguinho de sedução. — dizia com desdém iniciando uma caminhada para fora do corredor. — Aguardo ansiosa pelo momento em que admitirá a verdade para todos.
— Vá para o inferno! Nunca vou admitir esse absurdo!
— Vamos ver até quando seu corpo e sua mente aguentam.
Antes de poder lançar algum xingamento, a senhorita Hopkins já havia sumido no corredor. E tudo que pude fazer foi soltar um grito de pura raiva e tristeza.
***
A noite foi a pior de todas. Mesmo sem nenhuma janela, o local era frio por causa das pedras úmidas. Não havia nada além de um montante de feno que usei como cama, encolhendo-me o máximo possível enquanto batia os dentes. Pela manhã, o fedor tornava-se mais intenso. Depois de três dias, já podia sentir o "sabor" pútrido em minha língua. Os lábios começaram a rachar e mal podia implorar por ajuda, pois todas as noites gritava até arranhar a garganta.
Mas ninguém aparecia.
— O pessoal desse castelo é maluco. — comenta um guarda jogando o seu cantil para dentro da cela. — Não diga à ninguém que eu te ajudei. Não quero ser perseguido por essa velha maluca.
Sequer pude murmurar um agradecimento. A voz havia sumido por completo. Arrastei o meu corpo com a pouca força que restava em meus braços para alcançar o cantil. Ignorei qualquer norma de etiqueta quando bebi a água em longos golpes, molhando parte da roupa com as gotas que escorriam para fora.
Não era o suficiente mas o guarda prometeu buscar um pouco mais no outro dia.
— Você é realmente a amante do rei?
Neguei com a cabeça, fraca demais para dar um argumento convincente. Ele teria que acreditar no meu silêncio.
— Suspeitei que não. Sabe, eu conheci a sua mãe antes de morrer. Ela era uma pessoa alegre mas parecia um pouco dispersa, principalmente durante a gravidez do segundo filho.
O meu olhar caído foca no guarda. A falta de água prejudicou o processamento da minha mente, mas a informação foi dita de maneira clara. Então, pude refletir sobre as suas palavras enquanto me arrastava para o montante de feno.
Há algo muito errado acontecendo em Velorum.
Naquela mesma noite, recuperei uma parte significativa das minhas forças e gritei o mais alto que meus pulmões aguentaram. A voz retornou aos meus ouvidos em um eco contínuo. Infelizmente, não recebi nenhum sinal de resgaste mas sabia que era questão de tempo para Christian me encontrar. Se bem que não posso me basear na determinação dele quando salvou a Alene.
No outro dia, bebi a água em goles lentos para apreciar o líquido, recuperando minha força vital.
— Preciso que diga ao rei que estou aqui. — afirmo devolvendo o cantil vazio para o guarda. — Ele virá imediatamente me soltar.
— Eu não posso me envolver. A governanta está começando a desconfiar das minhas vindas frequentes à prisão subterrânea.
— Não pode estar com medo dela.
— Não deveria? Ela tem contatos poderosos, pode ordenar a minha decapitação em um estalar de dedos.
Suspiro em desistência. Podia ver o medo tilintar naqueles olhos e, como escritora, sabia quando um personagem havia alcançado o seu limite de "atitudes nobres". Além do mais, como uma mera secundária, não podia exigir que contribuísse comigo. Não quando a minha importância naquele reino retornou à estaca zero.
— Como o rei está? — murmuro apreensiva.
O guarda olha para os lados, certificando-se de que o corredor estava vazio. Então, retorna a atenção para o meu rosto pálido e as olheiras profundas.
— Ele me parece triste. O rei Christian passa maior parte do tempo em seu trono, onde o seu conselheiro o entrega frequentes relatórios sobre a situação de Velorum.
— Apenas isso? Ele não pergunta sobre mim?
— Até perguntou no primeiro dia, mas se calou diante da sua carta.
Sinto a garganta seca mesmo tendo bebido água recentemente. Diante do meu semblante apático, ele acrescenta:
— O seu olhar é de quem espera uma pessoa importante. É bem provável que ele esteja à sua espera.
— Ele acha que vou me arrepender do que disse na carta e retornar. — deduzo.
Ele balança a cabeça em afirmação. O guarda se retira apressadamente quando escuta passos se aproximando e retorno para a minha cama improvisada, abraçando os joelhos. Torcia fervorosamente para que Christian percebesse logo que a carta era falsa.
No dia seguinte, o guarda entregou o seu cantil cheio e duas maçãs. Porém, o seu olhar estava repleto de tristeza e culpa.
— É a última vez que virei para cá. Creio que descobriram sobre minha ajuda e acabo de ser realocado para uma pequena armada militar.
A minha respiração falhou por breves segundos, mas abri um sorriso sem mostrar os dentes.
— Obrigada por tudo...
— Ainda é cedo para agradecer. Os dois guardas que foram designados para vigiar sua cela... — a garganta dele oscilou, desviando o olhar para o chão. — Não são boas pessoas. Tome cuidado.
Na mesma noite, a governanta surgiu para conferir se iria aceitar o nosso "acordo". Em resposta, cuspi em seu rosto através da grade e retornei para o outro lado da cela. A sua máscara se frieza não se dissipou, mas pude identificar o ódio tomando cada parte de sua expressão. E no outro dia, descobri como ela podia ser vingativa.
Os dois guardas responsáveis pela vigia eram altos, fortes e tinham semblantes rígidos como mármore, mas as línguas podres. Todos os dias, vociferavam sobre a forma como iriam se divertir com o meu corpo quando menos esperasse. Por isso, passei a ficar acordada durante as noites para garantir que ninguém se aproximasse. Cada tilintar da grade, fazia-me dar um pulo assustada, rendendo risadas deles.
No décimo primeiro dia naquela cela, o último pedaço da maçã se foi junto com o restante da água. O meu corpo estava em uma situação precária e as costelas já se tornavam visíveis sobre a pele. Fracionei o máximo que pude os recursos ao meu dispor mas, ainda assim, havia chegado ao meu limite.
— Coitadinha. Tão frágil. — debocha um guarda, apoiando-se nas grades. — Se trepar com a gente, podemos pensar em te dar as sobras do nosso almoço.
— Se me chupar, prometo te oferecer água. — brincava o outro.
Mal tinha forças de revidar. O meu corpo permaneceu encolhido no amontoado de feno enquanto tremia de frio. As lágrimas pareciam ter acabado depois de cinco noites seguidas aos prantos e gritos. A verdade é que não havia nada a ser feito, além de torcer para Christian vir o quanto antes. Ou que a aquela morte lenta me garantisse um lugar agradável ao lado das belas estrelas.
***
Sentia falta da luz do Sol ou do brilho da Lua. Havia perdido a conta dos dias, mas sabia que já estava tempo demais naquela cela. O cheiro não me incomodava mais. O meu corpo entrou no modo automático, não conseguia sequer abrir os olhos. Os guardas desistiram de fazer piadinhas ao perceber que não expressaria nada. As minhas pernas estavam tão fracas que desistir de ficar de pé há muito tempo.
Então, permanecia com as costas contra a parede gélida e as pernas estiradas sobrewer aquela poça de água fedorenta com musgo. As mãos repousadas sobre o colo, os dedos tão trêmulos pela falta de força que não sabia distinguir se era frio ou o colapso total que se aproximava.
Uma voz suave como o sussurro de um anjo ecoou em meus ouvidos. Era a voz do Christian dizendo para continuar resistindo, pois logo iria me tirar desse lugar. Depois, ele gritava com tanta firmeza, dizendo "Não feche a droga dos olhos, você é mais forte do que se isso". Com muita relutância, abri minimamente os olhos para ver uma silhueta turva golpeando os guardas. O sangue jorrou pelo chão, mas estava distante demais para poder me atingir. Por que Christian os machuca? Está fazendo isso por mim?
Um sorriso se forma em meus lábios secos. Queria poder abraçá-lo mas estava sem forças para mover um músculo sequer do meu corpo. O som das grades sendo abertas violentamente ecoa em meus ouvidos e ouso me inclinar levemente para frente, a fim de antecipar o contato físico com ele. Então, fui erguida com cuidado como se pudesse quebrar em vários pedaços naquele momento.
Mas aqueles braços fortes não pertenciam à Christian.
Lorcan me carregava como uma princesa, saindo da cela em passos pesados. O longo sobretudo balançava de maneira majestosa, como um véu beijado pela própria escuridão. O som de suas botas ecoava pelo corredor vazio, sem nenhum sinal de vida. Afinal, os corpos dos guardas e alguns empregados no chão não passavam de um mero detalhe para o duque.
Ao analisar sua face, percebo como está tenso mas algo em meu interior diz que o motivo não é o contato físico. Os olhos azuis estavam focados no horizonte, o maxilar trincado e os lábios contraídos. O ódio vindo daquele homem era quase palpável.
— Como soube que...? — murmuro com a voz rouca, tossindo um pouco.
Ele não se deu o trabalho de olhar em minha direção quando respondeu:
— Todos comentavam sobre a sua saída para retornar à antiga casa. Mas você disse da última vez que estava aguardando pela minha próxima visita. E eu sabia que nunca mentiria para mim.
Pisco os olhos para afastar as lágrimas, assentindo com dificuldade. O duque se agarrou às minhas palavras como uma verdade universal e acreditou em mim sem questionar.
— Mas como me encontrou aqui...?
— Vasculhei cada canto desse maldito reino. Interroguei alguns empregados e guardas até saber que estava presa em uma cela. Eles tentaram resistir, mas foi inútil. Então, finalmente te encontrei.
Estava sem palavras diante da sua confissão. Lorcan arriscou quebrar a confiança do rei e a aliança sólida de anos para me resgatar. A última pessoa do mundo que cogitei estender a mão em minha direção foi a única a olhar a verdade dentre as inúmeras mentiras do reino.
Quando estávamos no salão principal, ouço passos apressados e desvio o olhar em direção à Christian. O semblante do loiro alternou entre surpresa e confusão ao nos ver.
— O que fizeram com você, Diane? — questiona preocupado. — Onde esteve?
Porém, Lorcan passou por Christian como se a sua presença fosse significante — e talvez fosse para o vilão. Ele continuava com o olhar focado na saída, mas seus músculos se tencionaram apertando-me mais contra seu peitoral.
— Lorcan, você não pode levá-la! — exclama Christian o acompanhando alguns metros atrás. — Eu ordeno que-...
— Não. Ouse. Mandar. Em. Mim. — o duque dizia pausadamente, virando-se em sua direção. E eu entendi o porquê do Lorcan estar tenso e calado boa parte do tempo. Ele é uma bomba relógio e Christian escolheu um péssimo momento para provocá-lo. — Tudo o que você fez foi ficar com o seu traseiro real no trono enquanto ela estava sofrendo bem debaixo do seu nariz. Em algum momento, pensou em procurá-la?
O silêncio de Christian era a resposta adequada. O seu olhar desviou para os próprios pés por uma fração de segundos, como se estivesse envergonhado demais para encarar o meu estado deplorável.
— Se der um passo para fora do palácio, eu juro que destruo todo o seu reino com uma única ordem. — Lorcan ameaça com um olhar tão intenso que meu corpo travou. Mas não sentia medo, longe disso. Podia jurar que era admiração e surpresa dançando em meu coração. — E eu te garanto que esfregarei a sua cara imunda por cada rua de Velorum para todos saberem o rei patético que possuem.
Christian não ousou dizer uma única palavra ou dar um passo adiante. O duque soltou um grunhido de aprovação enquanto retomava a sua caminhada em direção à saída. Quando a luz do Sol tocou meu corpo, fechei os olhos momentaneamente por conta do incômodo nas retinas. Ao se acostumar com a claridade, foquei no semblante rígido dele enquanto cada parte do meu corpo se entregava, aos poucos, ao cansaço.
— Para onde vamos? — sussurro com dificuldade, mal conseguindo manter os olhos abertos.
Pela primeira vez, Lorcan olhou para mim e senti toda a tensão de sua face sumir. A sua voz me envolveu em uma calmaria aconchegante junto às batidas aceleradas de seu coração. E antes de desmaiar em seus braços, pude ouvir a resposta.
— Nós vamos para casa, Diane.
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