CAPÍTULO 9 ◐
Havia se passado dois dias desde a pequena conversa que tive com Pedro. O meu plano era conversar com ele depois para tentar ajudá-lo, mas o mesmo vem me evitando. Sempre que tento me aproximar, ele arruma algo para fazer ou dá qualquer outra desculpa para se livrar de mim.
Não posso negar que estou curiosa para saber o motivo de suas atitudes retraídas, creio que seja por ele estar receoso para me contar alguma coisa, mas o motivo pode não ser esse.
— Não esqueceu de nada? — pergunta Lúcia enquanto saíamos de casa.
— Não, está tudo aqui. — digo seguindo-a até o carro.
Estávamos indo até a delegacia apresentar as novas pistas que temos em mãos : a mochila e os objetos contidos nela.
Entro pela porta traseira, enquanto Roberto se acomoda no banco do motorista e Lúcia senta ao seu lado.
Estou um pouco receosa com tudo. Essas pistas podem ser o que falta para encontrarem minha família. Ontem, tive que ir ao médico fazer mais uma infinidade de exames, também fui à uma consulta com um psicólogo, o que não achei ser necessário.
Lúcia conversou bastante comigo durante o trajeto, isso me ajudou a distrair minha mente. A conversa estava tão agradável que acabei não percebi os minutos se passando, logo saímos do carro com todos os objetos em mãos.
nossa visita à delegacia foi quase como da primeira vez. Contei novamente o que aconteceu quando acordei na floresta para o delegado. A diferença foi que tive que entregar a mochila e os objetos que estavam dentro dela e contar a memória que tive. O delegado me faz mais algumas perguntas, antes de me liberar. Saio da sala e logo depois ele chama Lúcia. Em seguida Roberto também teve que falar com o delegado.
Quando Roberto saiu da sala, eram quase meio dia. A volta para casa foi um pouco mais demorada do que a ida para a delegacia, pois as ruas estavam um pouco mais engarrafadas em comparação com mais cedo.
Quando chegamos em casa, Melissa já havia voltado da escola e estava regando os vasos de planta com o irmão. As plantas ainda não estão crescidas, mas Melissa cuida delas com muita empolgação.
Vou para cozinha com Lúcia ajuda-la a fazer o almoço. Como já estava um pouco tarde, optamos por fazer um macarrão com carne moída, um prato prático de ser preparado.
O almoço foi como todos os outros, conversamos bastante sobre diversas coisas. Diferente dos dias anteriores, Pedro estava mais falante. Talvez depois dessa pequena mudança, ele queira me contar o que aconteceu.
Terminamos todos de almoçar e, como faço todos os dias, ajudo Lúcia na arrumação.
Estava secando e guardando as louças enquanto Lúcia lavava. Estávamos conversando sobre diversas coisas, isso até deixava a tarefa mais agradável.
— O que acha de irmos ao parque amanhã? — pergunta secando as mãos em um pano de prato depois de ter lavado todas as louças. — Seria divertido fazermos algo diferente este fim de semana.
— Seria legal...
Continuamos conversando sobre o parque. Eu não me lembrava de ter ido em parques, mas, apenas escutando o nome, já sei do que se trata. É estranho eu lembrar dessas coisas, lembrar o significado das palavras, mas não lembrar do meu passado, da minha vida.
○●○
Olho para os vasos de plantas à minha frente. Algumas já estavam crescendo e tomando sua forma. Outras eram brotos bem pequenininhos.
A sensação que tenho por estar aqui é tão boa. Mesmo o jardim sendo bem pequeno e não estando pronto, me sentia familiarizada com ele.
O cheiro da terra, das plantas, me trazem um sensação surpreendente.
Levo minha mão direita até uma pequena flor que ainda nem desabrochara. Meus pensamentos fluem e eu acabo por lembrar da medalhinha que tive de deixar na delegacia, pois ajudaria na investigação. Lembro que nela estava escrito:
"A flor mais linda que já plantei em um jardim. Nunca me esquecerei de você, nem quando eu não estiver mais aqui"
Fico pensando nessas palavras. A sensação familiar pode ter algo a ver com isso. Meu nome também pode estar ligado a isso.
— Flor, me ajuda aqui!
Olho para o lado encontrando Melissa com dois regadores em mãos, toda desajeitada, tentando não deixa-los cair. Pego um quando ela o estende em minha direção.
Ficamos um bom tempo cuidando das plantas, enquanto Melissa falava sobre suas amiguinhas da escola. Quando terminamos, vou direto tomar um banho.
Visto uma peça de roupa que estava dentro da mochila. Apesar de Lúcia ter me emprestado algumas roupas, foram poucas as que serviram em mim. Ela precisou apertar algumas, outras eu mesma apertei. Lúcia estava me ensinando bastante sobre costura e eu estava aprendendo tão bem, que ajudava ela com o seu trabalho.
Assim que saio do banheiro, Melissa entra nele para tomar banho.
Depois de alguns minutos Melissa sai do banho com os cabelos molhados.
— Você pode pentear meu cabelo? — pergunta.
Apenas balanço a cabeça afirmativamente e andamos até o quarto.
Peço para ela sentar em uma cadeira, pego o pente e um potinho de creme que se encontravam em cima da penteadeira e começo a pentear seus cabelos delicadamente.
— Você acha meu cabelo bonito?
— Acho sim.
Estranho o fato de Melissa fazer aquela pergunta, sem mais nem menos.
— Mas... se eu deixar ele liso, ele vai ficar mais bonito, não é?
— Por que você acha isso?
— Porque minhas amigas da escola têm o cabelo liso... elas acham que temos que ser todas iguais, senão o nosso grupo não vai ficar perfeito.
Me espanto ao notar o que está acontecendo. Me levanto da cama e me abaixo em sua frente para olhar em seus olhos. Seguro em suas mãozinha e falo com calma:
— Eu acho o seu cabelo muito bonito, e você não deve querer mudar para agradar as outras pessoas. Se suas amigas não querem andar com você pelo fato de seu cabelo ser cacheado, elas que vão perder. Você é uma menina muito especial. Se elas não quiserem falar com você, deixe pra lá. Há muitas outras pessoas que podem ser seus amigos. Não ligue para o que elas acham, está bem?
Ela afirma com a cabeça, e eu volto a me sentar na cama para terminar de pentear seu cabelo.
— Minha mãe te contou que iremos ao parque amanhã?
— Sim, está animada?
— Claro! Só não gosto da parte de não poder ir na montanha russa, porque sou pequenininha. — Faz uma carinha triste ao pronunciar a frase.
— Não fica triste por isso. Você não vai poder andar na montanha russa, mas poderá andar nos outros brinquedos, que também são muito legais.
Tento anima-la um pouco com aquelas palavras e minha tentativa funciona.
Melissa sorri fraco, mas posso ver que o sorriso é sincero. Retribuo o sorriso para ela e a mesma me dá um abraço bem apertado.
— Eu gosto muito de ter você como amiga. Mamãe falou que você vai embora algum dia. Por que você não fica aqui pra sempre?
Fico sem saber o que dizer. Não posso prometer que continuarei aqui com ela, porque se encontrar minha família, não poderei mais morar aqui. E pior ainda, se minhas suspeitas de que eu vim de São Paulo estiverem certas, terei que mudar de estado e será ainda mais difícil vê-la.
— Como você se sentiria se tivesse que ficar longe da sua família?
Faço a pergunta tomando muito cuidado com minhas palavras. Queria faze-la entender como me sinto em relação à isso.
Melissa desvia o olhar com uma cara pensativa antes de responder ainda um pouco duvidosa.
— Ah... Eu acho que ficaria um pouco triste. Não sei o que faria se não pudesse ver mamãe, papai e o Pedro todos os dias.
— É assim que me sinto, mesmo não lembrando da minha. — Faço uma pausa para olha-la e vejo que está prestando bastante atenção no que falo. — Eu quero muito me lembrar de minha família, se eu um dia encontra-la, vou querer ficar com ela para poder compartilhar momentos de minha vida, já que não tenho muitas memórias vividas ao lado dela.
Termino de falar esperando que ela tenha entendido o que eu acabara de dizer e para a minha surpresa, ela abre um fraco sorriso.
— Mas se você for embora, não vai esquecer que sou sua melhor amiga né?
— Claro que não! E vou fazer o possível apara manter o contato com todos vocês.
Nos abraçamos outra vez. Após nos separarmos, continuamos conversando sobre os brinquedos que ela mais gosta no parque de diversão. Mais uma vez, me distraio e não fico ansiosa em ter minhas memórias todas de uma vez só.
Melissa me pede ajuda para fazer os deveres escolares e eu aceito ajuda-la, mesmo não sabendo se serei muito útil. Passamos o resto da tarde fazendo as tarefas que ela estava com dificuldade.
Surpreendentemente, consigo ajuda-la com tudo. Como já havia percebido antes, minha vida foi apagada, mas as coisas que aprendi continuam cravadas em minha mente. Pelo menos a maioria.
Só paramos com o estudo quando Lúcia nos chamou para jantar. Foi aí que percebi que o tempo já havia passado e já era noite. Depois do jantar, fui direto pra cama pois estava com muito sono. Melissa pediu para dormir junto comigo.
Entramos no quarto e Melissa não parou de falar do parque, mas logo depois o sono foi batendo e de uma hora para outra, ela está dormindo.
Deito-me ao seu lado, não passam nem três segundos e já estou dormindo.
○●○
Estou correndo por um jardim bem bonito. Meus braços estavam abertos tocando as diversas flores que encontrava pelo caminho.
Meu corpo estava tão leve, minhas mãos tão pequenas. Percebi na hora que havia voltado no tempo. Quanto, eu não sei.
Olho para meus pezinhos que estavam calçados com uma sandália azul marinha.
Levanto meu olhar e vejo para onde, ou melhor, quem eu estava correndo.
Lá estava o mesmo homem que vi na foto da medalhinha. Ele estava com os braços abertos como eu, só não estava correndo.
Quando me aproximo o suficiente, ele se abaixa um pouco e nos abraçamos. Depois de alguns segundos, o mesmo me pega no colo e começa a andar pelo jardim.
— Papai, conta a história de como eu nasci, de novo ?
— Claro!
Nos sentamos na grama e logo depois ele começa a falar.
— Sua mãe e eu gostamos muito de plantas, então decidimos plantar esse jardim. Depois de um tempo, começamos a achar as plantas um pouco sem graça, queríamos uma coisa nova. Nós dois procuramos por todas as partes uma semente que fosse especial, que fosse diferente e única, mas nunca encontramos. Uma noite, antes de dormimos, pedimos para Deus uma sementinha para plantarmos no nosso jardim. Pedimos que essa sementinha fosse diferente. Quando acordei no dia seguinte, encontro ao meu lado uma semente tão pequena e delicada que tive medo de pega-la e ela se desfazer em minhas mãos. Quando mostrei para sua mãe, ela ficou tão animada. Fomos até o jardim e plantamos a semente. Passaram-se alguns meses até nascer uma flor bem bonita. Ficamos um pouco decepcionados porque a flor era igual qualquer outra, mas mesmo assim, não paramos de cuidar dela e até começamos a ter um carinho especial por ela. Foi aí que nós vimos o que ela tinha de diferente. Conforme nós fomos cuidando dela, ela foi crescendo e crescendo. Seu tamanho já não era normal comparado com o das outras flores. Estranhamos o dia em que as pétalas se fecharam e não se abriram mais. Tentamos fazer de tudo para abri-las novamente e quando elas se abriram, um bebê estava lá dentro. Nós Ficamos muito surpresos, a flor estava murchando, então tiramos você lá de dentro. Assim que a pegamos, a flor murchou totalmente. Ela murchou tão depressa que acabou virando pó em menos de três minutos. Ficamos tristes por ela, mas muito feliz por termos você. Foi por isso que te nomeamos como Flor.
Quando ele acaba de contar a história, nos abraçamos.
— Eu te amo muito papai! Não vai nessa viagem. Por favor!
— Eu preciso ir filha... mas eu vou voltar, eu prometo!
Essa é a última frase que escuto antes de acordar daquele sonho com Melissa reclamando, me dizendo que eu havia dormido demais.
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O que estão achando da estória? Deixe sua opinião. E não se esqueçam da estrelinha. ❤❤
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