CAPÍTULO 5 ◐
Acabei de ganhar alta hospitalar e estou a caminho da delegacia. Quando contei para Lúcia do sonho que tive, ela também achou que era uma lembrança e ficou um pouco surpresa com oque aconteceu naquele sonho. Lúcia me aconselhou a contar essa lembrança para o delegado.
Revelei a ela o medo que tenho de lembrar do passado e disse que preferiria ficar como estava, a ter de voltar a viver daquele jeito.
— Você não precisa ter medo! Todos passamos por momentos ruins, você só teve uma pequena lembrança e essa foi de um momento ruim, mas... quem te garante que você não tenha vivido momentos melhores? Quem te garante que alguém que te ame muito não esteja procurando por você? Mesmo que não estejam te procurando, será melhor lembrar-se de sua vida do que viver a vida toda como uma incógnita, sempre confusa consigo mesma e sem conhecer a si própria. — Lúcia faz uma pequena pausa. Pega em minhas mãos antes de dizer calmamente: — Pode ter certeza de que eu estarei contigo nesse momento de intensa confusão.
Foram essas palavras que me motivaram a querer saber do meu passado.
Essas palavras tão sinceras e verdadeiras, me encheram de paz e também me deram um pouco de coragem.
Foi tão bom saber que poderia contar com ela, que o medo sentido por mim diminuiu gradativamente. Não totalmente, claro que ainda sinto um pouco. Mas não tanto quanto antes.
Por isso que, ao chego na delegacia, me sinto bem mais tranquila para falar tudo que eu vivenciei quando acordei naquela floresta. Contei também sobre o sonho sem deixar detalhe nenhum para trás.
Demorei cerca de uma hora dentro daquela sala conversando com o delegado na companhia de Lúcia.
Lúcia teve que conversar com o delegado a sós, precisava esclarecer todo o ocorrido. Ela pode estar muito encrencada por não ter contatado a polícia antes.
Olho para a porta da sala onde eles estão conversando, estalo os dedos nervosa, mas isso logo passa quando a ela sai da sala, me olha e dá um sorriso de alívio. Graças a Deus, ela conseguiu esclarecer tudo para o delegado responsável pela investigação do meu caso.
Saio da delegacia com os olhos cerrados por conta do sol escaldante. Pegamos um táxi tendo como destino o mercado.
Lúcia estava insistindo para fazer um almoço especial para mim. Mesmo eu negando no começo, acabei concordando ao ver sua animação. Não queria ficar dando muito trabalho para ela, mas também queria ver ela feliz como está neste momento.
Dentro do táxi, decidi observar o caminho feito da delegacia, até o supermercado.
Observo casas de variadas cores e tamanhos, e mesmo com toda a simplicidade, são lindas! Poucas contendo um pequeno jardim já outras apenas uma simples varanda, o que não deixa seu encanto para trás.
Em cerca de vinte minutos chegamos ao mercado. acompanho Lúcia pelos corredores enquanto ela pega os ingredientes da lasanha que fará para o nosso almoço e da torta de limão como sobremesa.
Não demora muito tempo e estamos na fila do caixa, que está bem grande. Conversamos sobre assuntos aleatórios enquanto esperamos chegar a nossa vez.
Depois de sermos atendidas, saímos do mercado e começamos a caminhada até a casa de Lúcia. Como na ida até o mercado, fico observando atentamente tudo ao meu redor.
Desde que fui encontrada por Lúcia, é a primeira vez que saio de sua casa. Estava mesmo precisando de um pouco de ar livre.
Estávamos passando em frente a uma padaria quando um cheiro doce e suave me chama a atenção. Poderia jurar já ter sentido aquele cheiro outras vezes, me parecia tão familiar.
Só percebo que estou parada feito uma estátua, quando Lúcia me chama alguns metros de distância.
— O que você está fazendo parada aí?
Fazendo essa pergunta, Lúcia vem ao meu encontro, enquanto eu continuo parada no mesmo lugar apreciando aquele aroma que, concluí ser de um delicioso bolo de chocolate.
— O que foi, Você está bem? — pergunta já ao meu lado.
Faço um esforço para retomar minha consciência para respondê-la. Isso acontece depois de longos segundos. O que fez Lúcia ficar preocupada.
— Eu estou bem. Só... Não sei o que houve. Eu senti o cheiro desse bolo de chocolate e o achei um pouco familiar. Talvez tenha algo a ver com o meu passado... — respondo confusa.
Talvez eu possa ter uma família que se reúne todos os domingos para fazer um lanche ou apenas comer um simples bolo de chocolate. Outras teorias vêm em minha mente e fico ainda mais confusa. Sinto Lúcia segurar a minha mão e me levar para dentro da padaria. Estava um pouco aérea, mas consegui sentir o cheiro mais intensamente.
Lúcia compra o bolo de chocolate e em seguida estamos novamente a caminho de casa.
Não demora muito tempo até chegarmos no portão de sua casa.
Também é a primeira vez que vejo sua casa exteriormente.
A casa é de um tom azul esverdeado. Não é tão grande e nem tão pequena. Ela é simples mas não deixa de ser bonita, tanto por fora quanto por dentro.
Estando aqui por todos esses dias, me senti muito confortável e acolhida. A casa não tinha jardim, mas por compensação, a varanda era incrível!
Duas cadeiras de balanço descansavam lado a lado, ambas da cor azul claro. Uma rede de descanso do outro lado da varanda também chamou minha atenção por conter uma estampa de diversas borboletas.
Depois de examinar cada canto daquele lugar, entro pela mesma porta em que Lúcia entrou.
Já dentro da casa, vou até a cozinha onde Lúcia provavelmente estaria.
Chegando lá, encontro Lúcia cortando uma fatia do bolo que comprou só porque me interessei por seu aroma. Quando me vê, me chama para comer a fatia que acabara de cortar.
Sento-me à mesa e já sinto o cheiro que tanto me chamou atenção. Quando coloco a primeira garfada na boca, um misto de sensações tomam conta de mim.
Igualmente ao cheiro, o sabor estava maravilhoso. Mesmo me sentindo familiarizada com o cheiro daquele bolo, não consegui lembrar de nada.
Fechei os olhos esperando por lembranças, qualquer que fosse, poderiam ser pequenas lembranças soltas. Poderia ser como o último sonho que tive, onde só escutei vozes e não consegui ver absolutamente nada.
Mas não acontece nada. Nada vem em minha mente.
Quando ponho o último pedaço na boca, abro os olhos e encontro Lúcia me encarando. Quando ela percebe que estou a observando, dá um sorriso que retribuo rapidamente.
— O bolo estava gostoso? — pergunta ainda sorrindo. Estranhamente, me veio a sensação de déjà Vu*.
Abaixo meu olhar, focando-o no pratinho onde se encontrava a fatia de bolo que acabei de comer, e agora só restou seus farelos.
Levanto meu olhar outra vez. Mas não é Lúcia quem vejo.
Ela é uma versão mais velha de mim. O cabelo escorrido, cor de chocolate, é idêntico ao meu. No formato do rosto, não tinha muita diferença. A única coisa que não era parecida entre nós duas, era a cor dos olhos. Enquanto os meus eram escuros como a noite, os dela eram verdes, quase cinzas.
— Está gostando do bolo, Flor? — Pergunta carinhosamente, com um sorriso no rosto.
— Está muito gostoso! — Percebo minha voz mais fina, chegando à conclusão de que estou tendo uma lembrança de quando era criança. — O papai virá hoje?
Ao ouvir essa pergunta, o sorriso em seu rosto desaparece em um instante.
— Hoje não, filha. Eu te expliquei que seu pai está fazendo uma viagem muito importante, mas ele voltará logo.
Ela chega mais perto de mim e começa a acariciar meus cabelos. Olha em meus olhos e dá um pequeno sorriso, sorriso esse que não chega aos seus olhos. Coisa que eu não devo ter percebido com aquela idade, pois empolgada, começo a falar:
— Quando ele voltar, a senhora vai fazer esse bolo de chocolate pra ele comer, mamãe?
— Claro...
— Tomara que ele não tenha mais que viajar, ele está demorando muito. Não gosto de ficar longe dele por muito tempo.
Escutando minha última frase, ela desvia seus olhos de mim e nesse mesmo instante, só tenho a certeza de que ela está me escondendo algo.
— Agora termine de comer! Vai acabar se atrasando para a aula.
Ao dizer isso, dá um beijo em minha testa e sai por uma pequena porta. Me deixando sozinha naquela simples e aconchegante cozinha.
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*déjà Vu: forma de ilusão da memória que leva o indivíduo a crer já ter visto (e, por ext., já ter vivido) alguma coisa ou situação de fato desconhecida ou nova para si; paramnésia.
Revisado
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