Das Imposturas
As pessoas curtem compartilhar frases do José Saramago, da Clarice Lispector, do Nietzsche, do Mário Quintana, da Cecília Meireles, do Gabriel Garcia Marquez, do Fernando Pessoa, do Carlos Drummond de Andrade, do Manuel Bandeira, mas ninguém quer se dar o trabalho de ler qualquer um desses autores. Estão todos ocupados demais lendo sobre tons de cinza, lendo Nicholas Sparks, uma das inúmeras trilogias que são lançadas atualmente (ninguém mais consegue contar uma história em um só livro?), livros espíritas e auto-ajudas vagabundas, ou não lendo nada, em absoluto.
Mas querem citar os grandes autores! Não pode ser qualquer um, precisam ser os conhecidos, os respeitados, os clássicos. Não estão interessados no conhecimento que a leitura traz, só querem mostrar tê-lo. Querem parecer leitores, porque quem lê é culto e ser culto é legal. As pessoas te respeitam, gostam de você, ouvem sua opinião, certo? Ninguém quer sentar durante duas horas para ler um livro, todos os dias – mesmo que seja no ônibus, período no qual você não faz nada além de deixar seu cérebro vagar a esmo por crises existenciais que talvez não tenham a profundiade de uma colher de chá, ou no almoço, quando você procura matar o tempo, após devorar seu alimento apressadamente, ruminando sobre velhas mensagens no celular ou devorando amenidades em alguma rede social.
Não! Ninguém quer ler alguma coisa mais complexa, alguma idéia que faça você se sentir uma besta porque não dá para absorvê-la de primeira, porque é preciso voltar para a mesma página uma vez, depois outra, às vezes uma terceira, para entender o conceito, a linguagem do autor, a referência, o raciocínio... Ninguém quer ter que estudar as referências contidas no começo do livro, tentar captar qual o contexto histórico, para então chegar aos personagens, compreendê-los como criaturas pensantes, seres complexos, desdobramentos da mente do autor, e aí, sim, depois de 100 páginas de ambientação, depois de 300 páginas de história e diálogos, chegar a uma daquelas conclusões às quais o escritor te conduz e que cabem tão bem numa apresentação em powerpoint ou numa imagem em preto-e-branco no facebook.
Poucos querem isso. A maioria só quer mesmo a imagem no facebook, a frase do autor, o respeito e a admiração que isso traz. "Nossa, ele citou Neruda". Ele lê Neruda? Ninguém pergunta. Quem foi o Neruda mesmo? Ninguém quer saber. Sabemos que o Neruda é conhecido e é respeitado, isso nos basta. As pessoas querem parecer leitoras – coisa que não são – porque acham que isso é, de alguma maneira, admirável (não é, é só mais uma atividade, tão vazia de sentido e significado quanto qualquer outra). Mas acabam compartilhando um monte de porcarias, e é isso que não sabem: que cada frase bacana na internet colhida em um livro genial e/ou atribuída a um autor respeitado, quando não é alguma asneira escrita por um desconhecido de mentalidade limitada e falsamente assinada por alguém de renome – numa tentativa de legitimar a estupidez -, traz consigo, via de regra, mais duas linhas (às vezes até mais de um parágrafo) de observações inseridas ali por algum ignorante fã de auto-ajuda que achou válido retirar, daquele texto, sua "lição de vida", sua "moral".
Para este, sem essa conclusão facilitada, o texto perde seu valor. Ele não quer que a idéia seja algo subjetivo, que cada um tenha seu entendimento sobre o que foi lido e adeque ou não às suas experiências, à sua bagagem. Não! Ele quer te dizer o que a frase quer dizer. Ele quer que você saiba qual é a profundidade, do que ela trata, até onde ela vai. E ele não vai hesitar em te contar, em te conduzir à conclusão. Você não precisa pensar por si mesmo: ele vai mastigar a idéia e vomitar os restos na sua boca, você só tem que engolir e repassar.
E você vai curtir. Vai compartilhar. E vai deixar claro para quem realmente lê os livros, conhece os autores, para quem tem algum conhecimento sobre o assunto, o que você é: não um leitor, que dirá um literato. Você é um ignorante. É o pior tipo de analfabeto: o que sabe ler, mas não lê. E ainda por cima é um impostor, tentando arrotar uma erudição que não tem.
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