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01.

capítulo um.
uma ameaça sutil

DURANTE TODA A INFÂNCIA, Meadow sonhou em andar de trem. Ela via os longos veículos percorrendo os trilhos rapidamente, e se interessava por seu funcionamento. Mais do que aquilo, se interessava pela possibilidade de se deslocar entre os distritos, e conhecer algo além do lugar em que vivia. O Distrito 8 não era nada atraente, nunca foi; era um lugar sujo e barulhento. Ela se lembrava daquela época enquanto tinha a testa encostada contra o vidro da janela, observando a paisagem que passava rapidamente conforme o trem a levava para a Capital.

Meadow faria de tudo para voltar ao Distrito 8. Pagaria qualquer preço para ter sua vida antiga de volta. Mas nada daquilo importava, porque mesmo que conseguisse voltar aos hábitos antigos, Aspen não estaria com ela. Seu irmão havia sido perdido para sempre e a culpa era sua; aquilo não mudaria, não importava se ela estava na Capital ou em qualquer um dos doze distritos. Aspen não estaria em qualquer lugar que ela conhecia.

━ Você ainda não dormiu? ━ a voz grossa de Indigo Weaver soou impaciente, e ela o observou pelo canto dos olhos. ━ O que é que você está esperando? Desmaiar de exaustão?

Indigo Weaver não era a pessoa mais doce que ela já havia conhecido, mas também não era a mais desagradável. Mas não fazia diferença; ele havia sido designado a ser seu mentor durante os jogos, e ela estava fadada a suportá-lo gostando ou não. Ela gostaria de poder dizer que os dois discutiam muito, mas não seria verdade; Meadow nem mesmo tinha forças para discutir.

Ele percebia que a garota não dormia muito, ou se alimentava bem. Seu rosto estava ainda mais magro do que quando deixou a arena, ainda que agora os alimentos já não fossem mais escassos. Olheiras fundas se formavam debaixo de seus olhos sem emoção, e os lábios haviam sido ressecados pela utilização de tantos produtos em suas produções para entrevistas na Capital e coisas do tipo. As crianças do Distrito 8 nunca foram verdadeiramente saudáveis, mas Meadow parecia ainda pior do que quando trabalhava nas indústrias de tecido.

Dormir era uma tarefa difícil. Fechar os olhos sem que as lembranças brutais dos jogos aparecessem em sua mente era impossível. Quando Meadow conseguia adormecer, na esperança de descansar um pouco, seus sonhos eram rapidamente transformados em pesadelos e ela via Aspen morrendo em sua frente repetidas vezes. Ela agora evitava dormir, porque já sabia que, se o fizesse, acordaria ainda mais perturbada e infeliz.

━ Eu acabei de acordar ━ ela mentiu, sem ao menos tentar soar convincente. ━ Já passamos pelos doze distritos. Você já pode parar de me encher.

Finalmente, após longas semanas, sua turnê da vitória pelos doze distritos de Panem havia chegado ao fim. Meadow estava aliviada, porque já não precisava mais passar os dias sorrindo, fingindo sentir uma felicidade que não existia, enquanto declarava suas condolências pelas vidas perdidas durante a última edição dos Jogos Vorazes, da qual saiu como vitoriosa. Ela respondia algumas perguntas feitas pelos cidadãos, sem ter a permissão de responder com honestidade; sua obrigação agora era sorrir, assentir e defender a Capital. Eles queriam mesmo que, após 17 anos lutando contra a fome e a exaustão, Meadow fechasse os olhos para a negligência vivida nos distritos. E ela era obrigada a se fazer de cega.

Durante sua turnê, ela percebeu que sua vitória dividiu opiniões; ter uma campeã que não matou ninguém era algo bastante polêmico, aparentemente. E ela entendia a revolta sentida por alguns; era mesmo difícil aceitar que jovens que realmente se esforçaram e lutaram por sobrevivência haviam morrido para que ela, que não tinha qualquer habilidade além de se esconder atrás do irmão mais velho, saísse viva da arena. Mas não havia nada de justo sobre os jogos; ela também acreditava que sua vitória havia sido injusta.

Mas também haviam pessoas que consideravam sua vitória como positiva; como se, ao não tirar nenhuma vida, Meadow estivesse propagando a mensagem de que, algum dia, a brutalidade dos Jogos Vorazes já não existiria mais. Como se ela estivesse tentando ir contra o sistema. Como se ela pudesse os fornecer alguma esperança.

━ Você por acaso acha que eu vou atirar um machado na sua direção se fechar os olhos? ━ indagou Indigo, cruzando os braços. ━ Apenas pare de teimosia e durma um pouco antes de chegarmos à Capital.

Apesar de repreender a garota, Indigo também tinha os olhos cansados. Sua pele escura se destacava nas roupas de tons vibrantes, que sempre foram algo característico do Distrito 8. Ele era o maior homem que Meadow já havia visto: tinha quase dois metros de altura e um corpo forte e robusto. Se Indigo quisesse mesmo matá-la, não precisaria de machado nenhum. Uma única de suas mãos seria suficiente.

━ Você já esteve no meu lugar. Era fácil pra você dormir? ━ ela perguntou, voltando a encarar a janela. ━ Você não dorme bem até hoje.

━ A festa de hoje a noite não é sobre mim. É sobre você ━ ele lembrou, sentando-se ao lado da menina, e ela se encolheu um pouco para que ele pudesse caber no espaço restante no banco. ━ Eu não quero saber se você quer dormir, se gosta de dormir, se está com sono ou não. Eu não dou a mínima. Mas você parece uma morta-viva, e não é isso que eles querem ver. A sua noite vai ser longa, descansar agora é apenas um conselho que estou te dando.

━ Todas as noites são longas quando Pearl Rooney está por perto.

━ Hoje não será apenas Pearl Rooney. Hoje, ela vai ser o menor de seus problemas. Se já acha ela ruim, imagine um espaço infestado de pessoas iguais a ela ━ disse o homem, e ela mordeu uma das bochechas por dentro, ansiosa. ━ Escute o que eu digo. Você vai se arrepender de não dormir.

Meadow quis dizer que, para alguém que não dava a mínima, Indigo estava insistindo demais. Mas antes que pudesse falar alguma coisa, uma terceira pessoa invadiu o vagão do trem em que os dois descansavam, e foi impossível não ver a figura esguia de Pearl Rooney, com sua peruca cor de rosa e as roupas extravagantes.

━ É falta de educação falar dos outros pelas costas.

━ Posso falar pela frente, então. Não suportamos você ━ retrucou Indigo, e algo parecido com uma risada quis deixar a garganta de Meadow. ━ Mais alguma regra de etiqueta, Pearl Rooney?

A escolta da Capital apenas revirou os olhos, parando em frente ao banco do trem onde os dois ex-tributos se encontravam, e encarou a jovem vitoriosa.

━ Meadow, querida? ━ ela chamou, com a falsa voz doce que costumava deixar os nervos de Meadow a flor da pele. ━ Por que está aí, parada? Os maquiadores e Zinnia estão te esperando.

Meadow franziu o cenho, olhando para a janela e concluindo que o sol ainda estava nascendo.

━ Ainda não são nem seis da manhã. A festa é a noite.

━ Ora, mas é a maior festa de sua vida, e você será a estrela! Vamos, venha se arrumar, ou quer se apresentar diante da Capital vestindo esses trapos?! ━ indagou Pearl, gesticulando para Indigo se afastar para que a garota pudesse se levantar. ━ A sua Celebração da Vitória, Meadow! Tem que estar impecável.

Todos pareciam estar mais ansiosos para a tal festa do que ela. Meadow não estava nem um pouco contente com a ideia de celebrar algo que não merecia. Ela não merecia aquela vitória. E não queria se dirigir até o Palácio Presidencial para estar em meio aos convidados — que se resumiam às pessoas da Capital e alguns Vitoriosos de outros distritos, ela ouviu dizer — que ela só podia imaginar que eram insuportáveis. Ver pessoas vestindo roupas complicadas e com a maquiagem derretendo enquanto lutavam para equilibrar perucas em suas cabeças durante uma corrida em busca de aperitivos que ainda não tivessem experimentado não era exatamente o plano perfeito para a noite de Meadow Selcouth. Ela preferiria fazer qualquer outra coisa.

━ Venha, Meadow. Você precisa de um banho.

Ela uniu as sobrancelhas ao se levantar, passando diretamente por Pearl e desviando de seu toque quase automaticamente.

━ Você também. Sua maquiagem já começou a derreter.

𓅨

Multidões aterrorizavam Meadow. Era algo que a atormentava desde a infância; ela nunca foi uma pessoa muito falante ou amigável, e sempre teve dificuldades para fazer amigos devido à timidez. Quando se via encurralada em meio a muitas pessoas, ficava ainda mais difícil fazer coisas que para ela já eram naturalmente complicadas: falar, ouvir, se locomover. Ela melhorou um pouco com o tempo, mas após os jogos, toda sua melhora foi excluída, e agora Meadow sentia uma dor aguda nas costas e no pescoço, causando uma insuportável dificuldade para fazer algo simples, como respirar.

Era difícil se manter afastada das aglomerações naquele momento. No jardim do Palácio Presidencial — uma construção bem estruturada e pintada impecavelmente de branco —, milhares de pessoas se reuniam, em meio a conversas altas, risadas forçadas e o desejo de conhecer a mais recente campeã dos Jogos Vorazes. Era difícil escapar quando todos queriam vê-la, e mais difícil ainda quando Pearl Rooney se aproximava dela de minutos em minutos com pequenos grupos de pessoas para apresentar à vitoriosa.

Meadow não se importaria se uma bomba caísse ali agora e a matasse. Ela tinha certeza de que seria menos doloroso do que estar ali, sendo obrigada a interagir com cidadãos da Capital enquanto seu coração palpitava rapidamente.

━ Oh, Meadow, sua vitória foi um deleite! ━ comentou um dos amigos de Pearl, que mais se assemelhava a um pavão, enquanto provava um dos quitutes servidos na comemoração. ━ Sair de jogos mortais sem matar uma única pessoa foi uma façanha e tanto! Acredito que nunca aconteceu antes. Foi uma reviravolta na história dos jogos!

Ela não soube como responder. Então, para não ser obrigada a formular frases, Meadow esticou um dos braços para agarrar o maior número possível de aperitivos que eram servidos por um garçom que passava por ali, levando um à boca de imediato.

Foi a primeira vez que comeu em dois dias. Ela sentiu o estômago revirar, mas ofereceu um sorriso fechado ao homem como forma de agradecer por seu apoio. O aperitivo era doce demais para seu paladar, mas ela não parou de comer enquanto as pessoas não se distanciaram, utilizando-se da etiqueta como uma desculpa para não ser obrigada a responder ninguém, uma vez que não deveria falar de boca cheia.

Ela sentia que iria vomitar, mas era difícil dizer se era devido à comilança repentina ou ao mal estar que já sentia desde que chegou à Capital. A alguns metros de distância, Indigo balançava a cabeça para os lados ao observar a vitoriosa recheando a boca de quitutes para ter desculpas para ignorar aqueles que tentavam conversar com ela.

━ O que você acha que está fazendo? ━ ele perguntou, com a voz baixa e ríspida, agarrando um dos braços da garota e a puxando para um canto mais vazio do jardim. ━ Você precisa parar com isso.

━ Eu tava com fome ━ ela respondeu, agora de boca cheia, vendo farelos de um pedaço de bolo voarem para fora de sua boca. Indigo fechou os olhos e respirou fundo. ━ Não posso mais comer?

━ Precisa parar de olhar para eles desse jeito. Precisa esconder o nojo que tem deles, precisa esconder que não quer estar aqui! Essa festa é para celebrar você. Todos estão aqui por você ━ ele explicou pausadamente, como se falasse com uma criança de cinco anos. ━ E você não quer decepcioná-los.

━ Essa festa é pra celebrar a morte de vinte e três crianças. Incluindo meu irmão ━ ela retrucou, amargurada, e seu estômago revirou mais uma vez. ━ Eu não quero falar com ninguém.

Indigo olhou para os lados, para se verificar de que ninguém os ouvia, e concluiu que todos estavam ocupados demais com suas perucas e narizes falsos para se preocupar com o que os dois conversavam. Ele se curvou um pouco, para que pudesse olhar Meadow diretamente nos olhos.

━ Eu também não quero falar com ninguém. Nem com você. Mas eu preciso, não preciso? Eu sou seu mentor. E você é a campeã dos Jogos, a nova queridinha da Capital. Você pertence a eles agora ━ disse o mais velho, vendo-a agarrar o tecido do vestido fortemente. ━ Assim como eu. É eles quem precisamos agradar, está me ouvindo? Você não quer enfurecer o presidente Snow.

O presidente Snow. Meadow ainda não tinha o encontrado pessoalmente. A simples menção ao nome do homem, no entanto, causava calafrios. Ela não sabia o que esperar dele, mas sabia que não eram coisas boas.

━ Agora, pare de agir como uma pirralha insuportável ━ mandou Indigo, antes de tomar os aperitivos restantes das mãos de Meadow e os jogar no chão. ━ E vá entreter os convidados do Snow. Se eu vir você pegando mais do que um aperitivo quando algum garçom passar, eu faço você engolir a bandeja, estamos combinados? Abra um sorriso.

Relutante, Meadow forçou os lábios para cima, abrindo um sorriso falso. Indigo puxou um lenço de dentro do bolso das calças e o utilizou para limpar as mãos da garota, antes de guardar o tecido novamente e a empurrar em direção à multidão, vendo-a caminhar quase assustada entre as pessoas alegres, agora cutucando as cutículas para tentar afastar o nervosismo.

As próximas duas horas da vida de Meadow pareceram durar uma eternidade. Ninguém nunca se interessou por ela antes dos jogos, e agora, ela precisava se desdobrar para dar atenção a todas as pessoas que desejavam trocar algumas palavras com a campeã. Ela elogiou vestidos, dançou valsa com alguns estranhos, bebericou bebidas coloridas e fingiu interesse em dicas de moda. Suas bochechas já doíam de tanto sorrir, e o aperto que sentia no peito não melhorou.

Meadow não morreu na arena, mas não duvidava que pudesse morrer ali.

━ Meadow Selcouth, nossa mais nova campeã… ━ ela ouviu alguém dizer, e se virou lentamente, encontrando quem reconheceu como Seneca Crane, o idealizador dos Jogos Vorazes. ━ Já se passaram muitos anos desde a última vez em que tivemos uma campeã do Distrito 8, sabia? Foi uma surpresa.

Ela sorriu amarelo.

━ É, acho que ninguém estava esperando, mesmo.

━ Você é um fenômeno, Meadow. Acho que é a campeã mais querida pelo público que já vi, junto com Finnick Odair. Você já o conheceu? ━ ele indagou, e ela negou com a cabeça. Seneca levantou as sobrancelhas, dando um gole na bebida colorida que segurava. ━ Bom, vocês irão se encontrar em algum momento., se você tiver sorte. Mas foi uma boa jogada, não matar ninguém. Foi como respirar ar fresco… A Capital adorou, é verdade.

Uma boa jogada. Meadow não sabia mesmo como reagir diante do elogio. Era mesmo possível que todos pensassem que havia sido uma jogada? Que tudo não passou de uma estratégia? Não era nada daquilo. Se tivesse habilidades, Meadow não hesitaria em tentar matar os outros tributos para escapar com vida da arena. Mas era impossível prever os Jogos Vorazes; ela jamais imaginou que fosse sair viva da competição.

━ Ah, eu aposto que adoraram. Fico feliz de saber que pude os entreter um pouco ━ ela respondeu, por fim, tentando sorrir. Quando levou a taça que segurava aos lábios, Seneca notou que sua mão tremia. ━ É uma honra estar aqui.

Seneca sorriu, mas Meadow viu que era um sorriso ainda mais falso do que o seu. É claro que o idealizador dos Jogos não estava satisfeito com sua vitória, que contrariava todas as propostas da competição.

━ Veja só ━ ele disse, de repente, olhando para cima, em direção a uma das varandas do Palácio Presidencial. ━ Acho que é hora do seu discurso, Meadow Selcouth.

Ela se virou para observar o que era apontado por Seneca Crane, sentindo um arrepio na espinha ao ver o presidente Snow pela primeira vez. Mesmo de longe, ele foi capaz de fazer as mãos da garota suarem.

De longe, o presidente já observava a garota com um olhar quase desdenhoso, com uma ruga formando-se sob as sobrancelhas unidas. Com um simples gesto para o maestro que regia a orquestra, a música parou de repente, fazendo com que todos voltassem a atenção ao velho homem que regia Panem. Quando o silêncio reinou no ambiente, Snow ergueu a taça para os convidados.

━ Que bela noite, não é? Sem dúvidas, uma ótima noite para celebrar ━ iniciou ele, com sua voz poderosa ecoando pelo jardim, e abriu um sorriso direcionado à Meadow, agora iluminada pela luz de um holofote. ━ Gostaria de dar as boas-vindas à nossa mais nova campeã, a jovem que reúne nossos ideais de força e de valor! Quero parabenizar você, Meadow Selcouth, pela compaixão. Sua piedade nos inspira!

O barulho de palmas quase a ensurdeceu. Snow riu sozinho, do alto, bebericando seu vinho enquanto assistia a jovem assustada sendo ovacionada pelos seus convidados. Meadow Selcouth não o agradou com sua vitória, mas ele sabia como usar as coisas a seu favor; no fim, Meadow era exatamente o que precisava para apaziguar as faíscas de revolta dos distritos. Uma jovem inocente, cuja pureza não foi corrompida pela violência dos Jogos Vorazes. Um símbolo marcante, mas não uma faísca forte o suficiente para explicar revoluções.

Meadow não era forte. Não foi o suficiente para matar na arena. Mas se tornou adorada pela maioria dos distritos – apenas o 1 e o 2 a desaprovavam, por levar a vitória no lugar de jovens carreiristas –, e era a mais nova e potente propaganda da Capital. Ele só precisava saber como utilizar todo seu potencial e se aproveitar de sua força. E Snow sabia.

Houve um momento em que o homem desapareceu da varanda. Meadow temeu que ele também fosse uma alucinação; ela alucinava com Aspen o tempo inteiro. Ela se sentiu um pouco aliviada – ainda que aquela palavra não fosse a melhor para a descrever – quando o presidente de Panem surgiu diante de seus olhos novamente, caminhando em sua direção sem qualquer pressa, com um olhar desdenhoso e um sorriso traiçoeiro.

━ Meadow ━ Snow cumprimentou, dizendo seu nome em um sopro. A garota engoliu em seco.

━ Presidente Snow ━ saudou em resposta, abaixando a cabeça por um segundo em um gesto de respeito. Ela então comprimiu os lábios em uma linha fina, pensando no que dizer a seguir. ━ Obrigada pelas palavras. Estou lisonjeada.

━ Sim, eu imagino ━ ele disse, com a voz calma, dando um gole em seu vinho. Meadow não conseguia evitar reparar em como tudo sobre o presidente era impecavelmente branco, como a neve, desde seus cabelos até suas roupas e sapatos. ━ É bom que se sinta tão honrada, Meadow. Alguns vitoriosos não se adaptam bem à vida após os jogos ━ o presidente compartilhou, semicerrando levemente os olhos. ━ Não se adaptam bem à Capital.

━ Bom, é tudo muito diferente da vida que levávamos nos distritos, presidente ━ ela sorriu, tentando controlar a respiração pesada, e quase se engasgou com o ar ao sentir uma das mãos enluvadas de Snow tocando um de seus braços e fazendo seu corpo gelar.

━ Sem dúvidas. É mesmo muito diferente ━ ele concordou, com a voz arrastada, e com um movimento simples da cabeça, sinalizou a entrada do Palácio Presidencial. ━ Por que não vem comigo, Meadow? A senhorita parece um pouco sobrecarregada. Imagino que esteja cansada da viagem.

Ela olhou para Indigo em uma súplica por ajuda, mas ele estava ocupado demais sendo encurralado por um grupo de cidadãos da Capital para a notar. Meadow engoliu em seco novamente, enquanto tentava pensar em uma forma de recusar a proposta do velho homem.

Apesar de não saber o que a aguardava dentro do Palácio Presidencial, ela não tinha vontade de descobrir.

━ A viagem foi ótima, na verdade. Eu estive muito confortável ━ ela tentou fugir do argumento. ━ Não estou cansada, presidente.

Mas Snow abriu um falso sorriso simpático.

━ Eu insisto. Vamos?

E Meadow soube que não tinha escolha a não ser segui-lo. Algo sobre aquele homem, que ela via pela primeira vez, era maligno e despertava um medo descomunal dentro de si. Não havia como contrariá-lo. Não era uma alternativa.

Então, ela apenas assentiu com a cabeça, colocando-se a caminhar em passos curtos ao lado do presidente para dentro da grande mansão. Durante o curto percurso, os dois não trocaram nenhuma palavra entre si, ocupados em cumprimentar as pessoas que apareciam em seu caminho de forma breve. Meadow, que não suportava manter conversas com as pessoas da Capital, desejou poder permanecer ali e falar com elas por horas apenas para não ficar sozinha com Snow.

O interior do Palácio Presidencial era frio. Foi a primeira coisa que ela percebeu. A segunda foi que cabiam todas as pequenas casas de seu distrito ali dentro. A terceira, foi o quanto odiava dourado, a cor que compunha grande parte da decoração do local, juntamente ao branco e ao vermelho.

━ O que está achando da Capital, Meadow?

━ É um lugar bem diferente de onde eu vim, senhor Snow. Mas é adorável; as construções são muito bonitas e o ar é mais puro ━ ela respondeu, exagerando no quanto gostava do lugar na tentativa de agradar o homem com quem caminhava. ━ Era difícil respirar no Distrito 8 com tantas indústrias. O ar de lá é sujo. Aspen e eu voltávamos para casa cobertos de poeira e fuligem todos os dias, quando trabalhávamos nas fábricas de tecidos.

━ É uma pena que as pessoas daqui não te agradem tanto quanto o lugar, não é? ━ ele indagou, com a voz baixa, e ela não respondeu, ainda caminhando lentamente ao lado do presidente. Sangue já se acumulava em suas unhas, as quais ela cutucava incessantemente, e Snow percebeu. Mas não disse nada. ━ Você, ao contrário, é muito interessante para elas. Acho que nunca presenciaram um ato tão valente e piedoso como sair da arena sem matar. Ah, sim, eles te admiram.

━ É uma…

━ Uma honra. Eu sei ━ ele cortou, já cansado daquele mesmo discurso, e parou a caminhada de forma repentina, virando-se para encarar Meadow em meio ao corredor repleto de portas fechadas em que se encontravam. ━ Eles te admiram. E te desejam. Não imagina o quanto me agrada ver meus cidadãos satisfeitos, Meadow.

O estômago de Meadow revirou mais uma vez. Ela encarou o presidente em silêncio, com a respiração baixa entrecortada, e uma ruga de angústia surgiu em sua testa. O homem mais velho apenas elevou as sobrancelhas minimamente, observando-a de volta. Quando a voz de Meadow saiu, soou como um sussurro:

━ O que o senhor disse?

Snow sorriu.

━ Que eu faria de tudo para ver as pessoas que estão no jardim felizes. Tenho certeza que a senhorita compreende, não é? ━ ele explicou, dando as costas à Meadow para descansar uma das mãos sobre a maçaneta dourada de uma das portas do corredor, olhando-a por cima dos ombros. ━ Aproveite o resto de sua noite, senhorita Selcouth. Há um presente para você neste quarto.

Meadow trincou a mandíbula, encarando a madeira da porta enquanto sentia o coração palpitando mais forte. Ela não sabia o que havia no quarto, e nem queria descobrir. Mas ao olhar Snow, viu que aquilo não estava aberto para discussão; ele disfarçava ordens com sorrisos simpáticos. Então, deu um passo à frente, vendo o presidente girar a maçaneta para abrir a porta, sinalizando para que ela entrasse no quarto luxuoso.

Ela o fez. Como um cachorro assustado, Meadou entrou no cômodo, com os olhos arregalados presos na parede à sua frente.

━ Aproveite a noite, Meadow.

E, sem esperar por uma resposta, Snow fechou a porta, fazendo Meadow se arrepiar. Devagar, ela percorreu os olhos arregalados pelo quarto, procurando por qualquer sinal de perigo. Ela não encontrou nenhum. Dr alguma forma, aquilo era pior; Meadow preferia saber o que esperar a ser surpreendida. Com cuidado, ela deu passos pequenos para trás, até sentir as costas chocando-se contra a porta, e encolheu os ombros, ainda à procura de uma ameaça.

Foi quando seus olhos pairaram sobre uma outra porta presente no quarto; ela imaginou que devia levar ao banheiro. A maçaneta foi girada e ela quis se esconder, temendo o que haveria do outro lado da porta e se lembrando das palavras de Snow alguns minutos antes.

Quando a porta foi aberta, a primeira coisa que ela viu foram olhos assustados presos em sua figura. Os olhos pertenciam a um rapaz que parecia ter sua idade, e compunham um rosto harmonioso e estruturado. Ele não parecia ser alguém da Capital; nada nele era falso ou extravagante. De fato, ele parecia ainda menos extravagante do que ela naquele momento.

━ Você é Meadow Selcouth ━ ele constatou, após alguns segundos, e abriu um sorriso ladino ao começar a se aproximar de onde a garota estava. ━ Quase não te reconheci com essas roupas.

Meadow uniu as sobrancelhas, sem responder o estranho que caminhava em sua direção com calma. O breve sorriso que ele ofereceu também não demorou a desaparecer, enquanto ele a investigava com os olhos atentos, estudando-a da cabeça aos pés. Quando ele estava a apenas alguns passos de distância, a vitoriosa fechou as mãos trêmulas em punhos, fincando as unhas tão fortemente contra a pele das palmas que temia ter se furado.

━ Está com medo? ━ ele indagou, parecendo confuso. ━ Eu não mordo.

━ Mas eu sim ━ ela retrucou, com a voz vacilando, e o rapaz riu pelo nariz, dando mais um passo em sua direção. ━ O que você quer?

O rapaz pareceu ainda mais confuso, franzindo o cenho ao esticar um dos braços para tocar um dos brincos que pendiam da orelha esquerda de Meadow. Ela não saiu do lugar, erguendo o queixo para desviar do toque sutil do rapaz de forma quase automática.

━ Eu? Há muito tempo que ninguém me faz essa pergunta ━ ele disse, recolhendo a mão para si mesmo. ━ O que você quer?

━ Que você fique longe de mim.

Com um grande passo para trás, o rapaz ergueu as mãos, como quem se rendia. Ela continuou o encarando, vendo-o suavizar as expressões aos poucos enquanto ainda a observava. Após alguns longos segundos, ele suspirou, passando uma das mãos pelos cabelos cor de areia, e seguiu até a grande cama, onde se sentou.

━ Certo. Você não quer ser tocada ━ ele concluiu, elevando as sobrancelhas. ━ Vou ficar longe. Não se preocupe.

Agora minimamente mais tranquila, Meadow se permitiu respirar fundo e relaxar a postura, lentamente relaxando os nós dos dedos e sentindo um ardor nas palmas de suas mãos. Ela as encarou por um segundo, vendo filetes finos de sangue manchando sua pele. O rapaz percebeu, mesmo de longe.

━ Você pode lavar as mãos no banheiro. Vai arder um pouco, mas acho que você já enfrentou coisa pior.

Ela subiu os olhos para encarar o rapaz.

━ Quem é você?

━ Quem te falaram que eu sou?

━ Eu não sabia que teria mais alguém no quarto. Snow disse que era um presente pra mim.

Mais uma vez, o rapaz riu pelo nariz, com um dos cantos dos lábios se curvando para cima.

━ Bom, Meadow Selcouth… ━ ele começou, com a voz baixa. ━ O seu presente sou eu. Você não entendeu?

Ela não respondeu, nem moveu qualquer músculo do corpo. O rapaz cruzou os braços, semicerrando os olhos ao soltar uma risada baixa e balançar a cabeça negativamente.

━ É claro, a vitoriosa que saiu da arena sem matar nem um tributo é pura demais pra entender.

━ Quem é você? ━ ela repetiu.

Ele se levantou, caminhando até ela novamente e estendendo uma mão em sua direção.

━ Finnick Odair.

Foi como se uma chave girasse na mente de Meadow. Finalmente, ela soube o motivo de encontrar certa familiaridade nos traços do homem: era o campeão da sexagésima quinta edição dos Jogos Vorazes. Ele havia amadurecido desde a última vez em que Meadow o viu pelos telões do Distrito 8, alguns anos antes.

Receosa, ela aceitou o aperto de mão que lhe foi oferecido. Saber que não se tratava de alguém da Capital já era o bastante para a tranquilizar um pouco. Não era como se ela confiasse em Finnick, apesar de tudo; ela não o conhecia para além do nome.

━ Quer lavar as mãos? ━ ele perguntou, quando soltou o aperto e viu uma mancha de sangue seco na própria palma. ━ Eu não vou te seguir no banheiro, se é isso que está pensando ━ continuou, antes de dar as costas à garota para se sentar na cama mais uma vez. ━ Não vou fazer nada que você não queira.

Ele parecia sempre insinuar alguma coisa. Ela não entendia muito bem. Com as sobrancelhas unidas, Meadow foi até o banheiro com passos curtos – ainda era difícil caminhar com aqueles sapatos e vestido – e lavou as mãos rapidamente, enxugando-as no tecido roxo que envolvia seu corpo antes de sair do banheiro com pressa. Finnick a olhou.

━ Meadow, o que Snow te disse?

━ Ele me deu os parabéns. E disse que a Capital me adora e deseja, e ele faria de tudo pra agradar as pessoas que estão lá fora ━ ela respondeu. ━ Me disse pra aproveitar a noite.

De alguma forma, mesmo após deixar a arena após presenciar tantas mortes brutais, Meadow parecia inocente. Ela não era mais do que um ano mais jovem que ele; Finnick se perguntava se, em outras circunstâncias, também poderia ter o privilégio da ignorância como a garota tinha. Ele foi corrompido não muito tempo após o fim de sua edição dos Jogos. Foi inevitável não se incomodar com a inocência de Meadow sabendo que ela seria a próxima vítima da Capital.

━ E você entendeu o que ele quis dizer? Pode falar a verdade, Meadow.

Ele viu quando ela engoliu em seco.

━ Eu acho que sim.

Finnick arqueou uma sobrancelha.

━ Você acha?

━ Eu entendi ━ ela retrucou, rapidamente. ━ Ele… Bom, ele… Eu não quero falar ━ disse, com dificuldade em encontrar palavras delicadas para falar sobre o assunto. ━ Mas sei por quê está aqui.

━ Quando a Capital vê jovens bonitos como nós dois, eles se empolgam. Ser considerado atraente é a pior coisa que pode acontecer a alguém por aqui ━ ele contou, e ela sentiu a garganta se fechar. ━ Você fica mais bonita sem tudo isso. Sem essas tranças e a maquiagem. Mas acho que eles gostam, não é? E é isso que importa. Sempre o que eles querem.

━ Eu não vou fazer nada com eles. Snow não pode me obrigar a me prostituir.

O rapaz cruzou os braços, dando de ombros.

━ Não pode mesmo. Mas ele pode fazer outras coisas até que você aceite. Você tem família? Amigos? Bom, ele vai eliminar um por um até que você jogue de acordo com as regras dele, Meadow.

Ela não sabia o que dizer, pela milésima vez naquela noite. E mal conseguia respirar, com o nó formado em sua garganta. Devagar, ela se sentou na ponta oposta da cama, encostando as costas na cabeceira e dobrando as pernas em frente ao corpo, virando a cabeça para cima e encarando o teto em silêncio, respirando com dificuldade.

Quando ganhou os Jogos, Meadow perdeu todo o resto. Perdeu o brilho no olhar. Perdeu o irmão mais velho e desestruturou por completo sua família. Perdeu a privacidade e a liberdade para se expressar, sempre estudada de perto por alguém mais poderoso do que ela. A única coisa que havia restado, era o controle de seu próprio corpo.

Snow estava ameaçando aquilo também.

━ Talvez tenha sido só uma ameaça ━ disse Finnick. ━ Talvez tenha sido só pra te fazer medo.

Meadow não chorou na arena. Não chorou quando perdeu o irmão. Naqueles momentos, o choque era ainda maior que a tristeza e ela mão conseguia derramar lágrimas. Mas naquele momento, Snow a avisou do que iria acontecer no futuro, e exemplificou a situação ao jogá-la em um quarto com Finnick. Ele a deu tempo para compreender a situação. Ele permitiu que ela compreendesse o próprio sofrimento antes de dar início à sua tortura.

Ele a permitiu se acostumar com um futuro que ainda não havia chegado.

Pela primeira vez em muito tempo, Meadow Selcouth chorou. Descarregou nas lágrimas e nos soluços tudo o que a incomodou por meses. Todo o sofrimento que enfrentou. Toda a dor que sentiu. Tudo o que perdeu.

━ Meadow ━ Finnick chamou, tentando a acalmar e se aproximando da garota para tocar um de seus ombros levemente. ━ Meadow, você…

Ele também não sabia o que dizer. Ia mandá-la parar? Chorar era uma das poucas coisas que ela ainda podia se dar ao luxo de fazer. Finnick não sabia o que era chorar já faziam alguns anos; por um momento, ele sentiu inveja de Meadow por conseguir sentir alguma coisa.

Quando Meadow agarrou o abajur ao lado da cama, ele se assustou. Antes que pudesse falar alguma coisa, ela jogou o objeto contra a parede e o viu se despedaçar em centenas de fragmentos. Ele agarrou seus dois braços, temendo que a garota causasse mais danos à propriedade, e tentou a imobilizar. Ela lutou, mas Finnick era mais forte.

Em um movimento rápido, ele a empurrou contra o colchão e prensou seus braços aos lados da cabeça, passando cada uma das pernas para um lado do corpo da garota, enjaulando-a sob seu corpo. Ele não queria estar fazendo nada daquilo, mas Finnick sabia que irritar Snow ou quebrar seus móveis não poderia render nada de bom para nenhum dos dois.

━ Respire fundo ━ ele mandou, utilizando do peso do próprio corpo para impedi-la de se debater. Finnick inspirou, como se estivesse explicando à Meadow como fazer o ato tão simples. ━ Você precisa se acalmar.

Ela semicerrou os olhos, encarando-o indignada. Sua visão era embaçada pelas lágrimas.

━ Você me diz que Snow vai me prostituir e depois pede calma?!

━ Ninguém aqui vai ser honesto com você, Meadow. Eu vou ━ ele retrucou, e foi quando Meadow conseguiu desvencilhar um dos braços de seu aperto, utilizando da mão livre para o dar um tapa estalado em uma das bochechas e tentar o empurrar. Ele respirou fundo, antes de segurá-la novamente. ━ Alguém precisa te dizer a verdade. Você não vai escapar do Snow. Mas não vai ser pega de surpresa como eu fui ━ ele garantiu, vendo-a perder as forças aos poucos. ━ Posso te soltar? Posso confiar em você pra parar de quebrar as coisas?

Meadow mordeu as bochechas por dentro, balançando a cabeça para os lados minimamente.

━ Não.

Ele ousou rir, sem soltar seus pulsos.

━ Você não era assim tão selvagem na arena.

Meadow quis dar outro tapa em seu rosto. Quis fazê-lo engolir todos os dentes. Quis o xingar de todos os nomes ruins que conhecia. Mas, apesar de tudo, Meadow sabia que nada daquilo era culpa dele. Finnick não era o responsável por sua desgraça; ele era, assim como ela, uma vítima de tudo o que havia de errado em Panem.

━ Eu vou soltar você ━ ele avisou, com calma, como se falasse algo extremamente difícil de se compreender. Com cuidado, soltou os pulsos de Meadow e, mais devagar ainda, saiu de cima de seu corpo. ━ Você vai se acostumar.

Ninguém deveria se acostumar com aquilo, porque ninguém deveria ser submetido a coisas como aquelas. Ele não deveria ter se acostumado. E ela não queria se acostumar. Meadow sentiu uma dor aguda na região do pescoço ao pensar nas coisas que Finnick já devia ter enfrentado para considerar aquilo algo do qual poderia se acostumar algum dia.

Ela massageou os pulsos em silêncio. Finnick se sentiu culpado ao ver as marcas vermelhas em sua pele; ele às vezes se esquecia de como era forte. Naquele momento, se surpreendeu ao perceber quanta força foi necessária aplicar para imobilizar Meadow, de fato.

━ A vida aqui é assim, Meadow. Nós obedecemos, ou tiram tudo de nós ━ ele falou, com a voz baixa, descansando as costas contra a cabeceira da cama. ━ Eu não sei se seu mentor já chegou a te dizer isso, mas é como as coisas funcionam a partir de agora.

Meadow soltou a trança que rodeava sua cabeça e começou a desfazê-la para tentar se distrair. Ela não era alguém muito falante, Finnick percebeu; talvez, só não quisesse falar com ele ou não quisesse conversar naquele momento. Ele não se incomodava; o silêncio da garota era algo justificável, especialmente naquelas circunstâncias.

Mas ele não deixaria de insistir. Saber que era parcialmente responsável pelo estado em que Meadow se encontrava ainda o atormentava.

━ Não vai voltar pra sua festa?

Ela balançou a cabeça negativamente, antes de olhar para ele.

━ Você quer que eu volte?

━ Eu prefiro passar o resto da noite impedindo você de quebrar todos os móveis do palácio do que passar um minuto com qualquer uma das pessoas que estão naquele jardim ━ disse o rapaz, soando sincero, e Meadow assentiu, passando um dos antebraços pelo rosto para o secar. ━ Você quer conversar?

Ela deu de ombros, sentando-se na cama com dificuldade devido ao vestido apertado.

━ Não ━ resmungou. ━ Eu não sei o que eu quero fazer, além de sumir.

Finnick assentiu. Ele compreendia aquele desejo plenamente; desaparecer também era um de seus planos. O vitorioso passou a brincar com os próprios dedos, estalando-os rapidamente e ocasionalmente lançando um olhar em direção à Meadow, que tinha as costas curvadas e respirava pausadamente. Era difícil dizer se era devido ao vestido apertado ou ao nervosismo e a crise de choro. Ela era do Distrito 8; talvez, ela apenas respirasse daquela forma normalmente.

━ Se Snow perguntar sobre o abajur, diga que tivemos uma noite selvagem.

━ Você se acha engraçado?

━ Eu me acho tudo de bom, Meadow ━ ele respondeu, caminhando sobre os joelhos pelo colchão até parar atrás da garota, pedindo: ━ Com licença.

E, com essa breve fala, Finnick segurou as extremidades do tecido em suas costas e as puxou de repente, criando um rasgo na parte de trás do vestido que se estendia até a metade da coluna de Meadow, que arfou em surpresa, antes de se virar para ele com os olhos arregalados.

━ Eu não aguentava mais ver você respirando como um gato sufocado. E esse vestido era horrível, de qualquer forma ━ ele explicou, enrugando o nariz ao encarar o tecido. ━ Dá veracidade à nossa história de noite selvagem, você não acha?

Ela permaneceu com os olhos arregalados, sem ter uma resposta na ponta da língua, e Finnick a lançou uma piscadela, antes de se afastar. Meadow virou o rosto e fechou os olhos, percebendo que o ato de respirar parecia, de fato, mais confortável agora. Ela ainda se sentia exposta.

Finnick se deitou na cama do lado oposto de Meadow, encarando o teto em silêncio. Em seu rosto, não era possível identificar qualquer emoção; ele parecia apenas pensativo, enquanto esperava o tempo passar. Parecia mais calmo do que estava quando Meadow entrou no quarto, ela percebeu. É claro que ele estava; a vitoriosa não o queria por perto. Não queria que ele fizesse nada além de ficar longe. Ele não costumava ter o privilégio de passar noites tranquilas na Capital.

Meadow, por outro lado, não estava tão confortável. Estar sozinha em um quarto com um desconhecido nunca havia sido parte de seus planos, mas apesar de tudo, Finnick não a assustava; ele a incomodava, era verdade, mas parecia tentar distraí-la das desgraças que a acometiam. Ela sabia que não era ele seu inimigo e, que se ele quisesse fazer alguma coisa, já teria feito; não era como se ela pudesse ser capaz de impedi-lo. Não era como se ela pudesse ser capaz de impedir qualquer coisa ou qualquer pessoa.

━ Eu sinto muito ━ ela disse em voz baixa, após algum tempo em silêncio, finalmente olhando para o vitorioso ao seu lado.

Ninguém nunca tinha dito a ele que sentia muito. Ele não ouviu aquelas palavras quando quando foi obrigado a matar para sobreviver, ou quando pessoas que ele amava foram mortas para coagi-lo a obedecer às ordens de Snow. Ele não ouviu aquelas palavras quando enterrou os pais ou quando foi oferecido pelo presidente pela primeira vez. Já faziam alguns anos que ninguém demonstrava compaixão por ele; ele não estava acostumado com aquilo.

Se relacionar com qualquer pessoa após os jogos era um desafio. As pessoas da Capital não eram uma opção. Nos distritos, era ainda mais difícil, vivendo afastado das outras pessoas no que chamavam de Vila dos Vitoriosos. Não era fácil se entender com outros campeões, também; todos tinham problemas e complicações pessoais demais e nem sempre sabiam como lidar. A única coisa que todos os vitoriosos tinham em comum, Finnick acreditava, era o ódio pelo sistema. Meadow com certeza não era diferente naquele quesito, mas mesmo nas pessoas que estiveram na mesma situação que ele, era difícil encontrar compaixão.

━ Eu também.

Os dois passaram o resto da noite em silêncio. Não dormiram; Meadow não conseguiria, de qualquer forma, e Finnick não queria parecer confortável demais. A festa do lado de fora continuou barulhenta, e Meadow imaginava se alguém havia dado por sua falta. Se Indigo havia procurado por ela, ou se até mesmo Pearl havia saído em sua busca para a atormentar. Finnick, por outro lado, apenas agradeceu mentalmente por não poder ser encontrado.

As noites na Capital eram um tormento. E ambos sabiam que noites como aquela voltariam a se repetir.


quando eu escrevi esse capítulo da primeira vez, ele tinha 3k de palavras, reescrevi e deu 6.8k, tô impressionada!! nesse capítulo, nossos vitoriosos se conheceram! lembrando que a meadow tem 17 anos e acabou de ganhar a 69⁰ edição dos Jogos; o Finnick ganhou a 65⁰ edição aos 14, então nesse momento ele tem 18 anos.

vou tentar explorar mais a vida pós-jogos dos vitoriosos que vieram antes da katniss, então tô avisando mais uma vez, mesmo já tendo falado na introdução da fanfic: caso conteúdo sensível te incomode, é melhor parar a leitura. o foco de jogos vorazes é a revolução; o foco da minha fanfic, por enquanto, é a podridão da capital e a resiliência e força que os vitoriosos precisavam pra sobreviver à vida depois da arena.

espero que tenham gostado do capítulo! Sei que não foi nada romântico, mas acho que já era o esperado considerando toda a situação.

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