3 meses - Selando a trégua
Depois do meu momento de fraqueza lamentável passei o resto do mês com vergonha de olhar Julia na cara. Eu não lembrava muito bem de tudo com mínimos detalhes, mas sabia que ela tinha cuidado de mim como ninguém se deu o trabalho de fazer antes. Sabia que ela tinha sido muito carinhosa, mas queria me lembrar de como ela me deu banho. Do jeito que Julia era envergonhada aquilo deve ter sido muito engraçado, e eu estava precisando de muitas risadas ultimamente.
Me sentia mal também por tê-la agradecido com um mero obrigado. Já que ela tinha se esforçado tanto pra me aguentar naquele estado eu sabia que só uma palavra não valia de nada naquela situação. Só que também não podia fazer mais nada que desse ainda mais esperanças pra garota. Quanto mais cedo ela percebesse que nada nunca ia acontecer entre a gente, mais rápido aquele casamento poderia acabar.
Além do mais eu já estava cansado de passar tempo na rua por que não me sentia confortável em casa. Eu não era uma pessoa muito social e que gosta de sair. Queria ficar no meu canto, me esparramar no sofá e poder assistir tv tranquilamente. Queria poder andar pela cozinha só de cueca. Queria poder usar o banheiro de porta aberta. Queria poder dormir completamente pelado e confortável. Bom, isso eu fazia ainda, mesmo que com a minha porta trancada. Como Julia não se sentia completamente presa e limitada dentro daquela situação? Nós nos conhecíamos a muito tempo, mas nunca o bastante pra compartilhar esse tipo de intimidade. Era uma menininha sonhadora mesmo. Uma menininha sonhadora, atenciosa e muito carinhosa.
O foda é que meu casamento nem era o problema, era só mais uma das conseqüências que eu tinha que enfrentar por causa das minhas escolhas. Mais foda ainda é que eu não entendo o que fiz de errado pra minha vida ter virado essa merda toda. Não entendo por que eu merecia ser tratado daquele jeito pelo meu irmão ou ser completamente ignorado pelos meus pais. Na minha concepção cada um dos meus passos era com o intuito de dar cada vez mais orgulho a minha família, e não o contrario. Isso só queria dizer que eu tinha cada vez mais trabalho pela frente. Eu tinha que buscar incentivo de mim e mim mesmo por que sabia que não podia contar com mais ninguém pra melhorar a coisas. Talvez pudesse contar com uma pessoa...
De qualquer maneira hoje eu não estava afim de pensar naquelas coisas. Hoje não estava afim de passar a noite inteira fora, não estava com vontade nem de pegar ninguém por ai. Só queria relaxar um pouco na minha cama. Ler, dormir, ouvir minhas músicas enquanto olho pro teto, ver um filme, sei lá. Fazer nada e esquecer os azares de Min Yoongi.
Obstinado a fazer exatamente isso deixo o uniforme da ONG, onde cumpria minha pena comunitária, de lado e vou apressadamente até o meu carro. Em 3 meses de casado o tempo que eu passava dirigindo por ai ouvindo minhas músicas eram meus momentos preferidos. Talvez por isso o caminho longo do trabalho até minha casa não me incomodasse nem um pouco. Era na verdade um alivio ficar parado no transito. Embora aquela hora tudo estivesse relativamente calmo, então em 40 minutos já estava estacionando na garagem de casa.
Assim que viro a chave na fechadura e abro a porta consigo ouvir Julia cantando desafinada na cozinha. Aquilo me faz rir. Eu ia tentar passar pela sala de mansinho e subir direto pro meu quarto sem ela perceber, mas obviamente não consegui por causa do barulho da bendita chave ao trancar a porta.
- Tigrão?
Reviro os olhos.
- Você já chegou? Tão cedo... – vem até a sala limpando as mãos num pano – Eu ainda estou preparando o jantar.
- Já disse que você não precisa se preocupar com isso.
- Na verdade eu estou com fome.
- Ah... – franzo o cenho – nesse caso vou pro meu quarto.
- Espera – pede, se adiantando em minha direção pra bloquear minha passagem.
- Olha, não vou fingir que está tudo bem e somos o casal mais feliz do mundo – olha pros próprios pés por um instante antes de continuar – mas também não precisamos ser assim... – faz um gesto com a mão apontando pra nós dois.
Seja lá o que aquele geste queria dizer, ela até que tinha certa razão.
- Não podemos conviver como amigos? Você não me odiava antes – encolhe os ombros e exibe um meio sorriso discreto – A gente pode conversar normal pelo menos de vez em quando. Você não precisa fugir de mim o tempo inteiro.
Não preciso? Pondero suas palavras por um momento. Eu não a odiava antes e nem agora. Só não podia alimentar nenhuma das suas bobagens.
- Me dá uma trégua vai – estende a mão pra mim.
Espero não me arrepender por isso...
- Ta bom, uma trégua – aperto sua mão por um instante, logo a soltando em seguida.
- Legal – sorri, mas tenta não parecer tão eufórica. Julia era tão transparente que não conseguia me esconder nada – Jaja termino o jantar.
- Tá, eu vou tomar um banho – estranho comunicar alguma coisa pra ela.
Por algum motivo eu subi as escadas querendo dar risada. Aquela situação toda era muito incomum, estranha, talvez sem sentido e agora engraçada também. Sei lá, o jeito dela pedir essa trégua e o fato dela precisar pensar em uma trégua me dava vontade de rir. Com esse pensamento entro no banheiro e rapidamente começo a me despir pra tomar um banho rápido. Eu poderia aproveitar a banheira, mas a fome estava maior já que não comi nada na rua.
Termino de enxaguar meu cabelo, tendo flashs dos dedos da Julia massageando meus fios naquele dia. Chacoalho a cabeça e assim que o sabão todo escorre pelo ralo eu desligo o chuveiro. Agora era possível ouvi-la cantando um pouco mais alto no andar de baixo e eu me deixo rir daquilo enquanto me enxugo e me troco.
Saio do banheiro já vestido e de cabelos penteados. Assim que desço as escadas ela fala da cozinha:
- Eu vou colocar a mesa tigrão...
- Não – intervenho prontamente indo até a porta da cozinha – Eu prefiro comer na sala, não precisa arrumar a mesa.
- Tudo bem – ela da de ombros.
Logo em seguida serve a comida em duas tigelas e pega dois hashis me entregando um dos recipientes. Sem esperá-la vou diretamente pra sala, me sentando no chão com cuidado pra não derramar nada. Ao me seguir Julia liga a tv antes de se sentar no sofá. Enquanto começo a comer ela passa os canais. Eu já tinha comido a comida dela antes e sabia que ela cozinhava bem, mas era a primeira vez que eu comia logo depois de pronta, sem precisar requentar nem nada. Acho que aquela estava prestes a ser a tigela de comida mais rápida que eu já comi na vida.
- Ei, está passando aquele filme que você gosta e eu não sei o nome...
- Como você sabe que eu gosto? – pergunto de boca cheia.
- Já ouvi você falar uma vez.
- Você não pode saber tudo sobre mim do nada – franzo o cenho desconfiado.
- Não sei tudo, só algumas coisas.
- Qual minha cor favorita?
- Era branco, mas ultimamente você só usa preto então acho que mudou.
Ela não podia reparar tanto assim nessas coisas.
- Como você sabe dessas coisas se a gente nunca falou sobre isso? – a encaro assim que solto os hashis.
- Eu ouvia você falar com seus amigos.
- E não tem vergonha nenhuma de admitir que ficava ouvindo minhas conversas? – arqueio as sobrancelhas e ela da risada.
- Acho um pouco tarde pra me envergonhar disso agora. E eu era pequena ainda, muita coisa parece ter mudado. Você ainda gosta de Epik High?
Tento evitar meu sorriso irônico/sarcástico.
- É, ainda gosto deles. Continuam sendo uma inspiração. Você é estranha...
- Desculpa – coloca a tigela de lado quase cheia. Parecia envergonhada.
O clima pareceu pesar um pouco com aquilo, então me levanto do chão e me sento no sofá pegando o controle ao lado dela.
- Vamos ver outro filme – agora eu que começo a mudar os canais.
Passo um pouco vendo o nome do filme, a sinopse, o ano, o diretor, o elenco. Era uma rotina que eu gostava de seguir quando assistia tv.
- Ei, irmão urso! – exclama animada.
- Você gosta de desenhos?
- É Disney... todo mundo gosta da Disney. Você também gosta de animações.
Aquilo não era uma pergunta. Tudo que ela falava sobre mim era muito convicto.
- Gosto – dou risada – Esse filme é legal.
- É um filme lindo, com musicas lindas sobre família e sobre crescer. Sobre deixar sua marca...
Fico um pouco absorto na empolgação dela e sua forma de explicar os aspectos da história. Quando ela falava assim não parecia só uma menininha. E sim uma garota muito inteligente falando sobre filmes e historias. Deixo o controle de lado e apoio a cabeça em uma das mãos enquanto me esparramo mais no sofá, voltando a atenção pra tv.
(...)
Me dou conta de que tinha dormido só quando sinto o sofá afundar do meu lado e um corpo pequeno bem perto do meu. Meu sono não era leve assim, era provável que ela estivesse ali do meu lado a bastante tempo já. Mesmo desperto decido não abrir os olhos. O que ela estava fazendo afinal de contas? Como afastá-la sem quebrar a trégua recém feita? Eu sabia que ia me arrepender. Sinto uma de suas mãos fazer um cafuné tímido, me trazendo um dejá vu mais uma vez. Eu respiro fundo me mexendo levemente, aquilo era o máximo de atuação que eu conseguia fazer. Ela não para o carinho, só desliza os dedos pela minha bochecha e sinto a palma da sua mão macia alisando vagarosamente meu maxilar. Aos poucos sinto uma leve pressão do seu tronco sobre o meu e sabia que Julia estava se inclinando em minha direção. Eu ia ter que acordar e parar com aquilo. No instante seguinte sinto o toque dos seus lábios sobre os meus. Não foi nada além disso, só sua boca pequena encostando na minha por vários segundos, seus lábios entre abertos roçando levemente os meus quase sem querer, então por instinto eu fiz o mesmo. A minha respiração estava calma, mas a dela batia apressada contra a minha bochecha. Aquilo estava bom, trazia uma sensação gostosa. Deixo a ponta da minha língua deslizar por entre sua boca e quando ela me da passagem inicio um beijo bem lento. Julia seguia meu ritmo, movimentava a língua sobre a minha deixando escapar uns barulhinhos que só me davam mais vontade de continuar. Sem pensar muito levo uma mão a sua nuca, enroscando os dedos em seus cabelos e mantendo-a perto. Me deixo levar pela sua boca e nossos movimentos sempre muito calmos. Aquele era nosso primeiro beijo de verdade. Quando ela me da um selar no meio do beijo e tenta se afastar eu recomeço tudo de novo, voltando a enroscar nossas línguas por mais alguns segundos. Ao sentir ela sorrir é que eu caio em mim e percebo tudo que estava acontecendo.
Mas que porra eu fui inventar de fazer? Passava todos os dias tentando não alimentar ilusões e na primeira trégua deixava isso acontecer. Idiota mesmo. Precisava de uma saída, rápido.
A segunda vez que ela rompe o beijo eu permito que se afaste e solto seus cabelos aos poucos. Antes de abrir os olhos eu suspiro sonoramente e falo:
- Yoon-he... isso foi bom...
- Yoon-he? – ela repete se afastando bruscamente.
Quando abro os olhos fingindo estar assustado só tenho tempo de vê-la levantar do sofá com os olhos marejados e sair da sala rapidamente. Passo a mão pelo meu rosto e dou um soco no braço do sofá, completamente frustrado comigo mesmo por deixar aquilo acontecer e deixá-la daquele jeito. Dessa vez a culpa era minha.
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