Sereníssima
Os dias foram passando, e como Dustin havia dito, eu já havia aumentado o número de vezes em que usava. De um lado, me sentia um lixo por estar fazendo aquilo comigo, depois de tanto esforço meu e das pessoas que eu amo para me ver limpo, mas por outro...
Porra! Eu estava melhor que nunca!
Meu cérebro ficava ligado o tempo todo, quatro horas de sono eram mais que suficientes, os cálculos mais fáceis, a porcaria da comida gratuita do campus parecia um manjar, o céu mais brilhante, me sentia mais vivo, mais feliz. É claro que haviam momentos daquela "BAD" horrorosa em que eu me sentia um derrotado, mas ela acabava com menos de 1 grama, então, na maior parte do tempo, tudo ficava bem.
—q Festa na piscina no fim de semana na casa dos meus pais, Johnson — Colleman lançou um convite em forma de um copo de cerveja.
— Tá frio pra piscina — falei sem entender e ele revirou os olhos.
— A piscina é aquecida e mesmo que não fosse, vai ter umas gatas tão quentes que poderia estar nevando.
— Não posso, eu tenho que estudar e se eu ir numa festa da piscina a Carol me mata.
— Ela não precisa saber. Além do mais, ela não tá lá na Florida? Acha mesmo que ela não tá curtindo praia e sol? Vamos cara, é meu aniversário.
— Eu vou pensar, mas eu tô quase sem grana... Eu não vou poder ir — resmunguei.
— Sua mãe ainda tá te dando uma dura? Já tentou implorar? Funciona com os meus pais.
— Não implorei e nem vou fazer isso, eu só preciso arranjar um trabalho. Talvez esteja na hora de eu me virar sozinho mesmo.
— Bom se quiser, eu conheço um cara que conhece um cara que de vez enquanto chama alguns universitários pra distribuir uma daquelas paradas pra ele... Tipo em festas e no campus... Ele paga bem.
— Que amigo você é ... — falei revirando os olhos e dando um gole na garrafinha de água.
— Você disse que já fez isso, qual o problema.
— Existe uma grande diferença entre vender uns baseados e vender cocaína, quer que eu acabe preso por sei lá quantos anos? Tá doido?
— Desculpa, eu só queria ajudar. Que emprego acha que vai arranjar fazendo o que 9, 10 matérias?
—Então não ajuda, tá? — falei irritado pegando a minha mochila e o deixando só.
— Qual é Noah? —ouvi ele gritar e eu segui meu caminho mostrando o dedo do meio para ele.
Voltei pro meu quarto conferi meus últimos tostões, percebi que eu ficaria sem dinheiro pro próximo "pacote", definitivamente eu preferia enfrentar outra crise de abstinência a ter que implorar dinheiro pra minha mãe, ainda mais com a finalidade que eu provavelmente daria para ele.
Precisava arranjar um trabalho e rápido. Aceitar a proposta do Colleman estava completamente fora de cogitação, afinal, eu prometi a Carol e não estava a fim de levar outra surra de traficantes como foi na Flórida e pelo menos essa promessa eu ainda poderia manter.
Passei os próximos dois dias a procura de trabalho, no entanto, tudo que eu ouvia era; não estamos contratando, você precisa de experiência... Aliás? Quem precisa de experiência pra servir sorvete numa casquinha?
Depois de mais um dia de negativas voltei pro dormitório sem nenhuma esperança e com os pés doloridos de tanto caminhar pela cidade, até que lá pelas oito recebi uma ligação de um dos lugares que eu havia preenchido uma ficha.
Tentei esconder o entusiasmo que o desespero me causou quando ele me chamou pra fazer um teste no dia seguinte, afinal, minha mãe sempre dizia pra não deixar um empregador perceber que eu tinha mais interesse na vaga do que a empresa em contratar os meus talentos. Bem certamente, quando ela me disse isso devia estar se referindo a um alto cargo administrativo e não a uma vaga de atendente de cafeteria onde encontrei mais três garotos que pareciam estar dispostos a lamber o chão se o gerente pedisse.
— Não, está errado! É leite chocolate e canela e não canela, leite e chocolate, rapazinho.
— E não é a mesma coisa?
— Estamos falando do Café Suzzete, o melhor café de Toronto por três anos consecutivos — ele indicou os prêmios orgulhosamente dispostos na parede — Não conquistamos aquilo fazendo café de qualquer jeito, é uma arte e você precisa ser um artista, praticamente um Michelangelo do café — ele deu um sorriso estranho — Agora faz isso direito! — gritou enfiando com força o copo de isopor nas minhas mãos. Por instantes me vi jogando aquele café quente na cara dele, mas eu definitivamente precisava do emprego, então apenas respiro profundamente e volto a fazer o café na porcaria da ordem correta.
No final do dia vou pra aula exausto, com as pernas doloridas por ficar em pé e a cabeça zoada, pelo estresse do primeiro dia, mas principalmente pela falta que meu organismo começava a sentir da heroína. Eu sabia que se não conseguisse mais, em poucas horas eu estaria entrando em uma crise, e definitivamente embora uma parte de mim ficasse dizendo pra mim ficar limpo pra quando a Carol chegasse, a outra ficava me lembrando que eu estaria um trapo de não usasse.
Eu tinha duas escolhas; parar de usar, contar pra Carolina que eu não estava tão limpo quanto ela pensava e dar logo de cara uma decepção a ela, ou me manter usando e parecer que tudo estava bem, porém correndo o risco de que ela descobrisse a minha mentira, aí as coisas ficariam realmente feias.
— Johnson... Johnson —ouvi a voz do professor chamando a minha atenção que ando me viu longe. Pedi desculpas e tentei prestar a atenção na aula, no dia seguinte voltei ao café, e por um milagre eu havia sido contratado. O grande problema era que além do salário não ser grande coisa, os pagamentos eram quinzenais e como eu iria sobreviver até receber?
Quando retornei pro dormitório, exausto e ainda vestindo o uniforme ridículo da cafeteira, ouvi Dustin sorrir e balançar a cabeça sobre a escrivaninha.
— Qual é? Não era você que dizia pra mim deixar de ser um filhinho da mamãe? — falei me jogando em cima da cama e logo me pus a procurar se restava algum baseado escondido sob o colchão.
— Eu tô orgulhoso de você, sério. Mas essa roupa é ridícula — ele disse ainda rindo e eu joguei um travesseiro contra ele — E já disse pra não fumar esse negócio aqui dentro porque fica tudo fedido.
— Por incrível que pareça, ninguem tá disposto a contratar um brilhante acadêmico de engenharia mecânica com um alto salário e benefícios sem que ele tenha terminado a faculdade e uns vinte anos de experiência. — resmunguei — além de me pagar uma miséria, ter de usar esse uniforme horrível, tem redinha no cabelo, tenho que ficar em pé o dia todo, eles monitoram o meu tempo no banheiro e pagam de quinze em quinze dias! E mais! Eles descontam qualquer bala que eu comer lá. E o Campus todo fede a maconha e é legal, então, relaxa.
— Nisso eu até concordo — ele falou vindo na minha direção e arrancando o cigarro da minha boca — Mas é contra as regras da universidade, eu sou bolsista e meus pais não tem grana pra comprar uma vaga em outro lugar se eu for expulso daqui. — ele falou quebrando ao meio e jogando na lixeira.
—Que merda Dustin, por acaso a minha mãe tá te pagando pra cortar o meu barato?
— Não, mas se ela quiser fazer isso me avisa, porque como você viu não é fácil arranjar emprego pra um universitário branco e hetero, imagina um preto e gay... - ele disse voltando aos livros e eu fui até a lixeira pegar o que restou do baseado.
Troquei de roupa e sai dar uma volta pelo campus, eu podia sentir os sintomas da falta da heroína aumentando. E embora soubesse que a maconha já não ajudaria muito, pois nem de perto ela era comparada ao êxtase que aquele pó branco me levava, era o que eu dispunha pra tentar atrasar a a crise de abstinência que certamente me faria surtar.
Troquei algumas mensagens com a Carol e por instantes pensei em contar tudo pra ela, eu odiava mentir e como seria quando ela chegasse? Por quanto tempo eu conseguiria esconder que estava longe de ser o cara que eu jurei que seria por ela?
Mas ao mesmo tempo, não tinha coragem de digitar a verdade, eu já era uma decepção pros meus pais, minha mãe biológica nem queria saber de mim... Apesar de ter muitos colegas, alguns conhecidos há anos, eu não poderia chamar nenhum deles de amigo, a Carol era tudo que eu tinha e eu sou egoísta demais pra arriscar perdê-la.
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