Capítulo 17: Something Human
Quinta-feira, 05 de março de 2020.
Uma das piores coisas que podem acontecer a uma pessoa é ter que acordar cedo após uma noite mal dormida, em especial, se tiver um dia excessivamente atarefado pela frente.
Faltavam cinco minutos para as seis da manhã de quinta-feira quando Lisa acordou – antes mesmo de seu celular despertar – sentindo-se pior que um saco de bosta. A noite anterior teria sido boa, se não tivesse brigado feio com um de seus melhores amigos, por razões que nem mesmo ela compreendia muito bem.
Levantou da cama e encarou Mashiro brevemente, que dormia serena no beliche acima do seu. Havia ido embora tão depressa e com tanta raiva da casa dos meninos na noite anterior, que acabou deixando a periquita para trás. Sentiu-se culpada por um instante, mas logo tratou de pensar em uma forma de se redimir.
Sabia que Mashiro gostava de dormir, e que a primeira aula dela naquele dia seria apenas às nove da manhã. Lisa precisava estar no Instituto de Artes Marciais às sete, e como Mashiro pegava carona com ela todos os dias – já que detestava transporte público e era preguiçosa demais para caminhar míseros três quilômetros – nas quintas ela se dava ao trabalho de ir duas horas mais cedo pro campus, e arrumava um canto para dormir até dar o horário da primeira aula.
Lisa imaginou que duas horas a mais de sono seriam uma boa forma de recompensar a amiga por tê-la deixado para trás na noite anterior, então colocou o celular de Mashiro para despertar às oito, e grudou um post-it no espelho, avisando que tinha deixado dinheiro na mesa da cozinha para que ela pegasse um táxi.
Arrumou a bolsa rapidamente com duas mudas de roupas e itens de higiene, e saiu do apartamento às seis e quinze. Tomaria banho e café da manhã na Universidade, para não fazer barulho e deixar Mashiro dormindo em paz.
Quinta-feira era de longe um dos dias mais atarefados de Lisa, das sete às nove conduziria o treino da 8ª divisão, pois era a líder-orientadora desta, das dez ao meio-dia assistiria a uma aula dupla do mestrado, das duas às quatro participaria de uma reunião com os membros da comissão organizadora da matemática, pois precisavam acertar alguns detalhes referentes a semana do curso, que ocorreria no início de maio, e das cinco às sete daria aulas de defesa pessoal em uma academia próxima ao campus, onde trabalhava como instrutora duas vezes por semana.
Não bastasse todos aqueles compromissos, quando enfim chegasse em casa, teria de escrever um artigo cujo tema era: Desenvolvimento do Pensamento Matemático – abordagem de tópicos da história do pensamento matemático em paralelo com o desenvolvimento cognitivo e aquisição de conceitos – que deveria ser entregue na segunda-feira.
Enquanto dirigia sua scooter rumo ao Instituito de Artes Marciais, Lisa passou a refletir sobre os acontecimentos da noite anterior. Sempre se orgulhara de ser uma mulher racional, e não podia deixar de se sentir envergonhada pelos excessos cometidos durante sua "conversa" com Love.
Era ridículo – beirando o perturbador – Lisa se sentir tão incomodada com o fato de Love ter se apaixonado por uma garota que era o extremo oposto dela. Eles se davam muito bem, conversavam sobre tudo, e mesmo que não sentissem nada além de amizade um pelo outro, para Lisa, era estranho o amigo se interessar romanticamente por alguém como Kiyone.
Seu ego havia sido ferido, e da maneira mais tosca possível. Lisa sempre se sentiu confortável com seus amigos: Love, Rose e Shinji, por serem todos adeptos do sexo livre, e não a julgarem por também ser assim, mesmo sendo uma mulher. Apesar de serem jovens e liberais, o Japão continuava sendo um país machista, e era reconfortante para ela ter amigos homens que a tratassem como uma igual.
O fato de Love se dizer apaixonado por alguém como Kiyone, que além de ser oito anos mais nova que ele, era uma caloura deslumbrada que nada sabia sobre a vida – e que Lisa tinha quase certeza de que era virgem – incomodava tanto quanto um soco no estômago. Kiyone era o que os gringos costumavam chamar de "marriage material" e Lisa odiava a ideia de Love escolher uma garota dessas para ter um relacionamento sério.
Clichê. Babaca. Machista. Revoltante. Foram as palavras que passaram pela cabeça de Lisa ao ouvir Love dizendo que era "diferente" com Kiyone.
Claro que havia também um pouco de ciúmes no meio de tudo aquilo, mesmo não existindo atração ou interesse romântico, Love era um de seus melhores amigos, e era lógico que ele ficaria menos acessível se começasse a namorar. Era irritante. Mas mais irritante que tudo aquilo era pensar em Love como mais um macho babaca que decide pegar uma novinha para ter um relacionamento sério, depois de anos se divertindo com mulheres livres, maduras, mas que definitivamente não eram "marriage material", ou seja, mulheres como ela.
Chegando ao Gotei, Lisa estacionou sua scooter e se dirigiu até a 8ª divisão. Eram seis e meia, e ela tinha tempo suficiente para tomar uma ducha no vestiário e se trocar antes do treino. Comeu uma barra de cereal – o café da manhã teria que esperar – e, às sete em ponto, iniciou as atividades do dia.
Lisa estava sobrecarregada, pois até o segundo semestre de 2019, Nanao era sua vice-orietadora, mas ela havia se transferido para a 1ª divisão, tornando-se vice-orietadora da mesma, cujo líder-orientador era ninguém menos que Shunsui Kyōraku, reitor da Universidade.
Além da saída de Nanao, os três assistentes da 8ª divisão haviam se formado ao final de 2019 e partido da ilha. Agora, Lisa precisava dar duro nos treinos, para que os outros membros elevassem suas habilidades a ponto de subir na hierarquia interna, e torcer para que, durante os campeonatos, pessoas talentosas do Gotei pedissem transferência para sua divisão, a fim de obterem cargos de maior prestígio.
No entanto, havia outros fatores que colaboravam para que a situação se tornasse ligeiramente mais precária. Diferente das outras divisões que treinavam Kendo e mais uma arte marcial distinta, a 8ª tinha como focos Sojutsu e Shorinji Kempo.
Diferente do Kendo – luta de espadas – o Sojutsu era uma luta que utilizava lanças, e não era uma modalidade muito popular em Seireitei, mesmo que grandes praticantes de Sojutsu fossem plenamente capazes de derrotar praticantes de Kendo nos campeonatos.
Além da 8ª divisão, apenas a 11ª possuía praticantes de Sojutsu. Diferenciando-se de todas as demais divisões, a 11ª possuía não duas, mas três especialidades, sendo elas: Muay Thai, Kendo e Sojutsu. Infelizmente, os membros daquela divisão eram completamente obcecados pelo combate e pelo líder, Zaraki Kenpachi, e se recusavam terminantemente a sair da 11ª, mesmo que isso significasse subir na hierarquia do Gotei. Não fosse por esse detalhe, o primeiro assistente deles, Yumichika Ayasegawa, poderia muito bem se tornar vice-orientador da 8ª divisão.
Apesar de ter quase certeza que receberia uma negativa, Lisa não deixaria de tentar convencer o colega, pois carregar o peso e a responsabilidade de liderar uma divisão inteira sozinha era algo muito desgastante.
Eram nove e vinte quando o treino acabou. Lisa saiu de sua divisão no intuito de ir tomar café no Restaurante Universitário, quando foi interceptada por Nanao e Kyōraku.
– Lisa-Chan – cumprimentou Kyōraku, levantando o braço alegremente. – Que cara amarrada é essa? Ainda não me perdoou por roubar a Nanao-Chan de você?
– A cara amarrada deve ser fome – comentou Nanao. – Já tomou café da manhã?
– Ainda não, tava indo pro R.U agora – respondeu Lisa. – E não, eu não te perdoei! – exclamou, encarando Kyōraku com os olhos semicerrados.
– Nada de R.U, vamos comer algo decente, Kyōraku precisa pagar um bom café da manhã pra gente – disse Nanao.
– Não dá tempo, tenho aula às dez. – Consultou o horário no celular. – E nem adianta tentar me comprar com comida, sua traidora, tá achando que eu sou a Mashiro?
– Café da manhã no R.U por minha conta! – anunciou Kyōraku, fazendo um gesto para que as duas mulheres o acompanhassem.
– Se não tiver chá batizado eu nem quero – disse Lisa, que se colocou a caminhar ao lado dos outros dois.
– Lisa-Chan, que absurdo – respondeu o homem com falso pesar, mostrando um pequeno cantil que carregava dentro das vestes. – Você sabe que eu jamais faria algo assim.
– Vocês dois não têm jeito – brincou Nanao.
Os treinos da 1ª, 2ª, 4ª e 8ª divisões ocorriam nos mesmos dias, e era comum que Lisa e Nanao passassem um tempo conversando, comendo ou tomando "chá" com Kyōraku após os treinos, e algumas vezes, Yoruichi também se juntava a eles.
Antes de Nanao começar a namorar Akon, as más-línguas de Seireitei costumavam dizer que ela "dava para o reitor". Mas, a verdade, a qual Lisa era conhecedora – e não compartilhava nem mesmo com os Vizards – é que Kyōraku e Nanao eram tio e sobrinha, apesar de se comportarem como amigos.
Em razão das regras da Universidade, o parentesco entre eles devia permanecer em sigilo. Além disso, as pessoas eram maldosas e machistas, e certamente diriam que Nanao só havia conquistado uma posição de prestígio no Gotei e na Universidade, graças ao tio, o que definitivamente não era verdade.
Lisa e Nanao foram companheiras de divisão por seis longos anos e acabaram por se tornar grandes amigas. A segunda era mais reservada e convencional, mas ambas eram mulheres pragmáticas, lógicas, e que não gostavam de perda de tempo.
Antes de se tornar reitor da Universidade e líder da 1ª divisão, Kyōraku era líder da 8ª, além de ser professor de japonês, coordenador do departamento de letras modernas da Seireitei, e patrocinador do clube de cerimônia do chá. Em 2016, o então reitor e líder da primeira divisão, Genryusai Yamamoto, faleceu aos noventa e oito anos de idade, tendo Kyōraku assumindo ambos os cargos.
Com a promoção de Kyōraku, Lisa se tornou líder-orientadora da 8ª divisão, mas, ao final de 2019, o então vice-orientador da 1ª divisão, Chōjirō Sasakibe, faleceu aos oitenta e nove anos, então Nanao deixou a 8ª divisão para assumir o cargo. Era o fim de uma era, e consequentemente, o início de outra. Em 2020, a 1ª divisão era liderada por um homem de quarenta e cinco anos e uma mulher de vinte e seis.
Kyōraku adorava flertar com Lisa – mais por hobby do que por interesse – enquanto ela fazia questão de dizer que ele era "velho demais para dar conta do recado". Lisa não tinha problemas em ficar com homens, mas achava que ter um relacionamento com um seria muito complicado. Para uma relação séria – se um dia desejasse ter uma – era provável que optasse por se relacionar com uma mulher.
Os homens com os quais ficava, cedo ou tarde, apresentavam alguma característica que lembravam seu pai, e isso matava completamente o tesão que sentia. Kyōraku, com seu jeito bonachão, alcoólatra e sua coleção de piadas ruins, definitivamente não era uma opção. Gostava dele, como pessoa, líder, reitor, como tio de sua amiga, e admirava seu estilo de luta, mas parava por aí.
Sentaram-se em uma das mesas do R.U para tomar um típico e reforçado café da manhã japonês, composto por arroz, sopa de missô, peixe grelhado, soja fermentada e chá-verde batizado.
Comeram e conversaram sobre trivialidades, e quando deu dez horas, Lisa foi assistir as aulas do dia.
A pesquisa de Lisa era voltada para a área de matemática aplicada e computacional, ela planejava dar início ao doutorado no ano seguinte e, se possível, lecionar em Seireitei futuramente.
Lisa nasceu e cresceu em Hokkaido – mais precisamente na região de Tokachi – era filha única e seus pais tinham uma fazenda onde cultivavam arroz, numa área rural de Obihiro. Sair do extremo norte do Japão e vir parar no extremo sul havia sido um grande passo, e para Lisa, a melhor decisão que tomara em sua vida.
Quando as aulas terminaram e a hora do almoço finalmente chegou, Lisa enviou uma mensagem para Mashiro, para que se encontrassem no R.U.
Pediu salada de frutas, sentou-se em uma mesa e aproveitou para ler as mensagens pendentes. Havia nove notificações, quatro delas de Rose, três de sua mãe, e outras três de um grupo chamado "Lady Marmalade" em que aparentemente a colocaram como administradora.
Mamãe
11:00 – Bom dia, querida. Não deixe de almoçar, saco vazio não para em pé!
11:01 – Coloquei um pacote para você no correio hoje, encontrei aquelas balinhas de limão que você gosta no mercado. Também mandei uma garrafa de Sake daquela marca que seus amigos gostaram.
11:02 – Me ligue à noite, preciso te contar a última que sua tia me aprontou! [emoji de berinjela].
Lisa adorava os emojis aleatórios que sua mãe mandava, e procurava ligar para ela ao menos três vezes por semana para que ela lhe contasse as fofocas mais recentes. Não que se interessasse, de fato, pelas notícias, mas porque sentia saudades da mãe e sabia que ela ficava muito sozinha e gostava de ter com quem conversar.
Lisa
12:06 – Já falei que não precisa ficar gastando comigo, mãe, eu tô bem.
12:06 – Tô comendo direito [foto em anexo].
12:07 – À noite eu te ligo e você me conta o que a dona Ami aprontou [emoji mostrando a língua].
Após responder as mensagens da mãe, abriu as do amigo.
Rose
10:03 – [Emoji de olhos]
10:03 – Tá mais calma?
10:04 – Comprei uma garrafa de Gin, acho que não dou conta de tomar sozinho...
10:04 – Me avisa quando estiver livre.
Droga. Rose e os demais deviam estar chocados com seu comportamento ridículo na noite anterior. Mesmo assim, ele era gentil o bastante para abordar o assunto de forma sutil. Lisa sentiu um nó formando-se em seu estômago.
Lisa
12:10 – Você disse Gin? [emojis apaixonados]
12:10 – QUERO!
12:11 – Tô fodida hoje, mas amanhã tô livre a partir das 18 h.
A mensagem de Rose trouxe Love de volta aos seus pensamentos, precisava dar um jeito de se redimir com ele, se deixasse as coisas daquele jeito, era provável que se afastassem antes mesmo dele começar a namorar oficialmente. Até pensou em mandar uma mensagem mas, infelizmente, Lisa era orgulhosa, e mesmo tendo consciência de que havia dado mancada, seu ego ferido ainda doía demais e isso a impedia de tomar alguma atitude.
Enquanto verificava suas mensagens, Lisa constatou que Mashiro havia visualizado e não respondido – típico – então foi ver o que haviam dito no grupo.
Lady Marmalade
10:24 – Shiba adicionou "você"
10:24 – Shiba adicionou "Periquita"
10:25 – Shiba adicionou "Gata Safada"
10:26 – Shiba: Alguém adiciona aquela loirinha aqui no grupo, não tenho o número dela. Vamos ensaiar no sábado a tarde!
Quando Lisa foi adicionar Hiyori no grupo, assustou-se com um baque surdo. Era Mashiro, que havia atirado a bolsa violentamente em cima da mesa, e sentava-se com cara de poucos amigos.
– Que susto, porra! – exclamou Lisa.
– Por que me deixou para trás de novo? – perguntou Mashiro, claramente irritada.
– Quis te deixar dormir – respondeu a morena. – Você só tinha aula às nove, achei que ia gostar de dormir um pouco mais.
– Você sabe que eu tenho dificuldade de acordar com o despertador, por isso venho com você todos os dias.
– Vem porque é fresca e não gosta de pegar ônibus – respondeu Lisa, com ar de deboche. – Eu deixei dinheiro para você vir de táxi e ainda tenho que ouvir desaforo?
– Fresca? Eu venho com você porque é mais fácil acordar quando me chama, e também pela companhia. – Franziu o cenho. – Aí você me larga para trás duas vezes em dias seguidos? O que eu fiz para você me tratar desse jeito?
– Larga mão de ser dramática, periquita – disse Lisa revirando os olhos.
– EU NÃO SOU A PORRA DE UMA AVE! – Bateu as duas mãos na mesa. – Você tem que parar de achar que pode tratar as pessoas de qualquer jeito, nem todo mundo segue a sua lógica, sabia?
Lisa arregalou os olhos, assustada com a reação da amiga. Achava que Mashiro ficaria feliz em dormir um pouco mais, e jamais imaginava receber um esporro daqueles.
– Mashiro, eu...
– Eu não terminei! – exclamou, interrompendo a morena. – O que você disse pro Love ontem foi cruel e babaca da sua parte, e eu já cansei de dizer que odeio essa merda de apelido. – Suspirou profundamente. – Ta na hora de virar gente, Lisa, até lá, é Kuna-San para você.
Dito isso, Mashiro pegou sua bolsa e saiu, deixando Lisa sozinha na mesa, a mercê de olhares curiosos dos estudantes que presenciaram a cena.
Lisa sentiu os olhos ficando úmidos, largou a salada de frutas na mesa, pegou a bolsa e saiu rumo ao banheiro. Não era do tipo que chorava, mas o fato de ter brigado com Love e agora com Mashiro tinha abalado seu emocional. Entrou em uma das cabines e deixou as lágrimas rolarem pelo rosto.
Ela sabia que não era a pessoa mais sensível ou empática do mundo, mas jamais pensou que fosse cruel, babaca, ou que não agisse como "gente". Mashiro nunca havia lhe tratado daquela forma antes, e ela não sabia ao certo se merecia ou não tal tratamento.
Sentiu o celular vibrar, olhou no visor, era Kuukaku.
– Fala, Shiba – disse Lisa ao atender, secando as lágrimas.
– Fiz aquela porra de grupo para as três bonitas me ignorarem?! – bradou Kuukaku do outro lado da linha.
Kuukaku odiava quando visualizavam a mensagem e não a respondiam. Lisa sabia disso – pois pensava da mesma forma – mas, bem na hora em que ia adicionar Hiyori no grupo, Mashiro chegou, interrompendo-a.
– Desculpa – respondeu, sem tentar explicar, pois não tinha energia para mais uma discussão. – Já vou adicionar a Hiyori.
Silêncio.
– O que você tem, Lisa? – Kuukaku questionou, estranhando o tom de voz da amiga. – Aconteceu alguma coisa?
– Tá tudo uma merda. – Suspirou. – Mas não quero falar disso, e você, como está?
– Emocionalmente instável, como sempre – respondeu rindo.
– Tem algo que eu possa fazer? – perguntou Lisa, notando que a amiga também não estava muito bem.
– Aquele rapaz todo delicado que mora no seu prédio junto com o careca...
– Yumichika?
– Isso! Ele é maquiador, né?
– É sim – Lisa respondeu, tentando entender o rumo daquela conversa.
– Você pode pedir para ele vir me maquiar sábado?
– Claro, peço sim – concordou. – Inclusive, acho que ele pode ajudar a gente com o figurino e a maquiagem para apresentação do dia vinte.
– Seria perfeito! – disse Kuukaku, entusiasmada. – Se ele topar, pode até vir mais cedo e nos acompanhar no ensaio.
– Acho que ele topa sim – respondeu Lisa. – Falo com ele ainda hoje.
– Combinado!
Lisa realizou todas as tarefas daquela tarde no piloto automático, competente – como sempre – mas sem o mínimo entusiasmo. Emoções, especialmente as negativas, lhe sugavam muito as energias, e ela odiava se sentir assim.
Quando chegou ao apartamento à noite, foi direto pro 6º andar, falar com Yumichika sobre sábado, a apresentação e as maquiagens. O outro assunto – referente à 8ª divisão – podia esperar um pouco mais, pois Lisa já havia tido derrotas o bastante naquele dia, e ainda tinha uma porra de artigo para escrever.
Felizmente, Yumichika aceitou fazer a maquiagem da dona do Shiba's, e pareceu entusiasmado com a perspectiva de ajudar com a apresentação das meninas para a festa de recepção dos calouros.
– Ao menos uma vitória nessa quinta-feira de merda. – Pensou.
Já no apartamento, notou que Mashiro estava deitada no sofá da sala, com fones de ouvido – headphone – laranja fluorescente. Pelo visto estava levando a tarefa de ignorá-la bem a sério.
Lisa pegou uma caixa de chocolates que havia comprado, colou um post-it verde nela com os dizeres: "Sinto muito, Kuna-San", deixando-a próxima ao sofá em que Mashiro repousava.
Ligou para a mãe, conversaram por quarenta minutos, e depois, focou suas energias em escrever seu artigo. Escreveu até capotar de cara na escrivaninha, despertando meia-noite, com Mashiro lhe dizendo para dormir na cama – aparentemente os chocolates surtiram efeito – e isso fez com que tivesse uma noite de sono tranquila.
Sexta-feira, 06 de março de 2020.
Sexta-feira era o segundo dia favorito de Lisa – perdendo apenas pro sábado – pois tinha apenas duas aulas de manhã, das oito às dez, e depois trabalhava na academia das quatro às seis. Dava tempo de terminar o artigo e organizar as coisas para a semana seguinte, e sair a noite sem medo de ser feliz, pois o dia seguinte era sábado.
Lisa e Mashiro foram juntas para a universidade de manhã, como de costume, e voltado as boas. Agora que tinha consciência do quanto a amiga odiava ser chamada de periquita, Lisa resolveu abolir aquele apelido de seu vocabulário.
O dia correu tranquilamente, e por volta de oito da noite, quando se arrumava para sair com Rose, estranhou a ausência de Mashiro. Ela sempre pegava carona com Hisagi, Kira ou algum outro macho, e considerando que o treino acabava às sete, já era para ela ter chegado em casa.
Enviou uma mensagem à amiga pedindo notícias – já ciente de que ela podia simplesmente não responder, como a boa cabeça de vento que era – mas não custava tentar, se ela não respondesse até as nove, ligaria, pois era de sua natureza se preocupar com o bem-estar de seus amigos.
Rose chegou pontualmente às oito e meia da noite para buscar Lisa, dirigindo o carro de Shinji.
Lisa usava um bonito vestido curto azul-celeste e tênis all star branco. Entrou no carro, sentando-se no banco do carona e beijando Rose no rosto antes de colocar o cinto.
– Meu Deus, que homem cheiroso – exclamou a morena. – Aonde a gente vai?
– Para a praia – disse Rose, sorrindo discretamente antes de dar partida. – Temos gin, água tônica, e uma porção de ingredientes de alta qualidade para fazer nossos "bons drinks".
– Humm, super romântico – respondeu rindo. – Por que os machos com quem eu saio não inventam uns rolês assim?
– Me pergunto a mesma coisa. – Rose suspirou. – Mas hoje não é dia de pensar em machos, quero encher a cara com meus dois melhores amigos.
Dito isso Lisa se virou num impulso, deparando-se com Love deitado no banco de trás, como uma criança arteira, segurando uma caixinha JBL.
– Eu sinto muito, Lisa – disse Love, erguendo-se e colocando uma das mãos no ombro dela.
Lisa sentiu o coração aquecer.
– Não sinta, eu sou uma idiota. – Desviou o olhar para que o amigo não visse que se esforçava para não chorar. – Som na caixa, DJ!
– Sim senhora – respondeu o moreno, já ligando o som.
My circuits have blown
I know it's self imposed
And all I have shared, and all I have loved
Is all I'll ever own
– O carro do Shinji é velho, mas tem aparelho de som – disse Rose.
– O que importa não é o aparelho, e sim a playlist – Love rebateu. – Respeita a minha caixinha!
But something has changed
I feel so alive
My life just blew up, I'd give it all up
I'll depressurize
Rose deu de ombros enquanto Lisa ria da conversa besta dos rapazes. Estava feliz e aliviada, pois não suportaria perder Love. Seus amigos eram sua fonte de amor e energia, estando tão longe de casa por tanto tempo, eles se tornaram sua segunda família.
Oh, oh, oh, ten thousand miles left on the road
Oh, oh, oh, five-hundred hours 'till I am home
I need something human, human
Human, human
E como toda família, havia brigas, lágrimas e desentendimentos, mas no fim as coisas se resolviam, e de uma forma bem mais simples do que o esperado.
Let's face all our fears
Come out of the shade
Let's burn all the money, absolve all the lies
And wake up unscathed
The big picture's gone
Replaced with visions of you
Now life can begin, I've cleansed all my sins
I'm about to break through
Não era à toa que se preocupasse tanto com aqueles arrombados. Lisa os amava, cada um deles, de maneiras e intensidades diferentes, mas os amava. Assumia que os amava, da mesma forma que assumia que havia sido tóxica, não uma ou duas, mas inúmeras vezes.
Less than a mile left on the road
I will be crawling though your door
I need something human, human
Human, human
And I need your love
And something human, human
Assumir os erros, muitas vezes, mais do que fazer nos sentirmos culpados, pode servir para nos libertar. Lisa estava determinada a agir diferente dali em diante.
Em meio àqueles pensamentos, lembrou-se de Mashiro, que até aquele momento não havia dado notícias.
– Vocês viram a Mashiro depois do treino?
– Vi, ela disse que tinha um compromisso – Rose respondeu com ar pensativo.
– Estranho – comentou Love.
– O quê? – Lisa perguntou, virando para encará-lo.
– Kensei também disse que tinha compromisso hoje, por isso não podia dar carona para gente depois do treino – respondeu o moreno, soando como um teórico da conspiração. – Shinji buscou a gente, e emprestou o carro.
– Vocês acham que aqueles dois estão – começou Lisa, hesitante, pois a teoria parecia absurda demais. – Será?
– Não duvido de nada – disse Rose rindo. – Aqueles dois andam bem estranhos ultimamente.
– Ah não, só me faltava essa, mais um casal! – exclamou a morena. – Primeiro o Hachi, depois o Love, agora aqueles dois.
– Não se esqueça do Shinji e da Hiyori – Love acrescentou rindo. – Eles podem não ser um casal ainda, mas é só uma questão de tempo...
– Não se atreva a começar a namorar – disse Lisa, encarando Rose. – É informação demais para processar.
– Não se preocupe, querida – respondeu o loiro tranquilamente. – Ninguém me quer nessa porra de ilha.
– Duvido, mas vou fingir que acredito.
Chegando à praia, os três amigos beberam, conversaram e comeram chips de batata-doce sabor bacon ao som de uma das playlists épicas de Love. No fim, não importava se estavam solteiros ou namorando, eram família, e tinham plena consciência disso.
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