Capítulo 12: How Do You Do
Domingo, 01 de março de 2020
Uma das sensações mais estranhas — e interessantes — que uma pessoa pode experimentar, é a de retornar para um determinado lugar que lhe é muito querido.
Shinji sentiu isso ao caminhar pelo campus, e ao entrar no Instituto de artes marciais. Amava Seireitei e o Gotei 13, e era muito bom estar de volta. Ele havia ido até lá para treinar, junto com Rose e Love, mas eles não eram os únicos que tiravam o domingo para isso. Mesmo tendo ficado um ano fora e, consequentemente, deixado seu posto de líder-orientador, Shinji foi reconhecido e cumprimentado por todos os lutadores que encontrara.
Decidiu ir até sua antiga divisão, e ver quem estava treinando no domingo, bem como cumprimentar os antigos companheiros. Embora gostasse de quase todos os membros da 5ª divisão, Shinji nunca fora muito com a cara de seu vice-orientador, Sousuke Aizen, que com sua ida para a Inglaterra, havia assumido seu antigo posto.
Lá chegando, deparou-se com uma única pessoa, que chorava copiosamente sentada no tatame. Shinji se aproximou e reconheceu a pequena mulher, Momo Hinamori, antiga assistente e atual vice-orientadora da 5ª divisão.
— Hinamori-Chan — disse Shinji, aproximando-se dela. — Por que está chorando?
Ela ergueu o rosto lentamente, os olhos castanhos estavam inchados e o nariz muito vermelho. Ouviram a porta do vestiário — que fica atrás do tatame — batendo, e com isso, Hinamori correu para longe, sem responder a pergunta de Shinji.
— Há quanto tempo, Hirako-San — disse Aizen, que havia acabado que sair do vestiário e aproximava-se de Shinji.
— Aizen — Shinji cumprimentou-o com um leve manear de cabeça. - O que houve com Hinamori?
— Ela está um pouco chateada com minha partida — respondeu em tom neutro. — Consegui investidores pro meu projeto, e estou indo para a Espanha dentro de três dias.
Shinji ouviu as palavras de Aizen com o semblante impassível. Ele tinha cabelos e olhos castanhos, usava óculos de grau e mantinha sempre uma expressão serena no rosto. Shinji não gostava dele, conviveram na mesma divisão por cinco longos anos, e sabia que o jeito polido e gentil era puro fingimento. Mesmo sendo um cara informal, Shinji nunca permitiu que Aizen lhe chamasse pelo primeiro nome.
Hinamori — que era claramente apaixonada por Aizen — seguia-o como um cachorrinho, e devia estar destruída com a notícia de que ele iria embora.
— Meus parabéns — disse Shinji, ironicamente. — Pensei que Hinamori estivesse incluída no seu projeto.
— Ela também pensou, é uma programadora talentosa, mas só posso levar duas pessoas comigo. — Suspirou. — Gin e Kaname também vão, o projeto já está pronto, e como a maior dificuldade de uma Startup é encontrar investidores, o que já conseguimos, Hinamori não possui mais nenhuma utilidade.
— Eu sempre soube que você era um tremendo filho da puta — disse Shinji. — Mas te ouvir dizendo esse tipo de merda em voz alta me embrulha o estômago.
— Sei que nunca gostou de mim, Hirako-San — respondeu Aizen sorrindo. — É uma pena eu não estar aqui no campeonato, para disputarmos pela mesma posição no Gotei.
— De fato, é uma pena — concordou Shinji, com ar de deboche.
— Sempre desejei saber por que não confiava em mim, você é o único no campus que sempre me tratou com reservas e desconfiança. — Fez uma pausa, encarando-o. — Em que momento passou a me ver como um "filho da puta"?
— Desde o momento em que você estava no útero da sua mãe — respondeu sem emoção.
Dito isso, Shinji deu as costas a Aizen, retirando-se da 5ª divisão. Sentia pena de Hinamori, mas, ao mesmo tempo, esperava que ela enxergasse o quão contraproducente era viver em prol de outra pessoa, principalmente de um bastardo como Aizen.
A 5ª divisão tinha como principais focos Aikido e Kendo. Hinamori não era uma vice-orientadora das mais fortes, na fase externa dos campeonatos, não tinha nem chance contra outros vice-orientadores ou mesmo assistentes de outras divisões, contudo, por ser uma boa instrutora de Aikido, sempre conseguia se sair bem nas fases internas, mantendo-se com uma boa posição hierárquica dentro da divisão.
Aikido é uma arte marcial que usa a força do adversário contra ele mesmo, não exige força bruta e sim técnica, no entanto, para conseguir se destacar nas fases externas dos campeonatos — onde há adversários que dominam outras artes marciais — era preciso ser excessivamente bom, e de preferência, saber outras técnicas. Embora Hinamori tivesse uma posição hierárquica de prestígio — ficando atrás apenas de Shinji e Aizen — havia um abismo entre ela e os dois homens.
Shinji sempre quis que Hiyori viesse para sua divisão, mas ela nunca fez questão de sair da 12ª, mesmo com inúmeros argumentos que ele lhe dava. Com a saída de Aizen, ela poderia conseguir o cargo de vice-orientadora facilmente, porém, aquele não parecia o melhor momento para sugerir isso, uma vez que ele ainda estava restabelecendo os laços com a amiga, e Hinamori — que havia acabado de sofrer um grande golpe — poderia ficar ainda mais arrasada com a perda do cargo.
Apesar de ter gostado da notícia de que Aizen iria embora, Shinji era um líder e pensava como tal. Mesmo sentindo empatia por Hinamori, temia que as habilidades atuais dela, aliados ao seu estado emocional frágil, atrapalhessem o desempenho da 5ª divisão como um todo.
Distraído com tais pensamentos, se pôs a pregar alguns panfletos em murais do campus, em busca de colegas para dividir moradia, pois não podia ficar dormindo na sala de seus amigos para sempre, mas também não queria ter que arcar com as despesas de viver sozinho. Se ao menos ele não tivesse dado aquela mancada homérica com Hiyori, agora podiam morar juntos, como faziam no início da graduação.
Antes de se mudarem para o barracão com os demais Vizards, Shinji e Hiyori moraram juntos por quase um ano, no andar de cima de um restaurante de lámen, e havia sido uma época muito boa. Shinji sentiu-se nostálgico com tais lembranças, e não pôde deixar de imaginar como tudo poderia ter sido diferente, se tivesse se dado conta de seus sentimentos mais cedo.
Segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014.
Realizando um sonho, era isso que Shinji e Hiyori estavam fazendo, viajando rumo a universidade que sonharam frequentar desde os treze anos de idade. Não escolheram a rota mais rápida e prática, muito pelo contrário, a viagem levaria uma semana inteira, e o roteiro havia sido planejado com três anos de antecedência, quando ainda estavam no primeiro ano do ensino médio.
Saíram de Fukuoka com o carro de Shinji — nessa época Hiyori ainda não tinha um carro — rumo a Kagoshima. O percurso de 281 km, que poderia ser percorrido em um pouco mais de três horas, levaria o dobro disso, pois fariam paradas em locais estratégicos para comer e tirar inúmeras fotos com a polaroide de Shinji.
Eram cinco horas da tarde quando pararam em um parque na beira da estrada, onde havia grandes rochas de lava petrificada, além de um enorme penhasco com uma vista estonteante. Lá embaixo, era possível ver as copas das árvores, pedras de tamanhos variados e uma belíssima vegetação rasteira em cores muito diferentes. Tiraram uma foto em frente ao penhasco, com Hiyori fazendo uma careta e Shinji exibindo seu piercing na língua.
— Próxima parada, Kagoshima! — disse Shinji, encostado no capô, fumando um cigarro. — Se precisar ir ao banheiro, melhor ir agora.
— Ta sugerindo que eu faça xixi no mato? — perguntou Hiyori arqueando uma sobrancelha.
— Qual o problema? Não tem ninguém aqui — respondeu o loiro.
— Se eu tivesse uma mangueira no meio das pernas, não me importaria de mijar em qualquer lugar, mas não é o caso — disse Hiyori em tom debochado.
— Temos mais uma hora de viagem pela frente...
— Eu aguento — respondeu Hiyori, encerrando a discussão.
Dito isso, entraram no carro e seguiram viagem. Embora tivessem gostos musicais extremamente diferentes, havia uma banda em especial da qual ambos gostavam. Roxette era, basicamente, a única banda "velha" que Hiyori gostava. Então, ao longo da viagem, ouviram e cantaram diversas músicas deles.
Quando o som de "How do you do" começou a ecoar pelas caixas do Custom Lincoln Continental de Shinji, ele não hesitou em cantar junto:
I see you comb your hair and gimme that grin
It's making me spin now, spinnin' within
Before I melt like snow, I say: Hello, how do you do?
I love the way you undress now, baby, begin
Do you caress, honey, my heart's in a mess
I love your blue-eyed voice like tiny Tim shines thru
How do you do? (How do you do?)
Well, here we are
Crackin' jokes in the corner of our mouths
And I feel like I'm laughing in a dream
If I was young
I could wait outside your school
'Cause your face is like the cover of a magazine (magazine)
Aquela música era simplesmente perfeita, pois Shinji podia cantar as partes de Per e Hiyori, as de Marie, como faziam quando crianças, pois aprenderam a curtir Roxette com a senhora Sarugaki. Hiyori acompanhava as batidas da música com os dedos, sem perder o ritmo ou suas deixas uma única vez.
How do you do (do you do) the things that you do?
No one I know could ever keep up with you
How do you do? Did it ever make sense to you To say: Bye, bye, bye?
Shinji amava a voz de Hiyori, era simplesmente incrível estar fazendo aquela viagem com ela, como sempre haviam sonhado. Ele podia ter relações familiares problemáticas, mas sentia-se abençoado por ter Hiyori e a mãe dela em sua vida, elas eram sua verdadeira família. Enquanto cantava aquela música junto de sua melhor amiga, foi arrebatado pela incrível sensação de que sonhos podiam sim se tornar realidade.
Well, here we are
Spending time in the louder part of town
And It feels like everything's surreal
When I get old I will wait outside your house
'Cause your hands have got the power meant to heal
How do you do (do you do) the things that you do?
No one I know could ever keep up with you
...
Faltava pouco para chegarem a Kagoshima e Hiyori dançava no banco, animada e tensa, e Shinji sabia que isso só podia significar uma coisa: ela precisava desesperadamente fazer xixi.
Ao chegarem à cidade, Hiyori dançava até mesmo as músicas que afirmava odiar, e Shinji teve de se esforçar muito para não ter um ataque de risos. O plano de viagem incluía uma estadia de dois dias em Kagoshima, pois desejavam conhecer o Monte Shiroyama, o famoso vulcão Sakurajima, e também o aquário da cidade. Pararam no primeiro hotel que encontraram — era um prédio antigo e não devia ser muito caro — Hiyori parecia aflita, olhando de um lado para o outro provavelmente procurando um banheiro na recepção, sem encontrar nenhum.
Shinji se adiantou ao balcão, pois não desejava prolongar a tortura de sua amiga.
— Boa noite, queremos um quarto — disse Shinji, referindo-se a recepcionista do hotel, que era uma senhora de meia-idade.
— Lamento informá-lo, mas os quartos com camas separadas estão todos ocupados — respondeu a senhora, que havia dado uma boa olhada em Shinji e Hiyori.
— Sem problemas, eu e minha esposa querermos um quarto de casal — afirmou Shinji, notando rapidamente o motivo da fala da mulher. — Querida, me dá seu documento por favor — disse, referindo-se a Hiyori.
Se a situação fosse outra, Hiyori teria ralhado ou perguntando que merda Shinji estava dizendo, mas estava tão desesperada para fazer xixi que não questionou, entregando rapidamente o documento nas mãos da recepcionista, que pôde constatar — com certo espanto — que ela era maior de idade.
Superado o primeiro obstáculo com a recepcionista, foi com pesar que constataram que não havia elevador no prédio, e precisavam subir três lances de escada até chegarem ao quarto. Shinji sabia que Hiyori estava na pior, e não pensou duas vezes para pegá-la no colo, e subir o mais rápido possível, pois não poderia permitir que ela se mijasse no caminho.
Hiyori não disse nada — estava ocupada demais segurando a bexiga — e quando finalmente chegaram ao quarto, correu para o banheiro. Após alguns minutos, ela saiu com uma expressão aliviada.
— Obrigada por me socorrer — disse ela, olhando pro chão. — Mas não se atreva a dizer "eu avisei"!
Shinji riu com gosto, mas não disse nada. Saiu do quarto para buscar as malas que haviam ficado no carro, e quando voltou, apenas se jogou na cama, completamente exausto.
— Você não pretende dormir sem tomar banho, né? — perguntou Hiyori, que havia notado a expressão de cansaço em Shinji.
— Claro que não — respondeu Shinji. —Vai você primeiro, estou só descansando um pouco.
Dito isso, Hiyori pegou suas coisas na mala e foi tomar um banho, e quando voltou — vestindo um pijama de pandas — jogou o travesseiro na cara de Shinji, a fim de acordá-lo.
— Ai! Pra que isso, sua tonta? — perguntou Shinji, despertando num susto.
— Se vamos dividir a cama, não vou dormir com você sujo desse jeito, vai tomar banho logo! — Ordenou, Hiyori.
— Só porque eu disse para recepcionista que você é minha esposa, não significa que tenha de se comportar como uma — disse Shinji, levantando devagar.
Hiyori riu da birra dele, dava para ver que estava exausto, pois haviam feito inúmeras atividades ao longo da viagem, e também acordaram muito cedo naquele dia.
— Por que disse aquilo pra ela? — perguntou Hiyori.
— Ela parecia uma mulher conservadora, e não podíamos nos dar ao luxo de prolongar aquela conversa, ou você molharia o chão da recepção — respondeu simplesmente, enquanto caminhava até o banheiro.
Quando finalmente saiu do banho, após lavar e secar seus longos cabelos, Shinji notou que havia um cup noodles para ele em cima da mesa de cabeceira. Hiyori devia ter esquentado água na chaleira elétrica que havia no quarto, e feito um para cada um deles. Como ele demorou no banho, ela já havia comido e dormia tranquilamente, mesmo sendo oito e meia da noite, pois estava tão exausta quanto ele.
Sentou-se na cama, ao lado da pequena loira que dormia profundamente, e passou a comer o cup noodles sabor frutos do mar — seu favorito — e não pôde deixar de sorrir por dentro. Era incrível como qualquer gesto de Hiyori fazia ele se sentir a pessoa mais especial do mundo.
Embora sentisse do fundo do coração que Hiyori era sua família, jamais a viu como uma "irmã". Muito pelo contrário, mesmo convivendo com ela desde os quatro anos de idade, ele a achava bonita e atraente, mas se esforçava para não demonstrar isso. Ela usava um shampoo com fragrância de morango e perfume de frutas cítricas — daqueles bem refrescantes e nada enjoativos — e Shinji gostava muito do cheiro dela. Seria uma enorme mentira dizer que dormiria tranquilo ao seu lado, pois ainda que fossem melhores amigos, ele não podia evitar se sentir atraído, principalmente numa situação como aquela.
Mas, para Shinji, atração era algo perfeitamente natural, e o fato de se sentir atraído não significava absolutamente nada além do que ele já sabia: era um homem, hétero, cheio de hormônios, e nada mais. Ele continuava tendo um cérebro, não era um animal, e sabia que transar com Hiyori seria o maior erro que poderia cometer em toda sua vida.
Relações românticas só são românticas quando não duram. Nenhum romance deveria durar mais de duas semanas, sob pena de se transformar em um compromisso sério e arruinar completamente a vida dos envolvidos. Seus pais eram a prova disso, e os pais de Hiyori também. As estatísticas mostravam isso claramente — casamentos são negócios, com contrato e tudo o mais — uma instituição falida, para qual só havia três finais possíveis: resignação, divórcio ou morte.
Já as amizades, quando sinceras, tendiam a ser incondicionais e durar a vida toda. Ele e Hiyori eram amigos há quinze anos — muitos casamentos não duravam isso — e ele queria tê-la ao seu lado pelo resto da vida. Estava determinado a não ter relacionamentos sérios, podia até se apaixonar, mas definitivamente não estava interessado em um compromisso, pois além do fracasso inevitável, um compromisso poderia fazê-lo perder o que mais prezava: sua amizade com Hiyori. Afinal de contas, nenhuma mulher gostaria de namorar um cara que têm uma melhor amiga, pelo menos não no nível de intimidade que ele tinha com a loirinha.
Ele não se importaria se Hiyori ficasse com outros caras, pois ela era uma mulher, e certamente tinha necessidades, assim como ele. O grande problema seria se Hiyori quisesse ter um relacionamento sério, pois a lógica da "intolerância ao melhor amigo" se aplicava nesse caso também, e Shinji sequer podia imaginar Hiyori namorando com alguém — torcia para que esse dia jamais chegasse — e não saberia dizer como seria sua reação numa situação dessas.
Todos esses pensamentos eram ridiculamente egoístas, e ele sabia disso. Mas é difícil abrir mão de algo perfeito quando o têm todos os dias. Para Shinji, a relação com Hiyori era perfeita, e ele jamais faria algo para estragar isso — sabia que não tinha direito de pedir que ela fizesse o mesmo — mas, torceria em silêncio para que ela visse as coisas dessa forma também.
Adormeceu em meio àqueles pensamentos, e no dia seguinte, deram continuidade ao roteiro de viagem. Aproveitaram a estadia de dois dias em Kagoshima, visitaram todos os lugares que tinham interesse, e no dia 27 de fevereiro, embarcaram no Ferrie, percorrendo 720 km de mar durante vinte e seis horas de viagem até Naha, capital de Okinawa. Turistaram por três dias na ilha principal, e depois foram de balsa até a pequena ilha onde ficava Seireitei, lá chegando no dia 03 de março.
Infelizmente, alugar moradia era um pouco mais burocrático do que se hospedar em um hotel, mas como já contavam com isso e viajaram com antecedência, quando as aulas se inciaram no dia 17, já estavam devidamente acomodados em uma pequena kitnet que ficava no andar de cima de um restaurante de lámen.
Aquelas lembranças eram maravilhosas e horríveis para Shinji. Agora, em retrospecto, percebia o quão imaturo ele era aos dezoito anos, e continuou sendo até os vinte e três. Era só uma questão de tempo até Hiyori conhecer alguém que a quisesse de todas as formas possíveis: como amiga, mulher e companheira, e quando Grimmjow surgiu na vida dela, Shinji torceu para que fosse só um ficante, algo passageiro, mas quando percebeu que as intenções dele eram mais sérias, o ciúme foi simplesmente incontrolável.
Todos os maiores medos de Shinji foram se concretizando nos últimos dois meses de 2018, diante de seus olhos, e ele não teve maturidade para lidar com nada daquilo. Ao longo de 2019, enquanto estava na Inglaterra, teve tempo suficiente para refletir e reconhecer todos os seus erros, tendo sua mãe um importante papel nesse processo, pois ele havia passado um tempo considerável com ela lá.
Embora uma parte de si acreditasse que Hiyori ainda tinha sentimentos por ele, sabia que não podia simplesmente se declarar para ela, pedir que ficasse com ele para sempre, pois precisava se redimir antes e dar tempo e espaço enquanto ela passava pelo difícil processo do luto pela mãe. E, se nesse meio tempo ela decidisse ficar com Grimmjow ou qualquer outra pessoa, teria de se conformar, pois agora admitia para si mesmo que a amava, e a felicidade dela era o que mais importava. Repetia isso mentalmente todos os dias, com o objetivo de não fazer mais nenhuma merda.
Desde o dia da festa no karaokê — no final de 2018 — Shinji sabia que Hiyori nutria sentimentos por ele, no entanto, quando finalmente soube dos sentimentos dela, teve de vê-la com outro, e isso causou uma confusão mental de proporções grotescas nele.
Mas agora já estava feito, os dados haviam sido lançados, e ele daria o melhor de si para merecê-la. Se a perdesse, aceitaria a derrota, mas até que esse dia chegasse, faria tudo que estivesse ao seu alcance para conquistá-la, e dessa vez faria do jeito certo.
Quando colava o último cartaz no mural, foi abordado por um velho conhecido.
— Shinji, há quanto tempo! — disse Renji Abarai, aproximando-se dele. — Como foi na Inglaterra?
— Renji — cumprimentou Shinji, dando-lhe um fraterno tapa nas costas. — Foi bom enquanto durou, mas senti falta daqui, como estão as coisas na 11ª divisão?
— Estão bem, mas não faço mais parte dela — respondeu o ruivo, coçando a cabeça, parecendo um pouco sem jeito. — Me tornei vice-orientador da 6ª divisão.
— Meus parabéns! — disse Shinji, entusiasmado. — Apesar de eu não invejar a sua situação...
— Como assim? — perguntou Renji, sem compreender o comentário de Shinji.
— Não deve ser fácil estar na mesma divisão que o seu cunhadinho — disse Shinji rindo. — Como está Rukia-Chan?
— Ela está bem, se tornou vice-orientadora da 13ª divisão — comentou Renji todo sorridente. — Kuchiki é um líder sério e um cunhado bem mala, mas para quem aguentou a 11ª divisão por três anos, não posso reclamar.
— Os rapazes ficaram chateados com sua saída?
— Não, eles entenderam — disse Renji. — Se Ikkaku e Yumichika quisessem subir na hierarquia, poderiam facilmente chegar a liderança em outras divisões, mas são completamente obcecados por Zaraki, você sabe. — Fez uma pausa. — Mas, apesar disso, eles não julgaram minha decisão, zoaram um pouco, mas foi só.
— Eles são caras legais, ainda não tive oportunidade de reencontrá-los — comentou Shinji.
— Está procurando moradia? — perguntou Renji, voltando a atenção para o panfleto que Shinji havia colocado no mural. — Estamos com um quarto livre lá em casa, Iba foi embora da ilha, se tiver interesse...
— Claro, tenho sim — respondeu Shinji. — Está morando com Kira e Hisagi?
— Estou, inclusive íamos colocar um anúncio amanhã, já que o aluguel da casa é caro para nós três pagarmos sozinhos, se quiser ir dar uma olhada, estaremos em casa a partir das seis da tarde.
— Combinado.
Dito isso, Shinji foi se encontrar com Love e Rose, para irem para casa. Não estava exultante com a perspectiva de morar com colegas não muito próximos, mas ainda sim, era melhor do que morar com estranhos.
Encontraram-se na porta do Instituto, Rose sentou-se na frente com Shinji, e Love foi no banco de trás.
— Estou preocupado com Kensei — disse Love. — Ele sempre arrastou a gente para treinar de domingo, e hoje ficou trancado no quarto e nem quis vir, isso nunca aconteceu antes.
— Também achei estranho — comentou Rose. — Mas, tenho sérias dificuldades em conversar com Kensei, sinto que não o compreendo, estou preocupado, mas não tenho ideia de como ajudá-lo.
— Kensei e eu somos próximos, acho que o que rolou com a Mashiro sábado está fodendo a cabeça dele — disse Love. — Mas não levo jeito para conversar sobre esse tipo de coisa, tenho medo de piorar as coisas em vez de ajudar, ou parecer invasivo, sei lá.
— Vou falar com ele hoje — Shinji anunciou. — É melhor parecer invasivo do que deixar ele lidando com isso sozinho.
Todos estavam preocupados, e Shinji não era uma exceção. Fez o que pôde para "conter os danos" no sábado, mas sentia que Kensei estava vivendo um momento delicado, e desejava ajudá-lo.
Quando chegaram em casa, ouviram uma música não muito alta. Quando abriram a porta da sala, Shinji reconheceu a voz de Hiyori de imediato — sentiu o coração disparar — não a ouvia cantar há mais de um ano, tendo sido a última vez deveras marcante para si.
Rose e Love também estranharam, seguiram o som, e quando chegaram na porta do quarto de Rose, depararam-se com uma cena no mínimo curiosa: Hiyori cantava e tocava piano, e Kensei a assistia sentado no chão do quarto.
Shinji a conhecia como a palma da mão. Só de ouvir a entonação de sua voz, sabia que tinha algo errado. Devia haver um excelente motivo para ela estar cantando para Kensei às nove da noite de um domingo, e algo lhe dizia que tinha a ver com o estado preocupante do amigo.
Quando Hiyori terminou sua performance, os três a aplaudiram com entusiasmo, e o susto que deram nela e Kensei não lhes passou despercebido.
— Não sabia que tínhamos mais uma pianista nos Vizards! — disse Rose entusiasmado.
— Ao todo são três, tem outro bem atrás de você — respondeu Hiyori rindo.
— Shinji também toca? — questionou Love. — Como esconderam isso de nós por tanto tempo?
— Vocês nunca perguntaram — disse Shinji, dando de ombros.
— E o que os dois invasores atrevidos fazem no meu quarto? — perguntou Rose, fingindo aborrecimento.
— Culpa minha — disse Kensei. — Não acreditei quando ela falou que tocava piano, então invadimos seu quarto para ela provar suas habilidades.
— Então foi por uma boa causa, mas ainda não explica o que Hiyori faz aqui, vestindo suas roupas — afirmou Rose, todo debochado.
— Não estou transando com ele, se é o que quer saber — disse a loirinha, arrancando risos de todos. — Mas é uma longa história, vou fazer o jantar e conto depois que estiver de bucho cheio.
— Desde quando você cozinha? — perguntou Love.
— Eu sei fazer alguns pratos, tá? — respondeu Hiyori enquanto saía do quarto rumo a cozinha.
Hiyori sabia, de fato, cozinhar algumas coisas, mas detestava fazê-lo. Shinji sabia que o fato dela se oferecer para fazer o jantar de forma tão espontânea só podia significar uma coisa: estava ganhando tempo.
Ela pegou alguns ingredientes na cozinha e passou a preparar um mac 'n' cheese que havia aprendido a fazer nos Estados Unidos, enquanto os rapazes conversavam com Kensei sobre trivialidades na sala.
Kensei parecia bem, não estava mal humorado como antes, e conversava normalmente, mas Shinji sentia uma tensão, tanto nele quanto em Hiyori. Rose e Love eram desligados para esses detalhes, e certamente não haviam reparado, mas Shinji era o tipo de pessoa que pegava as coisas no ar.
Quando o jantar ficou pronto, os cinco se sentaram para comer o macarrão de Hiyori — que surpreendentemente estava muito bom — mas, quando terminaram a refeição, permaneceram em silêncio aguardando uma explicação.
— Vou me mudar amanhã, mas não aguento mais um só dia dormindo no sofá das meninas — disse Hiyori. — Então eu resolvi dormir aqui, mas tive a brilhante ideia de vir caminhando, e cheguei ensopada de suor, então tomei um banho e também a posse dessa camiseta do Kensei.
— Ficou parecendo um vestido em você - disse o platinado. — Pode ficar com ela.
— Mas, aqui só têm sofá pra você dormir, pivete — comentou Love, franzindo a testa.
— Nada disso, Kensei duvidou que eu sabia tocar piano, e apostamos a cama dele — disse a loira com convicção. — Ele vai ter que dormir na sala com Shinji.
— Justo — disse Shinji rindo. — Se me derem licença, vou fumar um cigarro.
Dito isso, Shinji se retirou da cozinha e foi para a varanda. Hiyori podia enganar Love e Rose com aquela desculpa esfarrapada, mas ele sabia que ela não estava dizendo a verdade, e isso só aumentava sua preocupação. Sentou-se na varanda e ficou observando o céu, enquanto fumava um cigarro, e tentava entender o que, de fato, estava acontecendo.
Após alguns minutos, Kensei se juntou a ele. Shinji analisou seu semblante, e sabia que ele tinha algo importante a dizer, mas que não o faria sem um incentivo.
— Veio me contar o que realmente aconteceu? — perguntou, encarando o amigo e apagando o cigarro em seguida.
— Você não acreditou nela, né? — disse Kensei.
— Nem por um segundo — respondeu Shinji, soltando uma risada estranha. — Hiyori sempre pisca várias vezes quando mente, mas não se preocupe, os outros dois acreditaram nela.
Ficaram em silêncio por alguns minutos, Kensei parecia processar as palavras de Shinji e estar buscando uma forma de dizer algo muito específico.
— Só quero que saiba que — Fez uma pausa. — Eu e ela, nós não...
— Isso sequer passou pela minha cabeça, Kensei — disse Shinji, compreendendo as preocupações do amigo. — Minha única preocupação é com você.
— Comigo? - perguntou o platinado, franzindo a testa.
— Sim — respondeu Shinji. — Sei que o que houve com Mashiro te perturbou bastante, e quero que saiba que não está sozinho, não pretendo me meter nos seus assuntos, mas não quero que pense que não me importo. — Suspirou. — Eu e os rapazes, nos importamos muito com você, mantenha isso em mente.
Kensei certamente não esperava ouvir aquilo, mas aquelas palavras o encorajaram o suficiente para que ele contasse a verdade para Shinji. Ele deu uma versão bem resumida, enquanto o loiro ouvia em silêncio, e após alguns minutos, tudo ficou esclarecido.
Shinji permaneceu em silêncio, digerindo as palavras hesitantes de Kensei, e não pôde evitar que algumas lágrimas lhe escapassem. Não era fácil para ele descobrir que, ainda naquela tarde, poderia ter perdido um de seus melhores amigos e a mulher de sua vida.
Abraçou Kensei — que estranhou a atitude, mas não tentou impedir — e após alguns segundos disse:
— Estou feliz que está vivo — Suspirou. — Mas é melhor você voltar lá pra dentro, ou vão desconfiar de algo.
— Você vem também? — perguntou Kensei ao se levantar.
— Daqui a pouco — respondeu Shinji.
Shinji permaneceu na varanda com seus pensamentos. Estava arrasado, jamais poderia imaginar que o sofrimento de Kensei o levaria a tomar uma atitude tão extrema, e embora estivesse feliz por Hiyori estar no lugar certo no momento certo, não pôde deixar de sentir o peito doer, imaginando todo o perigo que ela correu.
Após alguns minutos — não saberia dizer quantos ao certo — Hiyori apareceu, sentando-se ao seu lado. Olhou nos olhos dela, via que estava preocupada e perdida com toda aquela situação, então não se segurou quando teve o ímpeto de puxá-la para si, abraçando-a e lhe dando um beijo na testa.
Hiyori se aconchegou nos braços de Shinji, enquanto ele apoiava o queixo no todo da cabeça dela.
— Eu estou muito orgulhoso de você — disse Shinji. — Mas não suporto a ideia de quase ter te perdido.
— Não sei o que fazer, Shinji — respondeu Hiyori, com os olhos marejados, tendo compreendido que ele já sabia de tudo. — Precisamos ajudar o Kensei...
— E vamos. — Segurou o rosto dela olhando-a com convicção. — Daremos o nosso melhor.
Naquele momento havia ficado clara a determinação mútua. Eles ajudariam Kensei, e dariam tudo de si naquela empreitada.
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