Capítulo 09
Na saída do pequeno auditório sinto uma mão me segurando pelo braço.
— Ei, mocinha, está com pressa? — Sorrio para Lara que prende seu braço ao meu e me força a continuar caminhando.
— Fome seria a palavra correta, meu bem! — Digo fazendo-a rir.
— Gosto do seu senso de humor.
— Senso de humor é uma coisa que eu não possuo, tenha certeza disso! — Sussurro mais para mim mesma.
Sinto o celular vibrar em meu bolso. Pego-o rapidamente e atendo assim que vejo o nome na tela.
— Oi, mãe! Finalmente consigo falar com a senhora. — Brinco.
— Ah, querida, ontem o dia foi agitado demais. Com o pastor Pedro aí em Minas, seu pai e eu ficamos à frente da congregação. Ainda bem que a pequena Hel nos ajudou com alguns departamentos.
— Mamãe, a pequena Hel não é tão pequena assim! Ela é uma mulher feita e quase casada! — Digo já sabendo que entrar nesse assunto seria discussão perdida.
— Agatha Tavares, eu chamo minhas crianças do jeito que eu bem entender! — Afasto um pouco o telefone do ouvido, fazendo Lara colocar a mão desocupada na boca para conter a gargalhada.
— Tudo bem, dona Fernanda! — Reviro os olhos. A esta altura já estávamos chegando ao refeitório — Como estão as coisas por aí? O Papai, Ângelo, Verônica, Angela...
— Estão todos muito bem, minha filha! Não se passou nem dois dias desde que vocês se viram. — Ouço barulho de panelas caindo — Glórias! — Foi inevitável não rir com a imagem da minha mãe derrubando as panelas e se controlando para não perder a bênção, como ela mesmo costumava dizer — Sem risadinha, dona Águi.
— Perdão! — Desfaço o contato do meu braço com Lara e pego um prato na pilha de louças — Ainda está preparando o almoço?
— É o que parece. — Responde irritada.
É, parece que mamãe já perdeu a bênção. Sorrio com a saudade que já começava a sentir.
— Então não irei mais te atrapalhar. Mande um beijo para todos por favor, e fiquem com Deus!
— Pode deixar, querida! Amém! Fiquem com Deus e não esqueça de ser simpática com as pessoas! — Grita a última parte, e Lara ao meu lado não contém a gargalhada dessa vez — Te amo, minha filha!
— Te amo, mãe!
Desligo a chamada e coloco o aparelho de volta no bolso. Lanço um olhar feio para a jovem mulher ao meu lado que faz um gesto de estar fechando os lábios e jogando a chave fora.
Como fomos as primeiras pessoas a chegarem ao refeitório, fizemos nossos pratos rapidamente e escolhemos uma das melhores mesas, a que fica ao lado de uma grande janela com visão para um dos vários jardins.
— Então... — Lara começa a dizer assim que nos sentamos — Você não costuma ser uma pessoa simpática?
Franzo o cenho ao ser pega desprevenida pela sua pergunta. Mas logo me recordo da conversa com mamãe.
— Eu tenho cara de ser uma pessoa antipática? — Rebato arqueando uma sobrancelha fazendo-a arregala os olhos.
— Para falar a verdade, você tem cara de ser uma pessoa simpática, mas as aparências enganam. — Espeta seu garfo em um pedaço de brócolis e dá de ombros antes de enfiar o alimento na boca.
— Não sei qual é o assunto, mas concordo com a Lara. — Caio responde sentando-se ao meu lado.
— Nem queira saber! — Resmungo.
— Sabe, Caio. — A mulher começa — Você que a conhece há um bom tempo, me responda com sinceridade!
— Sou a pessoa mais sincera do mundo! — Sorri largamente.
— A Águi é uma pessoa simpática ou antipática? — Crispa os olhos para o meu amigo.
— Hum, boa pergunta! — Ele apoia os cotovelos na mesa e cruza as mãos na altura do rosto. Encara-me por um momento antes de finalmente responder a simples pergunta — Ela é simpática! — Volta-se para Lara — Apenas com os amigos. Os desconhecidos ela tolera e tenta suportar. Sabe aquela passagem: Suportando-vos uns aos outros...
— Isso é mentira, Caio! — Empurro-o com meu corpo, fazendo o jovem rir.
— Exagerei um pouco, confesso! — Seca uma lágrima que rolava em seu rosto, fruto das risadas à minha custa — A Águi é uma das melhores pessoas que eu tive o prazer de conhecer! — Segura minha mão olhando em meus olhos — Passamos muitos anos afastados, mas quando nos reencontramos pude perceber que ela continuava a mesma, na verdade eu acredito que está melhor ainda. — Sorri docemente — Ela é um pouco desconfiada no início, mas quando conhece e confia na pessoa, faz de tudo por ela.
Suas palavras me enchem de uma emoção diferente. Jamais me descreveria daquela forma. Fico me perguntando como um menino de dez anos conseguiu fazer isso, pois a última vez que nos vimos, Caio era apenas um pré-adolescente.
— Uau, isso foi profundo! — Lara comenta com admiração — Quantos anos você tem, meu filho?
— Vinte! E por favor, senhorita, não me chame mais de meu filho. Assim parece que sou muito novinho, e tenho certeza que você é pouca coisa mais velha que eu. Vinte quatro? — Desafia o mais novo.
— Vinte e três! — A morena sorri de lado.
— Ótimo! — Pisca para ela e volta-se para seu prato.
Olho de um para o outro. Até que eles formariam um belo casal. Apesar da pouca idade, Caio tem se mostrado ser um homem maduro e responsável. E Lara... Bom, ainda não a conheço muito bem, então prefiro não tirar conclusões precipitadas.
— Por que está nos olhando assim? — Lara dirige a pergunta a mim.
— Eu? — Falo de boca cheia, esquecendo-me de mastigar enquanto analisava a situação à minha frente. Ela concorda e eu retorno a mastigar a comida antes de responder — Por nada! Só estava pensando.
— E em que estava pensando? — Cruza os braços sobre o peito.
— Que as pessoas são bastante curiosas! — Rebato e ela arregala os olhos mais uma vez.
— Que ogra! — Comenta chocada.
— Não falei! Suportando-vos uns aos outros! — Caio sussurra para a jovem.
— Me desculpe! Não quis ser grossa, Lara...
— Tudo bem! Já percebi que você não gosta que se metam em sua vida e que não é muito paciente! — Ela faz um gesto como se estivesse escrevendo algo no ar — Prontinho, anotado! Não farei isso novamente!
Caio e eu trocamos olhares por um instante antes de soltarmos altas gargalhadas.
— Qual o motivo da gargalhada? — Lídia pergunta se sentando em minha frente, ao lado da Lara — Deu para escutar do outro lado do refeitório.
— Nada importante, Lili! Só estamos analisando o quanto sua colega de quarto é peculiar. — Caio comenta. Insatisfeita com a resposta do meu amigo, a morena joga um pedaço de papel que acerta em cheio seu rosto, caindo logo depois em seu prato.
— Bela mira! — Estico meu braço sobre a mesa. Lara faz o mesmo, batendo sua mão contra a minha.
— Ainda estou boiando, mas enfim! — Lili comenta — E aí meninas, o que acharam da primeira aula?
Para que ela foi perguntar justamente sobre a bendita aula? Por mais que eu tivesse prestado atenção em algumas coisas, na maior parte do tempo tentava forçar minha mente a parar de pensar que o amor da minha adolescência estava sentado bem ao meu lado.
Obviamente que em vários momentos eu me soquei mentalmente por estar focando em algo que não era minha prioridade, mas quem consegue controlar um coração que há anos vem tentando reprimir uma grande paixão?
— Águi? — Lili balança a mão em frente ao meu rosto.
— Oi? — Minha resposta sai mais como uma pergunta.
— Perguntamos o que você achou do seu primeiro dia de aula. — Ela olha para o meu pescoço e franze o cenho — Que tanto você fica mexendo nesse colar? Pode acabar arrebentando.
Espantada, olho para baixo e percebo que, mais uma vez, mexia no pingente em formato de estrela. Coloco-o dentro da blusa e ofereço um sorriso notavelmente forçado.
— Bom, as partes que eu acompanhei foram interessantes, mas confesso que não consegui prestar muita atenção. — Dou de ombros e volto a comer.
— Estava no mundo da lua, maninha? — Caio sussurra perto de mim. Lanço um olhar gélido para ele.
— Maninha? — Lili pergunta.
— Chegamos, pessoal! — Felipe se aproxima juntamente com os dois homens que estavam com eles no café da manhã — Posso? — Pergunta apontando para a cadeira ao meu lado esquerdo, já que Caio sentava ao meu lado direito.
— Claro! — Bebo um gole do suco e volto minha atenção para o jovem ao meu lado direito, que ficou tenso de uma hora para a outra.
— Está tudo bem? — Questiono apenas para que ele escutasse.
— Está sim! — Bebe um gole do líquido em seu copo.
— E aí, Caio! Cadê o Ferraço mais velho? — Felipe chama a atenção do meu amigo que o olha com um sorriso zombeteiro no rosto.
— Papai? Está em casa, Santiago!
— HA HA HA! Você não perde uma! — Lipe ri — Mas é sério. Preciso falar com o seu irmão.
Caio olha por cima do ombro e aponta com a cabeça.
— Está tendo uma reunião de emergência com alguns líderes. — Olhamos para a mesa onde Vicente, Theo, Samanta e outras pessoas estavam sentadas conversando seriamente enquanto comiam — Parece que eles precisaram mudar algumas coisas sobre a missão.
— Como assim mudar? — Felipe pergunta se voltando para nós.
— Os missionários da Líbia estão precisando de suporte médico imediato. — Eles me encaram espantados — Fiquem tranquilos, pois eles receberão em breve. Os profissionais da área da saúde que estão na Espanha serão enviados ainda esta semana.
Caio suspira aliviado e Lipe ainda me observa com desconfiança.
— E onde eles entram nisso? — Aponta com a cabeça para a mesa onde a reunião acontecia.
— Nós precisaremos receber um treinamento diferente, e eles estão à frente disso.
— Por quê? — Dessa vez quem pergunta é um dos amigos do Caio, acho que o Jorge.
— Porque se houver necessidade, ao invés de irmos para a Espanha com vocês, nós seremos enviados para a Líbia. — Lara responde com cautela enquanto fazia círculos imaginários na mesa.
O silêncio que se faz é extremamente desconfortável. Não é preciso ser onisciente para saber o que se passava na mente de cada um. O medo e a preocupação eram explícitos em cada feição.
— Líbia, Agatha? — Felipe quebra o silêncio.
— Sim, Lipe! — Respondo unindo os talheres no meio do prato, em sinal de que finalizara minha refeição.
— Você sabe como aquele lugar é perigoso, não sabe? — Sua voz era carregada de tensão.
— É claro que sabemos! — Olho para as mulheres presentes na mesa.
— Vocês três irão? — A voz de Caio sai mais como um grito.
— Nós três e outros profissionais da área da saúde. Incluindo os que estão naquela reunião. — Lara responde inocentemente.
— Acalme-se, Caio! — Seguro sua mão ao perceber que ele trincava o maxilar — Se realmente for da vontade do nosso Deus, nós iremos sim! — Asseguro.
— É arriscado demais, Águi! — Responde com frieza.
— Sim!
— E mesmo sabendo que há inúmeros riscos vocês querem ir!
— É claro! Confiaremos que a vontade soberana do nosso Deus se cumprirá acima de tudo, e ela é boa, perfeita e agradável! Independentemente do que acontecer, sabemos que ele jamais nos deixará desamparados.
O jovem retira a mão que estava debaixo da minha e esfrega o rosto nervosamente. De repente ele empurra a cadeira para trás e se levanta.
— Para onde você vai? — Minha pergunta é ignorada. Ele simplesmente nos dá as costas e sai pisando duro em direção ao outro lado do refeitório.
Não é preciso dizer que os olhos de todos na mesa estavam fixos em cada movimento dele.
— Droga! — Lili sussurra com pesar.
A última coisa que conseguimos acompanhar, foi um Caio enfurecido sair do refeitório sendo seguido por um Vicente preocupado. E o que eu mais queria era me levantar e segui-los. Quando estava prestes a fazê-lo, escuto Lídia dizendo "eu volto já!" e correndo para fora do refeitório.
Meus olhos encontram os de Lipe que me oferece um pequeno sorriso sem mostrar os dentes.
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Capítulo extra para alegrar nossa quinta!! Até amanhã ♥️
Att.
NAP 😘
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