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4 • Lembranças

Perdão pela demora, mas tá aqui aa

Capítulo vai ser focado no Kiri.
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18 de março de 2020 - Quinta-feira

Eram exatas 5 horas da manhã e o alarme do celular havia começado a tocar incessantemente. A música era alta e irritante o suficiente para conseguir acordar alguém em instantes e foi o que aconteceu com Eijirou Kirishima.
O ruivo abriu os olhos preguiçosamente, sentindo uma leve dor de cabeça com o som repetitivo, levando as digitais ao aparelho que carregava na estante ao lado da cama e desativando o alarme, seus tímpanos já não sendo mais perturbados e agora podendo desfrutar do silêncio naquele cômodo. Era sempre assim, silencioso e solitário, nada que já não estivesse se acostumado.

Espreguiçou-se, levantando da cama e já começando a fazer algumas flexões matinais. Minutos depois, foi ao banheiro fazer suas necessidades e, principalmente, arrumar seu cabelo, enchendo-o de gel para ficar espetado da forma que gostava.

Às 5:50, já estava devidamente uniformizado para ir dar suas aulas de educação física. Olhou para a foto de uma mulher de madeixas castanhas na estante antes de sair do apartamento e disse:

- Até mais tarde, Mayu. - sorriu, um sorriso que oscilava entre ânimo e desanimo.

Enquanto finalmente saia, seu celular tocou. Viu o nome do contato, já sabendo de quem se tratava e o que essa pessoa falaria, suspirando e atendendo.

- Bom dia, Mina - falou, já desperto conforme trancava a porta do apartamento com sua mochila nas costas.

- Bom dia meu amor - a voz de sua amiga irradiava animação como sempre - Então...

- Nem pense. - proibiu, já imaginando do que ela falaria.

- Mas Kiri... - insistiu - Você fica falando dele quase todo dia e ontem você ficou tão preocupadinho enquanto disse que encontrou ele chorando...

- E o que tem? Eu acho ele um cara legal, apenas isso. - explicou-se - Também não gosto de ver alguém chorando, é claro que eu ficaria preocupado.

- O jeito que você ficou preocupado foi diferente, Kiri. Até chamou ele para conversar!

- Eu chamaria qualquer um que estivesse triste.

- Você tava quase chorando enquanto me contava que não queria mais ver ele daquele jeito.

- A ligação vai cair - preferiu não argumentar contra a garota, pois sabia que perderia, entrando no elevador apressado.

- Você sabe que não pode se prender a ela para sempre... - jogou sujou com o "Ela". Eijirou sabia a quem se referia, era seu ponto fraco, afinal. Nem pôde responder, pois a ligação caiu segundos depois enquanto era levado pelo elevador até o térreo.

Lembrar dela ainda doía, por mais que já tivesse a "superado" e agora já houvesse passado muito tempo. "Ela" é sua esposa, Mayumi, que morreu durante um parto há 12 anos.
Foi difícil prosseguir depois de sua morte. Se conheceram no início do Ensino Médio e um ano após se formarem, se casaram. Alguns meses depois do casamento, por descuido de ambos, a mulher acabou engravidando.

Apesar de não odiar aquilo, Kirishima se sentiu culpado por ter concebido um filho à mulher sem que nenhum dos dois houvesse planejado tê-lo, imaginando que foi por sua falta de atenção ao colocar a camisinha não percebendo que estava furada.

Ambos eram responsáveis, mas o ruivo insistia que a culpa era apenas dele, mesmo que a mulher deixasse claro que aquilo era responsabilidade dos dois e que afirmasse estar bem com aquela condição, também desejando ter um filho há tempos.
Depois de finalmente terem conseguido conversar sobre o assunto de maneira mais moderada, decidiram que seriam responsáveis por seus deslizes e mesmo que ainda fossem muito jovens para ter uma família, começaram a arrumar tudo, desde roupinhas até a escolha de nomes, tendo em mente que seria um menino.

Mas mesmo com todo cuidado do mundo, imprevistos ainda acontecem.

Esse imprevisto ocasionou a morte da mulher durante o parto.
E de seu filho.

A notícia veio como uma facada, não ouviu mais nada que a enfermeira disse quando recebeu a notícia. Sua ficha não caiu no momento, achou que era uma brincadeira de muito mal gosto, mas ao ver a expressão pesarosa dos outros médicos, entendeu que não se tratava de uma mentira.

Não era um pesadelo, era real. E a realidade não poderia ter sido mais dolorosa consigo.

Teve que vender todo enxoval que haviam preparado juntos, além dos brinquedos, berço, carrinho... tudo. Não sobrou nada que pudesse evidenciar que o ruivo perdera seu filho antes mesmo de nascer.
Se sentia culpado e isso apenas piorou quando a família de sua esposa veio buscar seus pertences dois dias depois de seu funeral, enquanto não mediam palavras para culpar o homem pela morte de sua filha.

"Se não tivesse engravidado ela, isso não teria acontecido..."

Talvez fosse mesmo sua culpa, não? Era o que o ruivo pensava, sua autoestima se tornando cada vez mais inexistente, não tinha mais Mayumi para lhe dizer que não era sua culpa e que iria ficar tudo bem.

Nada estava bem sem ela.

***

12 anos se passaram. Foram longos anos onde Eijirou teve apoio, principalmente, de Mina Ashido, sua melhor amiga que cursava psicologia na época e seu melhor amigo, Denki Jirou, que tornou-se um eletricista como sempre sonhara, além de sua própria família que sempre esteve lá por ele.

E agora ali estava o ruivo, saindo do elevador para mais um dia de trabalho. Amava sua profissão, pois adorava ver seus alunos empolgados enquanto competiam entre si, sempre ressaltando a importância da confiança mútua em um time e como era importante a prática de exercícios físicos.

Ao chegar na escola, foi para sala dos professores tomar um café enquanto conversava com algum colega de trabalho esperando o início do expediente. Sentou-se na mesa junto à Kyoka Jirou, uma mulher de madeixas arroxeadas que era esposa de seu melhor amigo.

- Bom dia, senhor Kirishima - ela disse ao ver o ruivo sentando na cadeira ao seu lado.

- Bom dia - sorriu com o cumprimento - Me sinto velho sendo chamado de senhor - riu - Só tenho 34.

- Então coitado do Bakugou, tem 31 e você continua a chama-lo assim. - falou irônica, lembrando de ver seu amigo reclamando pela forma de tratamento do ruivo.

- É por educação. - argumentou cruzando os braços. Brevemente, as falas de Ashido mais cedo começaram a serem repassadas em sua mente e uma leve coloração avermelhada tomou conta de sua face.

- Está ficando vermelho, tudo bem?

- Ah, sim. Estou bem. - coçou a nuca, sorrindo singelo e tentando desviar seus pensamentos para outras coisas.

- Estranho, você fica assim toda vez que falamos do "Senhor Bakugou". - insinuou, sorrindo ao ver os olhos do ruivo arregalarem e balançar a cabeça em negação.

- Impressão sua.

***

Minutos depois, o sinal tocou, indicando que as aulas começariam, fazendo com que os professores se deslocassem até suas respectivas salas. Kirishima deu cada aula sem tirar o sorriso de satisfação em poder presenciar pessoas se divertindo de maneira saudável em momentos descontraídos, formou-se como professor de educação física justamente por ter sido sua matéria favorita durante toda a vida escolar, mas quando de fato começou a dar aulas - na maioria das vezes para crianças - a sensação de alegria preencheu um pouco do vazio que foi deixado após a morte de Mayumi e do filho. Foi muito difícil, porém conseguiu viver com aquele peso para realizar seus sonhos.

No momento, estava com a turma do quarto ano na sala, pois a aula havia acabado.
Por algum motivo, tinha a sensação de estar sendo observado por dois pares de olhinhos curiosos, mas ignorou-a, imaginando ser só coisa da sua mente.

Isso até ser abordado pelas duas crianças quando estava prestes a sair da sala. Sabia serem os filhos do homem mais irritadiço, e estranhamente atraente, dedicado e responsável que conhecera. Dono de uma bela cabeleira loira e íris cor carmesim intensas, além de uma voz rouca que julgava muito máscula.

- Tio Eiji! - Katsuo chamou-o, um nervosismo evidente em sua voz.

- Sim? - direcionou um sorriso gentil ao garoto, agachando para ficar da sua altura.

- M-me responde uma coisa? - olhou de relance para a irmã, que apenas observa a em silêncio.

- Claro que sim. - alargou o sorriso, mostrando os dentes pontiagudos.

- V-você tem... namorada? - novamente, o garotinho fez aquela pergunta à alguém. Que injusto, por que era sempre ele a fazer este tipo de pergunta?

Kirishima arregalou os olhos, não imaginava este tipo de pergunta saindo da boca de crianças, mas pensou ser alguma curiosidade boba do rapaz e foi sincero.

- Não tenho - sorriu novamente, mas agora seu sorriso emanava um pouco de seu desanimo. Infelizmente não tinha mais, mas aquilo já era passado.

- Ah, tá - foi difícil para Katsuo segurar a expressão surpresa, temeu muito que a resposta fosse sim, pois o "Tio Eiji" era tão legal que não imaginava alguém que pudesse desgostar dele, mas sentiu um alívio imenso - e sua irmã também - ao notar que mais uma vez seu plano poderia dar certo.

Bom, o alívio durou pouco.

Por um segundo, sentiu a presença de alguém conhecido, desviando o olhar para porta da sala e vendo seu pai lhe encarando com irritadiço. Havia esquecido completamente que a próxima aula seria dele, ficando totalmente sem reação diante daquele flagra. Olhou para sua irmã e ela não estava muito diferente de si, apenas desejando que seu progenitor não tivesse ouvido a conversa. Com certeza ele não se sentiria orgulhoso de seus filhos estarem sendo tão invasivos com seus professores.

Kirishima notou suas expressões recheadas de temor, seguindo seus olhares e vendo o loiro apenas esperando para que o ruivo saísse da sala para finalmente iniciar sua aula.

- Ah, me desculpe, senhor Bakugou - levantou-se de imediato, pegando a mochila na mesa de professores e começando a caminhar para sair.

Katsuki estalou a língua antes de impedi-lo.

- Eu quem me desculpo por ter filhos tão inconvenientes. - olhou de relance para Katsuo e Hana, que tinha certeza de ter dado a ideia - Peçam desculpas.

- Isso não é necessário, não achei inconveniente, foi apenas uma pergunta inocente. - Kirishima protestou, ficando mal pelas crianças.

- É necessário sim - suspirou, não queria que seus filhos fossem intrometidos e inconvenientes com as pessoas. Se essa vez passasse, eles provavelmente continuariam sem aprender a lição - Agora peçam.

- Desculpa tio Eiji. Não queríamos te deixar bravo - falaram em uníssono, o remorso e a vergonha os corroendo.

Mesmo querendo protestar e dizer que aquilo não era necessário, reconhecia que Katsuki estava certo. Aquilo pode de fato ser bem invasivo para outras pessoas e por mais inocente que aquelas crianças fossem, deveriam aprender que não é algo que se pergunte desta forma, igual a qualquer outra pergunta pessoal.

- Desculpas aceitas - sorriu, afagando a cabeleira de ambos como forma de conforta-los - E eu não estou bravo, tudo bem? - as crianças sorriram e Katsuki revirou os olhos irritado com aquela calma em lidar com seus filhos.

- Tudo bem, agora vaza para eu dar aula. - rosnou, sendo respondido por uma risada e um sorriso singelo do outro, que saiu da sala correndo, imaginando estar atrasado para a aula que tinha em outra turma.

***

Enquanto andava apressado pelo corredor, pensava nos eventos anteriores, achando Katsuki um pai bem responsável para com os filhos.
E sem exclui-los, também os achava ótimas crianças, sendo bem educadas e comportadas, o que lhe deixava contente.

Imaginou se poderia ter sido um bom pai como Bakugou se tudo não tivesse desandado...
Ficava triste com a lembrança, mas não deixaria a tristeza lhe abater. Como dizia, não era nada másculo.

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