35 | Ruiva
"Sim, você poderia dizer que sente falta de tudo o que tínhamos, mas eu realmente não me importo
com o quanto dói"
— McRae
—— A A R O N ——
Depois da desavença que tive com o meu pai a minha cabeça parecia que iria explodir a qualquer momento, os meus pensamentos me torturavam de forma lenta e impiedosa. Assim que saímos da empresa levei Amélia para a lanchonete onde resolvi comer um pouco mesmo estando de estômago enjoado e fiquei em uma praça local.
Esperava o tempo passar evitando ao máximo ter que voltar para casa, me encontrar com o meu pai só pioraria ainda mais a nossa situação. Deitado sobre a grama fria de baixo de uma árvore observava as folhas verdes se balançarem no ritmo da ventania.
O meu celular no bolso não parava de tocar e ignorar não estava mais dando certo. Fechei os olhos tentando manter meus pensamentos em ordem e minha respiração constante, eu não queria ficar ansioso. Me sentei na grama e peguei o aparelho destravando a tela.
— Que merda.
Havia dezenas de notificações e fotos da festa do Kevin, principalmente das Strips. Estranhei ver duas chamadas perdidas da Martinez, ela nunca me ligava. Meus pensamentos já estavam a mil e agora me aparece mais essa. Tentei retornar as ligações, mas sem resultado, isso me deixou intrigado.
Levantei-me do chão vasculhando a caixa postal até que me deparo com uma recente gravação. Nos primeiros dez segundos rolei os olhos ao ouvir falar sobre a Scarlett, mas depois pude perceber uma angustia em seu tom na última frase. "Ela não voltou para casa, e você sabe que ela nunca perde uma reunião"
— Só pode estar de sacanagem.
Por causa do relacionamento de anos que tive com sua filha é óbvio que ela recorreria a mim. Martinez disse que as amigas da Scarlett não tinham nenhuma notícia dela, então só havia um lugar a qual ela iria, e eu sabia muito bem o que a garota estava fazendo.
Tentei ligar diversas vezes no número da ruiva, mas só dava fora de área. Só me restava agora ir atrás dela. Ótimo. Em passos largos fui em direção ao meu carro e destravei as portas entrando no mesmo. Apoiei minhas mãos no volante e logo depois dei partida saindo do estacionamento dirigindo em uma velocidade acima do permitido.
As ruas estavam movimentadas e isso só me deixava ainda mais estressado. O silêncio dentro do carro era pesado e de certa forma irei demorar mais que o esperado para chegar, mesmo depois de ter cortado várias ruas na tentativa de fugir do trânsito.
— Que merda você fez Scarlett...
Após meia hora cheguei no subúrbio da cidade e desacelerei a velocidade abrindo os vidros andando devagar pela rua. De longe avistei um grupo de pessoas sentados e eles me olharam desconfiados, possivelmente por causa do carro, mas assim que uma delas me reconheceu abriu um sorriso.
— Aaron Miller.
— O próprio. — Rimos e estacionei em uma vaga ao lado.
— Fazia tempo que não nos via, o que aconteceu? Cansou de andar com os falidos?
— Olha o drama. — Desci do carro e fui em sua direção. — Também senti saudades, como você está? — Dei um abraço na garota.
— Estou bem, na medida do possível.
— Aceitável. — Abri um sorriso. — E as crianças? Ainda querem um pônei?
— Babaca. — Deu-me um leve soco e andamos para a entrada. — Olívia iria amar te ver, uma pena ela ter saído.
— Na próxima levo ela para tomar um sorvete, prometo.
— Ela vai te cobrar.
— Se isso fizer ela esquecer do pônei será ótimo. — Rimos outra vez. — A Scarlett está aqui?
— Infelizmente, o que ela fez com o cabelo? Ficou exagerado demais.
— Aconteceu algumas coisas, mas já foi resolvido, espero. — Suspirei fundo e a encarei. — Ela consumiu alguma coisa?
— Misturou tudo que achou pela frente, tentamos tirar ela do quarto, mas sabe como a Scarlett é teimosa.
— Sim, eu sei muito bem...
— Pode subir, você sabe o caminho.
— Obrigado. — Afastei-me passando pela porta e comecei a subir os degraus da escada.
O lugar não mudou nada, continua o mesmo. Fazia quase um ano que não andava mais por essas redondezas. A Scarlett conheceu esse pessoal em uma reabilitação e depois de um tempo nos tornamos amigos, mas desde que terminamos acabei me afastando da galera e foquei mais nos treinos.
— Scarlett?
Bati na porta não recebendo resposta, então entrei no quarto vendo a garota deitada na cama olhando para o teto, parecia contar cada buraquinho que achava ver. De fato, ela estava drogada. Quando fechei a porta atrás de mim fazendo barulho ela ergueu seus olhos em minha direção, suas pálpebras lutavam para se manterem abertas.
— Aaron, é você?
— Sim, o que você usou? — Aproximei dela e peguei no seu rosto analisando suas pupilas dilatadas.
— Várias coisas coloridas. — Começou a rir desnorteada com a voz arrastada.
— Por que você fez isso?
— Diversão.
— Isso não é nem um pouco divertido e você mais do que ninguém sabe disso.
— Para de me dar sermão. — Seus olhos começaram a querer se fechar.
— Vamos se levanta, vou te levar para sua casa, sua mãe está te procurando.
— Meu Deus, você veio por mim?
— Scarlett, por favor.
— Ainda me ama? — Levou suas mãos para o meu pescoço. — Você é tão lindo.
— Você está fora de si.
— Suas orbes são perfeitas. — Tentou se sentar na cama, mas falhou, estava muito tonta para isso.
— Quantos dedos está vendo? — Ergui minha mão mostrando três dedos.
— Está achando que eu sou míope? Que idiota, só estou chapada.
— Já chega, vamos embora.
— Não, aqui está cheio de borboletas, não consegue ver? — Apontou o dedo para as paredes e soltei um riso nasal.
— Você está alucinando, não tem nada nesse quarto.
— Como não? Olha como são azuis.
— É, você não pode ir embora nesse estado, o que sua mãe vai pensar?
— Nada. — Suspirou devagar e ficou quieta sem se mexer, apenas olhando fixamente para o teto.
— Você está bem?
— Estou cansada de ser a perfeitinha, eu só quero... — Sua voz falhou antes que pudesse terminar de falar e seus olhos fecharam-se.
— Hey? — Sacudi seu rosto com minha mão. — Acorda, você não pode dormir.
Scarlett simplesmente apagou, sinto o meu corpo gelar, dou leves tapas em seu rosto chamando-a na tentativa de acordá-la, mas nada. Agachei-me para sentir sua pulsação e estava sumindo aos poucos. Eu entrei em desespero no mesmo instante que uma possibilidade de ela estar tendo uma overdose passou pela minha cabeça.
— Não, não, não, acorda!
Meu coração disparou e em um ato de impulso me inclinei aproximando meu rosto ao dela tampando seu nariz com meus dedos e juntei nossos lábios assoprando profundamente transmitindo oxigênio a garota vendo seu tórax se elevar e comecei a fazer massagem cardíaca pressionando o seu peito repetidas vezes.
— Por favor...
Voltei a fazer respiração boca a boca, estava desesperado com aquilo. Depois de muitas compressões e respiração busquei pelo meu celular e disquei o número da emergência, mas antes que pudesse ligar ouço a garota tossir e sem me importar se ela iria me morder ou não, enfiei dois dedos em sua garganta fazendo-a vomitar na tentativa de limpar seu organismo.
— Aaron... — Chamou-me com a voz falha e voltou a vomitar.
— Você me assustou.
Afastei-me soltando um longo suspiro de alívio e me sentei no chão passando minhas mãos pelo cabelo recuperando o fôlego e as lágrimas transbordavam pelos meus olhos escorrendo por meu rosto. Não sei explicar a sensação no meu peito, o que posso dizer é que só havia alívio, e nada mais.
Eu mal pude raciocinar direito o que acabou de acontecer, minhas mãos ainda tremiam e suavam frio. Scarlett limpou sua boca e ergueu seus olhos para mim um pouco desnorteada e franziu o cenho confusa me vendo chorar. Sequei as lágrimas e funguei o nariz.
— Me desculpa...
— Está tudo bem. — Levantei-me e a abracei fortemente.
— Vou te sujar de vômito.
— Não ligo — Voltei a encarar seu rosto pálido. — Está se sentindo melhor?
— Sim, obrigada.
— Você tem certeza? Eu vou chamar a ambulância. — Peguei meu celular e ela me impediu abaixando minha mão.
— Não precisa.
— Vou buscar uma água. — Me levantei indo em direção a porta.
— Só para um pouco, eu estou bem.
— Acordar depois de uma overdose não significa que está bem.
— Olha só, pelo menos não estou mais enxergando borboletas. — Rimos.
— Não faça mais isso, quase tive um infarto agora. — Disse audível, com a voz embargada pelo choro.
— Eu não vi nada...
— Como assim?
— Não tinha nada além de escuridão, absolutamente nada, só o vazio.
— Você só ficou apagada pouco mais de um minuto, não chegou a...
— Eu sei o que senti — Interrompeu-me em um tom baixo. — Não quero ficar sozinha.
— Mas você não está sozinha, tem pessoas que se importam com você.
— Quem? A minha mãe só pensa nela mesma e meu pai...
— Eu me importo, apesar de tudo você é minha melhor amiga e sinto sua falta, falta daquela garotinha que morria de medo do urso Jody.
— Você teve que me convencer que ele não iria me matar durante a noite por quase três meses. — Gargalhamos.
— Sinto falta...
— Eu também. — Sorriu fraco e ficamos em silêncio nos olhando. — Desculpa por tudo.
— Podemos esquecer isso? Só quero aquela garotinha na qual eu podia contar sempre.
— Só se você nunca mais falar sobre o Jody. — Rimos e ela me puxou para outro abraço.
— Não prometo nada.
— Sabe que te odeio né? — Resmungou e me sentei ao seu lado rindo.
Scarlett apoiou sua cabeça em meu ombro soltando um suspiro e ficamos em silêncio encarando a porta a nossa frente. Minhas emoções começaram a se regular e só em ouvir a respiração da garota soar normalmente já me deixou em paz esquecendo por um segundo o sufoco que acabei de presencia nesse quarto.
— Você gosta mesmo da Amélia?
— Sim, e eu acho que a amo...
— Acha? Não tem essa de achar, ou você ama ou não. — Deu-me um leve soco e me encarou após ter ficado em silêncio. — Você a ama. — Sorriu com suas expressões suavizadas.
— Não vamos falar nisso. — Levantei um pouco corado. — Você precisa de um banho e limpar esse vomito, se a Cindy ver o que você fez no tapete dela, ela vai te matar.
— Sorte a minha que você está aqui.
— De fato.
{...}
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