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O inicio de algo novo

10 Novembro 2014


- PÁRA , LARGA-ME SUA BESTA ! - gritei em plenos pulmões enquanto tentava soltar os meus pulsos já marcados pelas cordas que me prendiam àquela cama nojenta. Olhei-lhe com as lágrimas a inundar os meus olhos claros e pude ver claramente a sua expressão de malícia ficar mais acentuada. Apenas cerrei os olhos com força , na esperança que tudo fosse embora e assim que os abri novamente , pude ver uma mancha enorme de sangue à minha volta. Não tive nem forças para gritar , e assim que olhei para baixo vi o meu corpo , as minhas mãos , cada traço do meu vestido branco . Manchados , com sangue . Não o meu , mas sim o dele.


Acordei sobressaltada com um barulho estridente que vinha do piso inferior e grunhi em desaprovação assim que senti os raios de luz atingirem a minha face. Estávamos em meados de Março , e apesar do frio avassalador , o sol fazia-se notar , mas apenas à vista porque no sentido táctil ? Diria que morávamos no local mais frio de Londres. Limitei-me a levar a almofada à cara , apertando-a contra mim mesma e soltei um alto suspiro que mais parecia um grito abafado.

- Já acordas-te !? - pude ouvi-la gritar enquanto ouvia os seus passos pesados ecoarem no lado de fora do meu quarto. Tirei a almofada da cara pronta para responder , mas ela abriu a porta com tamanha força que esta foi contra a parede , causando assim outra marca na minha parede verde clara. - Não sabes responder ? - falou irritada , novamente . Ela nunca fala em condições comigo ... Devem estar a perguntar-se quem é ela . Bem , ela é a minha mãe . Mas eu nunca lhe irei chamar isso , pelo menos não enquanto eu estiver sã de mente.

- Não me deste tempo para responder - murmurei e sentei-me na cama olhando-a com uma expressão fria.

- Tens a mala feita? - perguntou , ignorando assim o tema anterior. Limitei-me a olhar para o canto do quarto onde estava uma grande mala preta. - Veste-te - falou assim que viu para onde eu dirigia o meu olhar.

Suspirei e resolvi levantar-me , por muito que eu quisesse permanecer na cama toda a minha vida , tinha de a deixar. A minha mãe saiu do quarto e eu sorri levemente , visto que agora poderia arranjar-me sem qualquer tipo de pressas. Dirigi-me ao quarto de banho e olhei-me ao espelho. Pude observar o meu coque feito na noite passada , que agora parecia um ninho de alguma espécie de ave rara , e vi as olheiras formadas debaixo dos meus olhos azuis esverdeados. Suspirei e soltei o cabelo , deixando que este caísse por cima dos meus ombros ainda cobertos pela minha sweat de pijama, cuja retirei imediatamente seguida do resto da roupa que cobria o meu pequeno corpo.

Assim que me encontrava despida olhei o espelho e não pude evitar fazer uma expressão de nojo. Nojo para com o meu corpo , para com a pessoa que eu era , para com tudo aquilo que tinha feito anteriormente. Limitei-me a virar costas àquele reflexo de uma pessoa horrenda e entrei dentro da box de vidro do meu chuveiro. Liguei a água e deixei que a mesma escorresse , ainda que um pouco fria , pelo meu corpo , e talvez assim pudesse acordar um pouco melhor. Deixei a água aquecer um pouco e ensaboei o meu corpo e passei shampoo pelo cabelo enquanto mantinha os olhos fechados para que o produto não me entrasse nos mesmos causando ardor.

Passei o meu corpo uma última vez por água e saí da box fitando novamente a minha imagem no espelho , agora embaciado devido à temperatura da água. Apenas abanei a cabeça e dirigi-me novamente ao quarto , abrindo o meu armário. Retirei uma camisola negra com uma imagem do Kurt Cobain a branco , acompanha das minhas skinnies pretas e das minhas docs também negras que se encontravam ao lado do armário .

Olhei-me ao espelho e suspirei.

- Cá vamos nós , a caminho do inferno - murmurei e peguei na minha mala preta. Olhei uma última vez para o meu quarto e fechei a porta certificando-me que levava tudo comigo.

Desci as escadas e assim que cheguei ao piso inferior deparei-me com a minha mãe. - Espero que estejas pronta - ela falou rudemente , como sempre . Limitei-me a acenar com a cabeça e dirigi-me ao carro sem sequer esperar por ela.

Sentei-me no lugar do passageiro e liguei os meus fones pretos ao meu telemóvel Lumia 520 preto e vermelho. Coloquei uma música aleatória da minha playlist e começou uma dos Parachute que eu adorava completamente. Vi ela a entrar no carro sem pronunciar uma palavra e a colocar a chave na ignição. Assim que o carro ligou ela simplesmente carregou no acelerador e deixei os meus pensamentos acompanharem a música.

Pois bem , ainda não me apresentei certo ? Eu sou a Luna , Luna Smith . Tenho cabelo negro , pele clara e olhos azuis esverdeados. Não gosto muito de falar de mim , talvez porque fale eu o que falar , as pessoas sempre dirão que eu sou apenas uma miúda estranha que veio ao mundo por apenas um acidente , ou seja , preservativo furado. Tenho pena de ter nascido ... Mas agora já lá vão 17 anos. Moro em Londres com a minha mãe , ou pelo menos , é isso que lhe chamam no registo civil , se bem que esta mulher nunca deu a mínima para mim. O meu pai ? Aquele bastardo ... Acho que ainda é cedo para falar desse homem que , graças a Deus , está bem morto e enterrado. Onde estou a ir neste momento ? Para aquilo que a minha mãe chama " campus de recuperação " ou seja , um hospício para pessoas com traumas ou problemas e bla bla bla . Eu não preciso disto . Sempre lidei com a dor da forma que eu entendia ser a melhor , e agora ? Agora vou ter de lidar de outra forma , mas bem , não tenho esperanças que algo mude.

Perdida nos meus pensamentos dei pelo carro a parar à frente de um enorme portão que me fez ficar de boca aberta.

- Estás à espera de quê ? SAI - ela nem olhou para mim . Incrível não é ? Bem... talvez não , visto que já estou habituada.

- Bye bye - saí do carro e acenei-lhe de costas enquanto agarrava a minha mala com força. - É agora ... bem vinda ao inferno , Luna. - murmurei para mim própria e dei um passo em frente , entrando assim naquele novo mundo que eu julgava nunca se misturar com o meu.

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