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Desculpa

16 Novembro 2014


Encontrei-me no meio de um jardim , um jardim verdejante com uma árvore de flores de cerejeira no meio desse mesmo espaço. À minha volta existiam espelhos , ou talvez apenas vidros que reflectiam as imagens , mas não me pareciam espelhos como aqueles que temos pendurados nos nossos quartos , nem como aqueles pequenos que a maior parte das raparigas tem na sua mala para arranjar a sua maquilhagem cada vez que vão a uma festa e têm de se certificar que estão "bonitas" a toda a hora. Haviam também algumas petalas de flor de cerejeira no chão em toda a volta. Eu estava desnorteada , mas ao mesmo tempo sabia o que fazia ali. Olhei em volta tentando encontrar algum indicio que me demonstrasse o que se estava a passar , e o motivo deste sonho. Sim , eu tinha percebido que isto era um sonho. Afinal , não existem locais como esse na vida real certo ? E mesmo que existisse , o que faria eu neste local quando me lembro explicitamente de adormecer nos braços do Kellin à cerca de 10 minutos atrás ? Eu não entendia o motivo , não via explicação possível , mas tudo bem . Olhei de relance para baixo assim que percebi que tinha sobre o meu corpo um tecido diferente da roupa que estava a utilizar quando adormeci. Vi em mim , um belo vestido de chifon branco com mangas de padrão ligeiramente transparentes. Encarei por minutos o espelho à minha frente para ver que sobre os meus cabelos negros residia uma coroa de flores brancas cujo tipo eu desconhecia. Mas era bonita , aliás , tudo naquele lugar o era. Eu estava perdida nos meus pensamentos , até que ouvi um barulho vindo de uns arbustos lá posicionados e vi um vulto preto aproximar-se de mim. Dei um passo para trás mas congelei assim que vi os seus olhos azuis olharem para mim com tamanha ternura. Porquê ? Porque é que a minha cabeça insiste em pregar-me estas partidas idiotas que me fazem acreditar que algo se passa , algo diferente de amizade ? Eu ia aproximar-me mas algo me arrancou do sonho à força . Comecei a ouvir gritos masculinos ecoarem .

 


Não me sentia fisicamente capaz de abrir os olhos pois ainda os sentia bastante pesados devido a todo o choro intensivo do ... outro dia ? Será que já passava da meia noite ? Quanto tempo estive a dormir ? O sonho parecia durar horas mas ao mesmo tempo foi tudo tão rápido.

- A culpa é toda tua ! - distingui esta voz como sendo a do Kellin . Mas com quem estaria ele a gritar ? Certamente não estaria a gritar com a porta .

- Eu não fiz nada - ouvi alguém murmurar mas baixo demais , o que fez com que eu não entendesse a quem pertencia esta voz.

- Olha bem para ela ! - senti como se alguém me observasse enquanto o Kellin insistia em gritar com a outra pessoa. - Ela chorou até adormecer por tua causa - assim que me esforcei um pouco mais para poder abrir os olhos ouvi um barulho como que um estalo e assim que os meus olhos se abriram a imagem à minha frente chocou-me.

A mão do Kellin ligeiramente no ar , e o Andy com a mão na sua cara e a cabeça para baixo. O Kellin acabara de lhe bater por minha culpa.

- Ke-llin - murmurei chamando assim a sua atenção para mim. Os seus olhos encararam os meus e eu via a culpa no seu olhar por me ter acordado enquanto eu estava a dormir pacificamente.

- Oh pequena desculpa - a sua voz que outrora utilizava um volume elevado agora parecia um sussurro , talvez com a intenção de me tentar acalmar . Mas tudo bem , eu não me importava . Ele sentou-se ao meu lado e acariciou levemente o meu cabelo e eu sorri para lhe demonstrar que não havia problema em me ter acordado.

O Andy mantinha-se na mesma posição : cabeça baixa e mão na cara provavelmente a pressionar a zona do estalo que agora lhe devia arder ligeiramente menos.

- Por favor - murmurei. Eu tinha intenção de lhe pedir para me deixar falar com o Andy , mas duvido muito que ele me fosse deixar fazê-lo , afinal , ele tinha acabado de lhe bater por minha causa . Mas talvez tentar não fosse assim tão má ideia. Ele não iria gritar comigo , nem me iria bater , obviamente. - Eu tenho de falar com ele - a minha voz não soava mais alto que um sussurro leve de uma mãe que não quer acordar o filho. Os meus olhos direccionaram-se para o Andy para que o Kellin entendesse quem era o alvo daquelas palavras , mas acho que ele iria entender de qualquer forma.

- Mas Luna ... - ele ia falar , mas eu não podia deixar que ele me tentasse mudar de ideias enquanto eu tinha tudo bem fixo.

- Apenas deixa - interrompi-o fazendo a minha voz soar ligeiramente mais alto que antes .

- Tudo bem - ele inclinou-se para beijar a minha testa e sorriu levemente dando-me uma sensação de conforto.

- Obrigada - a minha voz nem saiu , foi como se os meus lábios apenas se tivessem movido , mas nada de som .

Vi o corpo do Kellin levantar-se e dirigir-se ao Andy , ouvi-o murmurar algo , mas eu não consegui perceber o que era . Logo de seguida chocou o seu ombro com o ombro do Andy , mas mesmo assim este não se moveu.

Fiz força nos meus braços para me pode colocar sentada na cama e olhei-o ainda com esperança que ele me falasse ou pelo menos que me olhasse , mas nada disso aconteceu . Em vez de um olhar ou uma palavra ele começou a andar até mim e sentou-se na ponta da minha cama , quase como se quisesse realmente manter-se a uma distância segura de mim. Será que ele realmente pensa que a culpa é dele ? Será que ele não entende que a culpa é minha e somente minha ? Provavelmente não.

Eu não podia imaginar o que ia acontecer no minuto seguinte . O rapaz forte e atrevido que eu conheci nestes dois dias desabou na minha frente. Vi a linha de maquilhagem negra que ele usava sempre sobre o nariz começar a escorrer e a manchar a sua face - Ele estava a chorar.

Não podia acreditar que ele estava a dar a sua parte fraca mesmo à minha frente. Quer dizer , eu nem sequer pensava que ele tinha parte fraca . Mas acho que me enganei . Esqueço-me sempre que somos todos humanos e que a dor , mágoa , tristeza , sofrimento , alegria e todos esses sentimentos, podem ser sentidos por todos nós. Talvez em grandes escalas . Talvez em escalas mais pequenas , mas acho que todos já sentimos algo dentro de nós. Quer fosse a vontade de desaparecer , ou uma luzinha de esperança.

Eu não o queria ver assim , sentia-o tão partido ali mesmo à minha frente, e eu não conseguia fazer absolutamente nada. Porque é que eu não posso ser como as pessoas normais ? Porque é que eu não conseguia simplesmente envolvê-lo nos meus braços enquanto murmurava que tudo ia ficar bem ?

Eu estava pronta para o chamar , pelo menos para o fazer olhar para mim e tentar dar-lhe um sorriso reconfortante , mas ele antecipou-se.

- Desculpa - ele murmurou ainda cabisbaixa com uma voz da parte dele que eu não reconhecia . Uma voz rouca e desamparada. Eu não podia fazer nada. Após minutos de reflexão e silêncio de ambas as partes , resolvi finalmente dizer algo.

- T-Tudo bem - murmurei sem saber bem onde tinha arranjado a força para pronunciar estas palavras.

Esperei que ele se afastasse , mas ele não o fez , aliás , ele moveu levemente o seu corpo para que ficasse mais próximo de mim. Continuou a mover o seu corpo até se encontrar a escassos centímetros de mim . Eu não me exaltei , eu não lhe pedi para se afastar , eu acho que tanto eu como ele queríamos sentir algum carinho naquele momento. Quebrei a distância entre nós , colocando os meus braços à volta do seu pescoço e puxando-o para o abraço que ambos precisávamos. Senti os seus dedos entrelaçarem no meu cabelo enquanto eu mantinha a minha testa no seu ombro. Eu podia ouvi-lo respirar calmamente mas alto e um pouco tremido. Os seus braços tremiam um pouco , seria medo ? Mas medo do quê ? De me magoar ? De me fazer chorar novamente ?

Foi aí que percebi que ainda lhe devia uma explicação , afastei-me dele e olhei a sua expressão confusa. Era a primeira pessoa em quem eu ia confiar . Era a primeira pessoa que iria saber a minha história . Porquê ele ? Eu realmente não sei . Acho que eu simplesmente preciso de alguém que me oiça verdadeiramente , e só por acaso ele está aqui , agora.


É apenas uma desculpa "


As palavras ecoavam na minha cabeça e era verdade. Eu queria que ele soubesse , apenas porque eu sentia que se ele soubesse tudo seria mais simples . Ele iria finalmente entender o que me aconteceu.


E o que aconteceu ao teu pai ? Vais contar ? 


Outra vez a minha mente a fazer-me perguntas complicadas. Eu acho que não ... Eu não seria capaz de o fazer . Porque sabia que ele se iria afastar de mim.

Os seus olhos ainda me olhavam intensamente e abanei a minha cabeça tentando focar-me na situação ali presente.

- Eu ... Fui violada pelo meu próprio pai - as palavras saíram da minha boca enquanto eu cerrei o punho puxando as lágrimas para dentro . Dizer isto em voz alta custava muito mais.


* Andy's POV *


- Eu ... Fui violada pelo meu próprio pai - as palavras saíram da sua boca e o seu punho cerrou.

Eu não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir . Os meus olhos arregalaram sem eu mesmo dar conta , naquele momento o único sentimento a tomar conta de mim era raiva. Raiva por querer apanhar esse homem maldito . Raiva porque eu a fizera relembrar esse momento e raiva dela . Sim , dela . Por nunca me ter contado nada , eu sei que isto é difícil mas eu queria poder ajuda-la , eu queria poder estar ao lado dela , e em vez disso eu apenas estraguei tudo.

Os seus olhos começaram a criar lágrimas e os meus ficavam com uma cor mais intensa à medida que a raiva dentro de mim crescia. Mas assim que as lágrimas rolaram pelas suas bochechas pálidas este sentimento dentro de mim mudou , transformou-se em carinho e em vontade de a ter abraçada a mim . Eu queria poder finalmente fazer algo por ela . Coloquei os braços em volta do seu corpo e puxei-a para mim . Não para um abraço , mas sim de maneira a que ela ficasse sentada no meu colo com a cabeça contra o meu pescoço.

Sentia a sua respiração tão próxima de mim que senti todos os pelos do meu corpo arrepiarem . A sua respiração era quente e fazia o meu pescoço ficar ainda mais quente . Encostei o nariz ao seu cabelo e ó Deus , como ela cheirava bem . Eu queria ficar ali toda a minha vida , com ela nos meus braços . Foi perdido nos meus pensamentos que percebi que ela já não estava a chorar , agora estava simplesmente a respirar pesadamente e engolia em seco.

- Eu não te vou magoar - murmurei apertando-a levemente contra mim . Eu queria transmitir-lhe alguma tranquilidade , mesmo sabendo que talvez fosse uma missão falhada.

- Eu já ouvi isso antes - foram as únicas palavras saídas da sua boca e passados meros segundos os seus olhos fecharam deixando um último par de lágrimas escorrer . Senti a sua respiração acalmar e percebi assim que ela adormecera . Ela era sempre assim , adormecia rapidamente nos meus braços. Rebobinei na minha cabeça estes últimos minutos e voltei a rever as suas palavras , foi aí que entendi algo. Ela já sofrera tanto e mesmo assim estava aqui . Se eu tivesse sofrido metade do que ela sofreu , eu provavelmente já teria tirado a minha própria vida , pois eu sou assim : fraco . E ela ? Ela é tão forte . Eu só queria que esta rapariga me ensinasse a viver , que me ensinasse a ser forte como ela , que me ensinasse o que é a felicidade . Sim , eu queria ser feliz . Com ela .

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