Capítulo 14 - Um pedaço de céu
ANNE E GILBERT
Uma semana havia se passado desde que Anne chegara à aldeia de Gilbert, e ela tentava se adaptar diariamente às mudanças radicais que haviam ocorrido em sua vida tão drasticamente.
Não era um processo fácil, mas tão pouco era desagradável, pois apesar do pouco conforto e a falta de coisas às quais estava acostumada, Anne estava começando a apreciar à liberdade selvagem que a vida naquele lugar podia lhe proporcionar.
Ela não mentira ao avô de Gilbert quando dissera que podia construir seu lar ali. Seu espírito lutador se assemelhava aos guerreiros e ancestrais que viveram a tantos séculos naquelas terras, e talvez por isso, Anne sentisse uma certa afinidade com aquela aldeia onde a coragem e a resistência às adversidades eram testadas todos os dias.
O que a impedia de se sentir totalmente à vontade, eram os olhares das outras mulheres daquela aldeia que pareciam temer a presença de Anne no meio delas.
Ela não era aceita, e muito menos vista com bons olhos, e ser protegida pelo neto do chefe daquela tribo como se estivessem realmente juntos, apenas levava aquela situação a um patamar ainda pior.
Não fora por falta de tentativa. Ela até se aproximara, puxara conversa, se enturmara, mas fora deliberadamente ignorada, por isso acabou desistindo. Não ia se humilhar para conseguir a amizade daquelas mulheres que não faziam questão de fazê-la se sentir bem- vinda.
Ia se acostumar com isso como se acostumara com tudo que já tivera que enfrentar na vida, e ficaria bem, pois era isso que pessoas como ela faziam, lutavam por um espaço, um lugar para chamar de seu, e sobreviviam a qualquer tornado que ameaçasse levar embora seus sonhos.
Anne saiu da tenda onde passara a manhã toda sozinha, e caminhou até a beira do lago, cuja paz a atraía intensamente. Ela se sentou em uma pedra e pensou em Ruby. De todas as coisas que deixara para trás, sua amiga era a que mais sentia falta, principalmente naquele momento no qual não tinha com quem conversar a não ser Gilbert.
Porém, ele nem sempre estava por perto, pois suas obrigações à frente daquele povo exigia muito de sua atenção, por isso, Anne acabava tendo que contar apenas com sua própria companhia, e esse era outro detalhe com o qual estava pouco a pouco se acostumando.
-Não devia estar sentada sozinha aqui. – Gilbert disse atrás dela, fazendo-a se virar e encarar aquele olhar prateado que ela amava tanto.
-Não havia ninguém para me fazer companhia. – Anne respondeu com certa tristeza.
-Sinto muito. Ainda está muito ruim?- o rapaz perguntou, se sentando ao lado dela, mantendo certa distância, o que a entristecida ainda mais, pois desde a noite em que se beijaram nunca mais nada aconteceu.
Dormiam lado a lado todas as noites, acordavam juntos todas as manhãs, mas não passava disso, e Anne se perguntava o que tinha feito de errado para ele afastá-la daquela maneira.
-Elas não me a aceitam, me isolam da convivência que elas tem uma com a outra, e sequer falam comigo. Acho que realmente não sou alguém que elas queiram ter por perto.- Anne tentou responder a pergunta da forma mais neutra possível, mas deixou de certa forma que o rapaz percebesse sua solidão.
-Quer que eu fale com elas?- Gilbert perguntou, colocando a mão no ombro dela, como forma de consolo, mas a verdade era que qualquer contato por mínimo que acontecesse, deixava a ambos queimando.
A pele dela era macia ao tato, e Gilbert não se lembrava de ter tocado algo tão suave antes. Todas aquelas noites deitado ao lado de Anne sem realmente tê-la o estava enlouquecendo lentamente.
Gilbert pensara em se aproximar, fazê-la sentir seu toque e ceder à paixão que ele sabia despertar dentro dela também, mas desistira logo da ideia, porque não era assim que se tratava uma mulher como aquela.
Ele a havia arrancado de seus lençóis de seda para dormir em uma tenda sem conforto nenhum, sem seus talheres de prata, sem móveis elegantes, sem todas as coisas fáceis e úteis ao qual Anne estava acostumada, por isso, não podia submetê-la também aos seus desejos masculinos sem levar em conta os sentimentos pessoais dela.
-Por favor, não faça isso. Elas acabariam por me odiar ainda mais, imaginando que tenho mais proteção que elas por aqui.- Anne pediu, ainda sentindo a mão dele em seu ombro, que Gilbert acariciava com o polegar.
Se ele fazia isso conscientemente, Anne não sabia, mas o efeito em seu psicológico era enlouquecedor. Ela tinha vontade de chegar mais perto, e fazê-lo entender o que desejava, mas Gilbert a tinha rejeitado tantas vezes no passado, que se isso acontecesse novamente ficaria arrasada.
Anne o queria e precisava dele, tanto que às vezes desejava romper a barreira de sua timidez e de seus receios, e amar aquele homem completamente e intensamente, mas ela não queria estar sozinha naquele sentimento, necessitava saber o que Gilbert tinha em mente para os dois.
Ele a trouxera para aquela aldeia, assumira como sua mulher perante todos da tribo, mas dentro daquela tenda, quando estavam sozinhos, Gilbert a tratava como se fossem dois amigos dividindo o mesmo espaço. Será que era seu compromisso com Roy que o impedia? Será que saber que ela tinha sido de outro o incomodava?
Ela não usava mais a aliança de casada desde que fugira da fazenda de Roy, pois apesar de diante da igreja ser esposa daquele ser humano horrendo, em seu coração ela já não tinha laço nenhum com ele, e Anne sabia que Deus a perdoaria por desejar outro homem que não fosse seu marido, porque era o amor que a empurrava para ele, e não somente prazeres pagãos.
-Desculpe me, Anne. Sei que tudo isso é minha culpa. Os nativos dessa aldeia sempre foram receptivos com os visitantes. Não pensei que agiriam diferente com você. – Gilbert afirmou, desejando abraçá-la, porque aquele olhar fragilizado que ela lançava sobre ele lhe mostrava o quanto Anne se sentia sozinha. Mas não deu um passo nessa direção, pois como sempre, sua incerteza de que seu gesto seria bem-vindo o impediu.
Ele às vezes queria não ser movido por regras ou conceitos do que era certo ou errado, embora desde que conhecera Anne já havia quebrado algumas. Fora treinado assim, primeiro por seu pai, pois dentro de uma Cavalaria, se não houvesse normas, o comando de qualquer homem seria o caos.
E depois, seu avô também lhe impusera certa autoridade e controle para que pudesse comandar seu povo com justiça. Assim, ele oscilava entre o seu dever, e sua paixão por aquela mulher que era mais linda que qualquer outra que ele já tinha visto.
-Talvez apenas estejam receosos. Eles sabem com quem fui casada?- Anne perguntou, embora a resposta que Gilbert lhe desse não seria suficiente. Anne sentia que não era apenas medo de quem ela era, mas sim um certo ciúme também, de ser ela a escolhida pelo neto da tribo, e não qualquer uma das índias ali.
Ela já notara a forma como as mulheres olhavam para Gilbert. Mesmo as que já tinham filhos e um companheiro, não deixavam de observar aquele belo guerreiro viril, principalmente quando ele andava pela aldeia sem camisa, exibindo seu físico perfeito. Era como se ele fosse um deus, e os outros apenas uma cópia barata daquele homem que além de lindo, tinha uma força física invejável.
- Não. Eu contei apenas para meu avô, pois não poderia mentir para ele a respeito disso.- Gilbert respondeu, desviando o olhar de Anne para fixá-lo no lago, enquanto a ruivinha aproveitava para observar Gilbert de outro ângulo.
De perfil, ele era ainda mais bonito, pois deixava seu maxilar torneado à mostra, e essa uma das características mais interessantes do rosto dele. Toda vez que Gilbert estava perto dela, sua vontade de correr os dedos por aquela região se tornava quase irresistível, mas ela ainda não aprendera a ser tão ousada a ponto de tocar um homem sem que ele tomasse a iniciativa primeiro. Tinha ainda um certo puritanismo arraigado dentro de si que a impedia de agir como desejava.
De certa forma, ela sentia inveja das índias que viviam na aldeia, que exibiam seus corpos sem sentir vergonha de quem as pudesse ver, e reverenciavam a sua natureza feminina com a mesma simplicidade de uma criança, porque aceitavam sem questionamentos sua condição de ser mulher.
-Mas você mentiu quando disse que sou sua mulher. – Anne retrucou, e Gilbert tornou a olhar para ela, fazendo-a se arrepiar. Ele tinha um jeito de encará-la que ela tinha a impressão de que ele sabia exatamente o que ela estava pensando.
-Eu te disse porque fiz isso, e não foi por mim, e sim por você. Sinto muito se ficou chateada com a mentira, mas não encontrei outra maneira de conseguir permissão para que ficasse aqui.- o pesar dele era verdadeiro, e Anne quase podia sentir arrependimento naquelas palavras, por isso tratou logo de dizer:
-Eu não fiquei chateada. Realmente me sinto bem aqui, apesar de não ser tão bem aceita como gostaria. Não tem que se preocupar com isso.- Anne afirmou, e tomando coragem, colocou a mão em cima da dele que se apoiava no chão ao lado do próprio corpo.
Surpreendentemente, Gilbert virou a palma para cima, e ficou em contato direto com a dela, permitindo que Anne sentisse a aspereza que havia ali, enquanto observava cada detalhe dela.
Eram mãos fortes, acostumadas ao trabalho duro diário, que sabiam conduzir um cavalo com a mesma habilidade que guiava seu povo para a segurança daquela aldeia. Eram mãos que podiam ser exigentes e suaves ao mesmo tempo, especialmente se tocassem alguma parte de seu corpo.
-Achei que sentiria falta do conforto da sua casa. – Gilbert disse, apreciando aquele contato tanto quanto ela.
-Por que sentiria falta de um lugar onde poderia haver conforto, mas eu não era amada? – ela perguntou, encarando Gilbert que se sentiu sendo engolido vivo por aqueles olhos que brilhavam mais que o lago à sua frente.
-E aqui você se sente amada?- ele perguntou, quase sem respirar. O efeito da presença de Anne sobre ele era arrebatador.
-Me diga você.- Anne teve coragem de dizer. Por dentro ela se sentia tremer, mas precisava ter alguma resposta, pois já tinha esperado demais.
-Anne, eu...
-Estrela da Manhã, precisamos ir.- Olho de Águia disse, interrompendo aquele momento de confissões entre os dois.
-Você vai sair?- ela perguntou, um pouco apreensiva. Não gostava de ficar ali sozinha, pois sempre tinha olhos nada simpáticos sobre ela. Não acreditava que ali alguém pudesse lhe fazer mal, mas ainda assim detestava a sensação de ser observada o tempo todo.
-Não vou demorar. Vamos participar de uma caçada, pois nosso estoque de provisões está no fim. Estarei de volta até o cair da noite.- Gilbert respondeu, ainda segurando a mão dela, onde ele deixou um beijo suave, fazendo o sangue dela esquentar, por desejar tanto aqueles lábios nos seus.
-Está bem. Tome cuidado. – ela respondeu, vendo-o se levantar e fazendo o mesmo.
-Você vai ficar bem?- Gilbert perguntou, vendo no rosto dela certa apreensão.
-Vou sim. Pode ir tranquilo. – Anne respondeu, sorrindo, e naquele sorriso, Gilbert viu um pedaço de paraíso se abrindo para ele.
-Espere por mim.- o rapaz disse, roçando os lábios na testa dela carinhosamente, e depois partindo com o outro nativo, deixando encantada com aquele gesto delicado.
Após a partida de Gilbert, Anne tentou se ocupar com atividades que cansassem seu físico e não lhe dessem tanto tempo para pensar. Por isso, ela limpou a tenda onde passava as noites com Gilbert, dobrou todas as roupas e as colocou caprichosamente empilhadas em cima de um banquinho que havia por ali. Depois foi lavar suas roupas, e as de Gilbert no riacho mais próximo, imitando o gesto de outras índias que faziam isso todas as manhãs.
-Quer dizer que a princesinha resolveu estragar suas mãos de fada fazendo trabalho manual como todo mundo?- Anne levantou a cabeça ao som daquela voz sarcástica, e não se surpreendeu ao ver que era Pérola Negra. Entre todas as mulheres ali, ela era a que mais parecia odiá-la.
-Eu não sou nenhuma princesa. Não que isso seja da sua conta, mas eu sempre trabalhei para me sustentar. Meus pais morreram quando eu ainda era pequena, e fui criada em um orfanato, de onde só sai aos dezoito anos para me formar como professora, e trabalhar em um internato para meninas. Como vê, não nasci em berço de ouro e muito menos fui criada em um castelo para ser chamada de princesa.- Anne disse, erguendo o queixo na mesma altura da arrogância de Pérola Negra, que se via no direito de julgá-la movida pelo ciúme e pela inveja que lhe cegava a razão.
-E acha que isso me impressiona? Você aparece aqui, usa essa carinha de boneca e o próprio corpo para encantar nossos homens e tirá-los de nós, e acha que vai ficar por isso mesmo?- Pérola Negra era a própria ira vinda dos céus. Seus bonitos olhos escuros brilhavam perigosamente, enquanto seus punhos fechados mostravam claramente que ela atacaria Anne se tivesse a oportunidade. Por isso, a ruivinha se preparou, pois também sabia se defender muito bem.
-Acho que está enganada. Só tem um homem que quero impressionar aqui, e foi justamente ele que me trouxe para cá. – Anne disse, com certo ar de arrogância também. Ela sabia se impor quando a situação exigia, e aquela palavras deixaram Pérola Negra ainda mais zangada, que lhe respondeu:
-Não pense porque Estrela da Manhã te trouxe para cá, e te ofereceu a tenda dele para dormir, que isso vai durar para sempre.
-O que quer dizer?- Anne perguntou mantendo sua pose, mas por dentro ela estava tensa pelo olhar superior daquela Índia sobre ela.
-Ele é meu, e sempre será. Temos um compromisso desde criança. Vamos nos casar assim que ele se tornar o chefe dessa tribo, o que não vai demorar, pois Pena Branca está cansado e quer passar o comando dessa aldeia para o neto.
Anne avaliou as palavras daquela moça, e se perguntou se ela estaria mentindo ou dizendo a verdade? Mas então, ela se lembrou das inúmeras vezes em que viu Gilbert falar com Pérola Negra naquela semana, e sua recusa em se aproximar dela mesmo ambos estarem dormindo na mesma tenda, e pensou que aquilo que a Índia acabara de lhe contar talvez realmente tivesse algum fundamento.
-Ele não lhe contou, não é? – Pérola Negra lhe perguntou triunfante.
- Não. – Anne respondeu decepcionada, mas não deixou que a moça visse como aquela informação a tinha atingido.
-Pois agora já sabe. Espero que pare de fantasiar que Estrela da Manhã vai estar a seu lado para sempre.- a Índia lhe disse com satisfação. Porém, a teimosia de Anne se recusava a deixar que a outra tivesse a última palavra, por isso, antes que Pérola se virasse e fosse embora, ela respondeu:
- Você pode ter um compromisso com ele, mas sou eu com quem Estrela da Manhã dorme todas as noites, e enquanto ele estiver a meu lado, vou cuidar para que ele nunca se canse.
Pérola Negra a olhou com tanto ódio, que fez uma pontada gelada atingir o seu estômago, mas Anne manteve sua postura firme, até que a moça se afastou e a deixou sozinha. Só aí ela deixou a raiva e a tristeza dominá-la, voltando a tarefa de lavar as roupas, enquanto seu coração estava mais uma vez magoado por dentro.
Em outro lugar longe dali, Estrela da manhã e seus grupo de homens nativos cavalgavam lado a lado em busca da caça que alimentaria sua tribo uma semana inteira.
Embora toda a concentração fosse necessária naquele tipo de atividade, invariavelmente sua mente voltava para a mulher que deixara na aldeia. Eles tinham parado no meio de uma conversa importante, e se Olho de Águia não tivesse chegado, ele provavelmente teria confessado a ela seu segredo mais profundo.
Entretanto, sua mente a todo momento o questionava se teria sido certo deixá-la saber como se sentia, porque apesar de estarem juntos naquela aldeia, lá não era o lugar dela, e um dia ou outro Anne partiria, e ele não poderia ir com ela, porque tinha uma promessa a cumprir.
Ele a levara para lá, porque a queria longe de Roy Gardner, mas não fora esse o único motivo, Gilbert tinha que reconhecer que também fizera aquilo porque queria Anne em sua vida, mesmo que fosse como uma amiga, pois a partir do momento em que pusera os olhos nela, tudo mudara dentro de seu coração. Ele descobrira o que era o amor, e que suas batalhas só valeriam a pena serem vencidas, se tivesse Anne para voltar todos os dias.
Estava farto de sentir aquele vazio, de ficar se perguntando como tudo teria sido se ele a tivesse roubado no dia do casamento, e mostrado a ela como se sentia realmente. Estava cansado de lutar contra algo que já tinha tomado conta de seu sangue, e que corria pelo seu sistema como ópio. Ele já a tinha perdido uma vez, e não queria perdê-la novamente, e a manteria do seu lado nem que para isso tivesse que lutar contra anos de leis ancestrais.
-Estrela da Manhã, acho que estou vendo uma ótima presa ali à frente!- Olho de Águia gritou, apontando para o local onde havia um búfalo tomando água em um riacho.
Gilbert olhou para o amigo, e assentiu, enquanto preparava o laço para impedir que o animal fugisse, ao mesmo tempo em que seus homens posicionaram o arco e flecha para atingir o animal quando Gilbert desse o sinal.
Ele se aproximou devagar, fazendo com que seu cavalo trotasse de forma que não assustasse o búfalo que parecia ainda não ter notado presença humana ali por perto.
Era uma luta desigual por assim dizer, porque o animal era forte, mas não possuía nenhum tipo de arma para se defender além de sua natureza furiosa, e de sua vontade de se manter vivo, enquanto Gilbert tinha não só suas armas, mas todas de seu grupo para ajudá-lo naquela empreitada.
No entanto, o rapaz também estava lutando por sobrevivência de um povo que passaria por privações ou até mesmo morreria de fome, se não tivesse alimento suficiente para os próximos dias. Assim, aquele animal era a caça perfeita para que isso não acontecesse.
Desta forma, o jovem guerreiro preparou o laço e o atirou, de modo que prendesse as pernas do búfalo, imobilizando-o para uma possível fuga, e logo que tal ato aconteceu, ele gritou:
-Agora! – e uma chuva de flechas voaram em todas as direção, enquanto o animal urrava sentindo sua morte se aproximar
De repente, Gilbert sentiu uma dor em seu ombro esquerdo como uma fisgada, e quando levou a mão direita ao local, ela se tornou vermelha com o próprio sangue dele. Quando olhou para a direção de onde a flecha tinha vindo, só teve tempo de ver um nativo escondido por entre as árvores que pertencia a outra tribo. Então, sua visão escureceu e antes de desmaiar, ele apenas se lembrou de um par de olhos azuis brilhantes que eram como estrelas em seu coração.
Apesar do confronto desagradável que Anne tivera com Pérola Negra, sua tarde estava sendo bastante proveitosa. Sentada em uma pedra, e com um grupo de crianças ao seu redor, ela aprendia a fazer um cesto, seguindo as orientações de uma senhora, que parecia ser uma das índias mais velhas da aldeia.
Tecer aqueles fios com extrema habilidade se constituía em um desafio para Anne. Ela sabia muito bem fazer milagres com agulha e linha, mas criar algo daquele tipo com apenas seus dedos como instrumentos era uma história totalmente diferente.
Porém, Anne era tão teimosa quanto o material que tinha nas mãos, que se recusava a seguir o comando de suas mãos, e por isso desistir estava fora de questão. Assim, ela insistiu até que o processo de tecer não pareceu tão complicado assim.
A ruivinha estava quase sorrindo com esse progresso, quando ouviu barulho de cavalos chegando. As crianças se levantaram e com sua curiosidade infantil, correram para ver se eram os guerreiros da tribo que retornavam. Cinco minutos depois um menino de uns seis anos voltou para perto de Anne aflito e disse:
-Eles retornaram, mas tem um guerreiro ferido.
-Quem?- Anne perguntou com o peito apertado.
-Estrela da Manhã. – no minuto seguinte, ela estava correndo, indo em direção aos cavalo e aos guerreiros que carregavam Gilbert nos braços.
-Como ele está? – ela perguntou aflita, ao ver o peito dele coberto de sangue.
-Ainda não sabermos. Ele levou uma flechada no ombro. Conseguimos retirar a flecha e estancar o sangue, mas há risco de infecção. – Olho de Águia respondeu, sem fitá-la. Anne sabia que o índio não gostava dela, mas a respeitava por causa de Gilbert.
-Levem-no para a tenda dele. Vamos cuidar dessa ferida.- a senhora que a estava ensinando a tecer o cesto disse. Depois, olhando diretamente para Anne ela pediu:- Venha, filha. Temos que cuidar do seu homem.
Ao ouvir aquilo, Anne sentiu um calafrio em sua espinha. Seu homem? Ela pensou. Será que ele concordaria com a boa anciã se ouvisse o que ela acabara de dizer?
Sem ter como descobrir, ela a seguiu até a tenda, onde a mulher estendeu-lhe um balde e pediu:
-Vá até o riacho, e me traga água limpa. Precisamos limpar o ferimento antes de tratá-lo.- Anne assentiu, e se apressou em atender ao pedido dela.
Quando estava retornando com o balde cheio, ela se esbarrou em Pérola Negra que lhe falou:
-Me dê esse balde. Eu vou cuidar dele.
-Não. – Anne respondeu em pose altiva.
-Vai me desafiar?- Pérola Negra perguntou, estreitando os olhos de forma que Anne ficasse na defensiva, o que não aconteceu.
-Não. Só quero que saia do meu caminho e me deixe fazer o que preciso.
-Você não vai cuidar dele. – Pérola Negra falou com teimosia, mas Anne tratou de colocá-la em seu lugar, dizendo:
-Ah, eu vou sim. Sabe por que? Enquanto, ele não me disser que é com você que ele quer ficar, não vou sair do lado dele. Agora saia do meu caminho e me deixe cuidar do meu homem.
Pérola Negra não disse mais nada, parecendo surpresa pela coragem de Anne em se impor, e de certa forma acabou ganhando seu respeito, pois era a primeira vez que alguém a enfrentava assim.
Anne voltou para a tenda o mais rápido possível, e ajudou a boa senhora a limpar o ferimento e aplicar sobre ele uma substância feita de ervas, e assim que terminaram, ela disse:
-Ele está com febre. Rápido, filha, faça compressas com a água fresca, e passe pelo corpo dele para que a febre baixe.
Ao ouvir o que a mulher acabara de pedir, Anne se sentiu um pouco constrangida. Nunca tinha tocado um corpo masculino, nem mesmo na intimidade, pois Roy não permitia que ela o tocasse, não que ela tivesse tentado, pois tinha tanta aversão à ele que sequer o encarava nesses momentos.
Porém, Gilbert era o homem que ela amava, e com quem vinha sonhando desde então, e por isso, pensar em tocá-lo assim era íntimo demais. Contudo, não podia deixar de fazê-lo, pois ele estava ferido e precisava de sua ajuda. Assim, com o auxílio da anciã, ela retirou a calça do rapaz, deixando-o apenas com suas roupas íntimas.
Em seguida, ela molhou um tecido limpo na água fresca e começou a passá-lo pelas pernas dele, sem deixar de notar a musculatura torneada daquela região.
Anne subiu mais um pouco, chegando até o abdômen rígido e cheio de músculos, deixando-a fascinada ao constatar como o corpo dele todo era firme e tão forte, que o tocaria por horas se a situação fosse outra. Ela alcançou o peito dele, onde pelos negros se espalhavam, desenhados sobre uma escultura de homem que a deixava quase sem fôlego.
Sentando-se ao lado dele, a ruivinha, começou a passar o tecido pela testa, nariz e bochechas. Quando ia se afastar para pegar mais água, o rapaz abriu os olhos e disse baixinho após encará-la por alguns segundos:
-Eu morri e estou no céu?
- Não. Você não morreu. Foi ferido e estamos cuidando de você.- ela respondeu, sentindo a força do olhar dele sobre ela.
Tê-la tão perto era o deixava mais fraco que sua enfermidade em si, e não conseguia resistir aquela garota tão encantadora.
-Vou preparar uma sopa para que você se recupere mais rápido. - a outra mulher disse porém, nenhum dos dois percebeu, pois estavam envolvidos demais um com o outro.
Gilbert estendeu a mão, e tocou o rosto de Anne com doçura, logo em seguida, deixando seus dedos escorregarem pelos cabelos ruivos, parando no ombro claro, onde ele apertou de leve.
-Você é tão linda.- a voz rouca de Gilbert quase a fez fechar os olhos, e suspirar, mas então Anne se lembrou do que Pérola Negra lhe dissera, e falou:
-Talvez eu deva chamar Pérola Negra para ficar com você.
-Pérola Negra? Por que?- Gilbert perguntou confuso.
-Ela disse que vocês tem um compromisso desde a infância, por isso acho melhor eu me afastar de você. – Anne disse, tentando manter seu equilíbrio sem encarar Gilbert , o que fez o rapaz segurar em sua mão e pedir :
-Olha para mim.- quando Anne obedeceu, ele continuou:- Eu não tenho compromisso com ninguém, a não ser com uma mulher. Por isso, eu lhe peço. Fica comigo, Anne.
-Por que quer que eu fique com você?- ela perguntou, atenta a cada palavra dele, quase sem acreditar que Gilbert estava lhe dizendo tudo aquilo.
-Porque eu preciso de você como nunca precisei de ninguém antes.- a voz dele rouca, aquele olhar, aqueles lábios, tudo nele a fazia desejar ficar ali para sempre. Era verdade que Gilbert não dissera que a amava, mas saber que ele precisava tanto dela assim já era um grande começo.
-Eu fico se é o que deseja.- Anne respondeu, entrelaçando seus dedos nos dele.
-Então, deita aqui comigo. Você está longe demais de mim.- ele pediu, fazendo Anne sorrir, e naquele rosto que assombrava seus sonhos desde que a conhecera, ele viu sentimentos demais, beleza demais, e tantas outras coisas que desejava para si.
E assim que ela deitou a seu lado, com a cabeça aconchegada a seu peito, foi que Gilbert entendeu que ali estava a felicidade que precisava para se sentir completo, e que só teria quando pudesse chamar aquela mulher de sua.
E quando a anciã voltou com a sopa que prometera fazer para ajudar na recuperação de Gilbert, ela sorriu secretamente ao perceber que abraçado aquela garota tão doce, ele tinha exatamente o que precisava.
olá, mais um capítulo postado. Por favor me deixe suas opiniões. Quero saber o que acharam do capítulo. Obrigado por lerem. Beijos
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