03 | A PARTE MAIS DIFÍCIL
CAPÍTULO TRÊS | UN VERANO SIN TI
❝A PARTE MAIS DIFÍCIL❞
❝e a coisa mais estranha foi esperar a ficha cair. foi o início mais estranho❞ ⸺ THE HARDEST PART; coldplay
GISÈLE SALVOU O NÚMERO DE ALEXIA, MAS NÃO FEZ REALMENTE NADA A RESPEITO DISSO.
No dia seguinte, ela acordou cedo o suficiente para se ocupar com os arranjos que envolviam fazer as malas e todas as outras coisas com as quais viajaria para casa. Não que isso tivesse escapado de sua mente, mas ela ainda tinha um lugar em Londres, um lugar do qual sentia muita falta. Uma deslumbrante casa georgiana moderna em Clerkenwell, localizada em uma rua lateral com uma vista tranquila da Igreja de St. James. O espaço de três andares foi projetado pelo arquiteto David Adjaye, e a obra concluída em 2016, mas Gisèle só o comprou um ano depois.
O lugar era claro, com muita luz natural, e talvez grande demais para apenas uma pessoa, mas tinha exatamente o que Gisèle gostava estampado por toda parte. Ela decorou parte da casa nos últimos anos, desde que a comprara. E embora tivesse feito o possível para se sentir em casa em Barcelona, e por mais que tivesse gostado do espaço, Londres ainda era seu lugar favorito no mundo.
Arrumando parte das malas, pouco antes das oito da manhã, Gisèle ficou irritada com o silêncio depois de quase uma hora disso. Ela pegou o celular na mesa ao lado da cama e discou o número do irmão mais velho. Então, colocou o celular apoiado na cama, na altura do rosto, já que estava sentada no chão.
— São sete da manhã — a voz de Henry soou do outro lado, um pouco abafada, mas logo depois, o som pareceu mais claro, como se estivesse mais perto dele — Por que você insiste em acordar tão cedo?
— É isso que as pessoas com emprego fazem — Gisèle murmurou, só para irritar o homem mais velho. Isso lhe rendeu um revirar de olhos, mesmo que ela não tenha visto. Mas no fim, Henry acabou rindo.
— Primeiro de tudo, você nem está trabalhando. Segundo, em minha defesa, eu tenho um emprego — ele disse — É apenas uma vantagem adicional que eu também tenha flexibilidade suficiente para entrar em Pierpoint quando quero.
— Hm, a propósito... — Gisèle interrompeu Henry, pegando o copo de suco de laranja que deixara ao seu lado, meio cheio, e sorvendo parte do líquido. Em qualquer outro dia, ela estaria tomando café, e até o havia feito naquela manhã, mas antes de tomá-lo lembrou-se das notícias recentes e do fato de que definitivamente não deveria consumir cafeína, ou pelo menos era o que diziam. Gisèle então não conseguiu deixar de se sentir estranha, pois tinha esse tipo de coisa na cabeça, ao mesmo tempo em que também não tinha ideia de onde queria chegar com isso — Como vão as coisas por aí?
— Fechei um novo contrato.
— Bom o suficiente?
Cross Selling era a mesa na Pierpoint onde Henry trabalhava com sua equipe formada por Trevor, Jason, Dean, Brandi e Leon. Ele era o MD, e a "mesa" em questão era usada para praticamente todo tipo de transação dentro do banco de investimentos. Henry normalmente lidava com fundos relativamente menores para seus clientes. Fundos maiores geralmente eram estruturados de forma que tivessem equipes separadas investindo em um mercado específico. Sempre havia um vendedor ou equipe de cobertura separada dentro de cada um. Mas isso era outra coisa.
Henry poderia falar sobre isso por horas, não que fosse o assunto mais divertido do mundo. Sua linha de trabalho era cansativa, para dizer o mínimo. Também era agitada, porque estava cheia de velhos difíceis e jovens problemáticos que geralmente cheiravam cocaína para passar pelos primeiros anos. Henry não era nenhum dos dois. Ele teve uma base de apoio boa o suficiente para conseguir passar pelos primeiros anos ileso. O que não poderia ser dito do resto dos jovens graduados competindo pelo número limitado de posições permanentes na Pierpoint anos atrás.
— Provavelmente a melhor coisa que me aconteceu este ano. O ex-diretor administrativo da GLG Partners, um fundo de hedge sediado aqui em Londres, agora é o atual CEO da Jabre Capital Partners, e ele pediu especificamente por mim quando decidiu agendar uma reunião com a Pierpoint — disse ele — O jantar foi no Nobu, devia ter mais umas cinco pessoas lá. Achei que ficaria nervoso, mas não... foi como encontrar um velho amigo de faculdade.
— Bem, isso é ótimo — Gisèle disse honestamente — E Daria?
— O que tem ela?
— Como ela está indo na Pierpoint?
— Ela tem trabalhado com Odell no IBD, então eu a vejo muito no fim do dia, mas você sabe... — Henry deixou o resto pairar no ar, só por um momento — Ela quer fazer as coisas sozinha, então no trabalho, eu tento não ser muito o irmão dela. Mas ela sabe, que se precisar de qualquer coisa, eu estou literalmente no salão aberto lá embaixo.
— Espero que você ainda fique de olho nela.
— Claro que fico de olho nela — Henry disse — Mas chega disso. Como você está?
— Bem... — Gisèle foi vaga o suficiente para atrair a atenção de Henry, mais do que ele já tinha despejado nela. Do outro lado da linha, o homem mais velho ainda estava de pijama, preparando uma xícara de chá. Por um momento ele parou diante da bancada da cozinha, enquanto a água fervia no fogão — Eu queria apenas falar com alguém que fosse... familiar. No sentido mais honesto disso. Acho que só queria ouvir a voz de alguém que me conhece.
— Certo — Henry acenou do outro lado, mesmo que Gisèle não pudesse o ver — O que aconteceu?
Gisèle terminou em silêncio, um pouco receosa de ser tão aberta sobre o que agora sabia. Não tinha conversado com Henry sobre nada além do básico quanto ao término com Luke. E não que Henry fosse o tipo de irmão mais velho que agiria de maneira irracional em uma situação como aquela, como se a irmã ainda fosse uma garotinha indefesa que ele precisasse proteger, mas ele não era exatamente um grande amigo de Luke. Sem desentendimentos, mas nunca tinha realmente criado certa aproximação com o ator de Southampton.
— Por favor, eu vou te contar algo-
— Se estamos começando assim eu preciso me preparar para o que quer que seja que vou ouvir, não preciso?
— Só me deixa terminar — Gisèle suspirou cansada.
— Claro, claro... pode falar.
— Eu terminei com Luke, você sabe — ela disse — Mas, bem, algum tempo atrás acabamos ficando juntos de novo.
— Vocês voltaram? — Henry perguntou.
— Não, claro que não. Não voltamos — a mais nova esclareceu — Realmente terminamos. O que aconteceu foi que... estávamos sozinhos, a coisa toda foi mais pelo momento. O ponto nem é esse, Henry.
— E então, qual é?
— Eu estou grávida — ela disse de uma só vez, tentando não dar mais tantas voltas, numa impressão de que se fizesse isso seria mais fácil de absorver a coisa toda.
Henry não achou especialmente fácil. Ele parou por um momento, e precisou de um minuto para se recuperar. Do outro lado, ainda se esqueceu da água do chá no fogão e enquanto tentava se concentrar no que tinha escutado, também voltou a si e desligou a boca direita da frente antes que fizesse qualquer besteira.
— Espera — ele falou — Só um momento. O que você disse?
— Você ouviu.
— E o quê.. o quê estamos fazendo? — ele se incluiu, sem realmente pensar sobre, porque era o que faria em qualquer outra situação. Ele e Gisèle tinham seis anos de diferença entre si, dois anos de diferença entre ele e Robert e quatro entre Robert e Gisèle. Tinham crescido realmente juntos, e não que a conexão com os mais novos fosse menor, mas era apenas diferente.
— O que eu estou fazendo — Gisèle murmurou — Acho que... na verdade, não tenho ideia — ela deu de ombros — Preciso falar com Luke, mas também preciso entrar em termos com o que vou fazer. Não quero deixar que ele decida isso por mim.
— Claro, e você está certa — o mais velho concordou — Além de que... quero dizer, apenas dizendo, você quer isso?
— Eu não planejei isso.
— Não foi essa a pergunta.
— Não sei... é estranho — ela falou — Ontem eu surtei um pouco quando vi o resultado positivo, mas depois...
— Depois...?
— Depois, quando eu cheguei em casa, parecia menos solitário — Gisèle suspirou — Não que faça sentido.
— O que isso deveria significar? — Henry foi honesto quando fez essa pergunta, mas não que ele realmente entendesse o sentido, independente da resposta.
Gisèle pensou sobre isso, e ponderou o que diria, mas no final, ela acabou dizendo o que estava em sua mente, mesmo que fizesse sentido apenas para ela.
— Eu gosto de crianças e acho que não estou exatamente com medo, ou assustada, por estar grávida. A questão não é essa. Não o processo.
— Certo.
— Mas tenho medo de ser mãe — ela completou — O papel em si e as responsabilidades que vêm com ele. Eu só... eu tenho um cérebro disperso, Auggie. Não sou nada responsável à parte do tópico "trabalho" e às vezes, eu mesma admito, sou preguiçosa pra caralho. Agora, eu tenho 26 anos, o que significa que provavelmente essas características não são um problema de "córtex pré-frontal ainda em desenvolvimento" e o tipo de coisa que "vai melhorar com a idade". É apenas quem eu sou. Então, não tenho certeza se posso ser uma mãe e tenho medo que meu filho tenha uma vida de merda só porque eu sou uma bagunça. Estive pensando sobre isso... Eu me sinto como uma criança e se eu me tornar mãe, será como uma criança cuidando de outra criança.
— Você definitivamente não é uma criança — Henry falou — E olhando desse ponto, sobre responsabilidade... as crianças tornam você responsável. A mamãe vivia falando disso, sobre como ela cresceu muito depois que eu nasci. Claro que, nem sempre isso é razão o bastante, ainda mais quando há tanto para considerar, mas nesse caso... Você tem uma boa rede de apoio. Além disso, uma mãe "ruim" definitivamente não estaria se preocupando com a mesma coisa que você está agora. Mas veja, vou perguntar e quero uma resposta honesta. À parte do que você acabou de me falar, como você se sente sobre isso, mas num geral? Quero dizer, ninguém vai te obrigar a seguir isso. É cedo, então... — ele não precisou completar para que Gisèle entendesse sobre o que estava falando.
— Eu sei.
— Apenas pense com calma, ok?
— Eu vou fazer isso — ela garantiu, e limpou a garganta, como se tentasse também dispersar o clima que tinha se instalado, antes de continuar — Estou voltando pra casa logo. Acho que nos vemos na segunda-feira.
— O papai marcou o jantar semanal para quinta — Henry lembrou — Agora que as coisas parecem um pouco mais normais. Ele chamou a mamãe e o Anton, e acho que a Misha deve aparecer também.
— Bem, eu não posso garantir que você vai me ver no jantar — ela foi honesta — Mas devo aparecer para ir te ver assim que chegar em Londres. Vou visitar o papai também.
— Ele sente sua falta.
— E ele sabe que eu sinto a dele — Gisèle disse.
Ainda que falasse com o pai praticamente todos os dias - e se não todo dia, pelo menos alguns bons dias na semana - nunca era a mesma coisa.
Mas ela estava voltando para Londres, então mesmo se houvesse outro Lockdown, já estaria na cidade, de volta a seu apartamento. Luke continuaria em Barcelona, até pelo menos o fim do próximo mês, e claro, Gisèle precisava parar e conversar com ele. E não que estivesse adiando a conversa - só estava tentando pensar nisso depois.
*
— Este ano eu gostaria de melhorar a questão da desconexão — Adrián disse no meio da massagem percussiva que estava fazendo na perna de Alexia, um pouco mais acima do joelho — E o descanso.
— Por quê? — Alexia riu quando a pergunta escapou por seus lábios, e Adrián acabou rindo também já que ela sabia a resposta para a pergunta. Eles já tinham batido na mesma tecla algumas outras vezes.
— Você não dorme.
— Depois das partidas eu realmente acho difícil.
— O que é normal, já dissemos — ele deu de ombros — Mas nos outros dias isso não parece normal. E... quanto a desconexão?
— Quando eu preciso me desconectar, eu apenas ativo e me desconecto — ela disse, simples.
— E como você faz isso? — Adrián adotou a expressão mais séria, para o que o momento pedia — Me surpreenda.
— Não sei... — Alexia balançou a cabeça suavemente por um momento — Se eu tenho um dia de folga e eu acho que é melhor para a próxima partida me desconectar do futebol, eu faço coisas que não tem nada a ver com futebol.
— Se a sua frase é: "Eu faço coisas para que a próxima partida...", isso não é desconectar.
— Minha frase não foi exatamente essa, mas eu estou-
— Você está fazendo com o objetivo-
— Estou fazendo com o objetivo de render melhor — ela o interrompeu, depois de ser interrompida também.
— Até sua desconexão é focada no trabalho.
— Bem, sim, mas também pode não ser apenas trabalho para mim.
Adrián se ateve ao silêncio por um momento, focado na perna da mais nova. O único barulho, nos dois minutos seguintes, foi da pistola de massagem que ele estava usando, bem como o barulho baixo do ar condicionado na sala.
— Veja, eu estou falando isso como uma pessoa vendo de fora — ele retornou o assunto.
— Você considera sua profissão a melhor do mundo? — ela disse, mas não deu espaço para a resposta — É uma coisa se você gosta de a exercer, mas isso é diferente de acreditar que seu trabalho é o melhor.
— Eu amo o que faço — Adrián falou — Mas a melhor... não sei. Depende quanto ao indivíduo. Para mim é o melhor trabalho.
— Então, você poderia praticar sua profissão 24h por dia, pelos sete dias da semana-
— Não, não — ele a interrompeu — Uma coisa é ter amor pelo que faço.
— Bem, eu poderia — ela deu de ombros — Eu poderia praticar meu trabalho todos os dias.
— E no verão, hein?! Uma noite doida. Férias. Estamos nas férias e você diz: "Não vou beber esse drink, porque a pré-temporada começa em sete dias".
— Eu nunca saio sete dias antes da pré-temporada.
— Oh meu Deus... — Adrián revirou os olhos.
— Não, não, veja... — Alexia se mexeu como pôde, com o contato de Adrián ainda em sua perna, mas ansiosa para tentar se explicar — Quanto tempo de férias eu vou ter? Três semanas. Na primeira semana, eu faço o que eu quiser fazer. Eu como o que quero e bebo o que quero e saio para festas ou não, tanto faz.
— Das três semanas, é uma que você faz o que quer?
— Se você está falando no sentido de uma semana sem pensar na minha performance.
— É disso que estou falando.
— Então é uma semana.
— Só uma semana por ano? Uma semana para fazer o que quiser sem considerar as consequências?
— Não, eu faço o que quero todos os dias — Alexia sorriu, de uma maneira que qualquer outra pessoa teria achado gracioso, mas de Adrián, ela ganhou apenas um revirar de olhos — Eu sei que parece horrível, mas eu estou bem.
— Acho que vou optar por acreditar nisso — ele falou — Mas vamos voltar a conversa sobre depois.
— Ou podemos apenas não falar sobre isso.
— Depois — o mais velho reiterou.
Aquele não era um dos assuntos preferidos de Alexia, por mais que toda vez que ele surgisse, ela sempre o levava entre risadas. Mas Adrián era insistente. Além de ser o fisioterapeuta da equipe feminina de Barcelona, ele também era um dos melhores amigos de Alexia, e as linhas entre um e outro eram sempre embaçadas, porque no geral, ele se preocupava com absolutamente tudo o que a envolvia. Ela deixava muito de si mesma no trabalho, e Adrián fazia isso também, em partes, mas ele estava também sempre dando atenção a uma parte da vida que ela mesma não se focava.
Parecia até repetitivo, mas aquilo sempre retornava, com o mais velho pontuando sobre como ter o que fazer à parte do trabalho era importante. Alexia reconheceu que poderia ser, mas fazer a própria vida girar ao redor do futebol já tinha se tornado um segundo comando. Ela apenas seguia daquela maneira.
Depois de se despedir de Adrián, entrar no carro e seguir para casa, Alexia, na verdade, desviou um pouco o caminho até um restaurante grego não tão longe de casa. Com comida o suficiente para apenas uma pessoa, ela fez o caminho até Vallvidrera.
Foi abrindo a porta de casa que sentiu o próprio celular vibrando no bolso da calça de moletom que estava usando.
+4402071838550: espero que eu não tenha muito demorado para te mandar uma mensagem.
Não que acontecesse com frequência, mas mesmo que acontecesse, Alexia não teria precisado, assim como não precisou, pensar por mais do que um segundo para entender de quem era a mensagem. O número dava a deixa, mas também, duas semanas antes ela realmente tinha escrito o próprio telefone em um papel pequeno que acabou embaixo do prato de sobremesa da garota inglesa que, depois de uma busca no Google, ela agora sabia ser a mesma garota que tinha lotado o Santiago Bernabéu quase dois anos antes no meio de sua turnê em estádios.
— Me lembro de ter escrito que estava esperando uma ligação — Alexia falou um minuto depois, assim que apertou o ícone de chamada e do outro lado, Gisèle atendeu a ligação sem nem realmente esperar o segundo toque.
— Achei que eu estaria cruzando um limite aqui — a inglesa falou — Quero dizer, eu realmente levei quase três semanas para qualquer resposta-
— Eu estou relevando isso — Alexia brincou e Gisèle riu suavemente do outro lado — O que você andou fazendo por todo esse tempo?
— Por quê?
— Bem, para demorar quase três semanas para usar meu número.
— Ah, claro... — Gisèle balançou a cabeça do outro lado da linha, não que Alexia tivesse consciência disso. A inglesa estava em casa, na sala de estar, sentada em sua poltrona laranja, olhando para a parede com quadros. Tinha apoiado os pés na mesa de centro. Naquela tarde, o sol leve que entrou por conta da parede de vidro, tinha deixado o ambiente mais tolerável, já que a temperatura no dia atingiu os 5°C. Mas o sol tinha ido embora, e de novo, parecia ainda mais frio. Gisèle estava com uma manta por sobre as pernas, e um suéter creme ao redor do torso — Eu precisei arrumar parte do meu apartamento. Fiquei tanto tempo longe, e recebi um bocado de caixas de encomendas. A sala estava tomada por elas... Além de que, bem, eu ocupei meu tempo com a minha família também, o que foi a parte divertida.
— Se ve muy divertido... — Alexia disse, se esquecendo por um momento que deveria estar usando o inglês e não o espanhol, mas Gisèle entendeu bem o bastante — Você esteve por quanto tempo aqui em Barcelona?
— Por todos os meses do Lockdown. Meu ex-namorado estava gravando muito perto da cidade.
— E ele ainda está aqui?
— Por apenas mais algumas semanas.
— E como vocês estão? — a pergunta saiu simples da boca de Alexia.
— Luke e eu?
— Luke é seu ex-namorado?
— Ele.
— Não estava falando dele — a mais velha deu de ombros — Quis saber sobre o bebê.
Gisèle respirou com calma, antes de responder qualquer coisa. Ela estava na nona semana, e já tinha ido à primeira consulta. Na verdade, tinha sido a primeira coisa que fez assim que colocou os pés em Londres. O bebê estava se desenvolvendo e tinha praticamente o tamanho de uma cereja - uma maneira curiosa de se ter como referência de tamanho, mas a médica tinha dito exatamente isso. Mas, ninguém além de Henry e Alexia sabiam sobre, e esconder de qualquer outra pessoa parecia cada vez mais difícil.
Naquela semana, alguns sintomas da gravidez estavam no seu nível mais grave. Então, Gisèle tinha sua parcela de mudanças de humor e todos aqueles enjoos matinais. Ela também estava mais cansada, e apesar de não ter nenhum sinal de sua barriga de grávida, Gisèle apenas parecia estar passando por algo. Era realmente um ponto positivo, sua mãe, Celeste, estar morando há uma hora de distância, de volta em Milton Keynes, porque a mais nova realmente não tinha ideia do quão bem conseguiria sustentar que nada estava acontecendo se a tivesse tão perto.
Elas tinham se visto duas vezes, desde que Gisèle tinha voltado para Londres, e havia sido a tarefa mais difícil de apenas respirar e manter aquilo consigo.
— Estamos bem — Gisèle sorriu gentilmente — O bebê está bem.
— Você já sabe o que vai fazer?
— No sentido de, se vou seguir com a gravidez?
— É... Quero dizer, naquele outro dia você parecia um pouco assustada.
— Eu diria mais surpresa.
— O choro certamente era de surpresa — a mais velha provocou, mas Gisèle acabou balançando a cabeça e rindo.
— Respondendo a sua pergunta, não tenho ideia — ela falou — Eu ainda tenho algum tempo até me decidir sobre isso.
— Claro — Alexia concordou — E mesmo se você seguir... no fim, não significa realmente que você tem que ficar com o bebê. Às vezes é apenas a escolha certa a se fazer.
— Quando não se está pronta — Gisèle completou.
— Algo assim.
A ligação ficou em silêncio por um momento, mas nada que parecesse incômodo. De qualquer maneira, o silêncio foi embora logo em seguida, quando Gisèle o cortou.
— Eu menti alguns segundos atrás quando comentei que não tenho ideia do que vou fazer — a voz dela saiu mais baixa.
— Mesmo? — Alexia perguntou, realmente interessada no que escutaria depois disso.
Ela já tinha entrado em casa, tirado as caixinhas de comida das sacolas e as ajeitado na bancada. O celular agora estava com áudio aberto, saindo pelos alto-falantes, enquanto Alexia procurava pela chaleira elétrica. Ela achou um segundo depois.
— Eu meio que tenho alguma ideia, mas acho que estou com medo de apenas falar sobre isso em voz alta — Gisèle confessou — Porque ainda estou um pouco assustada com como as coisas aconteceram. Quero dizer... estamos em 2020, como eu consegui ser idiota o bastante para não me cuidar quanto a isso?!
Ela sabia a resposta para aquela pergunta, mas não queria pensar nela. Tinha estado confortável com Luke, e mesmo depois que os dois estavam mais do que alterados para sequer pensarem em fazer qualquer coisa além do que deveriam, eles fizeram. Nenhum dos dois sequer se lembrou do momento, ou do que realmente fizeram minutos antes de chegar até ele.
— Você não foi idiota.
— Eu fui um pouco.
— Foi um erro idiota, o que não quer dizer que você seja idiota — Alexia falou — Ainda que eu não saiba exatamente a sucessão dos fatos, porque o cara com quem você estava agora é seu ex-namorado. Mas, de qualquer maneira, você não deveria se culpar ou qualquer coisa assim.
Gisèle acenou suavemente, mesmo que para si mesma, apenas absorvendo as palavras. Então, quase que deliberadamente, ela estava apoiando a mão livre no abdômen, acariciando o espaço.
— Acho que eu realmente quero isso.
— Você acha? — Alexia perguntou gentilmente.
— É, acho — Gisèle disse, um pouco distante quando a resposta deixou seus lábios. Ela então balançou o rosto, como se estivesse dispensando aqueles pensamentos e tratou logo de mudar o assunto, limpando a garganta — Hm, ei, eu estive procurando você pela internet.
— E o que você achou? — Alexia entendeu o que Gisèle estava fazendo, mas apenas seguiu com aquilo.
— Meu irmão tinha uma coleção de destaques seus salvos na conta dele do YouTube. Então, não foi realmente difícil.
— Eu deveria me preocupar com isso? — ela brincou.
— Não realmente — Gisèle riu — Ele trabalha para a equipe feminina do Tottenham, como coordenador de vídeo.
— Oh, certo... Então, aí você me viu no campo? — Alexia perguntou e ouviu o "aham" do outro lado da linha. Ela estava sentada de frente para a bancada da cozinha, e encheu uma xícara com parte de um chá de hortelã — Sabe, naquele dia quando disse que era "grande coisa" eu estava apenas alimentando meu ego.
— Não, não, você é realmente boa.
— Não que as pessoas realmente se importem com isso.
— Em que sentido?
— Ok, não falei a coisa certa — ela suspirou — Mesmo que as pessoas se importem com esportes femininos, na verdade não recebemos muita cobertura da imprensa, então... bem, as coisas nunca são realmente simples por aqui. É sobre isso que estou falando. Tudo parece ser mil vezes mais difícil, num geral.
Gisèle pensou, honestamente, que poderia ouvir Alexia falar pela próxima hora completa. E ela fez isso quando apenas a ouviu contar um pouco mais sobre si mesma, ainda que, não tão diferente de Gisèle, também se achasse o assunto menos interessante no momento.
No tempo que elas desligaram, Alexia sabia que não iria conseguir dormir nem tão cedo, então ela apenas desacelerou tudo o que eu precisava fazer antes de ir para cama. Era um pouco mais do que onze da noite quando ela entrou no chuveiro, e no tempo que saiu, se deitou na cama com o celular na mão para gastar o tempo antes que qualquer sono a alcançasse. Mesmo não sendo realmente certo fazer isso.
E não que o sono tenha chegado de qualquer maneira, porque perto da meia-noite, a barra de notificação ganhou um novo ícone.
gisèlehyland curtiu sua foto 23h57
gisèlehyland curtiu sua foto 23h57
gisèlehyland curtiu sua foto 23h58
gisèlehyland curtiu sua foto 23h59
gisèlehyland curtiu sua foto 00h01
gisèlehyland começou a seguir você
Outras notificações seguiram as primeiras. Possivelmente mais fotos curtidas. Na verdade, muitas outras fotos curtidas, como se Gisèle tivesse arrastado o feed de Alexia até o final e estivesse subindo até chegar na última foto que ela tinha colocado no perfil - um registro de si mesma treinando.
A mais velha tocou na notificação e viu o perfil de Gisèle acender na tela. Foi quase uma surpresa que ela ainda não tivesse conhecido o perfil da garota, apesar de ter jogado o nome dela no Google. Mas agora ela estava lá. E a foto do perfil de Gisèle era uma especialmente curiosa, com a garota parecendo estar em um set de filmagens, com sangue falso no rosto. O contexto estava logo abaixo, na primeira publicação publicada, de Gisèle nos bastidores de um clipe que, segundo a marcação, tinha sido postado há quase um ano. Na bio, a descrição fazia apenas sentido que fosse atribuída a Gisèle, com: "Enthusiastic Shower Dancer. Gisèle lives in my mirror."
No feed da inglesa havia uma série de fotos com visuais — incluindo vestidos Schiaparelli, vestidos Loewe e alfaiataria Tory Burch. E embora tudo parecesse uma diversão inocente, também havia publicações mais sérias sobre as manifestações do Black Lives Matter naquele verão. Mais para baixo, um bocado de registros de Londres e fotos de estúdios de música. Depois, fotos de Gisèle em Nova York no início do ano.
Não havia mais tantas imagens depois disso, como se Gisèle não fosse realmente a pessoa mais focada em alimentar as próprias redes - o que ela realmente não era. Mas as imagens seguintes atraíram a atenção de Alexia de qualquer forma.
Havia essa, em específico, com a garota em frente ao Emirates Stadium, usando uma camisa do Arsenal, sorrindo para a câmera. A imagem tinha sido tirada em uma câmera analógica, e o efeito mais escuro, granulado e gasto - que estava por grande parte das imagens do feed de Gisèle - tinha a deixado ainda mais linda, ou pelo menos isso Alexia pensou. Mas ela também pensou como a garota tinha ficado muito bonita usando a camisa 2019-20 do Arsenal, e depois não conseguiu não pensar que ela talvez ficasse ainda melhor usando a camisa nova do Barcelona, com a gola amarela e o número 11. Ela até pensou em curtir aquela foto também, mas aí imaginou que talvez Gisèle pudesse pensar algo como "Alexia estava dando uma olhada no meu perfil", e por mais que Gisèle tivesse feito exatamente isso do lado contrário, a mais velha não quis devolver aquilo.
Então, ela parou por um momento na tela, mordendo o lábio inferior. Depois pressionou o botão lateral e o botão de aumentar volume, ao mesmo tempo. Os soltou rapidamente e viu a captura de tela daquela mesma foto, para então bloquear o celular e o colocar virado para baixo na mesa de cabeceira.
Ela tentou dormir - mas não, exatamente, conseguiu.
notes.
parando aqui apenas para deixar algumas referências visuais da casa da gisèle em islington (no quote desse parágrafo aqui) e perguntar também, o que vocês estão achando da história? vale à pena continuar?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro