Capítulo 43
Eu estava errada. Não foi só o dia que ficou depressivo, e sim a semana inteira. Parecia que uma nuvem negra pairou sobre mim, Thomas e Catarina. Nos limitamos a conversas superficiais. Estávamos todos lidando com nossos próprios demônios.
Nós três nos focamos no estudo. Eu só estudava, pelo menos. Estudei tanto que a matéria estava ficando irritantemente fácil, e eu já estava sem paciência para as aulas que o professor explicava a mesma coisa muitas vezes. Eu não sabia onde focar, então resolvi focar em algo que me trouxesse algum benefício. Eu só esperava que meus pais não deduzissem que o meu bom desempenho escolar tivesse algo a ver com a minha melhora psicológica, porque era o exato oposto. Eu estava estudando para não pensar demais. Porque se eu ficasse muito só com os meus pensamentos, eles me matariam.
Nos raros momentos livres que eu tive, li o livro que Thomas havia me emprestado. No final da semana eu já havia acabado, e eu não me lembro de sequer um capítulo que eu não havia chorado com a história da Asa em "Tartarugas Até Lá Embaixo". Eu me identifiquei com tantas passagens do livro que tive de perguntar ao Thomas se poderia marcá-lo também, assim como ele fez. Ele sorriu e me respondeu "Ficaria honrado". Não foi um trabalho tão difícil, Thomas havia marcado a maior parte do livro que me identifiquei. Era algo muito pessoal ver as marcações de outra pessoa e perceber que ela se sente como você. Acabei o livro me sentindo mais próxima de Thomas do que nunca.
Catarina, apesar de também ter estado introspectiva por esses dias, ela não desistia fácil. Não queria cutucar a ferida, mas queria estar próxima dos poucos amigos que ela tinha depois de todo o ocorrido com Breno. Então insistiu durante a semana toda para que nós três estudássemos juntos para as próximas provas. Eu e Thomas sempre respondíamos de modo evasivo.
Até que sexta-feira chegou e vi Catarina chegar mais tarde que eu na sala, quando o professor já havia entrado. Ela chegou carregando duas mochilas, o que era incomum. Se sentou na minha frente jogando as mochilas no chão, enquanto o professor a encarava com uma cara feia. Ela o ignorou e ele voltou a escrever no quadro.
-Se não vai me querer por bem, então vai ser por mal. -Ela disse e então se virou para frente para prestar atenção na aula.
-Tudo bem... -Digo olhando para Thomas a procura de ajuda. Ele apenas deu de ombros como se soubesse tanto quanto eu. -O que vai fazer?
Ela se virou novamente para me responder.
-Hoje vou para sua cara passar o fim de semana lá. Chega de me evitar. Nós podemos nos ver todo dia, mas não estamos agindo como amigas. Não é legal vir para escola e de fato estudar sabe? O legal da escola são os amigos. De resto, é um saco. Dá para conciliar as duas coisas sem surtar.
-Tudo beeeem... -É tudo que consigo dizer, assustada mas ao mesmo tempo agradecida.
-E mais, vamos sair hoje. Não aguento mais essa bad vibe, gente! Preciso de algo para relaxar minha mente, pois já tenho o encontro da AMF no domingo e vou para a igreja, e na semana que vem já tenho o psicólogo e minha cabeça está cheia de matéria! Aconteceu algo horrível comigo, com a gente, sei lá, com tudo mundo. Mas acontece, ok? Vamos extravasar hoje. Gritar um pouco, dançar, ficar loucos. Eu não sei vocês, mas não aguento mais ficar sóbria.
Eu olho para ela assustada e maravilhada ao mesmo tempo.
-Para onde vamos? -Nem passou pela minha cabeça em dizer "não". Catarina chegou mais decidida do que nunca e não seria eu a pessoa a contrariá-la. E no fundo, eu queria me perder um pouco. A rotina estava pesada demais.
-Alguma balada. Ainda estou averiguando isso. Aceito sugestões. -Disse ela fazendo um cara pensativa. -E Thomas você vai também. -Disse ela apontando para o garoto que estava calmamente copiando a matéria. Ele logo arregalou os olhos.
-Não sei se posso ir. -Disse encolhendo os ombros. Catarina fez uma cara interrogativa. -Geralmente tenho que cuidar do meu irmão mais novo.
Catarina fez um sua melhor interpretação do gatinho do Shrek, que era para lá de convincente e logo intimidou o Thomas, porque pelo tempo que Catarina havia passado com ele, ele sabia que aquele gatinho logo poderia virar um leão. Achei uma boa metáfora para seu signo, já que ela era leonina.
-Mas eu posso ver se ele pode ficar na casa de um colega de escola e tal. Tem o Rafa, o melhor amigo dele. Ele vive lá praticamente. A Raquel, mãe do Rafa, adora ele. Acho que dá sim.
-Perfeito! Nos dê a confirmação oficial ainda de tarde. Esteja na casa da Lily às 19h para o pré.
-Minha casa? E meus pais?
-Nem vem com essa desculpa para cima de mim! Eles sempre vão para o sítio do seu irmão nos fins de semana. Ainda mais agora que ele está noivo!
-Justo. -Levanto as mãos em sinal de desistência. -Você ganhou. Hoje, vamos esquecer os problemas. Foda-se essa merda.
-Quem disse isso? -O professor logo se vira e olha para nosso trio. Logo paramos de conversar e voltamos a copiar a matéria. Falei alto demais.
Olhei para Thomas e ele gesticula com os lábios sem fazer nenhum som"FODA-SE ESSA MERDA!" e nós dois rimos. O dia já estava melhor.
***
-Eu tinha me esquecido como isso é difícil. -Falei enquanto tentava afinar o meu violão recém tirado do armário. Ganhei esse violão de presente no meu aniversário de 13 anos e nunca havia aprendido a tocar, então o deixei encostado e só tentava às vezes. Agora, depois de toda aquela conversa com Catarina sobre fazer algo que amo, achei que era um bom momento para tentar de novo.
-Você podia pedir Thomas para te ajudar. Você comentou que ele sabe tocar né? -Catarina falou enquanto desenhava na escrivaninha do meu quarto.
-Sei lá, tenho vergonha. Estar incomodando, sabe? Ele já tem tanta coisa na cabeça.
-Incomodar Thomas para passar mais tempo com você? Rá! Ele é doido com você, Lily. Não custa perguntar.
-Só vamos deixar as coisas se acalmarem por um momento.
As coisas estavam mais calmas do que nunca. No entanto, Catarina entendeu o recado. Tínhamos feridas para serem remendadas. Essa era a prioridade. Porém isso só seria daqui um mês. Meu pai disse que conseguiu a consulta com o psicólogo para daqui um mês. Um mês. Quanta coisa pode acontecer em um mês? Quem garante que não vou voltar a pensar na caixinha de remédios, mesmo me apoiando em Catarina e Thomas que estão tão quebrados quanto eu?
-Sabe, eu preciso mudar, Lily. Não aguento mais. Preciso de uma nova versão de mim.
-Eu acho você perfeita, Cat. Gosto de quem você é.
-Droga, o apelido pegou mesmo... Obrigada, mas digo, preciso fazer algo. Sinto-me presa à antiga eu. Não vou mudar quem eu sou ou esquecer o passado. Mas mudar algo relacionado a minha aparência, que tal?
-Se está pensando em fazer alguma tatuagem, acho meio louco mas também gosto da ideia. Ainda mais você que ama desenhar.
-Meu Deus, Lilian! Não! Na verdade, eu quero, mas não agora. Sou muita indecisa, tem tantas coisas legais para tatuar. Preciso de mais tempo para esse tipo de coisa. Agora preciso de uma mudança mais imediata. -Disse Catarina revirando sua mochila.
-Tipo o quê?
-Tipo...-Catarina tira uma tesoura do seu estojo e me mostra. -Um novo corte.
-Aqui? Agora?
-Sim! Aqui e agora!
-Você sabe cortar cabelo?
-Já vi alguns tutoriais. -Começou ela penteando seus longos cabelos castanho claro. Ela ficaria muito bem com umas mechas loiras...
-Tem certeza disso? Seu cabelo é tão lindo e grande. Queria que o meu fosse assim.
-Lily, cabelo sempre cresce de novo. Posso ir no salão acertar depois.
-Qual vai ser o corte?
-Estava pensando em long bob. -Tentei visualizar Catarina com um cabelo menor que o meu. Ela ficaria linda de qualquer jeito. -E você também deveria fazer algo.
-Cortar meu cabelo? Nem pensar. Ele custa crescer.
-Uma franja talvez?
-Não me tente, Catarina! -Catarina sabe que desde que eu comecei a assistir Glee por indicação do Thomas eu estava doida para cortar uma franjinha tipo Rachel Berry, mas o medo me segurava.
-Você vai ficar fofa e linda! A gente não precisa cortar muito.
-Corte o seu primeiro. Vamos ver se você tem o dom.
-Tudo bem, mas não fique encarando. Vai me fazer errar.
Então eu volto para o meu violão enquanto Catarina corta suas longas madeixas.
Quando finalmente vejo o corte quase dou um grito.
Catarina estava mais linda do que nunca! O corte deu mais destaque ao seu rosto e parecia que tinha até clareado mais seus fios, quase como um loiro escuro. Também havia ondas, que ela provavelmente havia feito com a chapinha.
-Meu Deus! QUE MULHERÃO!
Ela apenas jogou o cabelo para trás, quase como num comercial da L'Oreal.
-Você mandou super bem! Não imaginava que ser cabeleireira era um dos seus dons.
-Faço o que posso. -Disse Catarina fingindo modéstia.
-Bom, acho que não tenho outra escolha se não cortar também, certo?
Sorrindo como se estivesse bolando um plano maligno, Catarina já estava com a tesoura em mãos.
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